quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A crise política e os “truques do Costa”

 

A Freak Show, A Reclamation (Diane Arbus)

Afiam-se as facas e contam-se as espingardas

Com a data marcada para as eleições legislativas, data que terá agradado mais a uns partidos do que a outros, o PS terá sido ainda assim o mais beneficiado, porque quanto mais depressa se realizarem, mais fácil será a vitória e, quiçá, a maioria absoluta tão desejada; o PCP e o BE não terão ficado desiludidos, apesar das críticas feitas a Marcelo. Nos principais partidos da direita tradicional, a disputa interna é intensa, embora nos últimos dias tenha amainado um pouco. PSD conta obter a vitória, que não importará ser por minoria, caso Rui Rio seja o chefe confirmado, na medida em que se encontra aberta a porta a um bloco central não formal; se for Rangel o líder escolhido, só importará a maioria absoluta, uma espécie de governo passista, mas sem o dito; este talvez um governo mais de afeição da nossa burguesia troglodita.

O que virá ainda não se sabe, nem a vitória de PS e Costa está garantida, porque as sondagens já mostraram o que valem na realidade quanto à previsão do vencedor da câmara de Lisboa. O certo é que Costa vai descendo no ranking da popularidade, dando o lugar dianteiro a Marcelo, que, sendo um dos principais instigadores da crise, soube enganar mais uma vez parte considerável da opinião pública, para além dos partidos. Faltará saber se a burguesia aposta de imediato num governo de maioria, suficientemente forte para esmagar a pés juntos a classe operária e o povo trabalhador ou ainda ficará pelo meio termo, que é um qualquer governo de minoria ou mesmo de bloco central, qualquer um destes será sempre um governo fraco, por estar mais exposto a fracturas e tricas internas, para fazer frente aos combates que se avizinham.

O governo PS/Costa continua a governar... e a fazer propaganda

O governo não foi demitido, encontra-se em funções, coisa que os partidos da oposição parlamentar e os media fazem por esquecer, para continuar a dar apoio à política seguida pelo PS. Assim se percebe as greves já agendadas e agora sucessivamente desconvocadas, com excepção das dos sindicatos da função pública ligados à CGTP que as mantêm para relembrar ao Costa que terá tudo a ganhar se no próximo governo, caso ganhe as eleições, não virar as costas ao parceiro que tanto fez pela geringonça.

O PCP, aproveitando-se do descontentamento dos trabalhadores, está disposto a vender, mais uma vez, a paz social desde que seja devidamente recompensado. Entretanto, sem meio de aprender, vai acusando Marcelo de ser “factor de instabilidade política”, que o PS quer maioria absoluta para "se libertar" da influência do PCP, que as eleições serão "tardias", não conseguindo esconder o receio de o PS não conseguir a vitória, e lá se irá a possibilidade de mais um arranjinho. O BE segue mais ou menos o mesmo guião, salientando a sua moderação e sentido de estado ao afirmar que recusa as guerras e que a crise política é "artificial, desnecessária e truque de Costa".

O Costa e o PS, como não quer a coisa, vão fazendo a sua propaganda eleitoral, utilizando o governo, e tentar acenar para os dois lados: para Bruxelas e para o povo eleitor, nomeadamente o do centro, a pequena-burguesia instável e que geralmente decide entre os dois partidos do establishment. Nesta última entrevista que deu, Costa foi claro, as medidas apresentadas pelos partidos auxiliares de marcha eram inaceitáveis, porque iam contra os interesses da burguesia nacional, no que concerne ao aumento do salário mínimo, e contra as imposições de Bruxelas, quanto à alteração do regime de aposentação – a política de salários miseráveis será para manter e a segurança social é para um dia destes ser privatizada. Para consumo interno, o governo irá proceder aos magros aumentos salariais de 0,9% na função pública e dos menos de 10 euros para as pensões maia baixas.

O próximo governo ficará sob controlo estrito do BCE

Quanto ao partido vencedor será aquele que tiver a confiança não exactamente da maioria do eleitorado, mas mais a que a burguesia nacional, sôfrega pelos dinheiros do PRR, e do directório de Bruxelas tiverem a seu respeito. O Orçamento terá de ser entregue até Março de 2022, diz Dombrovskis, o letão vice-presidente executivo da Comissão Europeia, e segundo as directivas impostas, de pouco importando que o ministro das finanças de nome Leão vir dizer que defende a revisão das regras orçamentais “amiga do crescimento”.

Se Bruxelas ainda não deu um sinal claro sobre a preferência quanto ao vencedor das eleições de 30 de Janeiro, e nem dará porque qualquer serve desde que respeite as regras impostas, ou seja, se disponibilize a ser lacaio; no entanto, por cá já houve indicações claras. Marcelo quer compromisso sólido para pelo menos dois anos; banqueiros regozijam com o fim da geringonça 2.0, apontando "vitalidade", "transformação" e "rejuvenescimento" na mudança de governo, consideradas importantes para o próximo ciclo político.

E como deverá ser esse ciclo político? Não será difícil entrever ao olharmos para os lucros já anunciados pela banca, “Bancos lucram mais de mil milhões até Setembro”, e que deverão continuar a crescer só que poderá haver um travão, é que se avizinha uma grave crise económica, ou seja, uma crise dentro da crise crónica actual que poderá colocar a economia em coma irreversível e, assim sendo, terá de haver um governo com mais músculo do que o actual. Claro que a cumulação do capital terá de ser feita à custa dos trabalhadores, a começar pelos do próprio sector: “O BPI alcançou lucros de 242 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano; em Setembro tinha menos 84 trabalhadores e 47 balcões, em comparação com o mesmo período de 2020”. Concentração sob controlo directo da filial do Banco Central Europeu (BCE): “Centeno quer pôr Banco de Portugal a ganhar influência sobre políticas públicas e diz que vai 'fazer o que for preciso' para assegurar finanças públicas equilibradas”.

A China do Sul da Europa

A estratégia das elites nacionais, dentro da divisão europeia e internacional do trabalho e já parcialmente conseguida, é a de transformar Portugal na estância balnear das classes médias da Europa, agora em declínio com a retracção do turismo devido mais à crise económica do que propriamente à pandemia, e na China da Europa, com salários de fome e precariedade, embolsando as devidas comissões, como boa burguesia rentista e negreira que é desde as origens. A “reindustrialização” de que se fala é esta e não outra, independentemente dos sectores considerados e das “transições” em causa. E os dinheiros da bazuca servirão para este fim, para além, como é óbvio, do enriquecimento fácil e rápido das clientelas políticas dos partidos do poder.

Os factos a comprovar este conjunto de intenções são diversos: “Hotelaria aposta em Cabo Verde e Filipinas para resolver falta de mão-de-obra – Raul Martins, presidente da Associação da Hotelaria de Portugal, diz que uma solução para responder à falta de trabalhadores no sector passa por 'criar fluxos de importação' com países específicos”. E porque há “falta de mão-de-obra”? Porque os salários pagos aos trabalhadores portugueses são miseráveis e há empregos que, por isso, são recusados. Mas, em vez de aumentar os salários, os negreiros nacionais recorrem a trabalhadores que estão disposto a uma maior exploração e que, por sua vez, entram em competição com os nacionais, fazendo baixar ainda mais o preço da força de trabalho.

O economista Eugénio Rosa há muito que vem alertando para esta dura realidade: “Tem-se assistido nos últimos anos a uma grande preocupação política em aumentar o salário mínimo nacional, descurando a atualização dos salários dos trabalhadores mais qualificados, o que está a provocar fortes distorções salariais no país e a transformar Portugal num país em que cada vez mais trabalhadores recebem apenas o salário mínimo ou uma remuneração muito próxima.” O que faz com que os trabalhadores mais qualificados optem pela emigração, colocando em causa a tal famigerada “recuperação” e “modernização” económica do país.

“E - continua Eugénio Rosa - isto porque sem trabalhadores altamente qualificados essa modernização e inovação, esse crescimento económico e desenvolvimento será impossível. Para além disso, o país despende uma parte importante dos seus recursos em formar nas universidades jovens altamente qualificados que depois o abandonam e vão contribuir para o desenvolvimento de outros países, porque não encontram no seu país remunerações e condições de trabalho dignas”. Resumindo: o salário mínimo nacional está cada vez mais próximo do salário médio: “Portugal está a transformar-se num país de salários mínimos”. Ou seja, na China da Europa.

E quanto ao trabalho precário, até o campeão olímpico do remo não esteve com meias palavras: “Fernando Pimenta lamenta que maioria de atletas esteja a recibos verdes precários”. Assim se percebe que o “salário médio cai tanto nas grandes empresas como na função pública” e que foi “nos sectores com mais crescimento de emprego que as médias das folhas de vencimento mensal caíram no trimestre passado.” O quer dizer que a criação de novos empregos é feita na base de salários mais baixos, e é o estado/governo a dar o exemplo: “quando se olha para o emprego público, há registo de descida no salário médio habitual acompanhada de crescimento do emprego; as administrações públicas chegaram ao trimestre terminado em Setembro com 722,3 mil trabalhadores, sendo mais 15,4 mil que no mesmo período de 2020, ou mais 2,2%.”(DN, 12.Novembro).

E em relação ao investimento público que, em princípio, seria para dinamizar a economia e criar mais e melhores empregos, ficamos de igual modo esclarecidos por fonte insuspeita: “Comissão Europeia, Portugal na cauda do investimento público mesmo com fundos da UE”. No entanto, as vendas da Sonae crescem 4,7% até Setembro e superam cinco mil milhões de euros, as vendas da Corticeira Amorim sobem 12% para 637,1 milhões de euros e superam valores pré-pandemia, a EDP regista lucros de 510 milhões de euros até Setembro, e a “Dielmar tem ponto final: fábrica fecha e operários vão para desemprego”. A riqueza de uns é a pobreza, o desemprego e a fome de outros, geralmente, dos trabalhadores por conta de outrem; agora com mais um pormenor, o aumento das vendas das grandes superfícies comerciais indicia a ruína de muitos pequenos e médios comerciantes.

Os tempos mais próximos são de luta

Os tempos mais próximos são de luta, de combates ferozes entre as classes principais da sociedade, burguesia e classe operária, com a pequena-burguesia sem saber ao certo para que lado deve cair, sendo a tendência actual mais inclinada para a contra-revolução. Mas a ruína acelerada e sem marcha atrás dos pequenos empresários e o empobrecimento dos quadros intermédios que já não vislumbram a emigração como escape poderão inverter a deriva. Sem o apoio destes sectores, a revolução comunista não será viável nos tempos mais próximos, só que a revolução é uma velha toupeira e não envia convite para jantar.

14 Novembro de 2021

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