A Freak Show, A Reclamation (Diane Arbus)
Afiam-se as facas e contam-se as espingardas
Com a data marcada para as eleições
legislativas, data que terá agradado mais a uns partidos do que a outros, o PS
terá sido ainda assim o mais beneficiado, porque quanto mais depressa se
realizarem, mais fácil será a vitória e, quiçá, a maioria absoluta tão
desejada; o PCP e o BE não terão ficado desiludidos, apesar das críticas feitas
a Marcelo. Nos principais partidos da direita tradicional, a disputa interna é
intensa, embora nos últimos dias tenha amainado um pouco. PSD conta obter a
vitória, que não importará ser por minoria, caso Rui Rio seja o chefe
confirmado, na medida em que se encontra aberta a porta a um bloco central não
formal; se for Rangel o líder escolhido, só importará a maioria absoluta, uma espécie
de governo passista, mas sem o dito; este talvez um governo mais de afeição da
nossa burguesia troglodita.
O que virá ainda não se sabe, nem a vitória de
PS e Costa está garantida, porque as sondagens já mostraram o que valem na
realidade quanto à previsão do vencedor da câmara de Lisboa. O certo é que
Costa vai descendo no ranking da popularidade, dando o lugar dianteiro a
Marcelo, que, sendo um dos principais instigadores da crise, soube enganar mais
uma vez parte considerável da opinião pública, para além dos partidos. Faltará
saber se a burguesia aposta de imediato num governo de maioria, suficientemente
forte para esmagar a pés juntos a classe operária e o povo trabalhador ou ainda
ficará pelo meio termo, que é um qualquer governo de minoria ou mesmo de bloco
central, qualquer um destes será sempre um governo fraco, por estar mais
exposto a fracturas e tricas internas, para fazer frente aos combates que se
avizinham.
O governo PS/Costa continua a governar... e a
fazer propaganda
O governo não foi demitido, encontra-se em
funções, coisa que os partidos da oposição parlamentar e os media fazem por
esquecer, para continuar a dar apoio à política seguida pelo PS. Assim se
percebe as greves já agendadas e agora sucessivamente desconvocadas, com
excepção das dos sindicatos da função pública ligados à CGTP que as mantêm para
relembrar ao Costa que terá tudo a ganhar se no próximo governo, caso ganhe as
eleições, não virar as costas ao parceiro que tanto fez pela geringonça.
O PCP, aproveitando-se do descontentamento dos
trabalhadores, está disposto a vender, mais uma vez, a paz social desde que
seja devidamente recompensado. Entretanto, sem meio de aprender, vai acusando
Marcelo de ser “factor de instabilidade política”, que o PS quer maioria
absoluta para "se libertar" da influência do PCP, que as eleições
serão "tardias", não conseguindo esconder o receio de o PS não
conseguir a vitória, e lá se irá a possibilidade de mais um arranjinho. O BE
segue mais ou menos o mesmo guião, salientando a sua moderação e sentido de
estado ao afirmar que recusa as guerras e que a crise política é
"artificial, desnecessária e truque de Costa".
O Costa e o PS, como não quer a coisa, vão
fazendo a sua propaganda eleitoral, utilizando o governo, e tentar acenar para
os dois lados: para Bruxelas e para o povo eleitor, nomeadamente o do centro, a
pequena-burguesia instável e que geralmente decide entre os dois partidos do
establishment. Nesta última entrevista que deu, Costa foi claro, as medidas
apresentadas pelos partidos auxiliares de marcha eram inaceitáveis, porque iam
contra os interesses da burguesia nacional, no que concerne ao aumento do
salário mínimo, e contra as imposições de Bruxelas, quanto à alteração do
regime de aposentação – a política de salários miseráveis será para manter e a
segurança social é para um dia destes ser privatizada. Para consumo interno, o
governo irá proceder aos magros aumentos salariais de 0,9% na função pública e
dos menos de 10 euros para as pensões maia baixas.
O próximo governo ficará sob controlo estrito
do BCE
Quanto ao partido vencedor será aquele que
tiver a confiança não exactamente da maioria do eleitorado, mas mais a que a
burguesia nacional, sôfrega pelos dinheiros do PRR, e do directório de Bruxelas
tiverem a seu respeito. O Orçamento terá de ser entregue até Março de 2022, diz
Dombrovskis, o letão vice-presidente executivo da Comissão Europeia, e segundo
as directivas impostas, de pouco importando que o ministro das finanças de nome
Leão vir dizer que defende a revisão das regras orçamentais “amiga do
crescimento”.
Se Bruxelas ainda não deu um sinal claro sobre
a preferência quanto ao vencedor das eleições de 30 de Janeiro, e nem dará
porque qualquer serve desde que respeite as regras impostas, ou seja, se
disponibilize a ser lacaio; no entanto, por cá já houve indicações claras.
Marcelo quer compromisso sólido para pelo menos dois anos; banqueiros regozijam
com o fim da geringonça 2.0, apontando "vitalidade",
"transformação" e "rejuvenescimento" na mudança de governo,
consideradas importantes para o próximo ciclo político.
E como deverá ser esse ciclo político? Não
será difícil entrever ao olharmos para os lucros já anunciados pela banca,
“Bancos lucram mais de mil milhões até Setembro”, e que deverão continuar a
crescer só que poderá haver um travão, é que se avizinha uma grave crise
económica, ou seja, uma crise dentro da crise crónica actual que poderá colocar
a economia em coma irreversível e, assim sendo, terá de haver um governo com
mais músculo do que o actual. Claro que a cumulação do capital terá de ser
feita à custa dos trabalhadores, a começar pelos do próprio sector: “O BPI
alcançou lucros de 242 milhões de euros nos primeiros nove meses do ano;
em Setembro tinha menos 84 trabalhadores e 47 balcões, em comparação com o
mesmo período de 2020”. Concentração sob controlo directo da filial do Banco
Central Europeu (BCE): “Centeno quer pôr Banco de Portugal a ganhar influência
sobre políticas públicas e diz que vai 'fazer o que for preciso' para assegurar
finanças públicas equilibradas”.
A China do Sul da Europa
A estratégia das elites nacionais, dentro da
divisão europeia e internacional do trabalho e já parcialmente conseguida, é a
de transformar Portugal na estância balnear das classes médias da Europa, agora
em declínio com a retracção do turismo devido mais à crise económica do que
propriamente à pandemia, e na China da Europa, com salários de fome e
precariedade, embolsando as devidas comissões, como boa burguesia rentista e
negreira que é desde as origens. A “reindustrialização” de que se fala é esta e
não outra, independentemente dos sectores considerados e das “transições” em
causa. E os dinheiros da bazuca servirão para este fim, para além, como é
óbvio, do enriquecimento fácil e rápido das clientelas políticas dos partidos do
poder.
Os factos a comprovar este conjunto de
intenções são diversos: “Hotelaria aposta em Cabo Verde e Filipinas para
resolver falta de mão-de-obra – Raul Martins, presidente da Associação da
Hotelaria de Portugal, diz que uma solução para responder à falta de
trabalhadores no sector passa por 'criar fluxos de importação' com países
específicos”. E porque há “falta de mão-de-obra”? Porque os salários pagos aos
trabalhadores portugueses são miseráveis e há empregos que, por isso, são
recusados. Mas, em vez de aumentar os salários, os negreiros nacionais recorrem
a trabalhadores que estão disposto a uma maior exploração e que, por sua vez,
entram em competição com os nacionais, fazendo baixar ainda mais o preço da
força de trabalho.
O economista Eugénio Rosa há muito que vem
alertando para esta dura realidade: “Tem-se assistido nos últimos anos a uma
grande preocupação política em aumentar o salário mínimo nacional, descurando a
atualização dos salários dos trabalhadores mais qualificados, o que está a provocar
fortes distorções salariais no país e a transformar Portugal num país em que
cada vez mais trabalhadores recebem apenas o salário mínimo ou uma remuneração
muito próxima.” O que faz com que os trabalhadores mais qualificados optem pela
emigração, colocando em causa a tal famigerada “recuperação” e “modernização”
económica do país.
“E - continua Eugénio Rosa - isto porque sem
trabalhadores altamente qualificados essa modernização e inovação, esse
crescimento económico e desenvolvimento será impossível. Para além disso, o
país despende uma parte importante dos seus recursos em formar nas
universidades jovens altamente qualificados que depois o abandonam e vão
contribuir para o desenvolvimento de outros países, porque não encontram no seu
país remunerações e condições de trabalho dignas”. Resumindo: o salário mínimo
nacional está cada vez mais próximo do salário médio: “Portugal está a
transformar-se num país de salários mínimos”. Ou seja, na China da Europa.
E quanto ao trabalho precário, até o campeão
olímpico do remo não esteve com meias palavras: “Fernando Pimenta lamenta que
maioria de atletas esteja a recibos verdes precários”. Assim se percebe que o
“salário médio cai tanto nas grandes empresas como na função pública” e que foi
“nos sectores com mais crescimento de emprego que as médias das folhas de
vencimento mensal caíram no trimestre passado.” O quer dizer que a criação de
novos empregos é feita na base de salários mais baixos, e é o estado/governo a
dar o exemplo: “quando se olha para o emprego público, há registo de descida no
salário médio habitual acompanhada de crescimento do emprego; as administrações
públicas chegaram ao trimestre terminado em Setembro com 722,3 mil
trabalhadores, sendo mais 15,4 mil que no mesmo período de 2020, ou mais 2,2%.”(DN,
12.Novembro).
E em relação ao investimento público que, em
princípio, seria para dinamizar a economia e criar mais e melhores empregos,
ficamos de igual modo esclarecidos por fonte insuspeita: “Comissão Europeia,
Portugal na cauda do investimento público mesmo com fundos da UE”. No entanto,
as vendas da Sonae crescem 4,7% até Setembro e superam cinco mil milhões de
euros, as vendas da Corticeira Amorim sobem 12% para 637,1 milhões de euros e
superam valores pré-pandemia, a EDP regista lucros de 510 milhões de euros até
Setembro, e a “Dielmar tem ponto final: fábrica fecha e operários vão para
desemprego”. A riqueza de uns é a pobreza, o desemprego e a fome de outros,
geralmente, dos trabalhadores por conta de outrem; agora com mais um pormenor,
o aumento das vendas das grandes superfícies comerciais indicia a ruína de
muitos pequenos e médios comerciantes.
Os tempos mais próximos são de luta
Os tempos mais próximos são de luta, de
combates ferozes entre as classes principais da sociedade, burguesia e classe
operária, com a pequena-burguesia sem saber ao certo para que lado deve cair,
sendo a tendência actual mais inclinada para a contra-revolução. Mas a ruína
acelerada e sem marcha atrás dos pequenos empresários e o empobrecimento dos
quadros intermédios que já não vislumbram a emigração como escape poderão
inverter a deriva. Sem o apoio destes sectores, a revolução comunista não será
viável nos tempos mais próximos, só que a revolução é uma velha toupeira e não
envia convite para jantar.
14 Novembro de 2021
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