Vários acontecimentos ocorreram nos últimos
dias e que revelam, per si, que habitamos um lugar que pouco melhor será que
uma república das bananas (com minúsculas) atendendo à forma de governo, de
quem o exerce e ao serviço de quem é exercido. Elencando de frente para trás:
eleições na Madeira e resultados; situação da economia e propostas da
associação dos grandes patrões (CIP) para aumentar as taxas de lucro; as bocas
de Marcelo, que comenta tudo e mais um par de botas, sobre a mamas da jovem que
se podiam constipar; a censura à arte que escandaliza as púdicas consciências
da burguesia portuense ainda ressabiada com a figura de Camilo, e já lá vão
mais de 150 anos; e o livro da múmia Cavaco. Ficaremos por aqui, por enquanto.
Os resultados das eleições para a Assembleia Regional da Madeira e toda a campanha
eleitoral mostram que a manipulação da opinião pública, através da compra do
voto, e o caciquismo ainda vão funcionando na região que possui a maior taxa de
pobreza de todo o território nacional. Funcionários públicos, comerciantes
dependentes do turismo e dos apoios directos do governo regional, gente pobre
vivendo do rendimento mínimo de inserção e, no cimo da pirâmide, uma burguesia
rentista enriquecendo à custa do estado explicam a vitória do partido que se
mantém à frente do poder regional. Uma imagem mais exagerada do que se passa no Continente.
No entanto, os indícios de degradação desse
poder, e do regime em geral, são mais que notórios: PSD ganha mas não obtém
maioria absoluta, para a assegurar faz união de facto, ainda não será casamento
a valer, com um dos partidos considerados rameira do regime porque “nem é de
direita nem de esquerda”, nas próprias palavras; e o PS, no governo de Lisboa,
é o partido que mais perde deputados e votos. Mais uma vez o partido que ganha
as eleições é o da abstenção com 46,66%, ultrapassando o número de há 4 anos
que foi de 44,49%.Fica-se com a ideia de que as elites já não confiam nos dois
principais partidos do regime e que serão descartados na ocasião mais oportuna.
Esta situação irá, necessariamente e a breve trecho, repercutir-se a nível do
país.
As patacoadas de Marcelo dizem bem da pessoa, mas ainda mais da figura do dito “supremo magistrado da nação”, estando bem um para o
outro, um populismo provinciano, mas perigoso, descendo ao nível do trolha, sem
ofensa para o trabalhador e utilizando a imagem do humorista, que olha do cimo
do andaime para o borracho que vai a passar na rua. O homenzinho não se enxerga,
acha que tudo lhe é permitido e não tem noção da importância do cargo que
ocupa. Para se ser respeitado tem que se dar ao respeito, o que não é o caso, a
popularidade não desculpa tudo. A figura alia a sua falta de nível e de carácter
ao reacionarismo intrínseco de andar a apoiar nazistas, cuja verdadeira
natureza ficou mais uma vez patente na homenagem feita ao ex-soldado da brigada
alemã Waffen-SS, que ficou tristemente célebre pela matança de mais de 100 mil
polacos, judeus, comunistas e ucranianos no final da Segunda Guerra Mundial.
Os actos de censura, como o que se verificou
com a polémica de sai ou não sai a estátua de Camilo Castelo Branco do espaço
público, revela, por si só, que a elite, neste particular, a do Porto, mas que não
será muito diferente da elite nacional, é uma classe preconceituosa, ignorante
e ressabiada com uma figura, umas das maiores, das letras e cultura nacionais,
embora tenha passado mais de 150 anos. Geralmente a instalação do fascismo, que, no nosso caso, será a “musculação” do regime democrático saído do 25 de Abril,
começa pelo campo da cultura, do saber e do acesso ao conhecimento e
informação, na preparação de alguma e certa opinião pública para as mudanças ou
“reformas estruturais”, como alguns políticos e comentadores gostam de referir, que se seguirão já no campo da política. A criminalização do comentário e o
pedido de condenação por parte do Ministério Público de Mamadou Ba insere-se
nessa tendência.
As movimentações da política são sempre o
reflexo, muitas vezes à posterior mas nem sempre, do que acontece na área da
economia. E, ao contrário das fanfarronadas de Costa, a economia, se não vai
muito mal à superfície, ou seja, no tempo mais imediato, irá de certeza
soçobrar a médio e longo prazo. As elevadas taxas de juro, que a chefe Lagarde
do BCE, a entidade que verdadeiramente comanda os destinos da União Europeia, e
da qual o Banco de Portugal é a sucursal com mais poder, na prática, do que o
governo do PS/Costa, já avisou que são para manter até final de 2025, se não
por mais tempo. E mais, exige “adoção atempada” de novas regras orçamentais já
a partir deste ano, o que significa menos salários, mais precariedade, menos
dinheiro para a Saúde e Educação, privatização a prazo da Segurança Social,
recapitalização das grandes empresas privadas... e por aí fora.
Os lucros dos principais bancos europeu são
para subir custe o que custar à maioria dos povos europeus, incluindo as
classes médias. A alta do preço da habitação, as rendas incomportáveis das
casas em Portugal, assim como a subida galopante dos preços dos alimentos, com
a falsa desculpa da pandemia e da guerra, enquadra-se nessa política de
salvação do capitalismo. Não é o mundo que vai acabar devido às “alterações
climáticas”, é o mundo do capitalismo que se encontra à beira da implosão, daí
as guerras. O discurso da “emergência climática” e da “transição energética” tem
como objectivo criar a intimidação e o pânico, no esquema mental de que não há
alternativa, para a reconversão do capitalismo mas à custa de mais impostos e
sacrifícios dos trabalhadores, com o fito final de aumentar a riqueza dos 0,1%
da humanidade, isto é, dos mais muito
ricos.
A pequena-burguesia, diga-se em abono da
verdade, é muito sensível a este discurso, devido à sua posição intermédia na
sociedade: deseja subir socialmente, mas a realidade da proletarização é mais
forte e assusta-a quanto ao seu destino. De certo modo, também ela decide sobre
o resultados das eleições no quadro do regime de democracia burguesa, daí que
Costa já esteja a lançar pequenas medidas eleitoralistas, por exemplo, redução
de algum IRS, subida do salário mínimo nacional e das pensões em 6% e
complemento solidário para os idosos, que terão desconto imediato em
medicamentos, porque parece que foram estes que levaram à, não esperada,
maioria absoluta do PS, ou apoio às famílias proprietárias endividadas aos
bancos. A mesma atitude terá o governo quanto ao que será aprovado em sede da
dita “concertação social”, com os patrões (os grandes, saliente-se) a puxarem
demasiado a corda a seu favor e que quase de certeza não verão satisfeitas todas as reivindicações que gostariam.
As propostas da CIP de “dar mais dinheiro” aos
trabalhadores, incluindo o 15º mês sem descontos de impostos e de TSU, com a
redução desta por algum tempo, mas que será depois ad eternum, e a descida
do IRC, são, na essência, o roubo e o esbulho violento do trabalhador e do erário público, a destruição da Segurança Social, embrulhados na
demagogia boçal e barata; características típicas e estruturais da nossa
burguesia inútil, por viver essencialmente do rentismo e do assalto ao estado –
o slogan “menos estado” refere-se para os outros, nunca para ela. O programa
“Mais Habitação”, ao contrário do propaganda, irá ser um fracasso pela razão
linear de que a política, tal como Bruxelas exige, é para não beliscar os
interesses dos grupos económicos privados. Em relação aos de cá como aos exteriores, note-se!, por exemplo, a
TAP irá ser privatizada a 100% e entregue à alemã Lufthansa.
Como já aqui temos referido, o sonho molhado
dos nossos "empresários de sucesso", nomeadamente dos oligarcas emergentes pós-25 de
Abril, é não pagar impostos, ter os putativos “colaboradores” à borla e ainda
beneficiarem de toda a sorte de subsídios e apoios do estado. Esta mania, na
verdadeira acepção do termo porque não há controlo do impulso, é antiga, é
histórica, lembremo-nos das tenças dadas pelo rei aos seus cortesãos, do roubo
e perseguição dos cristãos novos, da distribuição dos bens da igreja pela nova
burguesia no tempo da monarquia liberal, e que continua no tempo actual com os
fundos europeus, os ifadaps são o excelente exemplo quando a pequena e média agriculturas eram destruídas para darem lugar à agricultura industrial e intensiva, com base em mão-de-obra imigrante e miseravelmente
remunerada, os lay-offs e o actual PRR.
A dita “reforma estrutural” exigida pelo patronato, e em seguimento da linha defendida por Bruxelas, é extorquir a maior fatia possível da mais-valia produzida pela classe operária e trabalhadores em geral, e é a única saída do capital para enfrentar a crise do seu sistema económico. As medidas aprovadas recentemente pelo governo grego de direita são bem explícitas e irão ser seguidas pelos restantes governos dos países da União Europeu, caso os trabalhadores o permitam, diga-se de passagem: seis dias de trabalho por semana; a possibilidade dos trabalhadores a tempo inteiro arranjarem um segundo trabalho em part-time, trabalhando assim até 13 horas por dia; é neste sentido que devemos entender a semana de quatros dias que é apresentada entres nós como a maravilha da felicidade dos trabalhadores. E, falando em produtividade, ficamos a saber, o que não era nenhuma novidade, diga-se também em abono da verdade, que os trabalhadores portugueses são os que mais horas (37,5 horas) trabalham na União Europeia, mas são os que menos ganham, o que significa que a produtividade até é grande atendendo a este factor. Claro que os empreendedores nacionais acham sempre pouco.
Com a múmia a sair da catalepsia e a escrever
um livro sobre a “arte de bem governar” (o da “arte de bem roubar” já foi
escrito no século XVII), a fim de juntar as hostes mais trogloditas da política
nacional, a verdade é que tudo indica que os partidos principais do regime
estão a dar as últimas e qualquer dia, processo que será apressado se houver um
agravamento rápido da crise capitalista, serão descartados e substituídos por
outros que, embora defendam os mesmos interesses e políticas, se apresentam com
novas caras e discursos mais elaborados e demagógicos, falsamente anti-sistema
e salvadores da nação, ou seja, do capital.
A eleição de um oligarca para a chefia do Syriza (o BE grego), ligado ao banco norte-americano Goldman Sachs, mostra à evidência que o grande capital financeiro não hesita em usar estes partidos de falsa extrema-esquerda para levar à prática os seus planos de saque e esbulho dos trabalhadores e dos povos; assim sendo para que servirão partidos como o PS? O PS, se não tiver cuidado e seguir à risca o plano da CIP ou de Bruxelas, não só perderá as próximas eleições legislativas como corre o sério risco de desaparecera breve prazo. O que também nos ensina que é mais do que tempo para se erguer entre o mundo do trabalho um partido revolucionário, que ouse conquistar os céus e não busque apenas as migalhas deixadas cair pelo capital. Outro mundo é possível, porque necessário.