Foto de
Garry Winogrand (1928-1984)
Como
é do conhecimento comum, o PS é catapultado para o governo quando a
direita tout court já não consegue governar e/ou quando é
necessário aplicar medidas, geralmente medidas de fundo, de carácter
estrutural e inevitavelmente impopulares, devido a sua ainda maior
base social de apoio; em 2015, tratava-se também da própria
sobrevivência do PS, cujo espectro de desaparecimento a breve prazo
era anunciado pelo afundamento dos congéneres europeus. Foi graças
ao apoio dos dois partidos ditos de “esquerda”, BE e PCP/PEV, que
o PS formou governo, ganhou umas eleições legislativa e se mantém
ainda no poder, para legislar a favor de Bruxelas e da burguesia
nacional.
A
recente aprovação do Orçamento Suplementar, com a abstenção
activa do PSD, relembrando que o Bloco Central não morreu, apenas se
mantém adormecido, assim como do BE e do PAN, mostra que o prazo de
validade do governo e do próprio PS ainda não chegou ao fim.
Mostra, por outro lado, que o voto contra do PCP não passa de uma
habilidade para manter o seu eleitorado, enquanto por detrás do pano
mantém o diálogo, ou seja, a colaboração e o apoio activo à
política do PS. Ao mesmo tempo, os partidos da ultra-direita marcam
o ponto “anti-sistema”, quanto muito anti-regime democracia
burguesa, porque este Orçamento, como todos os outros, dá com as
duas mãos aos patrões o que rouba com a mão esquerda aos
trabalhadores; aqueles poderão ter achado que o bolo que lhes calha
é ainda insuficiente, como verberou o chefe da CIP.
Costa,
depois de se manifestar satisfeito com o resultado da votação, tem
a desfaçatez, como já nos habituou, de afirmar que “este não é
um momento para a austeridade”, como o aumento de mais de 100 mil
desempregados, em menos de um ano e segundo números oficiais, ou os
1 milhão e 400 mil trabalhadores a receber dois terços do salário
durante 4 meses, não seja já por si uma austeridade, e bem grande.
O PS, no governo, teve a habilidade de manter a austeridade em
banho-maria sem nunca ter acabado com ela, e por uma simples razão,
é que não há outra solução para vencer a crise do capitalismo
senão apertar a tarracha da exploração; a habilidade consistiu em
manter a paz social enquanto as coisas corriam bem, senão seria a
revolta de quem trabalha. Agora, com o agudizar da crise, o PS mostra
o que sempre defendeu: o grande capital e, em particular, os bancos.
A
forma que o governo PS-marca-Costa encontrou para resolver os
problemas da TAP e da Efacec, um pouco à semelhança da que foi
arranjada para o Novo Banco, mostra mais uma vez, e de forma
indisfarçável, que a sua missão é encontrar meios de o capital
nunca deixar de se rentabilizar, isto é, sejam sempre garantidos os
lucros dos patrões. Na TAP, o Estado entra com os 1200 milhões de
euros, com o despedimento de trabalhadores cujo número irá
ultrapassar os 3 mil, contando com os que já foram dispensados pelo
lay-off, aliás, o que tem sido uma prática habitual neste tipo de
reestruturação das empresas; na Efacec, o Estado nacionaliza a
parte pertencente a uma empresária cleptocrata (seria um escândalo
se o não fizesse) para depois a entregar a outros capitalistas, não
importando se são nacionais ou estrangeiros, desde que entrem com o
dinheiro e entreguem discretamente a devida comissão a quem por
parte do governo intermediou o negócio. Sérgios Monteiros há
muitos!
Tem sido sempre assim, seja em governos PSD ou em governos
PS, privatização=corrupção.
O
caminho correcto, de um ponto de vista dos interesses dos
trabalhadores, dos das empresas em causa e do povo trabalhador
português em geral, seria o da nacionalização, sem indemnização,
porque os lucros arrecadados pelos accionistas privados para além de
ilegítimos já foram mais que suficientes, e sob inteiro controlo
dos trabalhadores. Quanto à transportadora aérea nacional, tudo se
prepara para ser entregue, mais dia menos dia, à alemã Lufthansa,
depois de ser limpa das rotas que dão prejuízo, incluindo as que
têm início no Porto, o que tem arreliado a cacicagem do Norte que
gostaria andar de avião à custa do Orçamento do Estado, e de
outros custos considerados supérfluos, nomeadamente os referentes
aos salários dos trabalhadores. Será tempo do governo considerar
que o futuro está no transporte ferroviário, que será o transporte
por excelência por toda a Eurásia, de mercadorias e de passageiros,
por mais económico, seguro e menos poluidor. É tempo de se apostar
numa rede ferroviária eficiente e de qualidade, quer interna,
inter-regional e suburbana, quer externa, com ligação à Europa e
de bitola europeia, para acabar com o constrangimento da bitola
espanhola, e fazer com que a economia nacional deixe de ser um
prolongamento da economia espanhola (foi interessante ouvir o Costa
falar portunhol em Elvas enquanto o seu homólogo falava em
castelhano).
O
caminho de ferro é fundamental para o desenvolvimento económico de
um país e em Portugal nos últimos trinta anos não se fez outra
coisa senão destruir as linhas existentes, acabar com as
composições, deixou de se investir na manutenção do que existia e
muito menos na inovação e na modernização, o aumento dos casos de
infectados pelo coronavírus, o aparecimento de novos surtos em
Lisboa, é a expressão da falta de qualidade dos nossos transportes
ferroviários, e também rodoviários. Estes últimos foram entregues
a privados, nacionais e estrangeiros, permitindo o surgimento de
novos ricos, como é o caso Humberto Pedrosa (Grupo
Barraqueiro/Fertagus), cuja fortuna pessoal começou no tempo do
cavaquismo e nunca deixou de aumentar à custa do Estado e durante os
governos do PS; foi no governo de PS/Guterres que lhe foi entregue a
concessão da exploração do Eixo Ferroviário Norte-Sul da
Região de Lisboa por 30 anos. É nesta lógica que temos de ver a
solução para a TAP e a contínua degradação do transporte
ferroviário.
Ouvir
dizer ao ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno
Santos, que a solução encontrada para a TAP foi a melhor para o
país ou que os transportes públicos não são uma das origens do
aumento da propagação da covid-19 é ouvir um mentiroso, tal como a
ministra da Saúde, que não passa de uma chica-esperta e
incompetente e cuja continuação no cargo é já posta em causa pelo
dirigente do PS e presidente da Câmara de Lisboa, que vê a coisa
mal parada quanto ao turismo neste Verão; e que há muito aqui temos
reivindicado a sua demissão, bem como da incompetente Graças
Freitas. Mas, diga-se em abono da verdade, ouvir aquelas duas araras
a debitar mentiras e atoardas não difere muito de ouvir um
primeiro-ministro, em programa humorístico, conduzido pelo novel
bobo da corte oficial, afirmar que os antibióticos curam viroses.
Aliás, ouvir isto ou ouvir um Trump que a covid-19 se pode tratar
com injecções de lixívia não haverá grande diferença, estamos
perante duas pessoas ignorantes e muito pouco humildes.
Esta
gente não consegue esconder a sua verdadeira natureza, pessoas
arrogantes que desprezam o povo, e por vezes, quando se distraem e
baixam a guarda, mostram o que na realidade são e o que as faz
mover, como diz o povo, a boca foge-lhes para a verdade. Foi
revoltante ouvir a uma directora geral da saúde, na habitual homilia
diária, tratar os assistentes operacionais, profissionais de saúde
insubstituíveis e sem os quais o SNS simplesmente pararia, por
“AO's”; o mesmo desprezo, a mesma insanidade, se assistiu quanto
às recomendações para a noite de S. João depois de esta ter já
passado. Os assistentes operacionais na saúde não são doutores,
não têm protagonismo político, são tratados como gente de
segunda, exactamente como os trabalhadores que são obrigados todos
os dias a utilizar transportes públicos sobrelotados para irem
trabalhar em fábricas e empresas, sem condições mínimas de
higiene e sem dispor do mais elementar equipamento de protecção.
Assim se percebe que os últimos focos da pandemia ocorram em
empresas ou nos próprios serviços da administração pública:
Sonae/Continente, Pingo Doce, DHL, conserveira Gencoal, S.A em Vila
do Conde, Câmara Municipal Lisboa. Só para citar os últimos casos
em empresas, porque em lares da terceira idade, a saga do coronavírus
continua, espalhando-se agora pelas creches, ou seja, em áreas de
protecção social que foram entregues aos privados, cujo móbil é o
lucro, pelo Estado/governos que se demitiu das suas responsabilidades
e entendeu malbaratar o dinheiro do contribuinte.
Caso
curioso, nem as empresas onde ocorreram os surtos foram fechadas
pelas autoridades e nem a concentração de convidados na embaixada
dos EUA em Lisboa, para comemorar o dia da independência, foi
impedida de se realizar pela PSP, apesar de esta estar presente, ao
contrário de outras concentrações em festas por parte de pessoas
do povo; nem ninguém foi preso, como aconteceu com um elemento do
povo em Casal de Cambra, no concelho de Sintra, tendo estado preso
durante dois meses por alegadamente ter apedrejado a polícia. E com
a agravante é que para a festa dos americanos foram convidados
políticos, que tiveram a protecção da PSP; pelos vistos, aqui já
não há perigo de contaminação. Ou como vivemos num país com dois
pesos e duas medidas e como a repressão é somente para ser exercida
sobre os trabalhadores. Patrões, capitalistas, agentes do
imperialismo, políticos vendidos, polícias corruptos (“Forças de
segurança lideram suspeitas de corrupção na administração
central”, título dos jornais) são imunes ao vírus, impunes
perante a justiça e livres da repressão do Estado.
O
Costa é um habilidoso, gosta de acrobacias no circo, dá ao povo
pouco pão e muito circo, mantém-se no poder porque conta com a
colaboração de todos os partidos com o traseiro acomodado nos
cadeirões de S. Bento, tem todos os órgãos de comunicação ao seu
serviço, mas não conseguirá levar a mentira e a prestidigitação
por tempo indefinido, tudo tem um fim. E quando os trabalhadores se
encontrarem numa situação sem saída à vista, o que forçosamente
acontecerá com o agravamento da crise a breve trecho (PIB a encolher
mais de 7% no final do ano, desemprego a disparar para o dobro em
relação a 2019, dívida pública a ultrapassar os 135% do PIB),
irão abrir os olhos, tomar consciência e seguir o caminho da
emancipação. A velha toupeira é incansável no seu trabalho e,
enquanto isso, sair do euro e da União Europeia não é apenas uma
simples reivindicação, é uma necessidade para evitar o desastre e
o suicídio colectivo.
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