Alguma coisa tem tremido em Lisboa, mais do
que o sismo de magnitude de 4,7 na escala de Richter e que terá sido o segundo
no período de seis meses, prenúncio de sismo muito mais grave segundo a opinião
dos entendidos. E essa coisa é o governo de Montenegro/PSD/CDS/PP mais a dita “casa
da democracia” que ultimamente se tem assemelhado mais a uma praça da peixeirada
ou tasca de bairro, ilustrando a verdadeira natureza da classe política do establishment
que por ali pulula. Assim como o sismo que poderá ter réplicas mais fortes, as
ondas de propagação da corrupção no governo e da bagunça no Parlamento irão
ocorrer na política do país, e com mais violência.
Os casos e casinhos do governo AD
Antes de perfazer um ano de vida, o governo
está a ser confrontado com “casos e casinhos”, muito à semelhança do governo
que o antecedeu e que ditaram de certa forma o seu fim, apesar de gozar de
maioria absoluta. Pouco tempo de ter procedido à remodelação governamental substituindo
meia dúzia de secretários de estado em outros tantos ministérios, o chefe do governo
é acusado de ter criado, juntamente com a família, uma empresa para o negócio
do imobiliário, tal como fizera um dos seus secretários de estado demitido, que
assim se iria aproveitar de uma alteração legislativa prevista antecipadamente
e já em preparação.
Montenegro veio logo a terreiro dizer que não
há conflito de interesses, porque – imaginem lá! – vendera a quota à mulher e
aos filhos. Ou seja, uma forma assaz pouco rural de chamar idiotas aos
portugueses. No entanto, os factos não são
desmentidos pelo próprio: a empresa em apenas três anos de vida facturou 650
mil euros e apresentou lucros de cerca de 345 mil euros. Ainda não são
conhecidas as contas referentes a 2024. Ora, quem tem telhados de vidro, não
pode atirar pedras aos do vizinho. O governo PSD/CDS/PP torna-se, embora já o
fosse, cada vez mais parecido ao governo PS, no modus operandi e na
qualidade dos figurões que o constituem. Quanto a esta questão Marcelo, ao
contrário do que fez em relação ao PS, comenta que "não se mete" em
remodelações, nem em caos e casinhos, pois Montenegro "é juiz".
A oposição indigna-se pela falta de delicadeza
do governo em não se dar ao trabalho de apresentar explicações quanto às razões
da referida remodelação e de esta não ter visado os ministros, em especial os
mais visados pelas críticas, ministra da saúde e da Administração Interna,
aliás, diga-se de passagem, as que mais têm exposto as suas ignorância e incompetência. Também se diga que sabedoria e competência são coisas que não lhes são necessárias porque o seu papel é o
de comissárias políticas: uma para a destruição do SNS; a outra para controlo e
reforço das polícias e do seu desempenho na repressão contra os trabalhadores e
o povo que se manifesta descontente. Fica-se com a sensação de que a birra será
mais de o PS não estar no governo a fazer o mesmo ou algo parecido.
Parlamento ou tasca dos bandidos?
Quanto à dita “casa da democracia” que tem
sido abandalhada pelo partido da extrema-direita, que foi legalizado e
promovido por todo o establishment, desde os partidos do poder aos media
mainstream. Os primeiros querendo utilizá-lo na disputa pelo voto enfraquecendo
o adversário mais directo: o PS querendo roubar votos ao PSD e este
vitimizando-se com a putativa aliança entre PS e a extrema-direita. Os segundos
expressando os interesses e a vontade de uma parte da elite que acha que a
gestão da coisa pública se faz com mais eficiência se se utilizar o cacete e
não a cenoura. O PS só se pode queixar de si próprio quando os seus deputados
são agredidos verbalmente, e vai com muita sorte se não começarem a ser
agredidos fisicamente. O feitiço em breve se virará contra o feiticeiro.
A selecção de marginais que se manifesta
dentro do partido de extrema-direita, acusados de roubo, pedofilia, agressão
sexual, violência doméstica ou violência na disputa pelo tacho dentro do
próprio partido, racismo e xenofobia, é feita, segundo as denúncias internas, por
critérios pessoais do chefe. Faz lembrar processos semelhantes ocorridos no
passado e em outras bandas, por exemplo, como Louis Bonaparte tomou o poder em
França no século XIX, usando precisamente um bando de rufias, pagos a dinheiro
e a aguardente, e recrutados nas docas e no bas fond de Paris. Foi o
abrir do caminho ao poder terrorista da elite, poder esse que também se
mascarou de “apolítico” e de “anti-sistema”, e que levou a França à derrota
militar e o povo francês à ruína e à miséria. Marx referiu na altura que a França já tinha sido governada por meretrizes mas a primeira vez por um chulo.
Em vez de denunciar a realidade da degradação
do Parlamento e colocar-lhe ponto final, os partidos da ordem escudam-se por
trás da segunda figura do estado, que, por sua vez, descarta a responsabilidade
por “não ser polícia de deputados”. Todos conciliam e acabarão por serem corresponsáveis
pela destruição do próprio regime democrático parlamentar burguês. Insultar pessoalmente
deputados é caso de polícia, mas atendendo ao contexto o caso torna-se abertamente
político. O insulto e a provocação rasteira não fazem parte da liberdade de
expressão ou do confronto sério de ideias diferentes quanto à resolução dos
problemas do país.
Sabemos todos da ambiguidade do significado de
“liberdade de expressão”, que é de classe, ou de “discurso de ódio”, podem servir como arma
política para perseguir todo aquele que, independentemente das razões, se oponha ao
establishment. Mas o uso do ataque pessoal, por ausência de argumentos políticos,
acompanhado pela violência terrorista, verbal ou física, faz parte do
instrumentário do fascismo. E perante este, não pode haver tergiversação, mas
sim um combate frontal. Os partidos que ora se indignam com os insultos soezes
parecem que estão à espera que se repita o que aconteceu com o partido Aurora
Dourada na Grécia. Foi preciso um dirigente daquele partido ter assassinado um rapper
antifascista, ter havido mais uma morte de um trabalhador imigrante
paquistanês, espancamentos graves de pescadores egípcios e de sindicalistas
comunistas perpetrados por militantes do mesmo partido, para que a formação de
extrema-direita fosse ilegalizada sob a acusação de “organização criminosa”.
A arte da corrupção
A corrupção tem sido e é uma preocupação do
PSD/CDS e de Montenegro, não para se combater e eventualmente erradicar, mas
para a proteger e deixá-la funcionar livre e impunemente. Esta é a conclusão
que retiramos dos factos, de algumas acções e da falta de outras por parte do
governo AD. O PSD quer criar um alerta automático para os políticos e detentores de funções governativas, saberem em tempo útil quem consulta o seu
património. Ora, esta medida não visa uma maior transparência sobre a origem e
a forma de aquisição do património de quem gere a coisa pública, mas intimidar
o curioso ou o denunciante e persegui-lo caso os políticos o entendam. Mais ainda,
o PSD quer que os políticos e os detentores de altos cargos públicos passem a
dar ou não autorização para que os seus dados sejam automaticamente confirmados
no fisco e notariado. A preocupação é tornar o sistema ainda mais opaco e os
corruptos poderem estar a salvo, o que contraria todas as directivas de
Bruxelas.
Há razões de sobra para que o PSD esteja deveras preocupado, é que o caso resultante da operação Tutti Frutti foi descongelado e há deputados, presidentes de junta e vereadores do PSD, bem como do PS, entre os 60 acusados, que respondem por 463 crimes de corrupção ativa e passiva, prevaricação, tráfico de influência, branqueamento, burla qualificada, falsificação de documento, abuso de poder e recebimento indevido de vantagem, algum dos quais na forma agravada. O Ministério Público quer que 29 arguidos devolvam mais de 580 mil euros ao estado. Alguns destes acusados ainda resistem em abdicar do tacho a que estão agarrados e, pelo menos um, ainda são responsáveis pela escolha de candidatos do partido às próximas eleições autárquicas. É o bloco central da corrupção no seu melhor. Sendo questionado sobre as questões de segurança e corrupção, o monárquico PR Marcelo não está com meios termos: “o que interessa é a imagem que as pessoas têm”.
Para tornar os órgãos de comunicação social mais amigáveis, que não ousem pensar sequer em denunciar as torpezas do governo ou dos seus elementos, o governo foi enfiar nos bolsos dos proprietários dos ditos, na maioria grandes grupos económicos, alguns na falência como a Impresa/Pinto Balsemão, a módica quantia de 55,2 milhões de euros para concretizar as tais “30 medidas” que integram o “Plano de Ação para os Media”. O pretexto é fomentar a "literacia" dos cidadãos portugueses, isto é, comprar “a sustentabilidade, o pluralismo e a independência da comunicação social em Portugal, promovendo um ecossistema mediático robusto, transparente e de referência”. A preocupação não é a liberdade de expressão, para os cidadãos, mas o controlo dos media na justa medida em que o PSD pretende obter maioria absoluta nas próximas eleições legislativas.
O governo está para durar?
Não deixa de ser interessante ver as posições
dos partidos perante a ameaça do chefe da extrema-direita de apresentar na
Assembleia da República uma moção de censura ao governo por se terem adensado “as
dúvidas sobre a integridade do primeiro-ministro”, isto é, se venham a
confirmar as suspeitas da sua empresa (que agora não é dele mas da família, uma
paródia!) ter feito negócios com o estado. O PS, pela boca do seu líder, foi
peremptório jamais irá apoiar tal moção. Os restantes partidos da oposição seguiram
posição semelhante. Parece que todos temem a antecipação de eleições
legislativas. O chefe do PSD saliva para que aconteçam e o mais depressa possível,
está desejoso de aplicar medidas que neste momento não consegue ou teme fazer,
como seja, mexer na Segurança Social, como já afirmara, não será nesta
legislatura, mas será na próxima atendendo ao facto que acha que o PS de lhe deu
"um livro verde" para o fazer. Montenegro diz: “eu estou aqui para
dar e durar”, mas esse não é o seu pensamento quanto a este governo, é apenas
quanto à sua pessoa.
É tempo de se correr com toda esta gente do
poder e de vez!
Imagem de destaque: "Indigitação de meia-noite"
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