quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Manda quem pode, obedece quem deve

  

Com a campanha eleitoral em estado particularmente avançado e atingindo um tom de certo modo encarniçado, saltou para a ribalta mais um caso de suspeita evidente de corrupção envolvendo o chefe do governo regional da Madeira e o presidente da câmara municipal do Funchal, duas figuras gradas do PSD que não sabe bem o que mais prometer a fim de conseguir enfiar a mão no pote após oito longos e impaciente anos de jejum. Fica-se com a sensação de que foi vingança do PS, já que é o governo que manda na polícia judiciária e, depois do farto subsídio, não haverá outro remédio senão responder prontamente.

De boas promessas e de boas intenções está o Inferno cheio

A coisa promete ser renhida até ao fim e ninguém estranhe, como já foi alertado por diversas vezes, que a presente campanha para as legislativas do próximo dia de 10 de Março venha a revelar-se um tanto ou quanto feia; vai valer tudo, arrancar olhos caso seja necessário. Toda a gente espera que o principal homem de mão, na Madeira, do dito “principal partido” da oposição, no Continente, coloque o cargo à disposição, à semelhança de Costa que parece não ter hesitado e por razões aparentemente mais difusas, porque a situação para o Montenegro será a partir de agora cada vez mais preta, e lá se irão as promessas de tudo e mais um par de botas.

Quanto a promessas e de pretensas boas intenções está o Inferno cheio, e não deixa de ser ridículos os leilões de promessas fáceis prometidas por todos os partidos, uma verdadeira feira, desde do que ainda se encontra no governo, passando pelos partidos ditos da “direita moderada” e aos intitulados de “extrema esquerda” e “extrema-direita”, esquecendo-se de que as políticas seguidas nos países da União Europeia são determinadas por Bruxelas. E temos de ser realistas, porque é neste quadro que os partidos portugueses se movem, sendo tudo o resto mera demagogia, e rasca. E o que diz Bruxelas?

Ora, no recente encontro do Fórum Económico Mundial (54º), realizado em Davos, a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen não se engasgou nem trincou a língua no seu discurso onde explanou clara e detalhadamente as linhas mestres da política a seguir: os sectores públicos (governos) e privados devem colaborar intimamente; a principal preocupação para os próximos dois anos será o combate à “desinformação e falsa informação” e não o clima; “os próximos anos exigirão que pensemos da mesma forma”, acredita que o poder comum das democracias e dos negócios estará no centro desta forma única de pensar; como a Rússia, no seu entender, está a perder a guerra na Ucrânia e a falhar nos seus objetivos económicos e diplomáticos, o belicismo europeu irá impor-se.

Em relação à forma de cooperação entre governos e empresas serão estas a ditar as leis, promessas de subidas do salário mínimo e médio, seja os mil euros do salário já este ano ou para 2028, seja os 1750 euros do salário médio para o final da legislatura, partindo do princípio que chegará ao fim, o que é pouco provável, os partidos terão de perguntar primeiro se os patrões e as empresas estão dispostos a fazê-lo, já que a cooperação tem que funcionar, e os patrões portugueses já foram explícitos sobre o assunto: o salário mínimo de 1000 euros é difícil sem aumento da produtividade – primeiro venha o porco, quanto ao chouriço logo se vê!

O PSD deixa transparecer que está com a consciência pesada quanto aos idosos, deve ainda estar lembrado dos cortes que efectuou nas pensões e nas idades de reforma para a “peste grisalha”, então desunha-se em promessa de aumentos, complementos e outros apoios. No entanto, os restantes partidos não lhe ficam atrás, até houve um que prometeu reforma mínima igual ao salário mínimo, outros apostam mais na descida da idade para aposentação e o novel chefe socialista uma das primeiras coisas que fez foi visitar centros de terceira idade, também se esquecendo – esta gente come muito queijo! – do número de mortes de idosos abandonados durante a pandemia e em lares ilegais. Para quando uma rede pública de lares ou de cuidados continuados?

Em referência à economia, cujo estado de saúde não está tão bem como o governo o pinta, as promessas são descabeladas: a recauchutada AD jura a pés juntos que a descida gradual do IRC irá garantir um bónus de 5 mil milhões de euros às empresas, o que permitirá subir o PIB em 3,4% até 2028 e à custa predominantemente do aumento da procura interna. Ora, se os salários são baixos, o poder de compra dos portugueses encontra-se continuamente a degradar-se e os patrões não estão abertos à ideia de subir substancial e antecipadamente os salários, como é que isso poderá ser feito?

Aumentar a produção, induzir o crescimento económico, e aqui fala-se do crescimento da riqueza dos patrões, através de aumento das exportações, como se tem tentado fazer até agora, como isso será efectuado se atendermos a  duas razões: primeiro, a União Europeia está a entrar em recessão económica, a denominada “locomotiva da Europa”, a Alemanha, tem a economia estagnada há uma série de trimestres e não se prevêem melhorias, bem pelo contrário; segundo, a economia portuguesa tem-se transformado num prolongamento da economia espanhola desde a entrada no euro, o que explica que nos últimos vinte anos, tempo do euro, o PIB nacional tem crescido a uma taxa média anual de 1%, isto é, metade do da economia do outro lado da fronteira, cada vez menos fronteira. Como é?

A crise da democracia e a crise dos seus órgãos de propaganda

“Para a comunidade empresarial global, a principal preocupação para os próximos 2 anos não será o conflito ou o clima. É desinformação e falsa informação, seguidas de perto pela polarização nas nossas sociedades” – Ursula von der Leyen no 54º Fórum Económico Mundial, 16 Janeiro 2024

A economia capitalista nacional não está lá muito bem, mas o resto não estará lá muito melhor. Se pegarmos no assunto que mais preocupa a senhora von der Leyen, a questão de toda a gente seguir o mesmo pensamento, sem lugar para dissidências ou alternativas, com o objectivo de evitar ou abafar a contestação social, então a situação é calamitosa. Os media mainstream nacionais, propriedade de um pequeno punhado de grupos económicos, estão pela rua da amargura e o caso Global Media Group, adquirido recentemente por um fundo de investimento mafioso, diz bem da realidade, e será apenas a ponta do iceberg. As posições dos diversos partidos do establishment quanto ao apoio a esta imprensa falida e desacreditada diz bem da natureza política e de classe desses partidos.

Antes de mais, devemos lembrar os 15 milhões de euros que o governo do PS/Costa enterrou nos media para, alegadamente, fazer publicidade institucional, mas na prática foi comprar a adesão à política seguida e aplicada quanto ao combate da pandemia, onde se esturricaram alguns milhares de milhões de euros na compra de vacinas, material de protecção, máscaras e serviços aos lóbis da saúde privada e também, com o mesmo pretexto, na recapitalização de empresas falidas ou à beira de tal. E ainda não se falava da crise do Global Media Group e Marcelo defendia o apoio estatal aos media privados, melhor dizendo, aos meios de propaganda do regime. O ex-presidente do Parlamento também já alvitrou a alteração da Lei de Imprensa. Provavelmente, os media mainstream serão benevolentes com o PS nesta campanha eleitoral.

E a seguir, e apontando as medidas defendidas pelos partidos do sistema quanto à forma de salvação de órgãos de informação que o povo português pouco lê ou vê, tirando as telenovelas, e onde pouco ou nenhum dinheiro gasta, porque também o não tem, concluímos que o consenso reina entre todos. O PS e BE são unânimes em enfiar directamente dinheiro nos órgãos de propaganda da burguesia, os restantes também aprovam mas com algumas condições, que são mais de forma do que substância, e o PCP até terá alvitrado a nacionalização do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias, dando a entender que são os “alicerces fundamentais da democracia”, como disse uma ex-deputada socialista, chegando a defender um “pacto de regime alargado” sobre os media. Mas pergunta-se, democracia e liberdade de expressão para quem, para os trabalhadores ou para as elites e seus negócios como aponta von der Leyen?

E quanto a democracia, esta não está melhor que os seus órgãos de propaganda, vai-se auto-descridibilizando, e aqui todos os partidos com assento na Assembleia da República estão unidos, e fortemente, incluindo o que se autoproclama de “anti-sistema”. O Parlamento, no seu último plenário, aprovou por unanimidade e em tempo recorde o projecto de lei que alarga ajudas de custo para os próprios deputados… e com retroactivos até agosto de 2023. É o fartar vilanagem! E vêm agora os falsos moralistas do costume gritar aqui d’el rei! que o ex-militante e ex-deputado pelo PSD, agora cabeça de lista do Chega, terá recebido 75 mil euros de subsídios e ajudas de custa por ter dado como residência Angola e não Coimbra ou Lisboa, onde passa a maior parte do tempo. Afinal, são todos subsídio-dependentes, ou seja, mamam todos na mesma teta.

Os cada mais frequentes casos de corrupção, na maior das vezes corrupção passiva de titular de cargo político, quer dizer que os políticos governantes foram corrompidos por alguém, no caso da Madeira os políticos terão sido por gente ligada aos negócios da construção civil e do turismo, acusação geralmente associada a suspeitas de “prevaricação, abuso de poder, participação económica em negócio ou atentado contra o Estado de Direito”, contribuem para descredibilização do regime. Quando esta democracia perfaz meio centenário de existência, vão realizar-se eleições antecipadas para a Assembleia da República e para a Assembleia Regional dos Açores e, muito provavelmente e em breve, também para a Assembleia Regional da Madeira, caso o governo regional venha a cair, como parece vir a acontecer. Não deixa de ser uma forma irónica de confirmar a solidez do regime.

Fica evidente, só não vê quem não quer ou não lhe interessa, que a classe política do regime não passa de uma casta que, para além de parasitária, funciona como gestora dos negócios do capitalismo. São todos uns meros funcionários que de imediato são descartados se não cumprirem com a missão, e logo substituídos por outros. Alguns são mais espertalhaços e não se deixam apanhar; outros, ou por inépcia ou por arrogância e excesso de confiança, são apanhados com a mão na massa. A fila para candidato ao pote parece não ter fim e as eleições servem somente para refrescar as fileiras, e quando é. Nunca foi tão verdadeira como no tempo presente a velha máxima salazarista do “Manda quem pode, obedece quem deve”: manda o poder económico, esteja ele (grande capital financeiro) sedeado em Bruxelas ou situado em Portugal, os políticos avençados obedecem.

Imagem: "Os pica-paus" em henricartoon

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Estados soberanos e protetorados

 

Os discursos daqueles que falam nos meios de comunicação sobre questões de política externa em Itália são desprovidos de qualquer fundamento, porque pretendem ignorar que a Itália não é uma nação soberana, mas sim um protetorado. De acordo com o direito internacional, uma nação que acolhe no seu território um número de bases (algumas das quais secretas e cheias de bombas atómicas) iguais às que os Estados Unidos mantêm em Itália não tem soberania sobre a sua política externa, mas apenas sobre sua política interna; isto é, é tecnicamente um protetorado.

Isto explica por que razão o novo governo, que, definindo-se como de direita, deveria antes de mais ter reivindicado um estatuto de plena soberania, simplesmente se conformou, no que diz respeito à guerra na Ucrânia, com as directivas do Estado protector. Deixem quem quiser imaginar o que aconteceria, de facto, com um chefe de Estado que abrisse uma disputa pela presença de bases dos Estados Unidos em nosso território. Mas a questão vai muito além de um problema de soberania, pois implica que, no caso de uma nova guerra mundial, a Itália seria o primeiro país a sofrer um bombardeamento nuclear que a destruiria totalmente. Infelizmente, é inútil esperar que jornalistas pagos pelo poder ainda dominante tenham este tipo de problema.

17 de janeiro de 2024
Giorgio Agamben

quodlibet

sábado, 13 de janeiro de 2024

O caos nas urgências dos hospitais públicos

 

Estávamos no Inverno de 2014/15, na entrada do último ano de governação da coligação PàF (PSD/CDS-PP) e era ministro da saúde Paulo Mendo, as urgências dos hospitais do SNS estavam num caos, a intenção era clara: dar clientela aos hospitais privados. A imprensa corporativa, que agora não se cansa de denegrir o SNS por eventual má gestão do governo PS, deveria recuar no tempo e fazer a comparação e facilmente chegaria à conclusão de que não há diferença significativa. A destruição do SNS tem sido uma tarefa a que os governo dos dois partidos do bloco central da governação e dos interesses se têm dedicado desde sempre, cada um à sua maneira.

Pode dizer-se que não há palavras para descrever a pouca vergonha que se está a passar nos serviços de urgência dos hospitais do SNS e a forma como o governo e ministro estão a lidar com o problema. Em menos de um mês oito cidadãos morreram aparentemente por falta ou deficiente atendimento após, ao contrário do que mandam as regras nestas situações, muitas horas de espera nos serviços de urgência. A imprensa fala em mais de 1900 mortes no período do Inverno, particularmente frio este ano, devido a diversas morbilidades; todas elas estarão relacionadas com a descida da temperatura e do aparecimento da gripe sazonal, fazendo fé no que a imprensa diz, número que aparentemente não estará longe do que ocorre em outros anos; contudo, esse número será bem maior já que a subdirectora-geral da Saúde, Graça Freitas, esclarece que “ o excesso de mortalidade já terá ultrapassado os mil óbitos em relação ao esperado”. O que tem sido fora do normal são as mortes de pessoas, quase todas idosas, que esperam muitas horas por cuidados que não são prestados em tempo útil.

Ainda estamos todos lembrados da epidemia da legionella que há pouco mais de dois meses fez 12 mortes e infectou 375 pessoas, tendo o governo levado bastante tempo a identificar o foco causador e a tomar medidas. Foi a terceira maior epidemia no mundo, bem reveladora da política seguida pelo governo PSD/CDS-PP quanto à Saúde Pública, quer no que concerne às medidas de fiscalização e prevenção quer à resposta em termos de cuidados de assistência. A mesma política encontra-se agora ilustrada nas mortes nos serviços de urgência hospitalar que não têm conseguido dar resposta como seria de esperar, sabendo-se antecipadamente que as idas às urgências aumentam substancialmente nesta época do ano.

O governo desculpa-se com o “frio”, com a “reforma antecipada dos médicos” e acusa as notícias de “alarmismo” infundado e de “falsidade” na análise das mortes ocorridas e promete medidas salvíficas do género “alargamento dos horários de funcionamento dos centros de saúde”, “contratação directa de novos médicos”, “proibição (!?) de médicos e enfermeiros tirarem férias no período do Carnaval”, “abertura de mais camas de internamento” (só no último ano, este governo acabou com 700 camas!) … e da possibilidade de as “urgências privadas poderem vir a tratar doentes do Serviço Nacional de Saúde em alturas de maior afluência aos hospitais”, segundo despacho assinado, curiosamente de forma muito discreta em 9 de Janeiro, pelo secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.

E terá sido esta medida que trouxe mais alguma luz sobre as verdadeiras razões do caos que se vive nas urgências dos hospitais públicos, que fazem mover o ministro especialista em cobrança de impostos e que dão para entender o escarcéu feito por alguma imprensa de referência situada mais à direita. Não há dúvida de que as mortes por legionella e as mortes ocorridas nas urgências, e que poderiam ter sido perfeitamente evitadas, são devidas à política de austeridade levada a cabo nos últimos três anos e meio, o mesmo tempo de mandato deste governo fascista, que tem cortado na Saúde e na Administração Pública em geral com a redução de pessoal e corte brutal nos salários.

Mas, mais do que isso, são a consequência lógica de uma estratégia, que vem de há muito, desde o 1º governo de maioria absoluta do PSD/Cavaco, de privatização da Saúde e concomitante destruição do SNS. Só com a degradação do SNS, com o seu subfinanciamento, a não contratação de pessoal, o encerramento de serviços e diminuição do número de camas, ao mesmo tempo que se financia por diversas maneiras o negócio da medicina privada, é que este terá possibilidade de se instalar e progredir. O privado já possui 30% dos internamentos e das consultas, só faltavam as urgências, o “frio” e a “gripe” (o negócio das vacinas parece que já deu o que tinha a dar) deram o mote, o “caos das urgências” confirma a necessidade, a imprensa do regime faz a propaganda… e a medida (o oportuno e "silencioso" despacho feito por uma figura menor do governo) já está tomada.

E, assim, o negócio da Saúde em Portugal vai de vento em popa, enquanto o povo vai morrendo à fome e à falta de cuidados médicos. É o que acontece quando um governo sem legitimidade continua em funções e tem pressa em acabar a missão para que foi investido: privatizar tudo o que seja passível de ser privatizado, empobrecer o mais possível o povo português, no processo imparável de acumulação e concentração do capital. Não basta demitir o ministro, como muito boa gente tem defendido, mas todo o governo, que há muito deveria ter sido lançado borda fora.

AS URGÊNCIAS EM JANEIRO DE 2015:

RELAÇÃO DOS ÓBITOS NAS URGÊNCIAS SEM ATENDIMENTO MÉDICO ENTRE 27.12.2014 E 20.01.2015 POR TEMPO DE ESPERA E LOCAL DE OCORRÊNCIA:

DATA: 27 de Dezembro de 2014 LOCAL: Urgência do Hospital de S. José – LISBOA ÓBITO: Homem de 80 anos TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO : 6 Horas (até falecer) PULSEIRA MANCHESTER: Amarela TEMPO DE ESPERA MÁXIMO ADMISSIVEL: 1 hora CAUSA DE MORTE: Acidente Vascular Cerebral.

DATA: 2 de Janeiro de 2015 LOCAL: Urgência do Hospital de S. Bernardo – SETÚBAL ÓBITO: Homem de 77 anos de idade TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO : 4 Horas PULSEIRA DE MANCHESTER: Amarela TEMPO DE ESPERA MÁXIMO ADMISSIVEL: 1 Hora CAUSA DE MORTE: Falência Multi-orgânica.

DATA: 4 de Janeiro de 2015 LOCAL: Urgência do Hospital de S. Sebastião – SANTA MARIA DA FEIRA ÓBITO: Homem de 57 anos TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 6 horas (até falecer) PULSEIRA DE MANCHESTER: Amarela. TEMPO MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 1 Hora

DATA: 5 de Janeiro de 2015 LOCAL: Urgência do Hospital de Peniche – PENICHE ÓBITO: Mulher de 79 anos TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 15 Minutos TEMPO DE ESPERA POR RESULTADOS DE EXAMES MÉDICOS IMPRESCINDIVEIS: 7 Horas PULSEIRA DE MANCHESTER: Amarela TEMPO MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 1 Hora CAUSA DE MORTE: Edema Agudo do Pulmão pós-Enfarte Agudo do Miocárdio.

DATA: 11 de Janeiro de 2015 LOCAL: Urgência do Hospital de Santarém- SANTARÉM ÓBITO: Homem de 92 anos TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 4 Horas (até falecer sentado, que nem maca havia para o deitar) PULSEIRA DE MANCHESTER: Amarela TEMPO DE MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 1 Hora CAUSA DE MORTE: Problema cardíaco.

DATA: 11 de Janeiro de 2015 LOCAL: Urgência do Hospital Garcia da Orta ÓBITO: Homem de 60 anos. TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 3 Horas (até falecer) PULSEIRA MANCHESTER: Amarela. TEMPO MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 1 hora CAUSA DE MORTE: Enfarte agudo do Miocárdio.

DATA: 18 de Janeiro de 2015 LOCAL: Urgência do Hospital Garcia da Orta ÓBITO: Mulher de 89 anos TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 9 horas PULSEIRA MANCHESTER: Amarela TEMPO MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 1 hora

DATA: 20 de Janeiro de 2015 LOCAL: Urgência do Hospital S. Francisco Xavier ÓBITO: Homem de 91 anos. TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 3 Horas. PULSEIRA MANCHESTER: Laranja. TEMPO MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 10 minutos.

26 de Janeiro 2015

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quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Ano novo, políticas e ratos velhos

 

O ano de 2023 terminou com os conhecidos casos, casinhos e outras peripécias, sendo o mais destacável a demissão do governo e a convocação de segundas eleições antecipadas em pouco mais de dois anos. O melhor resumo que se pode fazer em relação ao ano que acabou de se finar, e que bem espelha a política seguida pelo governo maioritário do partido autodenominado “socialista” e chefiado pelo cabo Costa, consubstancia-se no facto iniludível: “Fortunas da bolsa aumentam 2,2 mil milhões em 2023”. E quanto às expectativas em relação ao novo ano de 2024, a mensagem difundida pelo “mais elevado magistrado da nação” foi elucidativa ao não esclarecer coisíssima alguma e sobretudo manifestar temor e incerteza: “Marcelo apela ao voto num 2024 ‘mais decisivo’. ‘Povo é quem mais ordena’”. Razões mais que sobejas para prestar atenção às palavras do filósofo José Gil: “As democracias liberais chegaram a uma espécie de limite”.

Marcelo divagou, fugiu aos problemas concretos dos portugueses, iludiu as políticas, na medida em que as alternativas não existem para além do mais do mesmo, emigrou para a conjectura internacional e para as eleições na terra do tio Sam, disfarçando que a responsabilidade do que aconteceu em Portugal é de terceiros, não conseguiu disfarçar o desconforto de que o resultado mais provável das próximas eleições legislativas de Março não será nada de substancialmente diferente, quase de certeza que o PS irá mais uma vez ganhar as eleições e a estabilidade, que tanto reclama, será uma miragem.

Marcelo, que de inteligência apenas possui a arte da intriga, não conseguirá esconder que é ele que acaba por ser o elemento mais desestabilizador do actual regime político, o que não é de agrado do grande capital financeiro nem à burguesia indígena que precisam mais do que nunca, como Centeno já alertara, de paz social para a boa prossecução dos seus negócios e lucros. E o enriquecimento das famílias mais ricas cá do burgo é prova cabal e incontestável de que o governo PS é para manter, tem feito bem o seu trabalho: enriquecer os ricos, empobrecer os pobres e manter a paz social.

Nas democracias liberais não é o povo que manda; os bancos, que dominam toda a economia, é que impõem as regras, “nomeiam” os governo, sejam deste ou daquele partido da ordem, não passando estes de mero executantes. E em situação de turbulência internacional, de incerteza do caminho que poderá levar o capitalismo, as elites estarão com pouca disposição e ânimo para aturar as tricas e as intrigas de um presidente que, mais do que qualquer outro, tem rebaixado a figura de Presidente da República Portuguesa, contribuindo assim para a descredibilização não só do cargo como do regime.

Até agora, tanto o regime como o partido fundado na Alemanha ainda vão servindo aos desígnios dos donos do capital. Marcelo sabe, no fundo, que está a jogar um papel arriscado, ao fugir-lhe sempre o pé para o bufão, daí a sua preocupação, pelo menos aparente, com a abstenção. Porque, se esta aumenta, ele será um dos corresponsáveis, e será sinal certo de que o eleitorado deixou de confiar num regime que há muito faliu no que concerne à capacidade de resolução dos graves problemas do povo português. Se os cidadãos ainda votam é porque a ilusão se mantém, mas esta depressa irá embora se ocorrer grave e incontrolável crise económica.

Não deixa de ser interessante observar as reacções dos diferentes partidos às palavras marcelistas, desde o PSD, partido que pariu a criatura, passando pelos restantes da direita formal, chegando aos mais de esquerda oficial. Para aquele partido, a mensagem de ano novo presidencial foi de “exigência” e de “esperança”, reconhecendo assim que quem lidera a oposição ao governo é Marcelo e que a convicção de vir a enfiar a mão no pote afigura-se pouco provável. O BE até “acompanha” o presidente no apelo ao voto pra virar página nas eleições, na vã esperança de aumentar o seu quinhão orçamental, porque de certeza que não irá para o governo. E o PCP reconhece que a mensagem “constata problemas do país” e “pede mudança”, como partido formalmente revolucionário fica pelos pedidos e não afronta Marcelo.

A verdade é que Costa feliz e contente desunha-se em inaugurações e apresentação de obra feita, já depois de ter aprovado a distribuição das migalhas do costume. E ninguém proteste porque até ao dia 15 fará o que entender e só a partir dessa data é que se irá refugiar no recato – diz ele. A distribuição de bodo aos pobres já começou: actualização das pensões entre 5 a 6%; menos retenção na fonte do IRS; aumento dos salários públicos em 5%, bem como em empresas do estado; apoio às rendas, apesar desta medida resultar em mais inflação das ditas; sedução dos proprietários, classe média, em subida das rendas em cerca de 7%; adiamento do imposto sobre os sacos de plástico.

E ao mesmo tempo tenta apresentar obra feita: descida da dívida pública para perto dos 100% do PIB; baixa inflação; redução do desemprego; subida do PIB para este ano, embora fraca, não será ainda a recessão. Ao cabo e ao resto, Costa vai de encontro às preocupações presidenciais de “crescimento económico”, “baixo desemprego” e, a grande aflição de Marcelo, “coesão social”, as greves têm sido controladas, os médicos e professores adiaram a luta por três meses; ou seja, dificilmente governo de outra cor partidária faria melhor. Ah! Marcelo também se preocupa com a “coesão territorial”, não sabemos ao certo se se referia à regionalização, tema pouco querido da nossa burguesia, ou a Olivença, ainda nas mãos dos espanhóis desde há trezentos anos.

Somos obrigados a reconhecer que nem os partidos da oposição, que teriam todo o interesse na demissão do governo, acreditam que venham alguma coisa de novo com estas eleições. Parecem estar pouco confiantes e até assustados com o que possa resultar do dia 10 de Março. O bruxo Marques Mendes tenta desanuviar: "o próximo governo será precário e dificilmente durará uma legislatura". Será? Então por que razão Marcelo despachou o governo sem mais, poderia manter o PS a governar com outro primeiro-ministro? O apetite pelo pote é tremendo e tramado, ou talvez seja a velha história do João Ratão.

Ambos os bandos se preparam para aceder ao pote, de um lado, o PS prepara acordo com PCP e BE, uma geringonça mais soft, de outro, PSD terá de aceitar o apoio do Chega. E Marcelo já deu a entender que vê com bons olhos o Chega no governo, terá sido este o objectivo de Marcelo ao despachar Costa? O tempo o dirá.

E para terminar a crónica de hoje, os partidos do bloco central de interesses preparam-se para legalizar o lobbying, isto é, a corrupção será reconhecida in jure como respeitável instituição nacional, o que, diga-se de passagem. já era sem tempo atendendo à sua longevidade – esta é a outra dimensão do regime. Então, perceber-se-á que as palavras do filósofo não deixam de ter fundamento.

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PS: Lista das fortunas da bolsa aumentam 2,2 mil milhões em 2023 (In Jornal Eco, 03.01.2024)

As fortunas das famílias mais ricas da bolsa de Lisboa atingiram os quase 16,9 mil milhões de euros, isto é, um aumento de 2,2 mil milhões de euros face a 2022, à boleia da valorização dos títulos.

Em termos absolutos, quem mais ganhou foi família Soares dos Santos, maior acionista da Jerónimo Martins, que arrecadou 1,16 mil milhões de euros em 2023 (um aumento de 13,5%).

Em segundo lugar ficou a família Amorim, que ganhou 237 milhões de euros no ano passado, beneficiando da valorização e dos dividendos relativos às posições na Galp e na Corticeira Amorim. 

No pódio ficam ainda as herdeiras Queiroz Pereira (Filipa, Mafalda e Lua) com uma riqueza de 2,66 mil milhões nas participações que detêm na Semapa e Navigator.

No entanto, o encaixe fica abaixo dos 3,5 mil milhões de euros alcançados em 2021.

O PS promete fazer melhor este ano, caso volte a ganhar as legislativas e a formar governo.

Imagem: in Público