quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Ano novo, políticas e ratos velhos

 

O ano de 2023 terminou com os conhecidos casos, casinhos e outras peripécias, sendo o mais destacável a demissão do governo e a convocação de segundas eleições antecipadas em pouco mais de dois anos. O melhor resumo que se pode fazer em relação ao ano que acabou de se finar, e que bem espelha a política seguida pelo governo maioritário do partido autodenominado “socialista” e chefiado pelo cabo Costa, consubstancia-se no facto iniludível: “Fortunas da bolsa aumentam 2,2 mil milhões em 2023”. E quanto às expectativas em relação ao novo ano de 2024, a mensagem difundida pelo “mais elevado magistrado da nação” foi elucidativa ao não esclarecer coisíssima alguma e sobretudo manifestar temor e incerteza: “Marcelo apela ao voto num 2024 ‘mais decisivo’. ‘Povo é quem mais ordena’”. Razões mais que sobejas para prestar atenção às palavras do filósofo José Gil: “As democracias liberais chegaram a uma espécie de limite”.

Marcelo divagou, fugiu aos problemas concretos dos portugueses, iludiu as políticas, na medida em que as alternativas não existem para além do mais do mesmo, emigrou para a conjectura internacional e para as eleições na terra do tio Sam, disfarçando que a responsabilidade do que aconteceu em Portugal é de terceiros, não conseguiu disfarçar o desconforto de que o resultado mais provável das próximas eleições legislativas de Março não será nada de substancialmente diferente, quase de certeza que o PS irá mais uma vez ganhar as eleições e a estabilidade, que tanto reclama, será uma miragem.

Marcelo, que de inteligência apenas possui a arte da intriga, não conseguirá esconder que é ele que acaba por ser o elemento mais desestabilizador do actual regime político, o que não é de agrado do grande capital financeiro nem à burguesia indígena que precisam mais do que nunca, como Centeno já alertara, de paz social para a boa prossecução dos seus negócios e lucros. E o enriquecimento das famílias mais ricas cá do burgo é prova cabal e incontestável de que o governo PS é para manter, tem feito bem o seu trabalho: enriquecer os ricos, empobrecer os pobres e manter a paz social.

Nas democracias liberais não é o povo que manda; os bancos, que dominam toda a economia, é que impõem as regras, “nomeiam” os governo, sejam deste ou daquele partido da ordem, não passando estes de mero executantes. E em situação de turbulência internacional, de incerteza do caminho que poderá levar o capitalismo, as elites estarão com pouca disposição e ânimo para aturar as tricas e as intrigas de um presidente que, mais do que qualquer outro, tem rebaixado a figura de Presidente da República Portuguesa, contribuindo assim para a descredibilização não só do cargo como do regime.

Até agora, tanto o regime como o partido fundado na Alemanha ainda vão servindo aos desígnios dos donos do capital. Marcelo sabe, no fundo, que está a jogar um papel arriscado, ao fugir-lhe sempre o pé para o bufão, daí a sua preocupação, pelo menos aparente, com a abstenção. Porque, se esta aumenta, ele será um dos corresponsáveis, e será sinal certo de que o eleitorado deixou de confiar num regime que há muito faliu no que concerne à capacidade de resolução dos graves problemas do povo português. Se os cidadãos ainda votam é porque a ilusão se mantém, mas esta depressa irá embora se ocorrer grave e incontrolável crise económica.

Não deixa de ser interessante observar as reacções dos diferentes partidos às palavras marcelistas, desde o PSD, partido que pariu a criatura, passando pelos restantes da direita formal, chegando aos mais de esquerda oficial. Para aquele partido, a mensagem de ano novo presidencial foi de “exigência” e de “esperança”, reconhecendo assim que quem lidera a oposição ao governo é Marcelo e que a convicção de vir a enfiar a mão no pote afigura-se pouco provável. O BE até “acompanha” o presidente no apelo ao voto pra virar página nas eleições, na vã esperança de aumentar o seu quinhão orçamental, porque de certeza que não irá para o governo. E o PCP reconhece que a mensagem “constata problemas do país” e “pede mudança”, como partido formalmente revolucionário fica pelos pedidos e não afronta Marcelo.

A verdade é que Costa feliz e contente desunha-se em inaugurações e apresentação de obra feita, já depois de ter aprovado a distribuição das migalhas do costume. E ninguém proteste porque até ao dia 15 fará o que entender e só a partir dessa data é que se irá refugiar no recato – diz ele. A distribuição de bodo aos pobres já começou: actualização das pensões entre 5 a 6%; menos retenção na fonte do IRS; aumento dos salários públicos em 5%, bem como em empresas do estado; apoio às rendas, apesar desta medida resultar em mais inflação das ditas; sedução dos proprietários, classe média, em subida das rendas em cerca de 7%; adiamento do imposto sobre os sacos de plástico.

E ao mesmo tempo tenta apresentar obra feita: descida da dívida pública para perto dos 100% do PIB; baixa inflação; redução do desemprego; subida do PIB para este ano, embora fraca, não será ainda a recessão. Ao cabo e ao resto, Costa vai de encontro às preocupações presidenciais de “crescimento económico”, “baixo desemprego” e, a grande aflição de Marcelo, “coesão social”, as greves têm sido controladas, os médicos e professores adiaram a luta por três meses; ou seja, dificilmente governo de outra cor partidária faria melhor. Ah! Marcelo também se preocupa com a “coesão territorial”, não sabemos ao certo se se referia à regionalização, tema pouco querido da nossa burguesia, ou a Olivença, ainda nas mãos dos espanhóis desde há trezentos anos.

Somos obrigados a reconhecer que nem os partidos da oposição, que teriam todo o interesse na demissão do governo, acreditam que venham alguma coisa de novo com estas eleições. Parecem estar pouco confiantes e até assustados com o que possa resultar do dia 10 de Março. O bruxo Marques Mendes tenta desanuviar: "o próximo governo será precário e dificilmente durará uma legislatura". Será? Então por que razão Marcelo despachou o governo sem mais, poderia manter o PS a governar com outro primeiro-ministro? O apetite pelo pote é tremendo e tramado, ou talvez seja a velha história do João Ratão.

Ambos os bandos se preparam para aceder ao pote, de um lado, o PS prepara acordo com PCP e BE, uma geringonça mais soft, de outro, PSD terá de aceitar o apoio do Chega. E Marcelo já deu a entender que vê com bons olhos o Chega no governo, terá sido este o objectivo de Marcelo ao despachar Costa? O tempo o dirá.

E para terminar a crónica de hoje, os partidos do bloco central de interesses preparam-se para legalizar o lobbying, isto é, a corrupção será reconhecida in jure como respeitável instituição nacional, o que, diga-se de passagem. já era sem tempo atendendo à sua longevidade – esta é a outra dimensão do regime. Então, perceber-se-á que as palavras do filósofo não deixam de ter fundamento.

*

PS: Lista das fortunas da bolsa aumentam 2,2 mil milhões em 2023 (In Jornal Eco, 03.01.2024)

As fortunas das famílias mais ricas da bolsa de Lisboa atingiram os quase 16,9 mil milhões de euros, isto é, um aumento de 2,2 mil milhões de euros face a 2022, à boleia da valorização dos títulos.

Em termos absolutos, quem mais ganhou foi família Soares dos Santos, maior acionista da Jerónimo Martins, que arrecadou 1,16 mil milhões de euros em 2023 (um aumento de 13,5%).

Em segundo lugar ficou a família Amorim, que ganhou 237 milhões de euros no ano passado, beneficiando da valorização e dos dividendos relativos às posições na Galp e na Corticeira Amorim. 

No pódio ficam ainda as herdeiras Queiroz Pereira (Filipa, Mafalda e Lua) com uma riqueza de 2,66 mil milhões nas participações que detêm na Semapa e Navigator.

No entanto, o encaixe fica abaixo dos 3,5 mil milhões de euros alcançados em 2021.

O PS promete fazer melhor este ano, caso volte a ganhar as legislativas e a formar governo.

Imagem: in Público

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