quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Manda quem pode, obedece quem deve

  

Com a campanha eleitoral em estado particularmente avançado e atingindo um tom de certo modo encarniçado, saltou para a ribalta mais um caso de suspeita evidente de corrupção envolvendo o chefe do governo regional da Madeira e o presidente da câmara municipal do Funchal, duas figuras gradas do PSD que não sabe bem o que mais prometer a fim de conseguir enfiar a mão no pote após oito longos e impaciente anos de jejum. Fica-se com a sensação de que foi vingança do PS, já que é o governo que manda na polícia judiciária e, depois do farto subsídio, não haverá outro remédio senão responder prontamente.

De boas promessas e de boas intenções está o Inferno cheio

A coisa promete ser renhida até ao fim e ninguém estranhe, como já foi alertado por diversas vezes, que a presente campanha para as legislativas do próximo dia de 10 de Março venha a revelar-se um tanto ou quanto feia; vai valer tudo, arrancar olhos caso seja necessário. Toda a gente espera que o principal homem de mão, na Madeira, do dito “principal partido” da oposição, no Continente, coloque o cargo à disposição, à semelhança de Costa que parece não ter hesitado e por razões aparentemente mais difusas, porque a situação para o Montenegro será a partir de agora cada vez mais preta, e lá se irão as promessas de tudo e mais um par de botas.

Quanto a promessas e de pretensas boas intenções está o Inferno cheio, e não deixa de ser ridículos os leilões de promessas fáceis prometidas por todos os partidos, uma verdadeira feira, desde do que ainda se encontra no governo, passando pelos partidos ditos da “direita moderada” e aos intitulados de “extrema esquerda” e “extrema-direita”, esquecendo-se de que as políticas seguidas nos países da União Europeia são determinadas por Bruxelas. E temos de ser realistas, porque é neste quadro que os partidos portugueses se movem, sendo tudo o resto mera demagogia, e rasca. E o que diz Bruxelas?

Ora, no recente encontro do Fórum Económico Mundial (54º), realizado em Davos, a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen não se engasgou nem trincou a língua no seu discurso onde explanou clara e detalhadamente as linhas mestres da política a seguir: os sectores públicos (governos) e privados devem colaborar intimamente; a principal preocupação para os próximos dois anos será o combate à “desinformação e falsa informação” e não o clima; “os próximos anos exigirão que pensemos da mesma forma”, acredita que o poder comum das democracias e dos negócios estará no centro desta forma única de pensar; como a Rússia, no seu entender, está a perder a guerra na Ucrânia e a falhar nos seus objetivos económicos e diplomáticos, o belicismo europeu irá impor-se.

Em relação à forma de cooperação entre governos e empresas serão estas a ditar as leis, promessas de subidas do salário mínimo e médio, seja os mil euros do salário já este ano ou para 2028, seja os 1750 euros do salário médio para o final da legislatura, partindo do princípio que chegará ao fim, o que é pouco provável, os partidos terão de perguntar primeiro se os patrões e as empresas estão dispostos a fazê-lo, já que a cooperação tem que funcionar, e os patrões portugueses já foram explícitos sobre o assunto: o salário mínimo de 1000 euros é difícil sem aumento da produtividade – primeiro venha o porco, quanto ao chouriço logo se vê!

O PSD deixa transparecer que está com a consciência pesada quanto aos idosos, deve ainda estar lembrado dos cortes que efectuou nas pensões e nas idades de reforma para a “peste grisalha”, então desunha-se em promessa de aumentos, complementos e outros apoios. No entanto, os restantes partidos não lhe ficam atrás, até houve um que prometeu reforma mínima igual ao salário mínimo, outros apostam mais na descida da idade para aposentação e o novel chefe socialista uma das primeiras coisas que fez foi visitar centros de terceira idade, também se esquecendo – esta gente come muito queijo! – do número de mortes de idosos abandonados durante a pandemia e em lares ilegais. Para quando uma rede pública de lares ou de cuidados continuados?

Em referência à economia, cujo estado de saúde não está tão bem como o governo o pinta, as promessas são descabeladas: a recauchutada AD jura a pés juntos que a descida gradual do IRC irá garantir um bónus de 5 mil milhões de euros às empresas, o que permitirá subir o PIB em 3,4% até 2028 e à custa predominantemente do aumento da procura interna. Ora, se os salários são baixos, o poder de compra dos portugueses encontra-se continuamente a degradar-se e os patrões não estão abertos à ideia de subir substancial e antecipadamente os salários, como é que isso poderá ser feito?

Aumentar a produção, induzir o crescimento económico, e aqui fala-se do crescimento da riqueza dos patrões, através de aumento das exportações, como se tem tentado fazer até agora, como isso será efectuado se atendermos a  duas razões: primeiro, a União Europeia está a entrar em recessão económica, a denominada “locomotiva da Europa”, a Alemanha, tem a economia estagnada há uma série de trimestres e não se prevêem melhorias, bem pelo contrário; segundo, a economia portuguesa tem-se transformado num prolongamento da economia espanhola desde a entrada no euro, o que explica que nos últimos vinte anos, tempo do euro, o PIB nacional tem crescido a uma taxa média anual de 1%, isto é, metade do da economia do outro lado da fronteira, cada vez menos fronteira. Como é?

A crise da democracia e a crise dos seus órgãos de propaganda

“Para a comunidade empresarial global, a principal preocupação para os próximos 2 anos não será o conflito ou o clima. É desinformação e falsa informação, seguidas de perto pela polarização nas nossas sociedades” – Ursula von der Leyen no 54º Fórum Económico Mundial, 16 Janeiro 2024

A economia capitalista nacional não está lá muito bem, mas o resto não estará lá muito melhor. Se pegarmos no assunto que mais preocupa a senhora von der Leyen, a questão de toda a gente seguir o mesmo pensamento, sem lugar para dissidências ou alternativas, com o objectivo de evitar ou abafar a contestação social, então a situação é calamitosa. Os media mainstream nacionais, propriedade de um pequeno punhado de grupos económicos, estão pela rua da amargura e o caso Global Media Group, adquirido recentemente por um fundo de investimento mafioso, diz bem da realidade, e será apenas a ponta do iceberg. As posições dos diversos partidos do establishment quanto ao apoio a esta imprensa falida e desacreditada diz bem da natureza política e de classe desses partidos.

Antes de mais, devemos lembrar os 15 milhões de euros que o governo do PS/Costa enterrou nos media para, alegadamente, fazer publicidade institucional, mas na prática foi comprar a adesão à política seguida e aplicada quanto ao combate da pandemia, onde se esturricaram alguns milhares de milhões de euros na compra de vacinas, material de protecção, máscaras e serviços aos lóbis da saúde privada e também, com o mesmo pretexto, na recapitalização de empresas falidas ou à beira de tal. E ainda não se falava da crise do Global Media Group e Marcelo defendia o apoio estatal aos media privados, melhor dizendo, aos meios de propaganda do regime. O ex-presidente do Parlamento também já alvitrou a alteração da Lei de Imprensa. Provavelmente, os media mainstream serão benevolentes com o PS nesta campanha eleitoral.

E a seguir, e apontando as medidas defendidas pelos partidos do sistema quanto à forma de salvação de órgãos de informação que o povo português pouco lê ou vê, tirando as telenovelas, e onde pouco ou nenhum dinheiro gasta, porque também o não tem, concluímos que o consenso reina entre todos. O PS e BE são unânimes em enfiar directamente dinheiro nos órgãos de propaganda da burguesia, os restantes também aprovam mas com algumas condições, que são mais de forma do que substância, e o PCP até terá alvitrado a nacionalização do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias, dando a entender que são os “alicerces fundamentais da democracia”, como disse uma ex-deputada socialista, chegando a defender um “pacto de regime alargado” sobre os media. Mas pergunta-se, democracia e liberdade de expressão para quem, para os trabalhadores ou para as elites e seus negócios como aponta von der Leyen?

E quanto a democracia, esta não está melhor que os seus órgãos de propaganda, vai-se auto-descridibilizando, e aqui todos os partidos com assento na Assembleia da República estão unidos, e fortemente, incluindo o que se autoproclama de “anti-sistema”. O Parlamento, no seu último plenário, aprovou por unanimidade e em tempo recorde o projecto de lei que alarga ajudas de custo para os próprios deputados… e com retroactivos até agosto de 2023. É o fartar vilanagem! E vêm agora os falsos moralistas do costume gritar aqui d’el rei! que o ex-militante e ex-deputado pelo PSD, agora cabeça de lista do Chega, terá recebido 75 mil euros de subsídios e ajudas de custa por ter dado como residência Angola e não Coimbra ou Lisboa, onde passa a maior parte do tempo. Afinal, são todos subsídio-dependentes, ou seja, mamam todos na mesma teta.

Os cada mais frequentes casos de corrupção, na maior das vezes corrupção passiva de titular de cargo político, quer dizer que os políticos governantes foram corrompidos por alguém, no caso da Madeira os políticos terão sido por gente ligada aos negócios da construção civil e do turismo, acusação geralmente associada a suspeitas de “prevaricação, abuso de poder, participação económica em negócio ou atentado contra o Estado de Direito”, contribuem para descredibilização do regime. Quando esta democracia perfaz meio centenário de existência, vão realizar-se eleições antecipadas para a Assembleia da República e para a Assembleia Regional dos Açores e, muito provavelmente e em breve, também para a Assembleia Regional da Madeira, caso o governo regional venha a cair, como parece vir a acontecer. Não deixa de ser uma forma irónica de confirmar a solidez do regime.

Fica evidente, só não vê quem não quer ou não lhe interessa, que a classe política do regime não passa de uma casta que, para além de parasitária, funciona como gestora dos negócios do capitalismo. São todos uns meros funcionários que de imediato são descartados se não cumprirem com a missão, e logo substituídos por outros. Alguns são mais espertalhaços e não se deixam apanhar; outros, ou por inépcia ou por arrogância e excesso de confiança, são apanhados com a mão na massa. A fila para candidato ao pote parece não ter fim e as eleições servem somente para refrescar as fileiras, e quando é. Nunca foi tão verdadeira como no tempo presente a velha máxima salazarista do “Manda quem pode, obedece quem deve”: manda o poder económico, esteja ele (grande capital financeiro) sedeado em Bruxelas ou situado em Portugal, os políticos avençados obedecem.

Imagem: "Os pica-paus" em henricartoon

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