Parece haver por aí gente muito preocupada com a respeitabilidade das nossas instituições e com a saúde da nossa democracia. O nosso inefável presidente da república, pensando que é rei e não deixando de surfar o impulso coscuvilheiro, anda ansioso: "o prestígio das instituições é o mais importante”; outros preocupam-se, com o “desgaste da democracia”. Todos terão agora acordado para realidades que eles próprios ajudaram a criar, e isto a propósito das peripécias reveladas (ou por ela criadas) pela já famigerada CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre a gestão da TAP (Transportadora Aérea de Portugal). Ficamos com algumas questões: quem na realidade está interessado na degradação das instituições e no desgaste da democracia, e com que objectivos?
A múmia volta a
atacar
Andava a CPI na
sua burocrática actividade de procurar mais as peripécias que envolvem a
demissão do também já famoso ex-adjunto, ou ex-assessor (para que servirá na
realidade um gajo destes?), do ministro Galamba e da recuperação do também
badalado computador do que propriamente com a má gestão da transportadora aérea
nacional, quando o país é sobressaltado com um grito cavernoso.
Foi o acordar da
múmia, esquecida no recanto do Convento do Sacramento, com gabinete cujas obras
orçaram em cerca de meio milhão de euros, e ainda sustentado pelo erário
público. Terá vindo por pedido de socorro da direcção do seu partido e, como já
nos tem habituado ultimamente, vomitou raiva, ressabiamento e ódio; como seria
de esperar, vociferou pela demissão do governo.
Ao que parece,
várias forças se unem pelo descrédito acelerado do governo e do PS a fim de
obrigar a realização de novas eleições legislativas, mas pelas piores razões. O
chefe parlamentar Sarmento escandaliza-se porque “com o governo PS não há
instituições que resistam”, comportamento que “contribui também para o nosso
atraso económico e social”, aparelhando com Marcelo que não se cansa de perorar
que “é uma ilusão achar que se pode ser importante sem pagar um preço”, numa
directa clara sobre o Galamba.
A nova PIDE em
preparação?
A repressão
aumenta à medida em que a disputa pelo pote é mais renhida e se vislumbra uma
maior resistência por parte de que produz a riqueza a deixar-se espoliar. O ataque
ao governo, pelo sector mais reaccionário do PSD, e da judicialização da
política, uma outra variante, nota-se à vista desarmada que a extrema-direita,
dentro e fora do dito “principal partido da oposição”, se encontra desesperada
por enfiar a mão no pote.
O bolo, já depois
da actualização dos empréstimos dentro do quadro do PRR, ultrapassa os
conhecidos 53 mil milhões de euros até 2027. É muita fruta para ficar só nas
mãos da gerência socialista, haverá que dividir. Assim se entende o ressuscitar
da múmia que, ao contrário do que afirma, pouco se importa que a
extrema-direita se locuplete.
Por outro lado,
não deixa de ser irónico que a direita e a extrema-direita se indignem com
actuação das secretas e do papel do governo quanto ao seu controlo, sabendo-se
que PSD no governo é a política do cacete puro e duro sobre os trabalhadores e
sem os dois subprodutos da extrema-direita que, entretanto, produziu. Se o SIS
existe, então, basta a direita/extrema-direita no poder alterar a legislação
para que a nova PIDE esteja pronta a trabalhar, já que a máquina está montada.
O poder não é o fim, é somente o meio para conseguir a riqueza.
Sabemos de
experiência passada que o PS, aquando governo, cria e afina os instrumentos
repressivos que depois o governo de direita formal que venha a seguir irá
utilizar contra o povo e os trabalhadores, com o objectivo de extorquir maiores
mais-valias. E os instrumentos repressivos vão de polícias a leis sanitárias e
restrições ao direito da greve; e veremos como será a revisão da Constituição.
A questão da
privatização da TAP
Antes da política
e do poder encontra-se a economia, e esta, ao contrário da bazófia de Costa,
não estará assim tão boa. Será nesta perspectiva que se deve entender o
imbróglio telenovelístico da TAP, Transportadora Aérea Nacional, geradora de
mais-valias de vários milhares de milhões de euros para o país e os cofres do
estado, razão pela qual se transformou num bem apetecível e cobiçado para
capitalistas nacionais e estrangeiros.
Durante este tempo
todo, a CPI só nas últimas horas começou a revelar alguma realidade sobre o que
se passou na TAP, aliás, a verdadeira razão para a sua constituição, dando a
conhecer nada que já não se soubesse: “Privatização da TAP dava 100% dos lucros
aos privados e 100% dos riscos ao Estado"; “Risco de litigância explica
parte do “mistério” dos 55 milhões pagos a Neeleman para sair da TAP”; “Venda
da TAP não faz parte das exigências de Bruxelas”.
Traduzindo, a
privatização feita acorrer pelo governo do PSD/PP levou ao enriquecimento fácil
de um oligarca nacional e de um cabotino apátrida que, depois de meter ao bolso
largos milhões de euros pelo negócio dos aviões comprados a cima do preço real,
ainda recebeu um bónus para se ir embora. Todas as privações têm sido feitas no
meio das maiores das corrupções e com claro prejuízo para o povo português. Fica
a questão: quanto é que embolsaram em comissões os ministros envolvidos na
vigarice da privatização?
Para se perceber
qual a função do estado e a sua natureza de classe, bem como o governo de turno
ao serviço dos negócios do capital, seja PS ou PSD, ou qualquer outro que
suceda sem colocar em causa este estado que nos desgoverna; assim, ficou-se a
saber, o que também já não era novidade, que a recapitalização da TAP se fez à
custa do despedimento e redução nos salários dos seus trabalhadores. Estes
estão sempre no fim de linha a aguentar com os custos, isto é, suportam o
aumento dos lucros do capital. Desta vez, quem irá beneficiar do “emagrecimento”
da empresa será o grande capital europeu, concreta e muito provavelmente, a
Lufthansa.
A
judicialização da política
Depois da múmia “aconselhar”
o Costa a sair pelo seu pé, o cronista MST divagar sobre a “insuportável
futilidade da política” do regime (saliente-se!), e para finalizar, o canal
televisivo, propriedade de oligarcas nacionais aliados ao imperialismo
americano, tira da cartola o “coelho” da Operação 'Tutti Frutti', caso
enterrado no Ministério público vai para quase meia dúzia de anos, envolvendo caciques
locais dos dois partidos do bloco central de interesses.
Parece que a
operação “mãos limpas” à portuguesa não visará apenas o partido do governo mas
igualmente a sua cara metade, ou seja, o PSD e, em suma, todo o regime
democrático. A responsabilidade não será só da falta de autoridade ou das
mentiras de Costa e do PS, parece haver uma campanha no sentido de, e a curto
prazo, de um endurecimento do regime, uma musculação capaz de submeter os
trabalhadores a uma agenda económica, que só funcionará se acompanhada pela tal
autoridade referida pelo PSD.
Será que estamos a
assistir não só à musculação da democracia parlamentar burguesa como à mudança
dos partidos ao serviço das elites? Parece que tudo aponta nesse sentido, desde
as marcelices debitadas pelo comentador político instalado no palácio de
Belém (“É mais fácil mudar de instituições do que as instituições mudarem de
povo” – ou será as elites?) até à judicialização da política (TVI: “Aquilo que
revelámos é ipsis verbis o que o Ministério Público nos passou”). Então,
devemos relembrar quais foram os partidos que na Itália, depois da operação
“mãos limpas”, foram substituir os que se desacreditaram pela mentira e pela
corrupção, catapultando para o poder a extrema-direita de Salvine e Meloni
Mussolini.
A democracia e
as flores de lapela do regime
Neste quadro de
reconstituição partidária não poderemos deixar de apontar o que se passa com o
Bloco de Esquerda. Houve a Convenção para tentar mudar o rumo de correr atrás
do prejuízo; relembremos que, entre 2015 e 2022, o BE perdeu 14 deputados e 310 636
votos (desceu de 10,19% para 4,46%), enquanto o PS ganhou 31 deputados e
498 952 votos (passou de 32,31% para 41,68 %), o resultado lógico do apoio
à “geringonça”. Mas, fazendo fé nas palavras da nova coordenadora, ficará tudo
na mesma: “Mariana Mortágua diz que a sua liderança não vai representar uma ‘guinada
política’”.
É a
pequena-burguesia urbana e poltrona, também ávida do pote, que não se coíbe de
se assumir como a flor de lapela da burguesia e do seu regime
democrático: “Expresso: Bloco: Catarina Martins substitui Mariana Mortágua na
SIC”. Agora, teremos o partido da “vida boa”, cá dentro; e, lá fora, continuará
a seguir o imperialismo norte-americano nas suas guerras de agressão contra os
povos. Em suma, para o BE, o capitalismo é para manter, mas mais humanizado,
bem como a sacrossanta democracia parlamentar, regime que ainda assim permite a
mama ao BE.
Para os próximos
tempos, prevê-se ataques renhidos contra o PS e o governo, a bem de melhor
partilha do pote dos 55 mil milhões de euros, e possível revisão da
Constituição da República no sentido de transformar este regime parlamentar em
regime presidencialista; onde o PR possa formar governo e com funções de
primeiro-ministro, um pouco à semelhança da Turquia que aboliu o cargo de chefe
de governo. Pelo menos, enquanto não surja um providencial D. Sebastião, Salvador
da Pátria, para arrumar a casa de vez e colocar os trabalhadores e o povo
na devida ordem. Sempre a Bem da Nação… e do Capital.