quarta-feira, 31 de maio de 2023

As instituições, a democracia e a extrema-direita

 

Henricartoon

Parece haver por aí gente muito preocupada com a respeitabilidade das nossas instituições e com a saúde da nossa democracia. O nosso inefável presidente da república, pensando que é rei e não deixando de surfar o impulso coscuvilheiro, anda ansioso: "o prestígio das instituições é o mais importante”; outros preocupam-se, com o “desgaste da democracia”. Todos terão agora acordado para realidades que eles próprios ajudaram a criar, e isto a propósito das peripécias reveladas (ou por ela criadas) pela já famigerada CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre a gestão da TAP (Transportadora Aérea de Portugal). Ficamos com algumas questões: quem na realidade está interessado na degradação das instituições e no desgaste da democracia, e com que objectivos?

A múmia volta a atacar

Andava a CPI na sua burocrática actividade de procurar mais as peripécias que envolvem a demissão do também já famoso ex-adjunto, ou ex-assessor (para que servirá na realidade um gajo destes?), do ministro Galamba e da recuperação do também badalado computador do que propriamente com a má gestão da transportadora aérea nacional, quando o país é sobressaltado com um grito cavernoso.

Foi o acordar da múmia, esquecida no recanto do Convento do Sacramento, com gabinete cujas obras orçaram em cerca de meio milhão de euros, e ainda sustentado pelo erário público. Terá vindo por pedido de socorro da direcção do seu partido e, como já nos tem habituado ultimamente, vomitou raiva, ressabiamento e ódio; como seria de esperar, vociferou pela demissão do governo.

Ao que parece, várias forças se unem pelo descrédito acelerado do governo e do PS a fim de obrigar a realização de novas eleições legislativas, mas pelas piores razões. O chefe parlamentar Sarmento escandaliza-se porque “com o governo PS não há instituições que resistam”, comportamento que “contribui também para o nosso atraso económico e social”, aparelhando com Marcelo que não se cansa de perorar que “é uma ilusão achar que se pode ser importante sem pagar um preço”, numa directa clara sobre o Galamba.

A nova PIDE em preparação?

A repressão aumenta à medida em que a disputa pelo pote é mais renhida e se vislumbra uma maior resistência por parte de que produz a riqueza a deixar-se espoliar. O ataque ao governo, pelo sector mais reaccionário do PSD, e da judicialização da política, uma outra variante, nota-se à vista desarmada que a extrema-direita, dentro e fora do dito “principal partido da oposição”, se encontra desesperada por enfiar a mão no pote.

O bolo, já depois da actualização dos empréstimos dentro do quadro do PRR, ultrapassa os conhecidos 53 mil milhões de euros até 2027. É muita fruta para ficar só nas mãos da gerência socialista, haverá que dividir. Assim se entende o ressuscitar da múmia que, ao contrário do que afirma, pouco se importa que a extrema-direita se locuplete.

Por outro lado, não deixa de ser irónico que a direita e a extrema-direita se indignem com actuação das secretas e do papel do governo quanto ao seu controlo, sabendo-se que PSD no governo é a política do cacete puro e duro sobre os trabalhadores e sem os dois subprodutos da extrema-direita que, entretanto, produziu. Se o SIS existe, então, basta a direita/extrema-direita no poder alterar a legislação para que a nova PIDE esteja pronta a trabalhar, já que a máquina está montada. O poder não é o fim, é somente o meio para conseguir a riqueza.

Sabemos de experiência passada que o PS, aquando governo, cria e afina os instrumentos repressivos que depois o governo de direita formal que venha a seguir irá utilizar contra o povo e os trabalhadores, com o objectivo de extorquir maiores mais-valias. E os instrumentos repressivos vão de polícias a leis sanitárias e restrições ao direito da greve; e veremos como será a revisão da Constituição.

A questão da privatização da TAP

Antes da política e do poder encontra-se a economia, e esta, ao contrário da bazófia de Costa, não estará assim tão boa. Será nesta perspectiva que se deve entender o imbróglio telenovelístico da TAP, Transportadora Aérea Nacional, geradora de mais-valias de vários milhares de milhões de euros para o país e os cofres do estado, razão pela qual se transformou num bem apetecível e cobiçado para capitalistas nacionais e estrangeiros.

Durante este tempo todo, a CPI só nas últimas horas começou a revelar alguma realidade sobre o que se passou na TAP, aliás, a verdadeira razão para a sua constituição, dando a conhecer nada que já não se soubesse: “Privatização da TAP dava 100% dos lucros aos privados e 100% dos riscos ao Estado"; “Risco de litigância explica parte do “mistério” dos 55 milhões pagos a Neeleman para sair da TAP”; “Venda da TAP não faz parte das exigências de Bruxelas”.

Traduzindo, a privatização feita acorrer pelo governo do PSD/PP levou ao enriquecimento fácil de um oligarca nacional e de um cabotino apátrida que, depois de meter ao bolso largos milhões de euros pelo negócio dos aviões comprados a cima do preço real, ainda recebeu um bónus para se ir embora. Todas as privações têm sido feitas no meio das maiores das corrupções e com claro prejuízo para o povo português. Fica a questão: quanto é que embolsaram em comissões os ministros envolvidos na vigarice da privatização?

Para se perceber qual a função do estado e a sua natureza de classe, bem como o governo de turno ao serviço dos negócios do capital, seja PS ou PSD, ou qualquer outro que suceda sem colocar em causa este estado que nos desgoverna; assim, ficou-se a saber, o que também já não era novidade, que a recapitalização da TAP se fez à custa do despedimento e redução nos salários dos seus trabalhadores. Estes estão sempre no fim de linha a aguentar com os custos, isto é, suportam o aumento dos lucros do capital. Desta vez, quem irá beneficiar do “emagrecimento” da empresa será o grande capital europeu, concreta e muito provavelmente, a Lufthansa.

A judicialização da política

Depois da múmia “aconselhar” o Costa a sair pelo seu pé, o cronista MST divagar sobre a “insuportável futilidade da política” do regime (saliente-se!), e para finalizar, o canal televisivo, propriedade de oligarcas nacionais aliados ao imperialismo americano, tira da cartola o “coelho” da Operação 'Tutti Frutti', caso enterrado no Ministério público vai para quase meia dúzia de anos, envolvendo caciques locais dos dois partidos do bloco central de interesses.

Parece que a operação “mãos limpas” à portuguesa não visará apenas o partido do governo mas igualmente a sua cara metade, ou seja, o PSD e, em suma, todo o regime democrático. A responsabilidade não será só da falta de autoridade ou das mentiras de Costa e do PS, parece haver uma campanha no sentido de, e a curto prazo, de um endurecimento do regime, uma musculação capaz de submeter os trabalhadores a uma agenda económica, que só funcionará se acompanhada pela tal autoridade referida pelo PSD.

Será que estamos a assistir não só à musculação da democracia parlamentar burguesa como à mudança dos partidos ao serviço das elites? Parece que tudo aponta nesse sentido, desde as marcelices debitadas pelo comentador político instalado no palácio de Belém (“É mais fácil mudar de instituições do que as instituições mudarem de povo” – ou será as elites?) até à judicialização da política (TVI: “Aquilo que revelámos é ipsis verbis o que o Ministério Público nos passou”). Então, devemos relembrar quais foram os partidos que na Itália, depois da operação “mãos limpas”, foram substituir os que se desacreditaram pela mentira e pela corrupção, catapultando para o poder a extrema-direita de Salvine e Meloni Mussolini.

A democracia e as flores de lapela do regime

Neste quadro de reconstituição partidária não poderemos deixar de apontar o que se passa com o Bloco de Esquerda. Houve a Convenção para tentar mudar o rumo de correr atrás do prejuízo; relembremos que, entre 2015 e 2022, o BE perdeu 14 deputados e 310 636 votos (desceu de 10,19% para 4,46%), enquanto o PS ganhou 31 deputados e 498 952 votos (passou de 32,31% para 41,68 %), o resultado lógico do apoio à “geringonça”. Mas, fazendo fé nas palavras da nova coordenadora, ficará tudo na mesma: “Mariana Mortágua diz que a sua liderança não vai representar uma ‘guinada política’”.

É a pequena-burguesia urbana e poltrona, também ávida do pote, que não se coíbe de se assumir como a flor de lapela da burguesia e do seu regime democrático: “Expresso: Bloco: Catarina Martins substitui Mariana Mortágua na SIC”. Agora, teremos o partido da “vida boa”, cá dentro; e, lá fora, continuará a seguir o imperialismo norte-americano nas suas guerras de agressão contra os povos. Em suma, para o BE, o capitalismo é para manter, mas mais humanizado, bem como a sacrossanta democracia parlamentar, regime que ainda assim permite a mama ao BE.

Para os próximos tempos, prevê-se ataques renhidos contra o PS e o governo, a bem de melhor partilha do pote dos 55 mil milhões de euros, e possível revisão da Constituição da República no sentido de transformar este regime parlamentar em regime presidencialista; onde o PR possa formar governo e com funções de primeiro-ministro, um pouco à semelhança da Turquia que aboliu o cargo de chefe de governo. Pelo menos, enquanto não surja um providencial D. Sebastião, Salvador da Pátria, para arrumar a casa de vez e colocar os trabalhadores e o povo na devida ordem. Sempre a Bem da Nação… e do Capital.

sábado, 27 de maio de 2023

Uma falsificação da teoria leninista sobre o imperialismo

 

Partido que se diz marxista e leninista demonstra uma profunda ignorância do be-a-bá marxista e leninista

por Causa Operária

Matéria publicada em A Verdade, nesta segunda-feira (22), sob o título “Países imperialistas aumentam gastos militares e preparam nova guerra mundial”, é mais uma distorção da realidade e daquilo que Lênin falou sobre o imperialismo, citado no texto.

Comecemos pelo final, quando dizem que “Para a burguesia, o que importa é o controle das áreas de influência e dos lucros dos monopólios capitalistas. Como definiu Lênin em sua obra O imperialismo, fase superior do capitalismo, ‘faz parte da própria essência do imperialismo a competição de várias grandes potências em suas aspirações à hegemonia”’. A matéria coloca China e Rússia como imperialistas, e esses países não se enquadram nessa caracterização feita por Lênin.

O início do texto trata dos gastos militares no mundo, e dá conta de que “pela primeira vez na História, a marca de US$ 2 trilhões (cerca de R$ 11,6 trilhões)”. E que “Esse valor é quase oito vezes maior que o necessário, por ano, para acabar com a fome no planeta até 2030, de acordo com a ONU”. Ainda que seja para termos comparativos, nem seria necessário tanto, a humanidade já produz alimentos em excesso. O que provoca a fome é a desigualdade social, não se trata de “poderíamos gastar esse dinheiro em comida e distribuir”.

Na sequência, o texto elenca os países que mais gastaram na compra de “armas, munições, tanques, navios de guerra, aviões e bombas [a lista] é encabeçada pelos Estados Unidos (US$ 801 bilhões), seguido por China (US$ 293 bilhões), Índia (US$ 76,6 bilhões), Reino Unido (US$ 68,4 bilhões) e Rússia (US$ 65,9 bilhões)”. Aqui é preciso tomar cuidado. A China, por exemplo, tem sido pressionada pelo imperialismo americano, que tem formado alianças militares na região do Indo-Pacífico, tais como o QUAD, formado por Japão, Índia, Austrália e USA; a AUKUS, que é uma coalizão da qual fazem parte a Austrália, Reino Unido e Estados Unidos. Além dos acordos com as Filipinas, com novas bases militares etc.

Os gastos militares da China são um movimento claramente defensivo. A Rússia, além de ter visto a OTAN se expandindo desde o fim do Pacto de Varsóvia, em 2014 presenciou uma revolução colorida na Ucrânia, e ficou claro que se tratava de uma preparação do imperialismo para agredir os russos. Era também de se esperar que o país começasse a se preparar para o pior. A operação militar na Ucrânia demonstrou que a decisão foi acertada.

A “ajuda”

Conforme diz a matéria, a Ucrânia já recebeu, somados países europeus e Estados Unidos, mais de US$ 100 bilhões, desmascarando que se trata de uma guerra por procuração do imperialismo contra a Rússia e que já se desenhava desde o Euromaidan. Por isso é a absurda da afirmação de que “O aumento das tensões e das ameaças de guerra entre os dois principais blocos imperialistas da atualidade (EUA/União Europeia x China/Rússia) tem pressionado uma série de governos europeus a fortalecerem seus orçamentos militares”.

A questão é que não existem os tais ‘blocos imperialistas’, o que existe é o imperialismo de um lado e as nações oprimidas de outro. Dizer que devido ao aumento de tensões o governo da Alemanha investirá 2% do PIB para defesa é uma distorção da realidade, uma vez que a Alemanha é um dos principais países do imperialismo, compõe a OTAN. É, portanto, um dos elementos que está tensionando, não um mero espectador que reage a determinadas circunstâncias.

O mesmo devemos dizer da França, que decuplicou seu orçamento militar. Está na matéria que a Polônia, membro da OTAN, que faz fronteira com a Ucrânia e está muito próxima à Rússia, destinou 2,2% do PIB para a defesa e essa cifa pode chegar a 3%.

Esse aumento “repentino” dos orçamentos militares tem uma causa: a Rússia se antecipou e pegou o imperialismo e a OTAN de surpresa. Ninguém acreditava que os russos fariam essa operação na Ucrânia. O plano do imperialismo, após ter patrocinado a revolução colorida na Ucrânia, seria o de admitir o país como membro da OTAN, armá-lo, para então desferir um ataque contra a Rússia.

O imperialismo

Como bem demonstrou Lênin, as nações imperialistas trataram de repartir o mundo entre si, as guerras mundiais são uma prova disso, e então se aplicam a dominar os mercados, os fluxos de capitais e os recursos minerais, fontes de energia e matéria-prima em todo o planeta.

A Rússia, um país atrasado, que vive basicamente de exportar commodities, por ter uma enorme extensão territorial, se tornou um problema para a dominação imperialista. O país detém 30% das riquezas minerais do mundo e se tornou um dos principais produtores mundiais de petróleo e gás natural.

O gás natural russo é fundamental para a movimentação da indústria e do aquecimento na Europa. Para que continue existindo, o imperialismo, precisa se apoderar desses recursos e para tal planejava partilhar a Rússia em diversas federações menores, como fez com a antiga Iugoslávia.

O mesmo fenômeno observamos nas ações do imperialismo contra a China, tentando separar Taiwan, um dos mais importantes fabricantes de microchips do mundo. Tentam separar também a região de Xinjiang, que produz algodão, petróleo e gás. Durante anos há uma pressão gigantesca sobre o Tibet.

A aproximação entre Rússia e China é uma medida defensiva, não a composição de um bloco imperialista. Essa confusão faz com que setores da esquerda considerem países oprimidos, atrasados, como imperialistas. O que, em última análise, só pode favorecer ao imperialismo.

causaoperaria

quinta-feira, 25 de maio de 2023

A salvação do PS e da "economia nacional"

  

Crónica escrita aquando da formação da “geringonça” que tentava antecipar o que seria a governação “socialista” à custa do engano dos parceiros, que nas eleições seguintes levaram um arrombo de peso no apoio eleitoral – não é por acaso que o PCP já mudou de direcção política e o BE vai fazê-lo em breve – e da ilusão dos portugueses que continuaram com a austeridade, embora mais mitigada.

É por demais evidente que a estratégia do PS, sob a direcção do Costa, de não se coligar com a seita pafiosa PSD/CDS-PP se deve a ter aprendido a lição grega que mostrou que a aliança do PASOK com a Nova Democracia, para a aplicação da política de austeridade a mando de Bruxelas/Berlim, conduziu inevitavelmente ao desaparecimento do partido socialista grego que, nas eleições seguintes, ficou nos desprezíveis 5% dos votos.

A função do governo PS será igual à da defunta coligação, mas para que se torne mais eficaz foi necessário acrescentar-lhe as “bengalas” BE e PCP que, não estando dentro do governo, são também a garantia da sua sobrevivência. O ministro das finanças socialista, como já acontecera com o primeiro-ministro foi pedir a bênção do todo poderoso (parece que ainda mais que a chancelarina) ministro das finanças alemão Schäuble que não esteve com meias palavras, “conhece” desde há muito o Costa e este merece da sua parte grande e sincera “confiança” (mais precisamente, “relação de confiança muito boa”).

Centeno reafirmou que o seu governo irá respeitar escrupulosamente os compromissos europeus, respeito esse replicado pelo Costa que, contrariando o que prometera em tempo de campanha das mentiras eleitorais, “não temos condições financeiras para eliminar integralmente a sobretaxa (do IRS)”, ao mesmo tempo que assumia que já negoceia com os donos da TAP para que o estado seja maioritário e já falou com o governador do Banco de Portugal sobre o Novo Banco. Ora, traduzindo isto para português entendível, o estado (governo PS/Costa) vai pagar a dívida da TAP e meter mais dinheiro no Novo Banco, que já nasceu velho e falido, por isso é que não há restituição da sobretaxa do IRS.

E, dizemos nós, nem haverá fim dos cortes salariais na Função Pública e nas reformas, muito menos descongelamento das carreiras na administração pública, e quanto à reposição da semana das 35 horas e pagamento integral das horas suplementares, vamos lá ver. Ah!, o homem esqueceu-se de dizer que o estado já meteu 1500 milhões de euros no Banif, o próximo banco a falir, e que irá aí meter mais dinheiro e que tudo somado chegará aos 6 mil milhões de euros, a que se juntará 9 mil milhões de euros de juros e de abatimento à dívida soberana. A austeridade seguirá dentro de momentos.

PCP, BE e Paz Social

Sabendo do que se passa, o secretário do PCP que, apesar de operário pouco instruído, nem é trouxa, já veio dizer que o governo não é da coligação dos três, mas é do PS. A outra razão que levou a Jerónimo sentir a necessidade de esclarece alguma coisa é a dificuldade de conter as lutas operárias por tempo indefinido, e a obra meritória a favor da paz social está já à vista: a greve convocada para o Metro de Lisboa, que seria parcial e por seis dias, foi, entretanto, desconvocada porque “… temos um interlocutor à altura”, disse a dirigente Silva Marques do sindicato dos Maquinistas. E a greve da CP, convocada pelo SNTSF, também afecto à CGTP, ocorrida no dia feriado 8 de Dezembro, ninguém deu por ela, praticamente todos os comboios circularam, apesar de não terem sido decretados serviços mínimos para os maquinistas que reivindicam melhor pagamento para as horas extraordinárias.

Eis para que serve apoio do PCP que, a troco de algumas poucas ditas exigências para os trabalhadores, vende os interesses dos operários do sector dos transportes que, por sua vez, estão sob forte pressão devido à privatização que é sinónimo de desemprego e redução dos salários. O PCP afirma que “ não exige nem quer tudo de uma vez; mas também não quer que se mude alguma coisa para ficar tudo na mesma”, ou seja, exige pouco e contenta-se com pouco mais de nada, que é exactamente as suas “exigências” de “aumento do salário mínimo nacional”, “reversão das privatizações nos transportes”, “reposição das 35 horas”, “revogação da alteração à Lei da IVG”, “Pagamento dos complementos de reforma” (que foram retirados pela lei do OE), “Reposição dos feriados”.

Para o PCP, com o PS no governo, na prática, a austeridade pode continuar, mas em suaves prestações, tal como defende para o pagamento da dívida pública. Saída do euro e até a tímida renegociação da dívida foram, disfarçadamente, atiradas para as calendas, agora trata-se de apresentar “propostas legislativas”, num branqueamento das diferenças sociais e da luta de classes, para que “quanto melhor ficarem os trabalhadores e o povo, melhor ficará o “País”, onde naturalmente se incluirão os Belmiros de Azevedo, os Amorins e os sucessores e aparentados dos Ricardos Salgados.

Austeridade disfarçada

Costa & Centeno (parece a sigla de empresa de venda a retalho) já vieram justificar-se com a pesada herança para a impossibilidade se cumprir com as metas do défice para este ano, assacando responsabilidades à coligação pafiosa, o que não deixa de ser verdade, mas não ousando imporem-se contra as solicitações de Bruxelas que não abdica de ter em sua posse o rascunho do Orçamento e só depois do aval é que poderá ser “aprovado” na Assembleia da República, imitando a posição de genuflexão de tão agrado do Coelho de Massamá. No mínimo, Costa deveria ter a coragem de corresponsabilizar Bruxelas do incumprimento já que esta deu todo o apoio ao governo anterior que, afinal de contas, não possuía nenhuma almofada orçamental protectora, mascarando os números das contas públicas, como fazia em relação à economia do país.

No entanto, a algum lado o governo irá buscar o dinheiro para ser agradável aos amos alemães e, como tem sido costume, será aos bolsos dos trabalhadores, que muito dificilmente irão recuperar uma pequena parte do que lhes foi roubado; ou melhor, o roubo continuará, com o empobrecimento dos trabalhadores e do povo. O patrão dos patrões da indústria nacional não deixou dúvidas: vai propor na reunião de concertação social um aumento do salário mínimo para um valor inferior aos 530 euros propostos pelo Governo, escusando-se a revelar o montante (da imprensa).

Salvar o capitalismo e os capitalistas nacionais

No entanto, para o coordenador da CGTP, os baixos salários e o desemprego não se devem ao capitalismo, mas à eventual falta de apoios e incentivos para os patrões, nomeadamente as pequenas e médias empresas de capital nacional, para que se possam desenvolver e ganhar competitividade, aguentar a concorrência, ou seja, mais lucros. Arménio Carlos “esquece-se”, ou capciosamente não quer saber, que o crescimento económico capitalista se tem feito com salários mais baixos, mais precariedade laboral e menos postos de trabalho, resultado da automatização e informatização da produção, e se há aumentos de salários é porque os operários os impuseram com a sua luta, não foi uma dádiva dos patrões que, como bem revela o chefe da CIP com a sua miserável e provocatória proposta de aumento do salário mínimo, possuem mentalidade de negreiros e só dão um chouriço depois de arrancar aos trabalhadores uma vara de porcos.

Os dinheiros públicos, extorquidos aos trabalhadores, não serão suficientes para salvar a burguesia nacional ou a classe média, cujas ideias e valores os dirigentes da CGTP e do PCP jamais deixarão de assumir e defender como se fossem dos operários, elas estão condenadas a desaparecer no processo global de acumulação e concentração capitalistas; e, mais especificamente, em relação à pequena-burguesia, ela tem somente duas formas de desaparecer: ou dolorosamente, como agora acontece (16,5% das empresas estão em incumprimento para com a banca, percentagem que sobre para o dobro no Algarve); ou de maneira mais suave e sem dor em regime socialista, onde os principais meios de produção e de distribuição estão nas mãos dos operários, através da organização e da associação.

“Um Portugal mais justo, mais solidário e mais desenvolvido” (independentemente do que se possa entender por “Portugal”) , como deseja o PCP, jamais será possível enquanto houver capitalismo neste país. E o que estamos presentemente a assistir é à tentativa de salvação dos capitalistas nacionais e do capitalismo a nível mais geral, com o governo PS/Costa apoiado nas muletas BE e PCP a servir de instrumento. A salvação do PS corre a par e passo com a da burguesia nacional e do seu regime de exploração, mas esta tentativa será a sua morte prematura. A sorte do PS não será muito diferente da do PASOK, a agonia é que poderá ser um pouco mais demorada.

09 de Dezembro 2015

Imagem: blog "diganaoainercia"

In “Os Bárbaros” 

sábado, 20 de maio de 2023

O PS para salvação do regime

  

António Costa, aquando em campanha em Coimbra, disse a pessoa do povo que o interpelou que não iria fazer o mesmo que o Passos Coelho (foto do autor)

Crónica de 2015, logo depois de o PS ser catapultado para o governo:

A tomada de posse do governo minoritário PS/Costa deve ser considerada como uma derrota pessoal do Silva de Boliqueime (para nossa infelicidade, ainda PR até 24 de Janeiro de 2016) e uma tentativa para a salvação do regime democrático/parlamentar burguês, apesar de tudo o melhor regime político para a exploração consentida dos trabalhadores.

Os expedientes usados pelo cidadão Silva (que deverá ser submetido à justiça mal termine o mandato) para manter o seu governo em funções mesmo que em modo de gestão e impedir um governo formalmente mais à esquerda, mas que incluía tenebrosos “comunistas” e “radicais de esquerda”, mais não revelaram que desespero e isolamento.

Uma parte das nossas elites, embora minoritária, entendeu que porfiar num governo de extrema-direita poderia ser contraproducente, na justa medida em que poderia acicatar a luta social, e incluir no seu apoio um PCP colaborante, especialmente bajulante a partir do 25 de Novembro de 1975, melhor seria a garantia da pacificação das lutas dos operários.

Terão sido Bruxelas e a chancelarina Merkel que melhor terão entendido a questão, e é muito provável que este governo tenha sido constituído mais por pressão externa do que interna e, ao contrário, parecendo um paradoxo, que tenha sido os tais “compromissos externos”, agitados pelo Silva a fim de impedir a tomada de posse de um governo “socialista” com amparo “comunista”, que o terão forçado a decidir contra a sua vontade; e já agora, nem se compreende que a pessoa que se ufana de raramente ter dúvidas e nunca se enganar ter auscultado, à revelia (mais uma vez) da Constituição que jurou defender, toda a sorte de reaccionários e exploradores do povo que o terão aconselhado em sentido oposto ao que acabou por decidir.

Cavaco, o Silva de Boliqueime, ficará para a história como o PR mais reaccionário, inculto e imbecil, que Portugal alguma vez teve, desde a I República, passando pelo fascismo e acabando nesta II República que luta cada vez mais pela sobrevivência.

A realidade económica do país, melhor dizendo, do capitalismo nacional, está a vir ao de cimo, não é que não fosse já visível, mas a saída da canalha fascista PSD/CDS-PP e o abrandamento da vozearia dos propagandistas de serviço permitem uma melhor visualização; realidade esta que não deixará de ser atribuída ao novo governo pelas mesmas vozes em grosseira manobra de manipulação.

O PIB registou uma taxa de variação nula em termos reais, no 3º trimestre, tendo contribuído para essa estagnação o afrouxamento do consumo interno, especialmente de bens duradouros, e a redução do investimento, nomeadamente, investimento fixo em “Outras Máquinas e Equipamentos”, o que pressupõe uma estagnação do sector produtivo; as importações de Bens e Serviços também diminuíram, expressando assim a diminuição do consumo privado.

Mas se a diminuição da procura interna, revelando o empobrecimento dos trabalhadores e do povo português, é realidade bem visível, então o enriquecimento dos mais ricos de Portugal não deixa de ser também evidente, como os dois recipientes de um sistema de vasos comunicantes; as empresas cotadas na Bolsa de Lisboa apresentaram um aumento dos lucros de 835 milhões de euros, no primeiro semestre do ano em comparação com período homólogo do ano passado, ou seja, 1,93 mil milhões de euros. Contudo, o endividamento acumulado dessas mesmas empresas subiu de igual modo, para os 32,32 mil milhões de euros, o quer dizer, entre outras coisas, que essas empresas distribuem dividendos aos accionistas independentemente de terem lucros ou não, ou mesmo em montante superior aos lucros, num processo de enriquecimento continuado dos capitalistas, nacionais ou estrangeiros.

A empresa do PSI 20 que mais lucros apresentou foi, como não podia deixar de ser, a EDP com 587 milhões de euros, seguida pela Galp e a Jerónimo Martins (que até agradece estas campanhas do Banco Alimentar “Contra a Fome”), ficando com certeza os seus accionistas chineses (o estado chinês) satisfeitos com a proeza. Claro que uma das reacções a estes números, apresentados pelo INE, foi de uma das dirigentes mediáticas do BE que não se coibiu de declarar que “reflectem uma economia estagnada e incapaz de gerar crescimento” e “a necessidade imperiosa de ter uma mudança na política económica de Portugal”, como “crescimento” (capitalista) fosse sinónimo de mais emprego ou salários mais altos ou a “mudança na política económica”, por ela defendida, fosse reorganizar a economia em termos socialistas, ou seja, no interesse das necessidades dos trabalhadores.

O apregoado “pôr fim à austeridade” do Costa mais não é que uma austeridade mitigada, mais tragável pelos trabalhadores e povo que vive do seu suor, contando para esse fim com a prestimosa colaboração da CGTP que, ainda hoje, ficou toda satisfeita com entrevista que teve com o novo ministro da economia que prometeu mais… “disponibilidade para o diálogo”, ou seja, nada; o que não deixou, contudo, de provocar algum azedume à concorrência que veio queixar-se de um possível esvaziamento da “concertação social”, melhor dizendo, das imposições simples e duras aceites pelos amarelos mais cachorros do sistema (depois queixam-se que perderam mais de 80 mil filiados nos últimos tempos!).

Assistimos a mais um render da guarda na governação da burguesia, ao caricato de ministros e secretários de estado que nem sequer chegaram a aquecer o lugar, do regresso dos que dizem ter cumprido a “missão cívica de servir o país” ao aconchego dos escritórios de advogados, da Função Pública, incluindo o tacho de deputado com garantia de subvenção vitalícia em boa idade de irem para a estiva, como se dizia antigamente em relação aos malandros e relapsos, e outros ainda esperam pelos dinheiros de judas em alguma empresa ou empresário amigo que se encheu com os dinheiros públicos.

A venda da TAP, ilegal e com contornos de roubo autêntico, irá dar bons proventos para quem, no lugar do governo, ajudou ao negócio e, principalmente, aos vigaristas que, em nome de uma empresa fictícia e sem dinheiro, que não consegue crédito em nenhum banco, se preparam já para vender os activos da empresa para depois devolverem os cacos ao estado que ficou com a dívida; a isto não se dá o nome de negócio mas de roubo, e os intervenientes, de ambos os lados, deveriam ser enfiados de imediato na prisão, antes que fujam para o Brasil de onde será difícil a extradição. Estamos curiosos quanto à maneira como o governo PS/Costa irá actuar em relação a esta questão do roubo da TAP e como irão os partidos muletas do governo responder à atitude do governo.

Não deixamos de repetir que a tomada de posse do governo Costa/PS/BE/PCP, contrariando a vontade do dito, é uma derrota para o salazarento Silva, pode ser entendida também como um avanço na clarificação dos campos na luta entre o trabalho e o capital. Ficou claro no dia 4 de Outubro que mais de dois terços do povo eleitor são contra a política de austeridade, e a entrada, embora sem fazer parte dele, do BE e do PCP poderá constituir um avanço no desmascaramento da natureza de classe destes partidos e, assim, contribuir para o desenvolvimento da consciência política dos trabalhadores que, neste momento, sabem o que não querem mas estão hesitantes qual o caminho a escolher; e, mais ainda, o apoio relativo a este governo minoritário/maioritário no Parlamento poderá ser uma etapa que teria de ser percorrida a fim de se perceber da necessidade de um governo socialista e revolucionário que exproprie os monopólios e organize a economia em termos de satisfação das necessidades dos trabalhadores.

(…)

A classe operária será a autora da sua emancipação e de toda a humanidade. Não há salvadores da pátria!

30 de Novembro 2015 in OS BÁRBAROS 

A guerra na Galiza

 

Giorgio Agamben

Havia regiões no centro da Europa que foram varridas do mapa. Uma delas – não é a única – é a Galiza, que hoje em grande parte coincide com o território onde se trava uma infeliz guerra há mais de um ano. Até o final da Primeira Guerra Mundial, a Galícia era a província mais distante do Império Austro-Húngaro, fazendo fronteira com a Rússia. Após a dissolução do império dos Habsburgos, os vencedores, certamente não menos perversos do que os vencidos, atribuíram-na à renascida Polónia, assim como Bucovina, que fazia fronteira com ela, foi igualmente caprichosamente anexada à Roménia. 

As fronteiras, cada vez redesenhadas a borracha e lápis nos mapas geográficos pelos poderosos, saem do tempo que encontram, mas é provável que a Galiza nunca mais reapareça nos inventários da política europeia. Königreich Galizien und Lodomerien (este era o nome oficial da província) respiravam, amavam, ganhavam a vida, choravam, esperavam e morriam. Nas ruas de Lemberg, Tarnopol, Przemysl, Brody (terra natal de Joseph Roth), Rzeszow, Kolomea caminhou um conjunto variado de rutenos (como eram chamados os ucranianos na época), polacos, judeus (em algumas cidades quase metade da população), romenos, ciganos, huzuli (que formaram uma república independente de curta duração entre 1918 e 1919). Cada uma dessas cidades tinha um nome diferente de acordo com a língua dos habitantes que ali viviam juntos, em cada uma delas as igrejas católicas da esquina foram transformadas em sinagogas e estas em igrejas ortodoxas e uniatas. Não era uma região rica, na verdade os oficiais de Kakania a consideravam a mais pobre e atrasada do império; foi, no entanto, precisamente pela pluralidade das suas etnias, culturalmente viva e generosa, com teatros, jornais, escolas e universidades em várias línguas e um florescimento de escritores e músicos que ainda não conhecemos. 

É este mundo que se viu em 1919 da noite para o dia politicamente e legalmente aniquilado e é esta realidade multifacetada e intrincada que a ocupação nazi (1941-1944) e depois a soviética deram o golpe de misericórdia algumas décadas depois. Mas mesmo antes de fazer parte do Império Austro-Húngaro, a terra que levava o nome de Halyč ou Galícia (segundo alguns de origem celta, como a Galícia espanhola) e no final da Idade Média estava sob domínio húngaro com o nome do principado da Galícia e da Volínia, havia sido disputado de tempos em tempos entre cossacos, russos e polacos, até que a grã-duquesa Maria Teresa da Áustria aproveitou a primeira partição da Polónia em 1772 para anexá-la ao seu império. Em 1922 o território foi anexado à União Soviética, sob o nome de República Socialista Soviética Ucraniana, da qual se separou em 1991, abreviando seu nome para República Ucraniana.

É hora de parar de acreditar nos nomes e limites marcados no papel e nos perguntar o que aconteceu com eles, o que aconteceu com esse mundo e essas formas de vida que acabamos de evocar. Como eles sobrevivem – se é que sobrevivem – além dos infames registros das burocracias estatais? E não é a guerra que agora se trava mais uma vez o resultado do esquecimento dessas formas de vida e a consequência odiosa e letal desses registos e desses nomes?

24 de abril de 2023

(tradução livre)

quodlibet

terça-feira, 9 de maio de 2023

Marcelo, a bicha de rabear e a disputa pelo pote

  

Sem título, 1980 - Joel Meyerowitz

Nos últimos dias temos assistido a uma espécie de telenovela protagonizada pelo primeiro-ministro e o presidente da república com vários episódios: primeiro, a demissão ou não do ministro das Infraestruturas Galamba, previamente promovido de secretário de Estado da Energia e do Ambiente; depois da reafirmação pelo Costa de que não iria demitir o subordinado, a demissão ou não do governo ou/e da dissolução ou não da Assembleia da República; finalmente e por ora, o significado do discurso de Marcelo que optou pela manutenção do governo (e do ministro) contra todas as expectativas da direita e da esquerda, dos politólogos e paineleiros a soldo das televisões e diversos lóbis dependentes dos dinheiros públicos e dos fundos europeus. Marcelo ficará doravante a vigiar ao milímetro a actuação governativa, e pergunta-se: antes, não era o que fazia constantemente? A partir de hoje, teremos: Marcelo, O Vigia.

Costa e o governo PS são acusados de falta de responsabilidade, de estarem presos por um fio, não conseguirem colocar ordem na casa, onde facilmente um simples e reles adjunto do ministro furta um computador do estado contendo, eventualmente ou quase de certeza, assuntos top secret, relacionados com o negócio de privatização da TAP; processo este que, por sua vez, está recheado de peripécias e episódios que não deveriam ter acontecido mas que são, para regozijo da dita, escalpelizados e aproveitados por toda a imprensa mainstream para descredibilizar o governo e o seu chefe. E perguntar-se-á uma vez mais: o que faz correr esta gente contra o governo e desejar a demissão de uma figura sem grande perfil, detentora de uma pasta ministerial que, relembremos, até foi dividida em duas antes da tomada de posse de Galamba, era das Infraestruturas e da Habitação?

A disputa pelo pote

A resposta mais óbvia é a de, como se sói dizer popularmente, haver muitos cães a um osso. E o osso é “apenas” mais de 50 mil milhões de euros (50 000 000) em obras que irão ser administradas pelo ministério das Infraestruturas. É muita massa, e os diversos grupos de interesses, os tais poderes fáticos, estão ansiosos por abocanhar a maior fatia possível do bolo: 8 mil milhões: Novo aeroporto; 2 mil milhões: Ferrovia 2020, a concluir até final de 2023; 23 mil milhões: Acordo de Parceria entre Portugal e a Comissão Europeia, com aplicação entre 2021 e 2027; 16,6 mil milhões: Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) mas que poderá ultrapassar os 20 mil milhões de euros, que terão de ser aplicados até 2026. Ou seja, será mais de um terço de todos os fundos (150 mil milhões de euros) que Portugal (não o povo português) recebeu desde a entrada na então CEE e agora União Europeia. Percebe-se que a disputa é feroz e tudo serve para destruir o governo e ejectar o ministro. Claro que o bolo é repartido pelos diversos grupos da elite nacional, no entanto, as comissões a distribuir pelos governantes de turno serão mais que principescas; ora, mantendo-se o PS, PSD e quejandos ficarão a chuchar no dedo.

Esta é que é a verdadeira razão de toda a discórdia, de todo o palrar das catatuas e outras aves raras que têm surgido ultimamente nos ecrãs televisivos e nas páginas dos jornais a vociferar e a lançar perdigotos: “Costa e Governo arrasados!”, Costa possui uma “frieza psicopata”, é um “jogador de xadrez manhoso”, o que poderá significar batoteiro, um “aldrabão” que tenta disfarçar a sua posição de “derrotado” perante Marcelo, etc.. Quem mais se tem destacado nos ataques, entre toda a oposição, é o aparelho comunicacional de Balsemão, colocado inteiramente ao serviço do PSD, do qual é o sócio fundador nº1, e de Marcelo. O senador do regime, velho play boy fascista reciclado em democrata, não está com meias palavras: “Não queremos nada com a extrema-direita” (será para disfarçar?) nem “com este PS”. Balsemão está com Marcelo, apesar dos desaguisados quando este era seu empregado no “Expresso”, e, como é natural, defende o PSD: “temos de acompanhar – ou comboiar, como quiserem – a fase final do mandato do atual Presidente da República. A maior oposição ao governo parece vir de fora do espectro partidário. Serão os ocultos poderes fáticos que actuam nos bastidores?

Quanto aos partidos da putativa “oposição”, as reacções mais não denotam do que fraqueza, cobardia e hipocrisia, seja à direita ou à esquerda. E não deixa de ser curioso que os ataques ao governo e ao Costa por não se ter desenvencilhado de Galamba venham precisamente do interior do próprio PS. O ex-ministro da (também dita) Solidariedade, se não estamos em erro, terá sido o primeiro botar faladura, atribuindo à trapalhada que se passou no ministério das Infraestruturas (furto de computador, eventuais agressões a funcionárias pelo ressabiado adjunto, cujo comportamento raia a de um vulgar provocador) às disputas pela sucessão de Costa; rematando mais tarde com a sugestão: “um pouco mais de maturidade à governação”. Outra militante, possivelmente também ressabiada por não ter continuado no governo, Alexandra Leitão, desabafa que Costa “acorrenta-se” ao dossiê TAP e “deveria remodelar”. São da mesma opinião o César dos Açores, que terá arranjado emprego para alguns dos familiares, e o sucessor frustrado de Mário Soares, agora comentador televisivo que se gaba de ter enriquecido à custa da especulação com as criptomoedas, afinam pelo mesmo diapasão. Como se constata, a disputa pelo pote também se verifica dentro do partido que ainda é governo.

Bicha de rabear em vez de bomba atómica

Falar da oposição, talvez seja um trabalho vão e supérfluo pela simples razão da sua inutilidade como força oponente ao partido do governo. O PSD agarra-se às saias de Marcelo, reconhecendo a sua impotência e cobardia, com o arruaceiro de serviço, Miguel Pinto Luz, a vociferar: “Costa vai sentir, pela primeira vez, um Marcelo que não conhecia”. Ora, depois do moço de recados presidenciais ter vislumbrado na bola de cristal que: “Galamba não tem quaisquer condições para continuar no Governo, Costa pode já estar a preparar uma remodelação”, Marcelo encolhe-se, abdica da “bomba atómica” e lança a bicha de rabear: o governo fica, mas é avisado de que: “Esta é a fase de ser o último fusível de segurança”. Reacções: «PSD respeita conclusões de Marcelo Rebelo de Sousa e avisa que culpa de instabilidade será de António Costa»; Marcelo, o “novo” Marcelo, será o chefe da oposição devido á demissão de Montenegro!

À esquerda, o PCP ainda foi o partido com mais recato e prudência nas considerações relativas à esperada e desejada demissão do governo ou dissolução do Parlamento, é que os tempos não vão de feição para novas eleições legislativas, como se diz, gato escaldado de água fria tem medo. O BE, pela boca da sua mediática dirigente, vai mandando umas bocas, talvez para não ser acusado de “não fazer nada”, do género e pouco original: “Cabe a Marcelo e Costa tirarem Portugal do pântano”, “todo o Governo está fragilizado”, “onde está Costa de peito feito para afrontar o BCE?”. Depois de ter dado o oiro ao bandido com o apoio à formação da “geringonça”, sofrendo os custos de tal negócio através de brutal perda de votos, o BE ainda acredita em duas coisas: ser alguma vez governo substituindo o PS, à semelhança do que aconteceu na Grécia com o Pasok e o Syriza; ser possível reformular o capitalismo acabando com as suas profundas e violentas crises estruturais. Entrementes, o BE faz uma visita aos seus amigos neo-fascistas de Kiev, o “anti-fascismo” será só para uso interno.

Perante toda a disputa, os ataques mútuos, uma excessiva algazarra mediática e fanfarronice por parte dos políticos do establishment, fica-se com uma dúvida: não será tudo isto uma tremenda encenação para iludir o Zé Povinho? Sabe-se que sempre que um dos partidos do bloco central de interesses se encontra no governo não toma nenhuma medida importante sem ter o acordo prévio do outro, então por que razão toda esta chinfrineira? Galamba parece ter industriado a CEO da TAP nas respostas que deveria dar à comissão de inquérito, quando escreveu a carta de demissão não terá sido também por sugestão de Costa que já sabia a resposta a dar? Antes de Marcelo ter tomada a posição que tomou, Costa já não saberia do conteúdo do discurso visto que momentos antes tinha estado em reunião com Marcelo em Belém? Mas alguém ainda acredita que algum ministro tome qualquer posição política ou decisão sem ter o visto prévio do primeiro-ministro? Haverá alguma dúvida sobre o que une esta gente é muito mais forte do que aquilo que os divide?

Os “bons resultados” económicos

Enquanto a oposição lambe as feridas deste desaire, o governo vai gabando-se dos seus feitos e glórias, os “bons resultados” de Medina, a nível da economia: diminuição (percentual) da dívida pública; aumento do PIB nacional, um dos mais elevados da UE; abrandamento da inflação; “excelente desempenho” da economia que se “traduz” nos bolsos dos portugueses com o aumento das pensões e da “reforma” para a “dignificação” do trabalho; garantia da paz social, a greve dos maquinistas da CP foi resolvida pela mediação do ministro tão contestado (afinal, para alguma coisa vai servindo), depois de ter pagado os salários dos funcionários judiciais relativos aos dias em que estiveram de greve, a ministra da tutela já garantiu que os problemas serão resolvidos com a aprovação do estatuto dos funcionários. E em relação aos professores, o governo vai entretendo com algumas medidas pontuais e espera que luta acabe por cansaço. Enquanto o PS garantir a paz social – e não nos cansamos de salientar a importância deste seguro de vida do governo – terá sempre o futuro garantido por muito que estrebuchem os partidos da oposição e o comedor de gelados que, ele sim, dá pouca ou nenhuma dignidade à função de que foi investido, nem autoridade ao órgão de soberania que representa.

PS vai assessorando e gerindo os negócios das grandes empresas que operam em Portugal, nacionais ou estrangeiras, pouco importa desde que os lucros não parem de aumentar: lucros da GALP sobem 62% para 250 milhões de euros no primeiro trimestre; EDP pagou aos acionistas 795 milhões de euros em dividendos referentes aos lucros do ano passado e espera lucros de 1,1 mil milhões de euros este ano; há 2,4 mil milhões em dividendos para os acionistas das empresas do PSI que por acaso possuem a sede na Holanda; lucro do grupo Brisa sobe para 240,8 milhões de euros em 2022; lucros da Jerónimo Martins subiram quase 60% no primeiro trimestre de 2023; lucros do Santander sobem 19,6% para 186 milhões de euros; BPI teve lucros consolidados de 85 milhões de euros no primeiro trimestre, mais 75% do que nos primeiros três meses do ano passado, na operação em Portugal, os lucros do banco mais do que duplicaram, para 73 milhões de euros. E poder-se-ia continuar, ou seja, enquanto o grande capital ver os lucros a crescerem a olhos vistos o governo pode dormir descansado.

O povo que se lixe!

Se a grande maioria do povo se vê aflito em pagar as prestações dos empréstimos da casa ao banco, o BCE subiu de novo as taxas de juro e irá aumentar mais até ao final do Verão; se a habitação e a alimentação estão cada vez mais caras; se em Portugal trabalha-se mais 4 horas que a média europeia, mas ganha-se salários mais baixos; se os sectores da economia que geram mais riqueza têm salários abaixo da média; se os salários e pensões suportam mais de 90% do IRS; se o SNS vai-se degradando com desvio dos investimentos para o sector privado a quem o governo aluga os blocos operatórios porque no público ou não existem ou estão às moscas… que se amanhem e estejam quedos e mudos, porque o “PS faz o melhor que pode”, “os outros já cá estiveram e não fizeram melhor” – dizem os indefectíveis e interessados apoiantes. Além da hipocrisia de Marcelo que “pede reflexão sobre taxas e prestações no crédito à habitação”, quando visitou o negócio do Banco Alimentar Contra a Fome, ou do ainda líder do PSD que, sem se rir, proclamou: o “país está a perder mais bem-estar do que no período da troika”. Gente que não presta, mas é o que temos!

Até quando teremos de aturar esta corja?!