terça-feira, 30 de abril de 2024

1º de Maio ou 25 de Abril?

 

O 25 de Abril foi assinalado, como seria de esperar, com muitos cravos e com todo o bicho careta e desfilar pela Avenida da Liberdade, eram os cinquenta anos, um cinquentenário. A data redonda, exactamente o tempo suficiente para reescrever a história sem grande contraditório e ao serviço de agenda política actualizada e de acordo com os interesses da elite e da sua classe política. O povo (algum) e a classe média compareceram, foram mais de 220 mil em Lisboa – disse a imprensa mainstream, também aderente à efeméride. Seria uma revanche à vitória dos partidos da AD ou um saudosismo impotente perante a realidade?

Marcelo dita a agenda dos partidos

Na Assembleia da República, a dita casa da democracia, os discursos foram solenes, mais adequados às conveniências de cada partido, ou facção de interesses que ali representam; resumidamente, hipócritas ou, em hipótese benevolente, ingénuos. Ali se destacou o “supremo magistrado” da Nação, que enfiou o cravo na lapela no último instante antes de entrar no hemiciclo e, segundo transpareceu na imagem televisiva, com o ar de maior displicência e até de enfado. Mais um frete que o homem parido na oligarquia fascista fez à democracia, ela também uma flor de lapela.

Contudo, as palavras de descontração bem comida e bebida, proferidas por Marcelo em reunião com jornalistas estrangeiros e poucas horas antes das comemorações oficiais do 25 de Abril, sobrepuseram-se a todas as cerimónias comemorativas da data e, passado uma semana, preenchem os tabloides cá do burgo, as televisões, os debates de opinantes e outros avençados, e de todos os partidos, os da oposição e os do governo. O rei histrião marca e comanda a política nacional. Ou, pelo menos, a encenação que passa diariamente nas televisões, que são ainda os media que mais influenciam a opinião pública. As redes sociais, com os seus memes, dão-lhe uma ajudinha prestimosa.

in Henricartoon

Maio versus Abril

Amanhã irão decorrer as cerimónias, também oficiosas, do 1º de Maio, Dia Internacional do Trabalhador, que se espera que venham a ser cordatas, pacíficas, dentro a legalidade e da democracia. Tudo estará bem (aparentemente) já que vivemos os cinquenta anos de Abril, graças à intervenção dos capitães que estavam chateados por se sentirem ultrapassados pelos oficiais do quadro complemento e de não conseguirem vencer uma guerra que, à partida, já estava derrotada e que nem sequer deveria ter sido iniciada. As lutas dos trabalhadores nos meses que antecederam o golpe militar e que ameaçavam fazer cair na rua o regime no 1º de Maio de 1974, em estado avançado de convocação, são estórias que não interessam à imprensa de referência nem aos partidos do poder.

Se a situação económica que foi pano de fundo do 25 de Abril e que, em última instância definiu o fim do fascismo, não era boa, então, cinquenta anos depois e de estarmos na União Europeia e no euro, não é lá muito melhor. E há uma referência interessante: o salário mínimo nacional de 1974, imposto pela luta do proletariado revolucionário, não foi uma doação, era de 629 euros (valor actual), e agora, 50 anos depois, é de 820 euros mensais, ou seja, mais 191 euros, ou mais 30,37%. No mesmo período de tempo, o PIB, a tal riqueza nacional, aumentou duas vezes e meia. Ora, qualquer cidadão ou família paga a alimentação, o alojamento ou os transportes com euros, não com “democracia”.

Enquanto as assimetrias económicas e sociais aumentam e o empobrecimento é incontornável de uma ampla maioria do povo que trabalha, dos trabalhadores mais simples aos técnicos mais especializados, a riqueza vai-se acumulando na outra faixa da sociedade e onde predominam a banca e o grande capital financeiro internacional:

Lucros da Galp sobem 35% no primeiro trimestre para 337 milhões; BBVA (Black Rock) ganha 2,2 mil milhões de euros no primeiro trimestre, mais 19,1%; Lucro do Santander dispara 58% para 294 milhões no primeiro trimestre; Lucro trimestral do CaixaBank (BPI) avança 17,5% para 1.005 milhões; Grupo Santander com lucros de mais de 2,8 mil milhões de euros no primeiro trimestre; BCP (banco privado com algum capital nacional) confirma proposta de distribuição de 257 milhões de euros em dividendos, no ano passado a instituição financeira obteve um lucro de 856 milhões de euros. As manchetes dos jornais, pelo menos desta vez, não enganam.

A crise determina a política

A recessão económica na Europa é mais que evidente, a Alemanha, a dita “locomotiva” europeia, pifou, por força da crise capitalista e pela agravante da competição com os EUA, a potência imperial decadente que nos enfiou numa guerra que não é nossa, também chegou até nós, apesar da negação dos governos, do anterior e do actual; este já retomou a léria de que os problemas que encontra são herdados e escondidos pelo PS. Iremos ver se o comportamento do governo AD/Montenegro irá diferir do do seu homólogo PSD/Coelho/Portas. Conseguirá manter a paz social, como fez o governo PS/Costa? Talvez por se lembrar do passado que a entrada tem sido cautelosa. Os conflitos mantêm-se e as lutas que decorriam antes do dia 10 de Março apenas fizeram intervalo.

Durante a vigência do governo PS de maioria absoluta, as sondagens quanto ao apoio que disfrutava do eleitorado eram quase diárias, a instabilidade estava na ordem do dia. Marcelo dirigia a campanha, os media faziam o trabalho de campo. Quando pensávamos, foi o que nos deram a entender, que a partir de agora haveria estabilidade, embora o governo seja minoritário mas nenhum partido da posição não quer arcar com o bónus do derrube, volta de novo a agitação: «Metade dos portugueses acredita que o Governo de Montenegro não vai durar mais de um ano» - conclusões do barómetro mensal da Intercampus para o Jornal de Negócios, Correio da Manhã e CMTV. Somente 14% dos inquiridos estão convencidos de que reúne condições para cumprir os quatro anos.

Ainda antes da data do 25 de Abril, uma semana antes, e estas coisas nunca acontecem por acaso, o jornal do regime, “Expresso”, encomendou uma sondagem sobre a opinião dos “portugueses” (os inquiridos) sobre 16 áreas da vida económica, revelando que aqueles vêem melhorias em 8, assim-assim em 5 e opinião negativa em 3; resumindo, estarão satisfeitos com a democracia. Mas se a maioria dos inquiridos considera a democracia “preferível”, 47% deles, quase metade, não teriam problemas em apoiar um “líder forte”, um salvador da pátria, sem eleições. Relembrar que Montenegro afirmou, devido a não possuir maioria parlamentar, que iria, se necessário, governar por decreto.

Juntando esta preparação da opinião pública para uma possível solução bonapartista em caso de bloqueio parlamentar, as afirmações de Montenegro e a cruzada persistente de Marcelo em achincalhar os partidos, secundarizar o governo e a Assembleia da República, impor agendas mediatizadas, lançar factos políticos e fait divers a toda a hora e a todo o instante, fácil é chegarmos à conclusão de que a descredibilização, e a destruição a prazo, mais curto de que longo,  desta democracia mais não passa de que uma campanha concertada. Poderá haver algum protagonista que não tenha consciência disso cegado pela disputa pelo pote. As intervenções do histriónico presidente dependem menos do álcool que ingere ou da personalidade que possui, mas mais de uma agenda política há muito dada a conhecer. E quem não vê isto, é porque não quer ver.

Bruxelas diktat

Não nos cansamos de repetir, e fá-lo-emos até à exaustão se for preciso, que quem comanda a actividade política dos partidos que temos é a situação económica do país e dos interesses das elites que na verdade possuem o poder, quer económico quer político. Por sua vez, os dirigentes partidários não passam de funcionários que se vão revezando, sendo descartados após cumprirem, melhor ou pior, a missão que lhes é incumbida. Os próprios partidos actuais serão também substituídos a seu tempo e segundo os interesses dos que mandam, os DDT: a nível interno, uma burguesia rentista e parasita, subsídio-dependente e que tem no Estado o seguro de vida; a nível externo, Bruxelas (grande capital financeiro) dita as regras. Nenhum partido no governo ousará desafinar, os restantes são o coro da tragédia grega.

Para que não haja dúvidas sobre quem manda. Hoje, 30 de Abril, entram em vigor as novas regras comunitárias para défice e dívida pública; assim, os governos dos países da União Europeia terão de enviar para a Comissão Europeia os seus Programas de Estabilidade até Setembro. Estes planos serão discutidos durante o Verão e o Outono e incluirão “medidas de correção dos desequilíbrios macroeconómicos e diretrizes sobre reformas e investimentos prioritários para quatro ou sete anos”. Entrarão em vigor a partir de 2025 e terão a nova designação de “planos orçamentais-estruturais nacionais”. Ditarão o que os governos terão de fazer (haverá um tecto anual de gastos públicos), se não cumprirem com as regras podem incorrer em procedimentos por défices excessivos e multas. Eis a Europa dos valores e dos direitos… do mais forte. As próximas eleições para o Parlamento Europeu irão mostrar que os partidos com assento na Assembleia da República não põem em causa a União Europeia, discordarão quanto muito de algum pormenor.

O 1º de Maio é luta e internacionalista

Enquanto de um lado da barricada os partidos do establishment se entretêm em descobrir a razão ou a justeza das palavras presidenciais de “Costa era lento, por ser oriental; Montenegro não é oriental, mas é lento, tem o tempo do país rural” e “Portugal deve pagar custos da escravatura e dos crimes coloniais” ou “cortou relações com o filho após caso das gémeas brasileiras”; do outro lado, os trabalhadores portugueses lutam contra os salários de miséria (subida de salários é a prioridade para 62% dos portugueses); reivindicam: salários condignos (salário mínimo deveria ser de 1572,5 euros, o mesmo aumento do PIB nestes 50 anos); SNS universal, geral e gratuito; Escola Pública de qualidade; acesso dos filhos do trabalhadores ao Ensino Superior; Habitação, como direito fundamental e inalienável; Soberania alimentar; Independência económica e monetária, e subsequentemente política para o país; recusam terminantemente o envolvimento na guerra imperialista (saída imediata da Nato), que já lavra há cerca de dois anos na Europa. Exigem não apenas reformas, mas essencialmente uma revolução, que sejam eles a dirigir os seus próprios destinos na política e na economia. Esta luta não se restringe ao nosso país mas a todo o continente europeu e a todo o mundo – é internacionalista.

Imagem: Barricadas – Paris, 1944 – Robert Doisneau

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