O dia em que Marcelo anunciou aceitar a
demissão do nosso primeiro Costa terá sido um dos mais felizes da sua vida,
todo o empenho de intriga e de boicote ao governo e, em particular, ao seu líder
obteve por fim sucesso, compensando o momento frustrante de ter sentido vontade
de o fazer aquando da polémica Galamba, mas que não avançou pela simples razão de
que as sondagens na altura davam uma vitória folgada de novo ao PS. Foi calculista,
esperou pela oportunidade; contudo, ainda estamos na dúvida se a oportunidade
foi ocasional ou preparada, ou precipitada, pelo próprio PS… e pelo Costa. A demissão
do Governo e a dissolução da Assembleia da República poderão revelar-se uma casca
de banana onde Marcelo irá estatelar-se mais tarde.
Curioso, e é mesmo curioso, que no dia em que
Costa apresenta a demissão e a Procuradora Geral da República Lucília Gago vai
a Belém falar com Marcelo, a PGR abre inquérito sobre o caso estranho de duas
crianças gémeas, filhas de pais brasileiros e sem terem nascido em Portugal, obterem
no SNS, e não no sector privado, um tratamento de 4 milhões de euros com medicamento
cuja eficácia é ainda muito discutível e, como brinde, ainda receberam 4
cadeiras de rodas eléctricas e dois andarilhos, que não chegaram a levantar, no
valor de cerca de 60 mil euros. Costuma dizer-se, e geralmente os factos
posteriormente confirmam, que em política nada é ocasional, se aconteceu é
porque foi organizado e previsto.
A PGR abriu inquérito sobre desconhecidos, com
certeza que será um inquérito muito à semelhança do inquérito, feito no tempo
da sua antecessora, sobre a corrupção dos submarinos, tendo concluído que em
Portugal nada acontecera apesar na Alemanha se ter confirmado a corrupção
activa, o que levou os seus autores para a prião, aqui tudo se terá esfumado. Será
mais uma operação de branqueamento e de esquecimento este caso de Marcelo que,
no dia 2 de Novembro e ao ser questionado pelas televisões, com aquele ar de
sonso e de cara de peru velho, não se coibiu de declarar que sobre assunto de
gémeas brasileiras e de ter falado com o filho nada se lembrar. Parece que alzheimer
ocasional e temporário é mais frequente do que parece entre a nossa elite económica
e política.
Perante a demissão de Costa, do seu discurso
comovente, e sob a acusação de estar a judicializar a política, Lucília Gago,
que foi nomeada por Marcelo sob proposta de Costa, entendeu fazer o seu papel
de vítima, afirmando que não se sentia responsável pela demissão do
primeiro-ministro, indo mais longe ao denunciar os ataques sobre o Ministério
Público com o objectivo de o "menorizar, descredibilizar ou destruir".
Será mais um caso para se dizer que quem não quer ser lobo não lhe deve vestir
a pele. Faltará saber, como já aventamos, se estamos a assistir a um incidente
resultante do apodrecimento da democracia parlamentar, como aconteceu por
exemplo na Itália, ou tudo isto não passará de uma farsa montada para o PS
consolidar o seu poder em governo futuro e destruir politicamente Marcelo. Muito
provavelmente, só no fim se saberá.
Esta hipótese atrás levantada não é de todo
disparatada, conhecendo-se os artistas intervenientes, especialistas exímios na
dissimulação e na intriga. Podemos lembrar o golpe de Pedro Sánchez, na vizinha
Espanha, que demitiu-se obrigando a eleições legislativas antecipadas porque
sabia antecipadamente que fosse para eleições em Dezembro seria definitivamente
escovado do governo, assim, antecipando-as ganhou fôlego para uma nova maioria
mais consistente, embora as não viesse a ganhar, como na realidade veio a
acontecer. São jogadas arriscadas que nem sempre correm bem, mas até agora o
sucesso tem dominado. E a saída a tempo de Pedro Nuno Santos, apontado como o
sucessor “natural” de Costa, e aproveitando o incidente da localização do
aeroporto, parece ter sido de suspeita oportunidade, foi claro indício que a
mudança seria para breve e não para o longínquo 2026.
Marcelo, que agora saltita de contentamento
com o governo já demitido, teve de esperar quase um mês para se lembrar do que acontecera
realmente com as gémeas brasileiras e se o filho terá falado com ele ou não. Assim,
entendeu falar ao país não na qualidade de Supremo Magistrado da Nação mas como
simples cidadão Marcelo Rebelo de Sousa, que terá eventualmente falado com o
outro cidadão, o dr. Nuno Rebelo de Sousa; ou seja, assistimos a mais um número
de comédia de feira. Ficamos, o povo ignaro, a saber que Marcelo afinal recebeu
um email do filho, isto é, de outro cidadão, sobre o caso das gémeas e que a
partir daí se desencadeou uma troca de correspondência entre a Casa Civil da
Presidência da República, o Governo, o filho e o Hospital de Santa Maria. Marcelo
chuta para canto, se houve cunha, não foi com ele, terá sido com o governo ou
outrem desconhecido. E vai mais longe, acha que o filho não terá falado com o
ex-secretário Lacerda Sales, o que mais tarde se veio a saber que não é verdade.
Este processo mirabolante do tratamento
milionário de dois cidadãos estrangeiros, que receberam a nacionalidade portuguesa
sem ainda se saber como e em tempo recorde, coisas que não são de
acessibilidade fácil a qualquer cidadão, passando à frente de muitos outros
cidadãos; isto é, com claro prejuízo para terceiros, e em altura em que o SNS
atravessa severas dificuldades, criadas pela política danosa do governo
PS/Costa, e em hospital público onde falta material básico, como espátulas de
madeira que custam uns insignificantes cêntimos, onde as urgências não
funcionam em pleno porque há falta de médicos. Fica-se com a sensação de que
estamos perante uma política deliberada para arruinar o serviço público de
saúde, em benefício do negócio dos privados da doença, e sempre com prejuízo do
povo e não da elite. Esta e os amigos, quando se trata de tratamentos caros,
apesar de eficácia duvidosa, vão sempre parasitar o Estado, ou seja, os
dinheiros públicos.
Relembrar que as gémeas viram chumbado o
tratamento no Brasil por incrivelmente oneroso, por estarem já a ser medicadas
e pelo facto de os pais serem pessoas ricas. Agora, também se ficou a saber que
os pais são ricos, mas endividados e com fracas possibilidades ou vontade, não
se sabe, de recuperação económica, curiosamente pertencentes ao círculo íntimo
de amizades do filho de Marcelo. Notar que o tratamento em Portugal foi feito
no Hospital de Santa Maria depois de verem recusado o tratamento no Hospital de
Dona Estefânia, facto negado por Marcelo, e por ordem do ex-secretário da Saúde
Lacerda Sales na medida em que os médicos deste último hospital deram parecer
negativo ao dito tratamento. Foi uma decisão administrativa e política,
ant-ética, e depois de mais de um mês é que a Ordem dos Médicos, parece que
acordou da letargia, anuncia um inquérito, mais outro para arquivo, aos médicos
envolvidos no processo, incluindo Lacerda Sales, que diz prestar declarações só
em sede própria, ou seja, na polícia; e depois queixam-se do excesso
protagonismo da justiça.
Lacerda Sales de início não se lembrava de
nada, depois lá teve um flash, e a sua superior, a ex-ministra Marta
Temido, também de nada se recorda e, no seu estilo lampeiro, de carapau de
corrida, acrescenta que a “lei obrigava o SNS a tratar” as gémeas, ao que
parece a cunha até é legal ou pelo menos supérflua; contudo, não explica por
que carga de água obtiveram a nacionalidade portuguesa e passaram à frente de
outras crianças em situação análoga. E, talvez pensando no seu futuro político,
já que é apontada a possível candidata do PS à câmara de Lisboa, teve o
desplante de vir defender o PR Marcelo. Mas não é só Temido que defende o
indefensável, o PS na Assembleia da República chumbou a ida destes dois
ex-responsáveis pela Saúde à casa da democracia para explicarem o imbróglio do
caso do tratamento milionário das gémeas brasileiras. O actual ministro de
igual modo não quer opinar sobre o assunto porque não quer “condicionar” o
inquérito em curso da responsabilidade do IGAS (Inspeção Geral das Actividades
em saúde). Afinal, o PS e o Governo protegem o traficante de influências Marcelo,
com a própria Temido a confirmar que esta é prática habitual.
Depois de o Governo ter entrado em modo de
gestão, Costa vem a terreiro televisivo fazer o seu papel de vítima, coisa que,
diga-se de passagem, já vinha a fazer desde o primeiro minuto em que apresentou
a demissão. Queixa-se do PR, que avaliou mal o pedido de demissão e a
dissolução do Parlamento, culpa a PGR que “enxertou” o fatídico parágrafo, que
é a causa única e principal da sua demissão, faz comparação com os casos de Azeredo
Lopes e de Cabrita, sente-se de consciência limpa, não deve nada a ninguém,
vive só do seu salário, e tem a certeza que não será condenado e nem acusado
sequer, e o mais provável é o processo ser arquivo findo o inquérito. Em suma,
o homem está confiante, apesar de se carpir, fazendo lembrar a figura de
animação, o Calimero, que constantemente dizia: "é uma injustiça, pois
é" e "abusam porque sou pequenino"! Fica claro que Costa prepara
o seu futuro político e, se puder, a vingança será servida fria.
Entretanto Marcelo, no seu impulso
descontrolado de hipocrisia e desfaçatez, lá vai seguindo no seu papel, não se
tendo engasgado quando, no Dia Internacional Contra a Corrupção, lançou uma
nota pedindo às elites política e económica mais "consciência
crítica" sobre efeitos da corrupção, como se ele não pertencesse a essas
mesmas elites. O nosso beato tem fé que está seguro no cargo, já que não haverá
ninguém com coragem para o derrubar e que o mecanismo pelo qual esse processo
seria levado a efeito será dissolvido em 15 de Janeiro de 2024. Terá já
encarregado os moços de recado a fim de lavar a mancha de que não se livrará
tão cedo deste acto de corrupção. Marques Mendes já veio do púlpito televisivo perorar
que a “culpa é do filho do Presidente”, como o filho pudesse ter tido a mesma
atitude se o pai não fosse exactamente o Presidente. E até comentadores jornalistas
de “esquerda”, e lembramo-nos de um do “Diário de Notícias”, que veio
desculpabilizar Marcelo pela “pequena corrupção”. Ora, se Marcelo fosse pessoa
intelectualmente séria, minimamente, já tinha pedido a demissão ainda mais
depressa que o Costa.
Até quando o povo português terá de aturar e
sustentar toda esta corja?
Imagem: in cristinasampaio.cartoon.
Absolutamente de acordo, mas seriedade é coisa que não ele (PR) não tem e por isso não respeita o cargo nem o povo que o elegeu, nem o que nele não votou.
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