quinta-feira, 27 de abril de 2023

49 anos de Abril: O Costa semântico e o dissolvente Marcelo

Neste quase meio século de democracia parlamentar burguesa, e acentuamos a adjectivação pela simples razão de que a sociedade em que viemos é uma sociedade dividida em classes e cujos interesses são diversos e antagónicos, uma das questões que têm assombrado a festa da democracia é a vontade presidencial de dissolução do Parlamento, será a segunda levada a cabo pela mão de Marcelo, com a destituição do governo e realização de novas eleições legislativas. Contudo, o Presidente da República hesita e acobarda-se: “Não faz sentido falar em dissolução” porque reconhece que na oposição não há “alternativa óbvia”. Dissolver ou não dissolver, é a questão que nem Marcelo nem oposição conseguem desenvencilhar.

Um outro ensombramento do governo, mas igualmente para a putativa oposição, é a questão da TAP, com os milhares de milhões ali enfiados e com as peripécias da indemnização de uma gestora e do despedimento pouco cortês da CEO, e de eventual indemnização que lhe poderá ser devida; daí a polémica acrescida do “parecer jurídico” que ao princípio era existente e certo, mas depois da negação feita pelo ministro das Finanças, mais não era que uma questão “puramente semântica”; afinal, será um conjunto de documentos avulso que justificarão o despedimento a frio da empresária francesa.

Para quem esteja menos familiarizado com estes subtilezas político-semânticas, deve-se esclarecer que, segundo o dicionário da língua portuguesa: dissolvente é o que ou o que tem a propriedade de dissolver, ou, em sentido figurado, o que ou aquilo que desorganiza ou corrompe; isto é, corruptor, desorganizador. Semântico refere-se à semântica, ao significado das palavras, à interpretação das frases, das orações. De um lado, teremos o populista e agitador, embora afirme o contrário; de outro, teremos o que se esconde atrás da semântica para dissimular as contradições entre ministros que, nesta e em outras questões, mostram que não passam de meros moços de recados – à semelhança, diga-se de passagem, do porta-voz de Bruxelas que é o governo Costa/PS.

O partido charneira do 25 de Abril

Neste 49º aniversário do 25 de Abril os encómios mútuos floresceram mais que os cravos. Costa não se cansou de exaltar as virtualidades do discurso de Marcelo porque “foi muito pedagógico” e no seu discurso comemorativo não se coibiu da demagogia mais desbragada, salientando que "os verdadeiros detentores do poder são os cidadãos", na mesma linha do PR que não se engasgou ao afirmar que “são os cidadãos que escolhem o 25 de Abril que em cada momento querem prosseguir”. Foi, aliás, como nos têm habituado, demagogia aos molhos e fazendo o papel da conhecida rábula de Herman José e Nicolau Breyner, o senhor Feliz e o senhor Contente.

Ao falarmos dos 49 anos de democracia parlamentar burguesa temos forçosamente de falar dos cinquenta anos do PS, o partido que se arvora de “charneira” do regime e que durante este tempo todo foi o instrumento seguro de salvação do capitalismo nacional e da defesa dos interesses da Alemanha e do grande capital a ela associado. Não é despiciendo relembrar que o PS foi fundado na Alemanha e com os dinheiros da social democracia de Willy Brandt, o homem que foi agente da CIA durante mais de uma década e com pagamento certo ao fim do mês.

O PS, logo que foi poder, trouxe de novo para o país os patrões que tinham fugido do país, deixando as empresas na falência, recebendo-as de novo já limpas de passivo. O melhor exemplo foi o BES, recapitalizado com dinheiros públicos, devolvido a Ricardo Salgado da família dos Espírito Santo, os banqueiros de Salazar, não tendo gastado um único escudo do seu bolso, obteve o empréstimo da banca francesa por influência de Soares, e com o final que todos nós conhecemos. Ricardo Salgado beneficia da liberdade do 25 de Abril de não ser preso, apesar de estar indiciado como o maior gatuno do país.

A paz social como seguro de vida do PS

O PS manter-se-á no poder, com a sua maioria absoluta, porque sabe que nem Marcelo nem a oposição, incluindo a mais trauliteira, desejam outras eleições antecipadas. Quanto à oposição dita de “esquerda”, essa, devido ao processo rápido e auto-infligido de social-democratização, reza a todos os santos que as eleições se façam na devida altura, ou seja, só daqui a três anos, esperando o desgaste inevitável do governo e o simultâneo afundanço do PS. Este sabe que se conseguir manter a paz social terá sempre a confiança do patrão alemão e, para tal, está disposto a cumprir com todos os ditames de Bruxelas. Honrará o papel de brioso lacaio.

Quanto à questão da TAP, o governo PS tem os sindicatos no bolso, estes sabem perfeitamente quais os projectos para a companhia aérea nacional, melhor do que o novo CEO, se fizermos fé nas recentes palavras do dirigente do SITAVA. Depois do presidente não executivo da TAP ter afirmado que o corte nos trabalhadores “foi até ao osso”, isto é, despedimentos em barda, cortes salariais até doer, liquidação de serviços essenciais, abate de aviões, os sindicatos exigem “medidas sérias” ao novo presidente que “garantam a paz social”. Parece ser esta a condição essencial para que, finalmente, a empresa seja entregue aos alemães da Lufthansa – o plano imposto por Bruxelas e que qualquer outro partido da oposição que fosse governo teria aplicado, sem tugir nem mugir.

Liberdades assimétricas

Costa foi logo acusado de estar a fazer campanha eleitoral quando anunciou o aumento adicional das pensões e o apoio a um milhão de famílias, em princípio as mais pobres e que totalizarão uns 3 milhões de pessoas; ou seja, cerca de um terço da população em Portugal é pobre e se não fossem os apoios sociais esse número seria capaz de duplicar. Esta terá sido mais uma “conquista de Abril”: liberdade para empobrecer. Assim se percebe que um CEO das empresas cotadas na bolsa (PSI) ganhe, em média, 36 vezes mais do que um trabalhador; fosso que se agravou na última década, previsível resultado da política dita “socialista” e de “liberdade” deste e do anterior governo.

Os factos comprovam que os ricos têm toda a liberdade de ficarem mais ricos enquanto os pobres ficam mais pobres, a uma escala que poderá ser superior à existente no tempo do fascismo se tivermos em conta a desvalorização do dinheiro e as diferenças que haviam entre nós e os outros países na altura e agora. Voltando ao exemplo dos CEO do PSI: Remuneração média bruta anual aumentou 47% desde 2012, enquanto o vencimento médio bruto anual dos trabalhadores recuou 0,7%: Pedro Soares dos Santos (Jerónimo Martins) recebeu remuneração de 3,7 milhões, 186 vezes superior à média dos seus trabalhadores; Cláudia Azevedo (Sonae/Continente) uma remuneração anual que supera em 82 vezes o salário médio dos trabalhadores. E a lista prossegue, referimo-nos somente à burguesia emergente pós-25 de Abril e não se contabilizam os lucros das empresas.

A saúde foi outro bem que em determinado momento melhorou para o povo português com a criação do SNS, no entanto, depressa entrou em degradação a partir dos governos do PSD/Cavaco Silva. Primeiro, foi em modo lento e discreto, para passar em modo acelerado quando o país entrou no euro e com os governos do PS, nomeadamente, com a pandemia que serviu de pretexto para o encerramento do SNS para dar lugar ao negócio privado da doença. Mas sempre com a alegação de defesa do dito, ora se não fosse! Nestes 49 anos de democracia, podemos “orgulhar-nos” de que há cerca de 1 milhão e meio de portugueses sem médico de família e as listas de espera para cirurgias, consultas ou exames complementares de diagnóstico são infindáveis. Não é por acaso que Portugal é dos países europeus com menos anos de vida saudáveis.

Degradação económica e falta de confiança no regime

O tal “principal partido” da oposição vem criticar o "crescimento medíocre" da economia nacional nos últimos 25 anos, mas não responsabiliza a entrada no euro como umas das causas pela simples razão de que é corresponsável.  Os miseráveis salários, cuja redução nominal foi imposta brutalmente pelo seu governo Coelho/Portas, não foram valorizados depois pelos governos PS/Costa, ambos os partidos são responsáveis. É o Instituto Sindical Europeu que afirma: “A escassez recorde de mão de obra na União Europeia (UE) deve-se aos baixos salários e condições de trabalho e não à falta de competências dos trabalhadores”. Não basta subir o salário mínimo, como realça a ministra, será necessário subir, e substancialmente, o rendimento de quem trabalha em geral, mas já houve um aviso: com o aumento das pensões, a subida da despesa com os salários da Função Pública terá de ser ponderada.

Não será motivo de admiração que as sondagens mostrem a descida eleitoral e de popularidade do PS e a subida dos partidos de direita, incluindo os ultramontanos, à medida que cresce a insatisfação popular com o estado da democracia (responsável pelo empobrecimento) e com a maioria das instituições que deveriam garantir o seu funcionamento. E a maior desconfiança vai não só para o governo como para a dita “justiça”, que é distante, arbitrária, morosa e cara. O sector da justiça terá sido o único em que não houve qualquer reestruturação de fundo após o 25 de Abril, os juízes mantiveram o seu estatuto de privilégio, beneficiando de salários inexplicáveis e em parte isentos de IRS, e livres do escrutínio do voto. A maior inutilidade da área da justiça, mas considerada uma importante conquista de Abril, é o Tribunal Constitucional, que para eleger o seu presidente demorou 17 horas e com interferência do PS. Tribunal cujas considerações de inconstitucionalidade das medidas tomadas por Costa durante a pandemia foram por este mandadas às urtigas.

A liberdade é uma liberdade de classe como já referimos. Liberdade para o enriquecimento para os detentores do capital e empobrecimento de quem trabalha. Nem o direito à propriedade da casa é garantida aos trabalhadores, atendendo ao preço exorbitante e especulativo da habitação e dos arrendamentos fazendo com que muitos jovens ou fiquem mais tempo em casa dos pais ou, então, já que não há habitação, nem emprego e nem garantia de futuro, o melhor é emigrar. O BCE vai subir juros mais três vezes com pico a chegar em Julho, o que reforça a ideia de que, após 49 anos da revolução de Abril, a liberdade para emigrar é um direito com futuro. Os apoios prometidos pelo governo ao arrendamento jovem e ao pagamento das prestações ao banco dos casais mais vulneráveis servirão mais para manter os rendimentos dos senhorios e os lucros dos bancos do que propriamente para resolver o problema da falta de habitação.

Liberdade de expressão e populismos

Nas manifestações que se realizaram no dia 25, onde foi exaltada a liberdade de expressão e de reunião, um direito que existe mais para as elites, basta olhar para quem são os proprietários dos media, do que para os cidadãos de baixo que, por enquanto, possuem apenas as redes sociais para poderem manifestar-se, e já com algumas limitações devido à acusação de serem fonte de notícias falsas; mas, quando comparadas com os media mainstream, fica-se com a certeza que afinal as fake news vêm precisamente destes últimos. 

O que se assiste também é a uma auto-censura voluntariamente assumida por alguns daqueles que andam por aí de cravo ao peito: um cartoon de autoria de Onofre Varela foi retirado da Bienal de Gaia por pressão da Comunidade Israelita de Lisboa por o considerar que “banaliza o Holocausto cometido pelo regime nazi e diaboliza os judeus na sua relação com a Palestina”. O cartoonista e a câmara socialista de Gaia ajoelharam e o governo não interveio, e nas redes sociais também não se notou grande indignação.

O regime apodrece a par do governo. O caricato incidente com o navio Mondego, a insubordinação dos marinheiros que se recusaram a sair para o mar nas péssimas condições que mais tarde vieram a confirmar-se, é bem o símbolo da decadência desta democracia burguesa. A reacção do almirante das vacinas, misto de arrogância e incompetência, tendo aproveitado a ocasião para promover uma possível candidatura a Belém, dá igualmente a imagem dos putativos salvadores da Pátria. Os populismos são protagonizados mais pelos que descredibilizam o regime do que pelos dirigentes políticos fascistóide e arruaceiros promovidos pelos media. 

Todos fazem parte do establishment, todos são coniventes e nenhum corporiza alternativa. Esta democracia não chegou sequer à idade madura, ela saltou directamente para a senilidade precoce, e é por já estar velha antes do tempo que os populismos vão medrando. O problema do 25 de Abril foi ter sido, do ponto de vista popular, uma revolução frustrada. Uma Nova Revolução é necessária, e quanto mais se adiar, mais dolorosos serão os custos para o lado do Trabalho.

Imagem de destaque: na net

Bartoon no "Público"

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Karl Marx tinha razão

 

Chris Hedges 

Karl Marx expôs a dinâmica peculiar do capitalismo, ou aquilo que chamou “o modo de produção burguês”. Ele previu que o capitalismo havia plantado dentro de si as sementes de sua destruição. Ele sabia que as ideologias predominantes – pense no neoliberalismo- foram criadas para servir aos interesses das elites e particularmente das elites econômicas, visto que

(...) a classe que tem à disposição os meios de produção material tem ao mesmo tempo o controle dos meios de produção espiritual  e (...)  as ideias dominantes não são nada mais que a expressão ideal das relações materiais dominantes  (...)  relações que fazem de uma classe a classe dominante.

Ele viu que chegaria o dia em que o capitalismo esgotaria seu potencial e entraria em colapso, só não sabia quando.

Marx, como escreveu  Meghnad Desai, era “um astrônomo da história, não um astrólogo”. Marx era agudamente consciente da capacidade de inovação e adaptação do capitalismo. Mas também era consciente de que a expansão capitalista não era eternamente sustentável. No momento em que testemunhamos o desenlace do capitalismo e do globalismo, Karl Marx é justamente reconhecido como o mais presciente e importante crítico deste modo de produção.

Num prefácio à “Contribuição para a Crítica da Economia Política” Marx escreveu:

Nenhuma ordem social jamais desapareceu antes de que todas as forças produtivas existentes em seu seio estivessem desenvolvidas; e novas e mais elevadas relações de produção nunca aparecem antes do amadurecimento das condições materiais de sua existência no seio da própria velha sociedade.

Portanto, a humanidade sempre se coloca apenas as tarefas que pode resolver; a examinar atentamente, encontramos sempre que a tarefa em si surge apenas quando já existem as condições materiais necessárias para a sua solução, ou estão pelo menos no processo de formação.

Em outras palavras, o socialismo não seria possível antes de o capitalismo exaurir seu potencial de continuidade, ainda que fosse temerário predizer quando. Somos convocados a estudar Marx para dar conta disso.

Os estágios finais do capitalismo, escreveu Marx, seriam marcados por desenvolvimentos que são intimamente familiares para muitos de nós. Incapaz de se expandir e gerar lucro nos mesmos níveis do passado, o sistema capitalista começaria a consumir suas próprias estruturas de sustentação. Ele começaria a predar, em nome da austeridade, a classe trabalhadora e os mais pobres, fazendo-os mergulhar ainda mais na dívida e na pobreza e diminuindo a capacidade do Estado em atender às necessidades dos cidadãos comuns.

O capitalismo deslocaria cada vez mais empregos – é o que ele está fazendo- inclusive manufaturas e quadros profissionais, em países com reserva de mão de obra barata. As indústrias mecanizariam suas unidades de produção. Isso desencadearia golpes econômicos não apenas sobre a classe trabalhadora, mas também sobre a classe média – um baluarte do sistema capitalista – sob a imposição maciça de dívidas concomitante à estagnação ou redução de renda.

Nos últimos estágios do capitalismo, a política seria subordinada à economia, o que levaria a partidos completamente esvaziados de qualquer conteúdo realmente político e desprezivelmente subservientes às imposições da finança e do capitalismo global.

Mas como advertiu Marx, há um limite a uma economia construída sobre a expansão da dívida. Chega o momento, sabia Marx, em que não há mercados disponíveis e o endividamento das pessoas atinge seu limite. Isso foi o que aconteceu com a chamada crise das hipotecas subprime. Uma vez que os bancos não podem mais conseguir novos tomadores de empréstimos subprime, o esquema desmorona e o sistema vem abaixo.

Enquanto isso, a oligarquia capitalista entesoura escondido vastas somas de riqueza – US$ 18 trilhões estão armazenados em paraísos fiscais – uma extorsão em forma de tributo sobre aqueles que essa oligarquia domina, endivida e empobrece. Em sua fase final, disse Marx, o capitalismo se transformaria no chamado livre mercado, e com ele os valores e as tradições que ele diz defender. Nessa fase última, o capitalismo pilharia os sistemas e as estruturas que o tornaram possível. Em resposta ao sofrimento geral que isso causaria, haveria um recrudescimento da repressão. Numa última cartada desesperada para manter sua taxa de lucro, o capitalismo passaria ao saqueio e à pilhagem do Estado, contradizendo sua pretensa natureza.

Marx advertiu que nos últimos estágios do capitalismo imensas corporações exerceriam o monopólio dos mercados globais.

A constante necessidade de expansão dos mercados para seus produtos lança a burguesia sobre toda a superfície do globo. Ela se aninha em toda parte, se instala em toda parte e estabelece conexões em todo lugar, escreveu Marx.

Essas corporações, seja no setor bancário, agrícola ou da indústria alimentícia, no armamento ou nas comunicações, usaria seu poder assumindo o controle dos mecanismos do Estado para impedir quem quer que seja de desafiar o seu monopólio.

Elas fixariam preços para alcançar o lucro máximo. Através de tratados comerciais como o   TPP   e o  CAFTA, as corporações fariam pressões – como de fato é o que estão fazendo- para debilitar a capacidade do Estado em impedir a exploração ao impor regulamentações ambientais ou trabalhistas. E finalmente essas corporações suprimiriam a livre competição de mercado.

Num  editorial de 22/5/2015, The New York Times  nos dá uma vista sobre aquilo que, segundo Marx, caracterizaria os últimos estágios do capitalismo:

A partir deste fim de semana, Citicorp, JPMorgan Chase, Barclays e Royal Bank of Scotland podem ser considerados criminosos, pois declararam-se culpados na quarta-feira de crimes de conspiração para fraudar o valor das moedas do mundo. Segundo o Departamento de Justiça, a longa e lucrativa conspiração permitiu aos bancos elevar seus lucros sem considerações para com a equidade, a lei e o bem comum.

E The Times continua:

Os bancos vão pagar multas que totalizam cerca de US$ 9 bilhões, valores estimados pelo Departamento de Justiça e por reguladores federais, estrangeiros e dos Estados. Parece um bom negócio para uma fraude que durou pelo menos 5 anos, do final de 2007 ao começo de 2013, período durante o qual a renda dos bancos com o câmbio internacional foi de algo como US$ 85 bilhões.

Nos últimos estágios daquilo que chamamos capitalismo, como Marx bem entendeu, já não há mais capitalismo algum. As corporações devoram os recursos do governo, basicamente oriundas do contribuinte, como porcos ávidos num cocho.

A indústria armamentista, com seus US$ 612 bilhões de dólares legalmente outorgados para a defesa, sem contar várias outras despesas militares embutidas em outros orçamentos, aumenta nossa despesa com segurança nacional em mais de US$ 1 trilhão por ano. Essa indústria conseguiu este ano que o governo se comprometesse a gastar US$ 348 bilhões ao longo da próxima década para modernizar nossas armas nucleares e construir 12 novos submarinos padrão Ohio, estimados em US$ 8 bilhões cada um.

Como esses dois novos programas armamentistas vão resolver o que nos dizem ser a maior ameaça de nossos tempos – a guerra ao terrorismo- é algo que permanece um mistério. Afinal, que o saibamos, ISIS não possui sequer um bote a remo. Gastamos cerca de US$ 100 bilhões por ano com inteligência – leia-se vigilância- e 70% desse dinheiro vai para empresas privadas como Booz Allen Hamilton, cujos 99% de renda vêm do governo. E ainda por cima, somos os maiores exportadores de armas do mundo.

A indústria de combustíveis fósseis engole US$ 5.3 trilhões por ano em todo o mundo em custos encobertos para continuar queimando esses combustíveis,  segundo o Fundo Monetário Internacional  (FMI). Esse dinheiro, nota o FMI, acrescenta-se aos US$ 492 bilhões de subsídios diretos oferecidos pelos governos em todo o mundo através de isenções fiscais, reduções de taxas e brechas na legislação fundiária. Num mundo sadio, esses subsídios seriam investidos em esforços para nos livrar dos efeitos letais das emissões de carbono causadas pelos combustíveis fósseis, mas nós não vivemos num mundo sadio.

No artigo “ Why Should Taxpayers Give Big Banks US$ 83 Billion a Year?”   (Por que os contribuintes dão US$ 83 bilhões por ano aos grandes bancos?), relatório publicado em 2013 por Bloomberg News, ficamos sabendo que economistas calcularam que os subsídios do governo reduzem os custos de empréstimo dos grandes bancos em 0.8%. 

Multiplicado pelo passivo total dos 10 maiores bancos estadunidenses por ativos, isso chega a US$ 83 bilhões por ano de subsídios financiados pelo contribuinte,  diz o relatório.

Os cinco maiores bancos – JPMorgan, Bank of America Corp., Citigroup Inc., Wells Fargo & Co. e Goldman Sachs Group Inc. representam um total de US$ 64 bilhões em subsídios, uma soma insolentemente igual a um lucro anual típico dessas empresas. Em outras palavras, os bancos que ocupam postos de decisão na indústria financeira dos Estados Unidos – com quase US$ 9 trilhões em ativos, mais da metade da economia estadunidense – simplesmente quebrariam na ausência do Estado de bem-estar corporativo. Seus lucros são, mormente, transferências de recursos dos contribuintes para os acionistas dessas empresas – continua o relatório.

As despesas do governo contam por 41% do PIB. O objetivo dos capitalistas corporativos é açambarcar esse dinheiro. Daí a privatização de setores completos das Forças Armadas, a pressão pela privatização da Seguridade Social, a contratação de corporações para cuidar de 70% de nossas 16 agências de inteligência, bem como da privatização das prisões, escolas e do desastroso e comercial serviço de saúde. Nenhum desses açambarcamentos de serviços básicos os torna mais eficientes nem reduz seus custos. Essa não é a questão. O que estão fazendo é roer as carcaças do Estado. E isso é a garantia da desintegração das estruturas que sustentam o próprio capitalismo. Marx anteviu tudo isso.

Marx realçou essas contradições inerentes ao capitalismo. Ele entendeu que a ideia de capitalismo – livre comércio, mercados livres, individualismo, inovação, autodesenvolvimento – só funciona no espírito utopista de verdadeiro crente como Alan Greenspan, mas nunca no mundo real. A acumulação de riqueza por uma minúscula elite capitalista, Marx anteviu, significaria que as massas já não mais poderiam comprar os produtos que fizeram avançar o capitalismo. A riqueza torna-se concentrada nas mãos de uma minúscula elite – o 1% dos mais ricos possuirá mais da metade da riqueza mundial no ano que vem.

As investidas contra a classe trabalhadora vêm acontecendo já há várias décadas. Os salários têm-se mantido estagnados ou têm sido reduzidos desde os anos 70. As manufaturas foram terceirizadas em países como a China ou Bangladesh, em que os trabalhadores ganham salários baixíssimos como 22 centavos de dólar por hora.

Trabalhadores pauperizados, forçados a competir com outros que mal superam a condição servil, têm proliferado em todo o território dos Estados Unidos; eles lutam para manter um nível mínimo de subsistência. Indústrias como a construção civil, antigo celeiro de empregos bem remunerados e sindicalizados, são agora o feudo de trabalhadores não sindicalizados e amiúde não documentados. As corporações importam engenheiros e programadores que recebem um terço dos salários normais graças aos vistos  H-1B, L-1 e outros semelhantes. Todos esses trabalhadores não gozam dos direitos dos outros cidadãos.

Os capitalistas respondem ao colapso de suas economias domésticas, por eles mesmos urdido, tornando-se credores tubarões globais e especuladores. Eles emprestam dinheiro a taxas de juros exorbitantes aos trabalhadores e aos pobres, mesmo sabendo que esse dinheiro pode nunca ser devolvido, e depois vendem essas dívidas em bloco, contratos derivativos de risco, títulos e ações a fundos de pensão, municipalidades, firmas de investimento e instituições. Essa forma recente de capitalismo é construída sobre aquilo que Marx chamou “capital fictício”. E isso leva, como sabia Marx, à vaporização do dinheiro. 

Uma vez que os devedores de hipotecas subprime deixaram de pagar, o que esses grandes bancos e firmas de investimento sabiam ser inevitável, a grande crise mundial de 2008 se instalou. O governo socorreu os bancos, sobretudo imprimindo dinheiro, mas deixou os pobres e a classe trabalhadora – sem falar nos estudantes recém-formados – com dívidas pessoais esmagadoras. A política de austeridade se impôs. As vítimas da fraude financeira teriam sido feitas para pagar por essa fraude. E o que nos salvou de uma depressão ainda mais devastadora foi a intervenção maciça do Estado na economia, inclusive com a nacionalização de imensas corporações como AIG e General Motors.

O que vimos em 2008 foi a oficialização do Estado de bem-estar social para os ricos, um tipo de socialismo estatista para as elites financeiras previsto por Marx. Mas com isso instaura-se um crescente e volátil ciclo de altos e baixos, levando o sistema à beira da desintegração e do colapso. Sofremos duas crises de grande monta no mercado de ações e a implosão dos valores imobiliários só na primeira década do século XXI.

As corporações que possuem a mídia têm trabalhado dobrado para vender a um público aturdido, a ficção de que estamos vivendo uma recuperação. Os números do desemprego, obtidos através de uma variedade de truques, inclusive da eliminação dos desempregados por mais de um ano das listas oficiais, são uma mentira, como de resto também o são quase todos os indicadores divulgados para o consumo público. O que estamos antes vivendo são os estágios crepusculares do capitalismo global, o qual pode ser surpreendentemente mais resiliente que o esperado, mas nem por isso deixa de ser moribundo.

Marx sabia que uma vez que o mecanismo de mercado se tornou o único fator determinante do destino do Estado-nação, bem como do mundo natural, ambos seriam demolidos. Ninguém sabe quando isso vai acontecer, mas que isso vai acontecer, talvez no horizonte de nossas vidas, isso vai.

“O velho está morrendo, o novo luta para nascer, e neste ínterim há sintomas mórbidos,” escreveu  Antonio Gramsci.

O porvir depende de nós.

Karl Marx was right

quarta-feira, 12 de abril de 2023

O 18 de Brumário de Louis Bonaparte - Capitulo VII (2)

Karl Marx

Os três anos de rigoroso domínio da república parlamentar haviam libertado uma parte dos camponeses franceses da ilusão napoleônica, revolucionando-os ainda que apenas superficialmente; mas os burgueses reprimiam-nos violentamente, cada vez que se punham em movimento. Sob a república parlamentar a consciência moderna e a consciência tradicional do camponês francês disputaram a supremacia. Esse progresso tomou a forma de uma luta incessante entre os mestres-escola e os padres. A burguesia derrotou os mestres-escola. Pela primeira vez os camponeses fizeram esforços para se comportarem independentemente em face da atuação do governo. Isto se manifestava no conflito contínuo entre os maires e os prefeitos. A burguesia depôs os maires. Finalmente, durante o período da república parlamentar, os camponeses de diversas localidades levantaram-se contra sua própria obra, o exército. A burguesia castigou-os com estados de sítio e expedições punitivas. E essa mesma burguesia clama agora contra a estupidez das massas, contra a ville multitude(30) que a traiu em favor de Bonaparte. Ela própria forçou a consolidação das simpatias do campesinato pelo Império e manteve as condições que originam essa religião camponesa. A burguesia, é bem verdade, deve forçosamente temer a estupidez das massas enquanto essas se mantém conservadoras, assim como a sua clarividência, tão logo se tornam revolucionárias.

Nos levantes ocorridos depois do golpe de Estado parte dos camponeses franceses protestou de armas na mão contra o resultado de seu próprio voto a 10 de dezembro de 1848. A experiência adquirida desde aquela data abrira-lhes os olhos. Mas tinham entregado a alma às forças infernais da história; a história obrigou-os a manter a palavra empenhada, e a maioria estava ainda tão cheia de preconceitos que justamente nos Departamentos mais vermelhos a população camponesa votou abertamente em favor de Bonaparte. Em sua opinião a Assembleia Nacional impedira a marcha de Bonaparte. Este limitara-se agora a romper as cadeias que as cidades haviam imposto à vontade do campo. Em algumas localidades os camponeses chegaram a abrigar a ideia ridícula de uma Convenção lado a lado com Napoleão.

Depois que a primeira Revolução transformara os camponeses de semi-servidão em proprietários livres, Napoleão confirmou e regulamentou as condições sob as quais podiam dedicar-se à exploração do solo francês que acabava de lhes ser distribuído e saciar sua ânsia juvenil de propriedade. Mas o que, agora, provoca a ruína do camponês francês é precisamente a própria pequena propriedade, a divisão da terra, a forma de propriedade que Napoleão consolidou na França; justamente as condições materiais que transformaram o camponês feudal em camponês proprietário, e Napoleão em imperador. Duas gerações bastaram para produzir o resultado inevitável: o arruinamento progressivo da agricultura, o endividamento progressivo do agricultor. A forma"napoleônica" de propriedade, que no princípio do século XIX constituía a condição para libertação e enriquecimento do camponês francês, desenvolveu-se no decorrer desse século na lei da sua escravização e pauperização. E esta, precisamente, é a primeira das idées napoléoniennes que o segundo Bonaparte tem que defender. Se ele ainda compartilha com os camponeses a ilusão de que a causa da ruína deve ser procurada, não na pequena propriedade em si, mas fora dela, na influência de circunstâncias secundárias, suas experiências arrebentarão como bolhas de sabão quando entrarem em contato com as relações de produção.

O desenvolvimento econômico da pequena propriedade modificou radicalmente a relação dos camponeses para com as demais classes da sociedade. Sob Napoleão a fragmentação da terra rio interior suplementava a livre concorrência e o começo da grande indústria nas cidades. O campesinato era o protesto ubíquo contra a aristocracia dos senhores de terra que acabara de ser derrubada. As raízes que a pequena propriedade estabeleceu no solo francês privaram o feudalismo de qualquer meio de subsistência. Seus marcos formavam as fortificações naturais da burguesia contra qualquer ataque de surpresa por parte de seus antigos senhores. Mas no decorrer do século XIX, os senhores feudais foram substituídos pelos usurários urbanos; o imposto feudal referente à terra foi substituído pela hipoteca; a aristocrática propriedade territorial foi substituída pelo capital burguês. A pequena propriedade do camponês é agora o único pretexto que permite ao capitalista retirar lucros, juros e renda do solo, ao mesmo tempo que deixa ao próprio lavrador o cuidado de obter o próprio salário como puder. A dívida hipotecária que pesa sobre o solo francês impõe ao campesinato o pagamento de uma soma de juros equivalentes aos juros anuais do total da dívida nacional britânica. A pequena propriedade, nessa escravização ao capital a que seu desenvolvimento inevitavelmente conduz, transformou a massa da nação francesa em trogloditas. Dezesseis milhões de camponeses (inclusive mulheres e crianças) vivem em antros, a maioria dos quais só dispõe de uma abertura, outros apenas duas e os mais favorecidos apenas três. E as janelas são para uma casa o que os cinco sentidos são para a cabeça. A ordem burguesa, que no princípio do século pôs o Estado para montar guarda sobre a recém-criada pequena propriedade e premiou-a com lauréis, tornou-se um vampiro que suga seu sangue e sua medula, atirando-o no caldeirão alquimista do capital. O Code Napoléon já não é mais do que um código de arrestos, vendas forçadas e leilões obrigatórios. Aos 4 milhões (inclusive crianças etc.), oficialmente reconhecidos, de mendigos, vagabundos, criminosos e prostitutas da França devem ser somados 5 milhões que pairam à margem da vida e que ou têm seu pouso no próprio campo ou, com seus molambos e seus filhos, constantemente abandonam o campo pelas cidades e as cidades pelo campo. Os interesses dos camponeses, portanto, já não estão mais, como ao tempo de Napoleão, em consonância, mas sim em oposição com os interesses da burguesia, do capital. Por isso os camponeses encontram seu aliado e dirigente natural no proletariado urbano, cuja tarefa é derrubar o regime burguês. Mas o governo forte e absoluto - e esta é a segunda idée napoléonienne que o segundo Napoleão tem que executar - é chamado a defender pela força essa ordem "material". Essa ordre matériel serve também de mote em todas as proclamações de Bonaparte contra os camponeses rebeldes.

Além da hipoteca que lhe é imposta pelo capital, a pequena propriedade está ainda sobrecarregada de impostos. Os impostos são a fonte de vida da burocracia, do exército, dos padres e da corte, em suma, de toda a máquina do Poder Executivo. Governo forte e impostos fortes são coisas idênticas. Por sua própria natureza a pequena propriedade forma uma base adequada a uma burguesia todo-poderosa e inumerável. Cria um nível uniforme de relações e de pessoas sobre toda a superfície do país. Dai permitir também a influência de uma pressão uniforme, exercida de um centro supremo, sobre todos os pontos dessa massa uniforme. Aniquila as gradações intermediárias da aristocracia entre a massa do povo e o poder do Estado. Provoca, portanto, de todos os lados, a ingerência direta desse poder do Estado e a interposição de seus órgãos imediatos. Finalmente, produz um excesso de desempregados para os quais não há lugar nem no campo nem nas cidades, e que tentam, portanto, obter postos governamentais como uma espécie de esmola respeitável, provocando a criação de postos do governo. Com os novos mercados que abriu a ponta de baioneta, com a pilhagem do continente, Napoleão devolveu com juros os impostos compulsórios. Esses impostos serviam de incentivo à laboriosidade dos camponeses, ao passo que agora despojam seu trabalho de seus últimos recursos e completam sua incapacidade de resistir ao pauperismo. E uma vasta burguesia, bem engalanada e bem alimentada, é a idée napoleoniénne mais do agrado do segundo Bonaparte. Como poderia ser de outra maneira, visto que ao lado das classes existentes na sociedade ele é forçado a criar uma casta artificial, para a qual a manutenção do seu regime se transforma em uma questão de subsistência? Uma das suas primeiras operações financeiras, portanto, foi elevar os salários dos funcionários ao nível anterior e criar novas sinecuras.

Outra idée napoléonienne é o domínio dos padres como instrumento de governo. Mas em sua harmonia com a sociedade, em sua dependência das forças naturais e em sua submissão à autoridade que a protegia de cima, a pequena propriedade recém-criada era naturalmente religiosa, a pequena propriedade arruinada pelas dívidas em franca divergência com a sociedade e com a autoridade e impelida para além de suas limitações torna-se naturalmente irreligiosa. O céu era um acréscimo bastante agradável à estreita faixa de terra recém-adquirida, tanto mais quanto dele dependiam as condições meteorológicas; mas se converte em insulto assim que se tenta impingi-lo como substituto da pequena propriedade. O padre aparece então como mero mastim ungido da polícia terrena - outra idée napoléonienne. Da próxima vez a expedição contra Roma terá lugar na própria França, mas em sentido oposto ao do Sr. de Montalembert.

Finalmente, o ponto culminante das idées napoléoniennes é a preponderância do exército. O exército era o point d'honneur (31) dos pequenos camponeses, eram eles próprios transformados em heróis, defendendo suas novas propriedades contra o mundo exterior, glorificando sua nacionalidade recém-adquirida, pilhando e revolucionando o mundo. A farda era seu manto de poder; a guerra a sua poesia; a pequena propriedade, ampliada e a alargada na imaginação, a sua pátria, e o patriotismo a forma ideal do sentimento da propriedade. Mas os inimigos contra os quais o camponês francês tem agora que defender sua propriedade não são os cossacos; são os huissers (32) e os agentes do fisco. A pequena propriedade não mais está abrangida no que se chama pátria, e sim no registro das hipotecas. O próprio exército já não é a flor da juventude camponesa; é a flor do pântano do lúmpen proletariado camponês. Consiste em grande parte em remplaçants,(33) em substitutos, do mesmo modo por que o próprio Bonaparte é apenas um remplaçant, um substituto de Napoleão. Seus feitos heróicos consistem agora em caçar camponeses em massa, com antílopes, em servir de gendarme, e se as contradições internas de seu sistema expulsarem o chefe da Sociedade de 10 de Dezembro para fora das fronteiras da França, seu exército, depois de alguns atos de banditismo, colherá não louros, mas açoites.

Como vemos: todas as idées napoléoniennes são ideias da pequena propriedade, incipiente, no frescor da juventude, para a pequena propriedade na fase da velhice constituem um absurdo. Não passam de alucinações de sua agonia, palavras que são transformadas em frases, espíritos transformados em fantasmas. Mas a paródia do império era necessária para libertar a massa da nação francesa do peso da tradição e para desenvolver em forma pura a oposição entre o poder do Estado e a sociedade Com a mina progressiva da pequena propriedade, desmorona-se a estrutura do Estado erigida sobre ela A centralização do Estado, de que necessita a sociedade moderna, só surge das minas da maquina governamental burocrático-militar forjada em oposição ao feudalismo.

A situação dos camponeses franceses nos fornece a resposta ao enigma das eleições de 20 e 21 de dezembro, que levaram o segundo Bonaparte ao topo do Monte Sinai, não para receber leis mas para ditá-las.

Evidentemente a burguesia não tinha agora outro jeito senão eleger Bonaparte Quando os puritanos, no Concilio de Constança, queixavam-se da vida dissoluta a que se entregavam os papas e se afligiam sobre a necessidade de uma reforma moral, o cardeal Pierre d'Ailly bradou-lhes com veemência 'Quando só o próprio demônio pode ainda salvar a Igreja Católica, vos apelais para os anjos De maneira semelhante, depois do golpe ele Estado, a burguesia francesa gritava: Só o chefe da Sociedade de 10 de Dezembro pode salvar a sociedade burguesa! Só o roubo pode salvar a propriedade; o perjúrio, a religião; a bastardia, a família; a desordem, a ordem!

Como autoridade executiva que se tornou um poder independente, Bonaparte considera sua missão salvaguardar "a ordem burguesa". Mas a força dessa ordem burguesa está na classe média. Ele se afirma, portanto, como representante da classe média, e promulga decretos nesse sentido. Não obstante, ele só é alguém devido ao fato de ter quebrado o poder político dessa classe média e de quebrá-lo novamente todos os dias. Consequentemente, afirma-se como o adversário do poder político e literário da classe média. Mas ao proteger seu poder material, gera novamente o seu poder político. A causa deve, portanto, ser mantida viva; o efeito, porém, onde se manifesta, tem que ser liquidado. Mas isso não pode se dar sem ligeiras confusões de causa e efeito, pois em sua mútua influência ambos perdem suas características distintivas. Daí, novos decretos que apagam a linha divisória. Diante da burguesia Bonaparte se considera ao mesmo tempo representante dos camponeses e do povo em geral, que deseja tornar as classes mais baixas do povo felizes dentro da estrutura da sociedade burguesa. Daí novos decretos que roubam de antemão aos "verdadeiros socialistas" sua arte de governar. Mas acima de tudo, Bonaparte considera-se o chefe da Sociedade de 10 de Dezembro, representante do lúmpen proletariado a que pertencem ele próprio, seu entourage,(34) seu governo e seu exército, e cujo interesse primordial é colher benefícios e retirar prêmios da loteria da Califórnia do tesouro do Estado. E sustenta sua posição de chefe da Sociedade de 10 de Dezembro com decretos, sem decretos e apesar dos decretos.

Essa tarefa contraditória do homem explica as contradições do seu governo, esse confuso tatear que ora procura conquistar, ora humilhar, primeiro uma classe depois outra e alinha todas elas uniformemente contra ele, essa insegurança prática constitui um contraste altamente cômico com o estilo imperioso e categórico de seus decretos governamentais, estilo copiado fielmente do tio.

A indústria e o comércio, e, portanto, os negócios da classe média, deverão prosperar em estilo de estufa sob o governo forte. São feitas inúmeras concessões ferroviárias. Mas o lúmpen proletariado bonapartista tem que enriquecer. Os iniciados fazem tripotage (35) na Bolsa com as concessões ferroviárias. Obriga-se ao Banco a conceder adiantamentos contra ações ferroviárias. Mas o Banco tem ao mesmo tempo que ser explorado para fins pessoais, e tem portanto que ser bajulado. Dispensa-se o Banco da obrigação de publicar relatórios semanais. Acordo leonino do Banco com o governo. É preciso dar trabalho ao povo. Obras públicas são iniciadas. Mas as obras públicas aumentam os encargos do povo no que diz respeito a impostos. Reduzem-se, portanto, as taxas mediante um massacre sobre os rentiers, (36) mediante a conversão de títulos de 5% em títulos de 4,5%. Mas a classe média tem mais uma vez que receber um douceur(37) Duplica-se, portanto, o imposto do vinho para o povo, que o adquire en détail, e reduz-se à metade o imposto do vinho para a classe média, que a bebe en gros(38) As uniões operárias existentes são dissolvidas, mas prometem-se milagres de união para o futuro. Os camponeses têm que ser auxiliados. Bancos hipotecários que facilitam o seu endividamento e aceleram a concentração da propriedade. Mas esses bancos devem ser utilizados para tirar dinheiro das propriedades confiscadas à Casa de Orléans. Nenhum capitalista que concordar com essa condição, que não consta do decreto, e o Banco hipotecário fica reduzido a um mero decreto etc. etc.

Bonaparte gostaria de aparecer como o benfeitor patriarcal de todas as classes. Mas não pode dar a uma classe sem tirar de outra. Assim como no tempo da Fronda dizia-se do duque de Guise que ele era o homem mais oblígeani4 da França porque convertera todas as suas propriedades em compromissos de seus partidários para com ele, Bonaparte queria passar como o homem mais obligeant(39) da França e transformar toda a propriedade, todo o trabalho da França em obrigação pessoal para com ele. Gostaria de roubar a França inteira a fim poder entregá-la de presente à França, ou melhor, a fim de poder comprar novamente a França com dinheiro francês, pois como chefe da Sociedade de 10 de Dezembro, tem que comprar o que devia pertencer-lhe. E todas as instituições do Estado, o Senado, o Conselho de Estado, o Legislativo, a Legião de Honra, as medalhas dos soldados, os banheiros públicos, os serviços de utilidade pública, as estradas de ferro, o état major(40) da Guarda Nacional com a exceção das praças, e as propriedades confiscadas à Casa de Orléans tudo se torna parte da instituição do suborno. Todo posto do exército ou na máquina do Estado converte-se em meio de suborno. Mas a característica mais importante desse processo, pelo qual a França é tomada para que lhe possa ser entregue novamente, são as percentagens que vão ter aos bolsos do chefe e dos membros da Sociedade de 10 de Dezembro durante a transação. O epigrama com o qual a condessa L., amante do Sr. de Morny, caracterizou o confisco das propriedades da Casa de Orléans (Cest le premier vol(41), de l'aígle)(42) pode ser aplicado a todos os vôos desta águia, que mais se assemelha a um abutre. Tanto ele como seus adeptos gritam diariamente uns para os outros, como aquele cartuxo italiano que admoestava o avarento que, com ostentação, contava os bens que ainda poderiam sustentá-lo por muitos anos: Tu fai conto sopra i beni, bisogna prima far il conto sopra gli anni.(43) Temendo se enganarem no cômputo dos anos, contam os minutos. Um bando de patifes abre caminho para si na corte, nos ministérios, nos altos postos do governo e do exército, uma malta cujos melhores elementos, é preciso que se diga, ninguém sabe de onde vieram, uma bohème barulhenta, desmoralizada e rapace, que se enfia nas túnicas guarnecidas de alamares com a mesma dignidade grotesca dos altos dignitários de Soulouque. Pode-se fazer uma ideia perfeita dessa alta camada da Sociedade de 10 de Dezembro quando se reflete que Véron — Crevel é o seu moralista e Granier de Cassagnac o seu pensador. Quando Guizot, durante o seu ministério, utilizou-se desse Granier em um jornaleco dirigido contra a oposição dinástica, costumava exaltá-lo com esta tirada: C'est le roi des drôles,"é o rei dos palhaços". Seria injusto recordar a Regência ou Luís XV com referência à corte de Luís Bonaparte ou a sua camarilha. Pois "a França já tem passado com frequência por um governo de favoritas; más nunca antes por um governo de hommes entretenus".

Impelido pelas exigências contraditórias de sua situação e estando ao mesmo tempo, como um prestidigitador, ante a necessidade de manter os olhares do público fixados sobre ele, como substituto de Napoleão, por meio de surpresas constantes, isto é, ante a necessidade de executar diariamente um golpe de Estado em miniatura, Bonaparte lança a confusão em toda a economia burguesa, viola tudo que parecia inviolável à Revolução de 1848, torna alguns tolerantes em face da revolução, outros desejosos de revolução, e produz uma verdadeira anarquia em nome da ordem, ao mesmo tempo que despoja de seu halo toda a máquina do Estado, profana-a e torna-a ao mesmo tempo desprezível e ridícula. O culto do Manto Sagrado de Treves ele o repete em Paris sob a forma do culto o manto imperial de Napoleão. Mas quando o manto imperial cair finalmente sobre os ombros de Luís Bonaparte, a estátua de bronze de Napoleão ruirá do topo da Coluna Vendôme.

K. MARX Escrito entre dezembro de 1851 a março de 1852

Imagem de destaque: Guerra Franco Prussiana, batalha de Sedan, rendição de Napoleão Bonaparte a Guilherme I

quarta-feira, 5 de abril de 2023

O Socialismo do cabaz da fome

 

“War” – Paula Rego, 2003

Durante algum tempo as reivindicações dos professores fizeram as manchetes dos principais órgãos de comunicação social (ocs), com o empastelamento das conversações e das promessas sempre adiadas por parte do governo, depressa passaram a segundo plano dando lugar a outras contestações e problemas prementes mais sentidos pela sociedade, o preço dos alimentos, a especulação na habitação e a novela da transportadora aérea nacional, a TAP.

O cabaz da fome

Perante a inflação incontornável e insuportável dos preços dos alimentos básicos, sentidos mais fortemente pelo povo mais pobre mas igualmente pela classe média empobrecida e proletarizada, o governo sentiu necessidade de tomar algumas medidas; no entanto, recusando as mais evidentes e necessárias, a fixação dos preços e aumento do poder de compra do cidadão, optou pelo fim do IVA num cabaz de pouco mais de 40 produtos, considerados os mais básicos e procurados, na base de uma “acordo de cavalheiros” com os principais grupos de distribuição merceeira. Coloca-se em causa a eficácia da medida, será mais um cabaz de fome e mais outra maneira de fazer aumentar os lucros das famílias Azevedo e Soares dos Santos.

O governo do partido autodenominado “socialista” e chefiado por Costa tem-se limitado nesta história de “combate à inflação” a respeitar as directivas do BCE (Banco Central Europeu) e do FMI (Fundo Monetário Internacional), dar algum dinheiro aos cidadãos mais pobres para teoricamente manter o seu poder de compra. O resultado é fácil de antever, por um lado, a fonte dos dinheiros públicos não é ilimitada que, por sua vez, vem dos impostos, pagos na sua maioria pelos trabalhadores; pelo outro, as empresas que vendem podem manter os preços porque a procura não diminui. No final, a inflação mantem-se, a dívida pública aumenta, o povo continua pobre e os grandes capitalistas, alguns deles já aqui referidos, ficam mais ricos.

O grave problema da habitação

Esta política replica-se por todos os domínios da economia nacional (capitalista, será bom relembrar!) e, então, na habitação é o que se poderá chamar “é fartar vilanagem!”. O estado, diga-se, o governo, dá dinheiro a casais jovens para poderem aguentar rendas altíssimas, como a procura se mantem ou eventualmente poderá subir graças à ajuda do governo, os senhorios poderão continuar a especular com os arrendamentos. A situação estende-se agora por formas algo semelhantes e até mais gravosas para o erário público perante o agravamento deste problema nas grandes cidades: “o governo espera conseguir subarrendar mil casas de privados até 2026”. É o maná para os especuladores da área.

Mas mais: a ministra da tutela já sublinhou que o “arrendamento forçado não é o instrumento que os municípios vão utilizar”. Não se saberá ao certo qual será o instrumento privilegiado dos municípios, muito possivelmente será deixar tudo na mesma. Porque é bom que os estrangeiros continuem a especular – “Estrangeiros gastaram 895 milhões de euros na compra de casas em Lisboa em 2022” – ou que os preços das casas em Portugal tenham subido 11% no último trimestre de 2022 enquanto subiram apenas 2,9% na Zona Euro, ou que as rendas de novos contratos tenham acelerado no final de 2022 para 10,6%. Ganham os especuladores, ganham os escritórios de advogados, ganham as imobiliárias, ganham as autarquias e mais quem se abotoa com chorudas comissões. Perde o povo que mal tem dinheiro para comer.

As medidas eficazes para fazer frente a esta questão são essencialmente duas e fáceis de aplicar caso o governo fosse socialista de facto: promover a habitação do estado, começando pela reabilitação dos edifícios públicos abandonados e colocando-os de imediato no mercado a preços limitados, e construção de novos, pelo apoio à habitação cooperativa. Segunda medida, apropriação administrativa de todos os edifícios privados abandonados e/ou degradados, reabilitando-os, e receber as rendas como ressarcimento do investimento. E possivelmente uma terceira medida: eventualmente expropriar em casos de aberta especulação e proibição de compra de edifícios para habitação a estrangeiros e a fundos de investimento, coisa já feita em outros países da União Europeia.

Claro que haverá outras medidas e bem simples e rápidas para resolver o problema da habitação, mas tal só poderia acontecer se houvesses um governo revolucionário e em situação de profunda convulsão social, que é a situação para onde estamos a caminhar mais depressa do que pensamos e empurrados pela crise e degradação imposta pelo capitalismo, como, aliás, aconteceu logo após o 25 de Abril: o povo ocupa as casas. Toda a família que não tem casa ocupa o que está abandonado e desocupado sem direto a indemnização aos antigos proprietários rentistas e especuladores, e especialmente estrangeiros.

O PS é socialismo para os ricos e pobreza para povo e classe média

O governo, seja PS ou PSD ou qualquer outro, obedece a Bruxelas e segue as regras impostas via BCE, e, assim, deve-se estar mais atento ao que diz Centeno do que propriamente Costa. E Centeno não deixa margem para dúvidas e continua a insistir na “receita da contenção salarial em nome do controlo da inflação”, que traduzido por miúdos, como costuma dizer-se, é conter os salários para aumento dos lucros, começando e acabando nos bancos – nunca esquecer que Portugal não tem soberania monetária e a moeda que circula entre nós é aquela que o BCE nos disponibiliza. Quando foi a crise grega e no governo do Syriza / Tsipras o BCE chantageou, deixando os bancos gregos sem dinheiro e as caixas do multibanco vazias, como não havia alternativa planeada para criação de nova moeda, a Grécia ajoelhou.

O governo de Costa e PS não deixa ambiguidade, ao contrário do que aconteceu com o Syriza, e tem-se revelado umas mãos largas para o grande capital, cedendo em toda a linha: Soares dos Santos diz que IVA zero é possível "desde que Governo se torne honesto". E o governo tornou-se “honesto” mas com os grandes empresários que nem sequer pagam os impostos em Portugal. No entanto, Pedro Soares dos Santos, presidente do Conselho de Administração da Jerónimo Martins (Pingo Doce), recebeu 18,6 milhões de euros em três anos; e presidente executiva da Sonae manteve remuneração bruta de 1,6 milhões de euros no ano passado – vem nos ocs mainstream. Em contrapartida, o custo da hora de trabalho em Portugal foi de 16 euros, metade da média europeia. Resumindo, o porco para o capital, o chouriço para o trabalho, e se e quando o capital bem entender. Se isto não é o neoliberalismo mais nauseabundo, então teremos de acreditar que a terra é plana.

Parece que o estado não tem meios para fiscalizar os preços, fazendo lembrar outras políticas, nomeadamente a da saúde, onde o estado possui os meios mas paga aos privados pelo trabalho que a si caberia: Governo paga 230 mil euros a empresas privadas para fiscalizar os preços dos alimentos. Mais tarde ficou-se a saber que não seria bem para fiscalizar, mas mais para seguir a evolução dos preços. Um bocado como a aviação, o estado tem força aérea, tem pilotos, tem logística, mas prefere contratar aos privados: “Meios aéreos de combate a incêndios podem chegar aos 72 este ano. Mais 12 do que nos anos anteriores”. Será por “falta de vocação”, é o que se costuma ouvir. Contudo, não falta vocação, bem pelo contrário, à ICAR que, fazendo jus à sua tradição, vai explorando e vigarizando, no caso presente, o estado: “Lista de utentes aumentada com nomes de mortos. Obra Diocesana do Porto burla Segurança Social em mais de 3 milhões de euros”; ou como se gosta mais de dinheiro do que água benta.

A revolução poderá estar ao virar da esquina

As coisas não acontecem por acaso. Haverá razões, umas mais próximas e palpáveis e outras mais distantes e despercebidas: a dívida pública aumentou em Fevereiro 3,2 mil milhões de euros, Portugal vai emitir até 1.250 milhões de euros em bilhetes do tesouro no segundo trimestre de 2023, a taxa de esforço das famílias com crédito agrava-se para 25,1% do rendimento, salários estão no pódio de fatores de maior insatisfação profissional, em 2022 houve mais de 6 mil mortes em excesso e o envelhecimento não explica tudo, maioria dos portugueses aceita limites no consumo de carne pelo ambiente (porque não tem dinheiro para a comprar), fundo de pensões da Segurança Social desvaloriza 13% em 2022, praças e sargentos defendem que nova falha do 'Mondego' reforça alerta dos 13 militares, número de portugueses sem médicos de família subiu para 1,6 milhões, Galamba tinha avisado CEO da TAP que ia ser demitida, mas não por justa causa. Depois admirem-se: “qualquer dia temos aqui Paris a arder!”

Parece que terá provocado alguns incómodos a manifestação, realizada no passado Sábado, a reivindicar mais habitação para quem trabalha e estuda, para as famílias e para os jovens, que em Portugal são os que mais tarde saem da família por falta de perspectiva de emprego ou de habitação, levando a diminuição acentuada do índice de fertilidade, o que significa que Portugal está a tornar-se num país sem futuro e onde os velhos são mal tratados ou simplesmente abandonados. Clamar por mais habitação terá atingido o regime político no seu âmago da hipocrisia e da exploração dos sans coullote… e sem tecto, daí as reacções intempestivas e algumas aparentemente surpreendentes.

O ministro Carneiro, o da ordem interna, veio lampeiro afirmar que “ofender agentes das autoridades é ofender o Estado de Direito”, ou seja, “uma ofensa a todos nós", o “nós” será mais as elites e o órgão de defesa dos seus negócios que é o governo PS. O ministro é pessoa assustada que precisa de ter um polícia a proteger-lhe as costas, como se viu na imagem televisiva. Polícia desta, o povo passa bem sem ela. E viu-se bem na manifestação que os participantes presentes se dispuseram a libertar as companheiras identificados coercivamente pela PSP. Com medo de perder protagonismo no mundo do trabalho e da contestação social, foi lépido: “PCP demarca-se de confrontos na manifestação de Sábado em Lisboa”.

Criar uma polícia política soft, munida de meios tecnológicos avançados, a polícia judiciária (PJ), sob o estrito controlo governamental, não se faz de rogada, avançou com movimento a nível de alguns países da UE para haver liberdade, e pelo tempo que for necessário, de acesso ao metadados, contrariando as próprias directivas europeias sobre o assunto. Como é tão bom ser pide e com pouco trabalho, o director da PSP e o comandante da GNR de igual modo já tinham perorado no Parlamento sobre o tema: videovigilância e preservação dos metadados sem limites estabelecidos. Então, será fácil criar uma base de dados que poderá ser intercambiada com qualquer outro país do mundo – um big brother global do qual “não devemos ter medo”, como também referenciou o cívico chefe.

Como salientamos, e por mais do que uma vez, a oposição não está interessada neste momento na queda de Costa e do seu staff, independentemente dos resultados das rotineiras sondagens. Nesta última, o resultado dá um PS e um PSD empatados, 30% das intenções de voto, caso houvesse agora eleições. Só que o “agora” é fictício e por isso aquele resultado, se houvesse eleições, seria com certeza outro; a descida do PS e a subida do Chega (13%, mais 4%), o PSD estagna, servirá mais para criar uma opinião pública desfavorável ao governo e mais amiga da oposição e, de preferência, da extrema-direita. A finalidade é normalizar esta extrema-direita trauliteira e provocadora que terá mais essa função, de provocar e de abrir caminho, do que propriamente de vir a ser poder; para aqui outras forças se reservarão, se as coisas correram como projectado pelas elites. O PCP e BE ficam por baixo, dando a ideia de que a “esquerda”, seja ela qual for, não é alternativa.

Alguns comentadores e analistas políticos mais esclarecidos do regime alertam para outro facto, e esse sim bem mais preocupante, o partido do governo desce, mas o principal partido da oposição não sobe. Juntando este facto a um outro, o de surgirem manifestações (professores e mais habitação) não inteiramente controladas, ou não controladas simplesmente, por sindicalistas colaboracionistas e partidos moderados do establishment, então, os sinais de alarme passarão a tocar para o governo, polícias e classe no poder. Pois é, então, como dizia Marx no “18 Brumário”, a velha toupeira estará a fazer o seu belo trabalho.