Eduardo Galeano *
Artigo escrito em 17 de Janeiro de 2009
Este artigo é dedicado a meus amigos judeus
assassinados pelas ditaduras latinoamericanas que Israel assessorou.
Para justificar-se, o terrorismo de estado fabrica
terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de
Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por
multiplicá-los.
Desde 1948, os palestinos vivem condenados à
humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria,
suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger
seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza
está sendo castigada. Converteu-se em uma armadilha sem saída, desde que o
Hamas ganhou limpamente as eleições em 2006. Algo parecido havia ocorrido em
1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados
em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e, desde então, viveram submetidos
a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.
São filhos da impotência os foguetes caseiros
que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada
pontaria sobre as terras que foram palestinas e que a ocupação israelita
usurpou. E o desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que
negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a
muito eficaz guerra de extermínio está negando, há muitos anos, o direito à existência
da Palestina.
Já resta pouca Palestina. Passo a passo,
Israel está apagando-a do mapa.
Os colonos invadem, e atrás deles os soldados
vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam a pilhagem, em legítima defesa.
Não há guerra agressiva que não diga ser
guerra defensiva. Hitler invadiu a Polónia para evitar que a Polónia invadisse
a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo.
Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel devorou outro pedaço da
Palestina, e os almoços seguem. O apetite devorador se justifica pelos títulos
de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o
povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à espreita.
Israel é o país que jamais cumpre as
recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças
dos tribunais internacionais, que burla as leis internacionais, e é também o
único país que legalizou a tortura de prisioneiros.
Quem lhe deu o direito de negar todos os
direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de
Gaza? O governo espanhol não conseguiu bombardear impunemente o País Basco para
acabar com o ETA, nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar
o IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna
impunidade? Ou essa luz verde provém da potência manda chuva que tem em Israel
o mais incondicional de seus vassalos?
O exército israelita, o mais moderno e
sofisticado mundo, sabe a quem mata. Não mata por engano. Mata por horror. As
vítimas civis são chamadas de "danos colaterais", segundo o
dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez "danos
colaterais", três são crianças. E somam aos milhares os mutilados, vítimas
da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando
com êxito nesta operação de limpeza étnica.
E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a
um. Para cada cem palestinos mortos, um israelita.
Gente perigosa, adverte outro bombardeio, a
cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a crer que uma vida
israelita vale tanto quanto cem vidas palestinas. E esses meios também nos
convidam a acreditar que são humanitárias as duzentas bombas atómicas de
Israel, e que uma potência nuclear chamada Irão foi a que aniquilou Hiroshima e
Nagasaki.
A chamada "comunidade
internacional", existe?
É algo mais que um clube de mercadores,
banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos
adoptam quando fazem teatro?
Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia
mundial se ilumina uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos
vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas
ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade.
Diante da tragédia de Gaza, os países árabes
lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos.
A velha Europa, tão capaz de beleza e de
perversidade, derrama alguma que outra lágrima, enquanto secretamente celebra
esta jogada de mestre. Porque a caçada de judeus foi sempre um costume europeu,
mas há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada dos palestinos, que
também são semitas e que nunca foram, nem são, anti semitas. Eles estão
pagando, com sangue vivo, uma conta alheia.
* Escritor e jornalista uruguaio
(in Agência Carta Maior e Adital,17-01-2009)
Eduardo Galeano grande escritor já falecido...
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