sábado, 26 de março de 2022

O governo de “combate”, mas contra quem?

Mundo estranho e fascinante - Diane Arbus


O governo, diz Costa, é um governo de “combate” e com “forte núcleo político”, e é um governo “novo” e com “mais mulheres do que homens”. E antes de entrar em vigor, o actual governo ainda em funções, governando por decreto, prolongou a “situação de alerta” até 18 de Abril. Pelo histórico dos últimos dois anos, o governo foi sempre um governo de combate, menos de combate ao vírus e mais de combate às liberdades, direitos e garantias do povo português: no passado dia 18 fez dois anos em que foi instaurado o primeiro estado de excepção, foram 218 dias, que o PR Marcelo diz ter sido a “decisão mais difícil” que teve de tomar; se foi, não se notou muito. No início desta nova etapa, Costa ganha por 1-0 sobre Marcelo, tal como o corneado, este foi o último a saber os nomes propostos para o dito “novo” governo. Terá “registado” o facto, o quer dizer que a vingança não tardará – a coisa promete.

Pelos nomes dos ministros, fica-se com a ideia nítida de que este governo é mais do mesmo: as figuras de confiança absoluta do chefe ficaram, as que surgem são funcionários públicos que jamais deixarão de respeitar a hierarquia. Formam um núcleo político de fazer cumprir as ordens que venham de cima, seja do chefe directo ou seja de Bruxelas ou de outra entidade que impõe as regras no länder à beira mar plantado. A promoção do derrotado nas eleições para a Câmara de Lisboa a ministro das Finanças, não se lhe conhecendo qualquer competência específica na área, mostra bem que a figura irá simplesmente exercer as funções de escriturário ou de guarda-livros das contas nacionais segundo as regras ditadas pelo Banco Central Europeu e cuja sucursal no país é o Banco de Portugal, gerido pelo antigo “Ronaldo” das Finanças, que já disse que os salários não irão acompanhar a subida da inflação.

Outra figura, com tacho melhorado, é a funcionária pública e ex-diretora do Instituto da Defesa Nacional, a quem foi incumbida a tarefa da “defesa nacional” e que é referenciada como a primeira mulher no cargo, como tivesse alguma coisa a ver com a emancipação da mulher trabalhadora. A mulher, talvez numa de mostrar que não fica atrás de qualquer homem na manifestação da testosterona, chegara a afirmar, antes da indigitação, de que “é vital o processo de modernização das nossas forças armadas", para o país alinhar no belicismo já anunciado e posto em marcha pela União Europeia a toque de caixa da potência imperialista decadente do outro lado do Atlântico. Mais recentemente, já usando a linguagem dúplice própria da hipocrisia diplomática, fez a emenda para: a paz ″deve ser referencial último e inalienável de qualquer ação estratégica″. A guerra da Ucrânia irá substituir a pandemia para a justificação de toda e qualquer política lesiva dos interesses do povo português. Em breve, as verbas para o rearmamento duplicarão, chegando aos 2% do PIB impostos pela Nato/UE, a Saúde e a Educação irão sofrer.

Ainda se poderá falar dos ministros que ficaram e um deles, talvez o mais falado nos tempos recentes da pandemia, é a habilidosa e arrebitada ministra da Saúde que irá acabar a tarefa de que foi encarregue desde o primeiro minuto da primeira vez que assumiu o cargo: a privatização do SNS. A continuação desta comissária política, cuja cara não é de particular agrado de alguns médicos devido a arrogância manifestada, mostra bem que o lóbi da saúde privada é bem forte e continua bem representado no seio do governo. Aliás, os ajudantes da ministra parecem ser ainda piores, não vá a mulher deixar-se seduzir pelos benefícios de um forte sector público de saúde. O melhor indício de que a privatização será processo para finalizar é o facto de que no início do mandato da figura existiam 600 mil cidadãos sem médico de família e neste momento o número ter “apenas” duplicado. Mas há quem dê uma pequena ajuda: “Médicos querem continuar a apostar na telemedicina”. A covid-19 deu o mote e o vírus da gripe H3N2 já aí está, infectando toda a gente, incluindo os jovens – terão mudado o chip do teste! Dá jeito para manter o negócio e o medo.

Ainda poderíamos falar do ministro da Cultura, um serviçal que foi recompensado e por essa razão não poderá fugir da linha, ou do ministro da Educação que antes de o ser já o era, como a pescada, devido à inutilidade da triste figura que foi substituir. Em relação aos restantes, o perfil é de abanarem sempre a cabeça de cima para baixo e de alguns nem se notará a existência e, à semelhança dos que saíram, muitos portugueses nem chegarão a decorar o nome. A missão está há muito definida, Bruxelas irá dizer como é: novo "cheque" de 1,16 mil milhões foi aprovado, o guito chegará em Abril. Alguém o irá pagar e sabemos quem irá ser, os do costume e com língua de palmo.

Com a ameaça do alastramento da guerra e da continuação da pandemia, agora em baixo perfil, a política de intimidação sobre o povo português e os trabalhadores, em particular, irá manter-se e até intensificar-se. A razão é simples, a crise económica irá agravar-se de forma inaudita apesar de todos os que nos desgovernam a neguem diariamente. O endividamento da economia aumentou para 771,3 mil milhões de euros, dívida pública e privada e sem os bancos; os juros de nova dívida de Portugal duplicam com efeito BCE; o Banco de Portugal revê em baixa o crescimento económico, menos 0,9 pontos, e duplica a inflação, que irá ficar bem além dos 4% estimados. Claro que agora a guerra terá as costas largas, como se a crise não fosse bem anterior quer à guerra quer à pandemia. Os tempos que se avizinham serão sombrios; mais, serão de tempestade.

Em clima de pânico, a nossa inefável burguesia desde há muito e repetidamente que tem vindo a apresentar o caderno de encargos para a salvação: CIP quer regresso imediato do lay-off simplificado e desafia Estado a endividar-se. É transferência para o domínio público da dívida privada de muitas empresas, umas por má gestão, como aconteceu com a empresa do tão reivindicativo chefe da CIP, outras pela razão singela de que nunca conseguirão aguentar a competição com outras economias que, neste mercado aberto e sem leis (como é próprio do capitalismo), conseguem vender mais barato. E a situação irá piorar bastante atendendo somente ao facto de o gás russo ser substituído pelo americano, mais caro e produzido com custos ambientais elevadíssimos, o que não deixa de ser uma contradição neste tempo de “descarbonização” do planeta e de “transição energética”. É ver o corrupio de lóbis no acesso ao pote dos dinheiros do PRR e na chantagem do encerramento das empresas e do subsequente desemprego em massa, com a desculpa do já elevado preço da energia e dos combustíveis, não lhes passando pela cabeça o que está ainda para vir.

A nossa burguesia ou empresariado, o que lhe quiserem chamar, também não deixa de ser cauteloso, estando bem lembrado do que poderia ter acontecido no Verão de 1975: os diversos líderes associativos dos setores do comércio alertam, um garante que "não haverá rutura de produtos", não diz que a subida artificial dos preços já está a levar ao açambarcamento de alguns produtos, o outro abre a porta à "instabilidade social". E é para prevenir ou abafar, caso ela irrompa antes do tempo previsto, que o governo acentuou o discurso belicista que só na aparência é que é dirigido contra a Rússia e as ameaças contra a segurança ou a integridade dos países da União Europeia ou de toda ela no seu conjunto. A verdadeira ameaça vem dos trabalhadores e do povo e a existência de umas forças armadas mercenárias e bem equipadas será sempre uma garantia no caso do aparelho policial falhar. Aliás, a história da repressão em Portugal é a história do uso da tropa em serviço de polícia contra o povo. Há um livrinho interessante, cuja leitura aconselhamos vivamente, escrito pelo investigador universitário espanhol Diego Palacios Cerezales, “Portugal à coronhada – protesto popular e ordem pública nos séculos XIX e XX”, que bem nos relata a criação e evolução das polícias na consolidação do estado e da repressão do povo português.

Há quem conclame ao recrutamento obrigatório (conscrição) dos “nossos filhos têm de estar preparados para um dia combaterem pela UE”; o PR Marcelo, que nem sequer cumpriu o serviço militar por ser filho de uma das famílias mais poderosas da oligarquia fascista, considera que "agravamento da agressão" à Ucrânia terá "resposta correspondente da NATO”; Costa reitera que Portugal tem forças “em estado de prontidão” para intervir na força de reação rápida da NATO e que “não se defende a paz com manifestações”; militares portugueses partem para a Roménia em Abril em "missão de dissuasão"; GNR assume Comando de Força de Reserva Europeia no Kosovo; e até o Conselho de Estado condenou unanimemente a agressão da Federação Russa. Gente que se dispõe a subordinar-se ao império decadente, sob a alçada directa do general norte-americano Tod D. Wolters, o Comandante Supremo das forças da Nato. Querem fazer dos filhos do povo carne para canhão a troco da traição, dos louvores e das comissões.

O governo de maioria absoluta que já o era (de facto) antes de o ser (de jure) vai ser um governo de combate, mas contra o povo português. A resposta terá de ser a da guerra do povo contra a guerra inter-imperialista e contra os serviçais locais. 

terça-feira, 15 de março de 2022

A guerra inter-imperialista e a queda do Império do Ocidente

Gaza - Palestina

A guerra que se desenrola na Ucrânia é o fruto do confronto entre as diversas potências capitalistas mundiais, independentemente das causas próximas ou pretextos no deflagrar do conflito que opõe a Rússia à Ucrânia. Enquanto houver classes e capitalismo a guerra é inevitável e na fase de globalização e imperialista, fase final do capitalismo, a guerra estará sempre presente e será usada para resolver não só as contradições entre os diversos blocos como a crise interna de cada estado capitalista. A própria guerra faz parte da economia capitalista, quando acaba alguma guerra, o resultado é sempre o mesmo: os capitalistas ficam mais ricos e os trabalhadores mais pobres. Exactamente como sucedeu com a pandemia, que foi uma guerra não contra o vírus mas contra os povos.

A história da humanidade é a história da luta de classes

Dentro de cada país, a guerra também existe, é uma guerra entre classes, travada pela burguesia contra a classe operária e restantes camadas de trabalhadores do povo, que são exploradas pela extorsão da mais valia, na forma de lucro, juro, renda, etc. A própria burguesia usou a violência para usurpar o poder à nobreza para, substituindo a economia assente na propriedade e exploração da terra, poder desenvolver livremente, primeiro, o comércio e a manufactura, depois, a grande indústria  e comércio mundial até aos dias de hoje. Ao longo da História a guerra e a violência nunca deixaram de estar presentes – a violência foi sempre a parteira da História.

Sabendo-se das inúmeras agressões do imperialismo americano contra os estados e as nações independentes para aí colocar governos vassalos, cujas vítimas atingirão os 20 milhões de pessoas e somente após a Segunda Guerra Mundial, e conhecendo-se o genocídio levado a cabo pelas antigas potências europeias coloniais, onde se inclui Portugal, depois do descobrimento do caminho marítimo para Índia e da viagem à volta de mundo de Magalhães, dando início à globalização, à custa de várias de dezenas de milhões de mortes e de horrores, não deixa de ser patético a campanha conduzida pelos grande órgãos de informação (propaganda) corporativos, propriedade de capitalistas, curiosamente a classe que é responsável pelas guerras e delas beneficia. Estamos perante uma enorme e rematada operação de manipulação e de hipocrisia quanto à guerra.

Na guerra que assola a Ucrânia é evidente a posição de vende pátrias da burguesia e da clique política que se encontra no poder, alinhando abertamente pelos EUA e pelo Ocidente, deixando-se usar numa guerra que não é do povo ucraniano, mas das potências capitalistas na disputa por recursos, mercados e zonas de influência. Parece que ainda não se aperceberam que estão a ser instrumentalizados para daqui a algum tempo, após acordo entre as duas potência em confronto, serem descartados por inúteis. O que seria coisa sem grande importância se não fosse o facto de terem arrastado o povo para a morte, a destruição e a miséria. Este é sempre o resultado das guerras entre burguesias, entre elites, entre classes dominantes, o que lhes quiserem chamar, mas não guerras entre os povos. A guerra na Ucrânia não é uma guerra entre povos, mas pode transformar-se numa guerra contra as suas burguesias.

O capitalismo em crise provoca a guerra

Para se entender a guerra teremos de conhecer o que está por detrás, e por detrás desta encontra-se uma crise económica bastante grave que se vem arrastando sem fim à vista – estamos fartos de repetir isto e só não vê quem não quer. A guerra é o resultado e não a causa da crise económica, e é económica porque se trata da economia de mercado ou capitalista. E as sanções que o Império lança sobre a Rússia e sobre quem a apoia, a China irá a seguir para além das sanções que já lhe foram impostas, irão ser mais perniciosas para os povos do Ocidente do que propriamente para o povo russo que, também ele, irá sofrer mas, e ao contrário da propaganda daqui, irá sofrer menos. E os estados vassalos da União Europeia (uma construção americana para fazer frente à antiga URSS) não ficarão imunes ao tsunami da inflação, do desemprego e, mais cedo ou mais tarde, da guerra que poderá transbordar as fronteiras. Será mais fácil haver revoltas nos países europeus pela miséria que essas sanções irão provocar do que o povo russo. Aparentemente um paradoxo, mas não mais do que isso.

A Rússia, perante o cerco que lhe foi imposto pelos EUA, foi-se precavendo, apetrechou-se com divisas (principal produtor de ouro do mundo), substituiu muitos produtos importados por produção local, manteve um grande excedente comercial, é auto-suficiente em termos energéticos, criou sistema electrónico de pagamentos próprio e interligou-o ao sistema chinês e ambos os países, Rússia e China, basearam esse sistema numa bolsa de meia dúzia de moedas a fim de contornar o dólar e assim dar início à desdolarização do comércio mundial. O governo russo já anunciou que quem quiser receber pagamentos terá de ser em rublos. Quando o dólar deixar de ser a principal moeda de pagamento nas trocas comerciais será o fim do Império. E independentemente de como e quando a guerra na Ucrânia irá acabar, ela marcará o fim do dólar e a queda do Império e por arrasto da Europa com os seus falsos princípios humanistas.  O declínio do dólar, a estagflação de todas as economias do ocidente não deixam outra solução se não a guerra. Daqui para a frente o mundo não será igual.

Estará na lógica que, perante tal perspectiva, a potência que desde o fim da II Guerra Mundial tem dominado o mundo segundo as (suas) regras não queira cair pacificamente e nem sozinha. E os estados europeus parecem que querem cometer suicídio ao deixarem-se arrastar pela política belicista americana ao aceitarem comprar o gás mais caro vindo do outro lado do Atlântico, o que fará aumentar os custos de produção das mercadorias europeias, tornando-as menos competitivas em relação às provenientes da China e dos próprios EUA. A Alemanha deixará rapidamente de ser a “locomotiva da Europa”. Não é só o maior gestor de fundos do mundo BlackRock que assume perdas de 17 mil milhões de dólares devido à exposição em títulos de crédito à Rússia, mas a banca italiana com  25,3 mil milhões de dólares, a bancos francesa com 25,2 mil milhões e a austríaca com 17,5 mil milhões, no total por parte dos bancos da União Europeia serão 89,5 mil milhões de dólares. Com uma inflação média a disparar para 5,1% para já, a Europa, ao querer seguir e sujeitar-se ainda mais ao suserano EUA, irá praticar com certeza o seu hara kiri.

Portugal devorado pela crise arrisca-se a desaparecer 

Em Portugal, país periférico, dirigido por uma burguesia rentista e subsidiária, tem e verá agravar-se rapidamente uma situação já de si dramática: dívida pública de mais de 120% do PIB, fraco crescimento do PIB, será metade do previsto (agora justificado pela guerra), forte dependência alimentar (70% dos produtos importados), enorme dependência energética(importa-se 80% da energia), sem soberania monetária. E as expectativas, ao contrário da propaganda do governo de maioria absoluta, são mais do que péssimas: Galp sobe preços da eletricidade e do gás natural a 15 de abril (3%); FAO prevê subida de 21,5% do preço do trigo em 2022 no pior cenário; Preço dos combustíveis em Portugal acima da média UE; INE confirma inflação de 4,2% em Fevereiro, transportes e restaurantes lideram subidas. Contudo, Portugal prevê aumentar a despesa com a Defesa, ou seja, rearmar o país, alinhando com o resto da Europa na corrida armamentista depois do tiro de partida dado pela Alemanha. Os especialista da área, a exemplo dos especialistas da pandemia, defendem para além de mais dinheiro a reintrodução do recrutamento obrigatório. 

Para não perder o hábito, a burguesia indígena, seguindo o roteiro da pandemia, reivindica mais apoios do estado. O chefe da CIP exige descida do ISP, IVA e do IRC (o ideal dos patrões, não pagar impostos!) e mais uns milhões a fundo perdido, o mesmo aquando da pandemia. Os patrões do sector dos transportes, alegando prejuízo de 70 milhões de euros devido à subida do preço dos combustíveis, exigem reforço dos apoios que já existem. Os donos dos hipermercados consideram inevitável o aumento do preço dos principais produtos alimentares, começando já a fomentar o açambarcamento do óleo de girassol, uma boa maneira de acelerar a inflacção. Perante o alarido dos rentistas que agora não se queixam de haver "muito estado" nem das eventuais respectivas "gorduras", o governo vai prometendo linhas de crédito, no imediato 400 milhões de euros para as empresas mais dependentes da energia dos combustíveis e já admite regresso ao lay-off simplificado devido à crise energética. Não esquecer que o lay-off a pretexto da pandemia foi pago com os dinheiros da Segurança Social.

Enquanto isso, o desemprego vai começar a disparar: a empresa espanhola A Megasa, que controla a Siderurgia Nacional no Seixal e na Maia, e emprega 700 trabalhadores, suspende a atividade devido ao “agravamento da crise energética provocada pela guerra”. Será o novo mantra. Mas com lenga-lenga ou sem ela, os ingredientes para um agravamento da crise económica capitalista vão-se reunindo: estagnação económica, elevada inflacção e aumento do desemprego. E todas as medidas aplicadas pelo governo, desde alívio dos impostos directos sobre as empresas ou indirectos aos financiamentos a fundo perdido ou a linhas de crédito não passam de panaceias, porque a ruína da maioria das pequenas e médias empresas é irreversível e inevitável. O capital para poder continuar a acumular-se terá de se concentrar num número cada vez menor de mãos, faz parte da sua natureza e da sua dinâmica, caso contrário acaba. E com a baixa drástica, em média, dos lucros e com o excesso de produção que o mercado não consegue escoar por falta de poder de compra, a guerra torna-se como o único meio dos capitalistas resolverem os seus problemas.

Um país a atravessar uma crise económica grave, que irá rapidamente assumir proporções jamais vistas, com uma elite parasitária e inútil que vive esencialmente à custa do estado e do povo, sem soberania económica ou política, com uma população envelhecida, com um índice de natalidade a diminuir de ano para ano, liderado por uma classe política medularmente corrupta, centrada no enriquecimento pessoal fácil e rápido, não pode ter outro fim se não desaparecer um dia destes. Será uma questão de tempo, caso o povo não se revolte.

A guerra já fora declarada com a pandemia covid-19

A guerra já começara ainda antes da guerra da Ucrânia, pela forma como se pretendeu combater a pandemia da covid-19, com os estados de emergência e confinamentos e outras medidas não sanitárias, com o flagrante atentado às liberdades, direitos e garantias dos cidadãos - foi a preparação para a fase actual. E quem discordou desta estratégia e fugiu ao discurso único foi alcunhado de negacionista (e ainda é); agora, com a guerra, quem desalinhar da propaganda oficial ditada por Washington é alcunhado de “amigos do Putin”, “fascista”, “defensor da guerra” e outros epítetos menos simpáticos e até difamatórios, como está a acontecer com os generais que se limitaram a dar uma opinião militar e objectiva das razões e da forma como a guerra vai decorrendo no terreno. Antes do 25 de Abril, quem era contra o regime fascista era logo apontado como “comunista” e tinha a Pide à perna. Nestes tempos de intolerância, é de novo a delação, a caça às bruxas, é o fascismo brando de que falamos em relação a quem colocava em questão a estratégia do governo quanto à pandemia, só falta a Pide – podemos agradecer aos governos do PS e do Costa. 

E nota-se bem o efeito da propaganda das televisões e dos jornais mainstream no seio de alguma pequena-burguesia que se dispõe a uma solidariedade que não lhe traga custos no imediato, contudo não pensando no que possa vir a prazo, e falamos dos refugiados. E que se dispõe, na sua exaltada paixão pacifista, a apoiar a guerra, é ver os resultados de algumas sondagens feitas pelos jornais, já para não falar nas indignações patrióticas e pouco afeitas ao contraditório que vão aparecendo nas redes sociais. Num dos jornais do grupo Global Media, podemos ver que a maior percentagem das respostas à sondagem defende a “exibição de força militar no leste europeu” por parte da Nato, a seguir vem o “reforçar das sanções económicas” e, por último, é que vem a opinião do “continuar a via diplomática”, podendo concluir-se que a propensão por parte de alguma opinião pública é simplesmente o confronto. Pode-se entender este resultado porque a guerra está longe e não nos vai afectar, o que é um puro engano, porque numa guerra generalizada não haverá contemplações com a população civil, ao contrário do que parece na Ucrânia onde o número de vítimas ainda é diminuto atendendo à extensão e intensidade dos bombardeamentos,  e com a mais que certa entrada em cena de armas nucleares nem as tropas inimigas precisam sair do seu país, como a devastação será total. Esta gente hipócrita e leviana não pensa bem no que diz.

A opinião pública, numa larga maioria, está a ser formatada, primeiro com a pandemia, agora com a guerra, percebendo-se assim que não se tenha ouvido nenhuma recriminação quanto à afirmação de um Inspetor do SEF que advoga o uso de bastão para "tortura necessária". Parece que os instintos de torcionário não foram extirpados com a condenação dos torturadores e assassinos do imigrante ucraniano Ihor Homenyuk, nem com a reforma do SEF efectuada pelo governo PS; reformas estas que, diga-se de passagem, têm sido sempre de aparência, porque costuma ficar tudo na mesma, quando não pior. A nível interno, a burguesia vai aprimorando os instrumentos de repressão, não vá o povo querer revoltar-se. E a nível externo, temos assistido ao aumento do discurso e dos sentimentos de ódio contra o “outro”; por exemplo, em França, os crimes racistas, xenófobos e anti-religosos aumentaram 13% em 2021. Em Portugal o Chega foi promovido pelos mesmos órgãos de informação que agora clamam contra o “ditador fascista Putin”, foi entretanto normalizado pelas eleições precipitadas pelo PS&Costa para obter a almejada maioria absoluta. Na vizinha Espanha, o Vox, irmão político do Chega, entra pela primeira vez num governo regional. Estes partidos têm tido um papel histórico que é o de fazer o trabalho sujo da polícia, instilar o ódio, intimidar, agredir e, quando se vêm com a força suficientes, eliminar os indesejáveis pelo establishment, sejam imigrantes, minorias étnicas ou trabalhadores. Depressa iremos atingir esta fase.

A corrida aos armamentos é o prenúncio da guerra 

Mas, ao mesmo tempo que o Papa se dirige à boa vontade dos capitalistas, bradando: “Em nome de Deus, parem!”, a Europa rearma-se: Alemanha vai aumentar em mais 100 mil milhões de euros o orçamento da dita "Defesa", ultrapassando os 2% do PIB; Josep Borrell anuncia “mais 500 milhões de euros de contribuição para o apoio militar à Ucrânia”, através do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz (?!), verba que poderá duplicar. E todos os restantes países da União Europeia irão seguir o mesmo caminho, incluindo o país pelintra e lacaio, que parece se ter esquecido da Guerra Colonial que esgotou o país em recursos financeiros e principalmente humanos, que é Portugal. Não é só a Ucrânia que está a ser usada como agente de provocação, mas toda a União Europeia que tem mais a perder do que a ganhar com esta guerra, e, dentro da União Europeia, Portugal é o país que menos tem a lucrar devido à situação de dependência económica crónica. Com as sanções impostas à Rússia, não será somente o povo russo a sofrer, nós portugueses iremos sofrer muito mais, bem como os povos da Europa ocidental. Ainda mais grave: todos estaremos no mesmo barco e dentro da mesma tormenta, porque a guerra irá continuar, mesmo que haja transitoriamente uma solução de compromisso para esta guerra. Os factores principais da guerra inter-imperialista manter-se-ão. 

A guerra é inevitável, e não somos profetas da desgraça, basta olhar um pouco para trás, para a História da Europa nos últimos duzentos e cinquenta anos. E os principais representantes do grande capital financeiro sabem bem que as coisas não são favoráveis para o capitalismo ocidental: “A destruição da nossa civilização” só será evitada se Putin e Xi Jinping forem derrubados do poder, diz o especulador Soros. E di-lo porque sabe que esta guerra é uma guerra de vida ou de morte, não há aqui meias tintas ou terceiras vias. O capitalismo encontra-se num estertor de morte e o Império ao cair vai querer levar alguém atrás, se olharmos para a História foi sempre assim. A China e Rússia serão elo mais forte do capitalismo na fase actual, mas mesmo que saiam vencedores desta guerra, o capitalismo sairá ainda mais explorador e opressor, usando técnicas mais sofisticadas devido ao desenvolvimento da electrónica, da inteligência artificial, da biotecnologia, da psicologia de massas. No entanto, a guerra emancipatória dos trabalhadores e de libertação dos povos será de igual modo inevitável, excepto se na próxima guerra mundial, que será nuclear, a humanidade desapareça de vez. Uma hipótese que estará sempre presente.

Os falsos pacifistas e a guerra do povo à guerra inter-imperialista

Em Portugal, é mais que patético é ver uma pequena-burguesia ciosa do seu modo de vida, sempre com a boca cheia de liberdade e de direitos dos cidadãos, mas que, quando foi da campanha da pandemia, enfileirou pela política do medo imposta pelos governos da burguesia e pelos interesses dos grande grupos económicos ligados à indústria farmacêutica. E, presentemente, na questão da guerra ou queda-se na posição do “nim”, “de todas as guerras são más e todos são responsáveis”, o que na prática significa a desculpabilização dos verdadeiros responsáveis da guerra; ou, então, coloca-se abertamente ao lado do imperialismo americano, o suserano da Europa, e principal opositor a uma Rússia capitalista e também imperialista; ou seja, a nossa pacifista classe média perde a vergonha (se alguma vez a teve!) e alinha pelo partido da guerra. Aliás, tem sido esta a posição que os partidos de cariz social-democrata assumem ao longo dos tempos, são mais patriotas (e papistas) que a sua burguesia. Claro, sempre com a boca cheia de “liberdade” e “democracia”, mas para eles que, agora assustados, vêem o seu mundo a desmoronar-se. É gente que tem mais medo da revolução que dos malefícios do capitalismo e da velha sociedade em desagregação. 

Com o desenrolar da guerra, iremos assistir a manifestações mais ou menos explícitas de nacionalismos burgueses, de chauvinismos por parte não só dos partidos de direita mas de igual modo de partidos ditos de “esquerda”, alguns deles apoiando abertamente a intervenção imperialista (o BE não se cansa de apoiar as agressões imperialistas na Líbia, na Venezuela com a tentativa de golpe de estado, e agora na Ucrânia), para além dos governos onde se assentam partidos social-democratas tipo PS ou PSOE. São partidos que defendem o capitalismo e a colaboração de classes sob a bandeira da luta dos “países democráticos e livres” contra as “ditaduras do leste e do oriente” e contra o “fascista Putin”, muito ao gosto de uma certa opinião pública, em parte imbecilizada pela televisão (90% dos portugueses vêm televisão e 60% não lêem um livro sequer, segundo inquérito recente), e se arvoram nos porta estandartes do pacifismo. Ao lado destes partidos, observam-se umas flores de lapela, ex-maoistas e ex-trotskistas, alguns fora da política activa, e que no seu ardor anti-guerra enfiam no mesmo saco os responsáveis pela guerra e as vítimas numa equidistância desarmante e paralisadora da luta dos trabalhadores. Alguns deles, talvez pela vaidade ou personalidade histriónica, nem se importam de ter abertas as páginas dos media do discurso único, com o intuito de vez em quando mostrarem que até há liberdade de expressão no aparelho de propaganda que são todos os media corporativos. Também não é por acaso que a burguesia tem encarregado alguns desses cristão novos da tarefa de escrever alguns trechos da história contemporânea, tipo cronistas do reino.

Ao contrário das posições desta pequena-burguesia geralmente bem instalada e beneficiando das delícias da democracia burguesa, a posição dos povos e dos trabalhadores é mover a guerra contra a guerra imperialista. É preciso romper com a legalidade burguesa, e não respeitá-la, a luta de classe deve ser intensificada e a questão da pátria deve ser entendida como a pátria de quem trabalha. A guerra imperialista tem o condão de mostrar que os operários não têm pátria e reforçar o espírito do internacionalismo, porque o inimigo é comum: o capitalismo e a burguesia em cada país. Tem-se assistido às tentativas por parte de Bruxelas de fomentar os regionalismos na Europa porque essa é uma via de melhor penetração do grande capital financeiro para entrar em cada um dos países.  Como tem sido clara e evidente a política imposta pela Alemanha de retirar soberania económica, monetária e até política dos diversos estados que ainda compõem a União Europeia, transformando-os em simples länders do IV Reich; mas, por outro lado, será meio caminho andado para a união dos povos contra o grande capital e as elites europeias, incluindo a alemã. O capitalismo na sua fase imperialista irá, como já está a acontecer, destruir a velha nação, entidade criada pela burguesia como forma de dar livres asas ao desenvolvimento do capitalismo. À semelhança da livre concorrência que, tendo sido necessária à evolução do capitalismo, é agora destruída pelo próprio nesta fase monopolistas e global. Perante a guerra imperialista – enfatizamos – todos os trabalhadoras e povos (incluindo o povo ucraniano) devem  erguer a bandeira da guerra civil revolucionária e acabar com o capitalismo e com a burguesia. 

Em Portugal devemos exigir a saída do país da Nato e dizer não à entrada de Portugal na guerra, apesar das forças armadas nacionais serem constituídas, por enquanto, por mercenários. 

Pelo o internacionalismo proletário e Não à guerra inter-imperialista!

“América, América, I Love You” - Jorge de Sena

Jorge de Sena

CADASTRADO

Uma vez, aos sete anos,

partiu à pedrada a lanterna da porta da igreja.


Dez anos depois, conduzindo um carro,

não parou num cruzamento de rua

onde havia um sinal de stop.


Dois anos depois, teve uma briga

num bar, e partiu a cabeça de um amigo

com uma garrafa de cerveja.


Quando se recusou a combater no Viet-Nam,

O seu cadastro provava como desde a infância,

sempre manifestara sentimentos

nitidamente de traidor à pátria.


OS PRAZERES DA JUVENTUDE

Ao fim de 24 jogos perdidos,

o time ganhou o desafio.

O público inundou o campo, desceu à cidade,

e durante horas interrompeu o trânsito, bebeu na rua,

quebrou montras, partiu mesmo os faróis dos carros

da polícia que, risonha, comungava

naquele entusiasmo regional e jovem

por um triunfo tão longamente ansiado.


Uma centena de pessoas manifesta-se na rua

(contra uma «vitória» que não se vê no Viet-Nam),

e os cacetes desabam, a prisão enche-se,

porque interromperam o trânsito, incitaram à desordem,

e resistiram malignamente à autoridade

que os mandou dispersar.


A VIDA E A MORTE COMO INVESTIMENTO SEGUNDO AS ÁREAS GEOGRÁFICAS

O menino ia de bicicleta pela rua

e de repente passou pela frente de um carro

que ia com cuidado porque o vira.


O menino caiu, e ficou caído a chorar.

O sujeito que guiava o carro correu

a uma casa fronteira para telefonar

à polícia. O dono da casa

que era estrangeiro correu entretanto

a levantar o menino.


A polícia chegou, tomou conta da ocorrência,

verificou que o homem do automóvel

não tinha culpa nenhuma. Uma ambulância

veio e levou o menino.


Como o homem do automóvel não tinha culpa

dos ferimentos e contusões que o menino aliás não tinha,

a família dele processou (25 000 dólares ) o supracitado

dono da casa pelos danos futuros

causados por acudir ao menino que

levantou sem ser médico ou polícia.


Para exercer-se a caridade,

ou mesmo só a humanidade espontânea

há que ter o seguro respectivo.

(No Viet-Nam, qualquer família de um morto por engano,

se apresentar o cadáver, tem direito a 23.41 de indemnização)..


O DIREITO SAGRADO

Com a barriga a sair das calças descaídas,

as mangas arregaçadas da camisa e os suspensórios,

exibiu na televisão a queixada de chacal

e o cabelo cortado rente como pele de hiena.

Latia curtamente, em pequeninos roncos,

olhando de viés para as lentes que seriam o público.


Dono duma vasta propriedade com

ribeiro, floresta, prados, não cultiva

– tudo o que possui é para os esquilos, os

ratos encantadores de todas as espécies,

etc., vivendo felizes à sua vigi-

lante guarda. Ama a natureza, os

animais seus irmãos.


Por isso espalhou por toda a parte en-

genhosas armadilhas (que inventou)

para crianças, caçadores, pares de na-

morados, quantos

acaso cruzem, desprevenidos, ,sem respeito

pela propriedade privada, o seu terreno.


E ele mesmo, além de binóculo com que

amorosamente espia os animais amigos,

completa o campo entrincheirado com

as suas armas automáticas

– artilharia de apoio para quando as

armadilhas falham.


Assim, já mutilou ou feriu

muita gente. E, desta vez,

– é a razão da entrevista –

matou.

«É o meu terreno. A minha propriedade.

Tenho o direito de defender-me e aos ani-

mais que nele vivem. É o meu terreno.

É meu. É meu.»

(Pelo menos em primeira instância, foi

absolvido).


(SEQUÊNCIAS da Moraes Editores, 1978)

domingo, 6 de março de 2022

A guerra, a crise capitalista e os refugiados

Os nossos incontornáveis órgãos de informação propriedade e porta-vozes dos grandes grupos económicos nacionais e, por delegação ideológica e económica, dos grandes interesses financeiros internacionais, mudaram o chip da pandemia pelo da guerra na tentativa de explicar os problemas do país e do mundo, independentemente da sua natureza. Claro que os de natureza económica e financeira estão na primeira linha: “Guerra. Aumento da incerteza, subida da inflação e abrandamento do PIB" (da imprensa mainstream). A partir de agora, a “guerra” irá explicar tudo e mais alguma coisa.

O aumento "inevitável" do preço dos combustíveis

A guerra, nos tempos modernos, resulta essencialmente da disputa entre as diversas potências capitalistas dominantes pela posse de recursos e zonas de influência. Mas não só. A guerra para o capitalismo tem também como objectivo destruir a produção excedente, que não se consegue escoar pela limitação do mercado, e as próprias forças produtivas, onde se inclui o factor humano. Destruir para reconstruir de novo e assim relançar a acumulação e concentração capitalista, sem as quais o capitalismo não sobreviverá, constitui a essência da economia dita de mercado. Relançar os lucros é vital para a sobrevivência dos capitalistas. Foi graças à II Guerra Mundial que a burguesia conseguiu resolver a grave crise económica de 1930.

No momento em que estas notas são escritas, assiste-se a uma corrida, desenfreada e pouco inteligente, aos postos de abastecimento de combustível na ânsia de se adquirir a gasolina e o gasóleo antes das subidas, antecipadamente anunciadas, de 9 e 19 cêntimos respectivamente. Estamos curiosos sobre o que irá acontecer quando a inflação se generalizar a todos os produtos essenciais à vida das pessoas, o que será uma questão de pouco tempo – OCDE: Inflação chega aos 7,2% em Janeiro, a taxa mais alta desde 1991; Inflação acelera na Zona Euro para novo máximo histórico de 5,8% em Fevereiro; e em Portugal a inflação acelera para 4,2%.

O alarmismo com que se anuncia o aumento dos preços e da sua inevitabilidade, porque há a guerra (dizem eles!), é igual ou talvez superior ao difundido em relação às hipotéticas vagas avassaladoras e também ditas inevitáveis do vírus sars-cov-2, da doença covid-19 e do número de mortes provocadas. As mentes, previamente formatadas, irão aceitar como natural a inflação que se agora é ainda baixa, devido ao apoio financeiro às empresas por parte do estado com o pretexto do combate à pandemia e aos seus efeitos económicos (é bom relembrar), depressa irá disparar logo que se esgote esses financiamentos, que mais não são do que a transferência para a esfera pública das dívidas das empresas privadas, ou seja, dos capitalistas, nacionais e estrangeiros, que utilizam o estado como instrumento para defesa dos seus negócios - “Dívida Pública sobe em Janeiro para 272,4 mil milhões” e “IGCP emite até 1.000 milhões em dívida a 5 e 12 anos”. Por outro lado, fica bem claro aos olhos de todos os cidadãos que os governos, seja qual for o partido ou partidos que os integrem, são sempre os comités de negócios dos capitalistas; e os seus membros, por muito que pintem a cara de “socialismo” ou de “esquerda”, não passam de empregados da burguesia.

O governo do PS/Costa diz que vai prolongar e triplicar o apoio a combustíveis para táxis e autocarros e vai subir o desconto no Autovoucher de 5 para 20 euros para os cidadãos; no entanto, vai encaixar 11,5 milhões por dia com a subida dos combustíveis, dinheiro este que sai directamente dos bolsos dos trabalhadores. Aqueles apoios irão ser limitados no tempo, o governo não deixou de o esclarecer, não se comprometendo com a descida do imposto sobre os combustíveis, como os patrões do sector não se cansam de reclamar, e foi ainda mais longe, adiou apenas para melhores dias o futuro “imposto carbono”. Aliás, se alguma vez o ISP descer não significará preços mais baixos dos combustíveis, porque será aproveitado pelos patrões para aumentar a taxa de lucro. E são os lucros, no meio disto tudo, que estão em causa e são o fautor principal da guerra.

Os baixos salários e a mão-de-obra barata dos imigrantes refugiados

Para poder ganhar as eleições e por maioria absoluta, como veio a acontecer, o PS no governo, e aproveitando-se deste facto, prometeu tudo e mais alguma coisa, desde a subida do salário mínimo e das pensões à felicidade suprema e absoluta do povo português. Só que há um pequeno senão, serão todos os trabalhadores a financiar os patrões a pagar a reles subida do salário mínimo nacional (SMN), e que pelo número de empresas que concorreram a este apoio são demasiados os trabalhadores que auferem este salário miserável: 161.634 empresas, abrangendo quase 979 mil trabalhadores, num montante de 94,5 milhões de euros. Qualquer dia a maior parte dos assalariados do país estarão a auferir o SMN - “Portugal tem salário mínimo "inadequado" ao custo de vida” e “10,7% dos trabalhadores estão em (risco de) pobreza” (da imprensa corporativa).

A predominância de salários baixos reflecte a existência de uma mão-de-obra pouco qualificada e que, por força dessa realidade, será pouco produtiva, não permitindo uma descolagem da economia nacional como se pretende. Mas é para manter esta estratégia de desenvolvimento económico, e para aumentar os lucros a curto prazo, que a nossa burguesia vai continuar a apostar nos salários baixos, agora contando com o maná dos refugiados ucranianos. Todos os patrões se disponibilizam para aceitar os imigrantes, prometem casa, formação e emprego, e tanto eles como as câmaras e o governo prometem o país das delícias e das maravilhas. É só solidariedade, não haverá interesse escondido, ficámos a saber que Portugal é o supra-sumo do altruísmo. Os patrões do Turismo dizem ter 50 mil empregos para os refugiados ucranianos e o governo já garantiu casa para 1500 famílias. No entanto, se a avalanche for súbita e maior que o esperado, os trabalhadores ucranianos ficarão então a conhecer a verdadeira natureza de tanta boa-vontade. Com a entrada de um grande número de trabalhadores no mercado de trabalho irá inevitavelmente baixar ainda mais o preço da mercadoria que é a força de trabalho. Será também o acicatar da competição entre trabalhadores e o dar argumentos aos partidos de extrema-direita que, diga-se em abono da verdade, a burguesia e o governo PS não se cansam de promover.

A crise económica é crónica, arrasta-se penosamente e as medidas entendidas e aplicadas pelos governos para a superar só servem para a amenizar durante algum pouco tempo, sempre à custa do agravamento dos rendimentos e das condições de vida dos trabalhadores, para logo depois a mesma crise ressurgir ainda com mais força. Parece que as medidas de austeridade, postas em prática no tempo da troyka, tiveram um efeito paradoxal: deram mais força à crise. Uma crise que nunca será ultrapassada por uma burguesia rentista e presa ao lucro fácil e imediato, assim se compreende a afirmação dos esclavagistas nacionais: “Com os salários atuais, Portugal pode atrair engenheiros da América Latina” (bastonário dos engenheiros). Uma burguesia de vistas curtas e de fraco intelecto: “Patrões têxteis levam a mal “direito” de gozo do feriado de Carnaval”.

A guerra da Ucrânia fomentada pelo imperialismo estado-unidense tem um duplo objectivo, vergar a Rússia (o sonho molhado do imperialismo capitalista desde o princípio do século XIX) e aumentar ainda mais a subjugação da União Europeia, arredando-a como possível competidora. De igual modo, espelha as contradições e a decadência do capitalismo a nível mundial, nesta época de domínio do grande capital financeiro. Quando a guerra acabar, na hipótese optimista de não desembocar numa terceira Guerra Mundial, nuclear de certeza, a Europa estará mais pobre, mais dividida e mais próxima do fim - “Euro cai para o nível mais baixo desde maio de 2020”. E em Portugal, a austeridade, que agora o governo de maioria absoluta de Costa/PS irá aplicar, será muito semelhante à do primeiro governo Sócrates, também ele de maioria absoluta do mesmíssimo PS (parece que muitos portugueses têm fraca memória). Em vez de cortes nos salários e nas pensões em termos nominais, iremos ter cortes bem maiores mas por meio da inflação. Em 2010, os cortes tiveram de ser directos pela simples razão de que a taxa de inflação era zero ou perto de zero. Desta vez será a matar, só que já não haverá tempo para arrependimentos. Os tempos são de guerra e é bom que os portugueses que trabalham e produzem se capacitem bem disso para não terem mais surpresas.