Enquanto se escrevem estas linhas, o balanço já
é trágico: sete mortos, dos quais quatro bombeiros, e mais de 100 feridos, alguns
deles graves, e os números não param de aumentar. Não há maneira de se
aprender. Será incapacidade ou incúria dolosa? Se passarmos para números de
incêndios, áreas ardidas e concelhos atingidos, então, teremos: mais de 10 mil
hectares entre Porto e Aveiro (mais de 62 mil hectares desde Domingo); 125 novos
incêndios que deflagraram em 12 horas, entre as 20 horas de ontem e as 8 de
hoje; a intensidade dos incêndios nos distritos de Aveiro e Viseu a igualar a
dos incêndios de 2001; mais de 100 concelhos a arder ou em risco sério e imediato
de novas deflagrações. Em resposta política, o primeiro-ministro cancelou a
agenda oficial e o congresso do partido foi adiado. Contudo, nem a oposição nem
os órgãos de comunicação social vieram, para já, exigir a demissão da ministra
da Administração Interna, que não se sabe por anda, e nem Marcelo foi ao
terreno tirar a selfie do costume e à semelhança do que fez em Pedrógão. Quando
estas linhas terminarem de ser escritas, com certeza, que a tragédia terá
alastrado.
Estamos perante um problema que se vem
arrastando de ano para ano e há mais de quarenta anos. Todos os anos assistimos
a toda sorte de especialistas, comentadores, jornalistas tudólogos a perorar
sobre as causas dos incêndios e respetivas mezinhas. E, quando chegam os
políticos de serviço de turno ao governo, então, são as lamentações, os ditos
sentidos pêsames aos familiares das pessoas que morreram e em relação às vítimas
são as promessas rejuradas de que a situação não se irá repetir, as medidas e as
indemnizações a haver serão prontas e certas.
Andamos nisto vai para quase há meio século, todos
os anos a tragédia se repete, umas vezes com mais intensidade ou dimensão,
outras vez mais moderada e pouco mediatizável, pairando no ar que a incompetência
e a negligência campeiam e se tornaram, elas próprias, um problema da mesma
dimensão. Nós vamos mais longe, tudo isto acontece porque há uma política consciente,
live e deliberada para que as coisas sejam mesmo assim.
Quando foi o terrível incêndio de Pedrógão, levantou-se
de imediato um imenso coro de indignação contra o governo PS e da sua aparente
incapacidade de ter actuado de prontidão de molde a colocar fim ao incêndio e
de não ter sabido prevenir a tragédia. Agora, depois da experiência passada e
dos ensinamentos que se deveria ter tirado, a situação está a repetir-se, já
com algumas mortes e dezenas de feridos, mas ninguém levanta a voz de protesto.
Ficam pelo lamento e ninguém exige a demissão da ministra ou do governo no seu
conjunto.
Parece que o incêndio até veio a calhar para o
governo da AD, porque vai-se passar toda a semana a falar da desgraça em vez do
Orçamento de estado 2025, e se vai ou não ser aprovado. A campanha para quem
vai ser o melhor candidato a Belém, da mesma forma, ficou em banho-maria e para
melhor oportunidade. As televisões já não falam da guerra na Ucrânia nem no genocídio
que o governo sionista de Israel está a cometer contra o povo palestiniano. Muito
se irá falar de incêndios florestais, mas nem uma única palavra sobre as razões
verdadeira e reais de nada se ter feito para evitar a tragédia.
Jorge Paiva, biólogo e professor jubilado da
Universidade de Coimbra, alertava há cerca de 20 anos, e alertou por mais do
que uma vez, para o que se estava a passar em Portugal quanto a floresta e
incêndios. A destruição da floresta primitiva que existia no território portugueses,
que ocupava inclusivamente o Alentejo foi deliberada; primeiro, para diversos empreendimentos
militares e económicos, exemplo, construção de naus para os descobrimentos;
segundo, a sua substituição por espécies exóticas, pinheiro bravo no tempo do
regime fascista, e eucalipto para a indústria das celuloses, na época actual; tanto
uma como a outra espécie constituem os melhores combustíveis para a ignição e
propagação dos fogos. A razão principal dos fogos florestais anuais é simples:
a ganância e a política deliberada dos governos, de todos eles, em satisfazer a
corrida desenfreada pelo lucro. Na verdadeira acepção da palavra, não temos “floresta”,
porque espontânea e constituída por inúmeras espécies, mas “bosques”, monoculturas
plantadas pela indústria do capital.
Ao mesmo tempo que se destrói a floresta, constrói-se
no seu lugar uma mancha imensa e contínua de bosque, que, vendo bem, disponibiliza
um magro lucro, embora fácil, e daí a sedução de muitos proprietários. Monocultura
que, por sua vez, desertifica em termos humanos as nossas serras. Temos de
reconhecer alguma razão, desta vez, aos activistas do Climáximo quando vêm
acusar as celuloses, nomeadamente a Navigator e os governos
pelos incêndios e pelas mortes resultantes. A poluição dos incêndios não será
menor do que aquela que resulta da combustão dos combustíveis fósseis. Estamos lembrados
que estas empresas, exemplo Celtejo/Altri, quando são condenadas por poluir apanham penas que se resumem a irrisórias multas, mantendo impunemente a poluição da água e do
ar. A própria justiça não mexe com os interesses dos grandes grupos económicos.
No dia de ontem o fogo chegou à periferia
oriental da cidade de Coimbra, e foi por aqui que em 2005 o fogo entrou na
cidade chegando à malha urbana, mas, dessa altura até aos dias de hoje, nada
foi feito quanto a limpeza das matas ou à modificação da mata. Em reunião da
Junta de Freguesia de Torres do Mondego, onde fica a porta de entrada para o
fogo, o presidente da Junta denunciou que a mancha contínua de eucaliptos e de
acácias, espécies que não são nativas, se mantem (Diário de Coimbra, 17.09.2024). Nem câmara e nem governo
nada fizeram para alterar a situação e prevenir mais uma desgraça. Pela boca do
mesmo autarca, ficou-se a saber que a zona é explorada por madeireiros, e,
acrescentamos, toda ela se situa dentro da área apetecível para construtores civis
e agências imobiliárias. Coimbra deverá ser só ultrapassada, no que concerne à
especulação imobiliária e incluindo o mercado do arrendamento de quartos a
estudantes, por Lisboa e Porto.
Não será difícil identificar quem ganha com a
indústria dos fogos, para além dos citados, empresas de aluguer de meios
aéreos, as próprias corporações dos bombeiros, e as câmaras municipais… e as
empresas ligadas à exploração do lítio e de outros minérios. A contratação dos
meios aéreos seja para o combate aos incêndios, ou socorro e transporte de
doentes pelo INEM, continua a ser feita ou por ajuste directo ou às mesmas empresas
do costume, que chegam a fazer cambalacho entre si. Só há pouco tempo que o
governo anunciou a aquisição de 3 helicópteros que serão operados pela Força Aérea,
mas o primeiro só será entregue em 2027. Os Kamov, considerados os melhores
helicópteros para combate a incêndios, adquiridos pelo governo de
PS/Sócrates, foram sabotados e posteriormente enviados para a Ucrânia, o que
suscitou protesto da embaixada da Rússia em Lisboa perante o governo AD. Os comandantes
das associações de bombeiros voluntários podem vender material às próprias corporações,
porque não constitui qualquer ilegalidade. E as câmaras também poderão alterar
os planos directores municipais, alargando as áreas de construção. Pelas redes
sociais proliferam os mapas que mostram onde se irão efectuar as explorações do lítio e,
coisa curiosa, todas elas coincidem com as regiões mais afectados pelos
incêndios. Não sejamos maldosos e conspiradores, serão apenas coincidências.
A imprensa mainstream, que tanto fustigou o
governo anterior e exigiu a cabeça da ministra, centra a atenção na dimensão
dos incêndios e sublinha a serenidade dos actuais governantes que estarão a ter,
ou terão tido, hoje uma reunião do conselho de ministros e, imaginem lá!, presidida
pelo inefável PR Marcelo, que possivelmente estará agradecido que o país arda,
porque assim este já não falará do amaldiçoado tema das gémeas. As elites pouco
ou nada se preocupam com o povo, a sua vida e problemas, a sua atenção
dirige-se para os negócios e interesses dos diversos lóbis que dominam o país;
o mais é encenação para empalmar o voto em tempo de eleições. Nada se preocupam
que a dita “floresta” esteja ao abandono, que os serviços que existiam para a
sua protecção tenham sido destruídos, desde guardas florestais a guarda rios, que
a população abandone os campos e as serras do interior do país, por falta de empregos,
de serviços de saúde, de escolas e de infantários, ficando os velhos ao deus
dará e entregues, quanto muito, ao negócio dos lares ilegais ou explorados pela
Igreja/Misericórdias financiadas com dinheiros públicos.
À medida que o país arde, o governo AD irá tentar sair do fogo sem se chamuscar muito; irá, à semelhança dos anteriores, prometer mundos e fundos, chorar baba e ranho e verter lágrimas de crocodilo pela desgraça das pessoas do povo, que ficam sem o património conquistado ao longo de uma vida de trabalho e, infelizmente, algumas sem a própria vida. Todos nós sabemos que a origem da maior parte destes incêndios é de natureza criminosa, conhecem-se os incendiários, no entanto, era bom também saber quem são os mandantes e porque possuem inteira liberdade para fazer o que fazem. Isto só pode acontecer porque, em última instância, a responsabilidade da tragédia cabe única e exclusivamente a um poder político e a um sistema económico para quem o dinheiro e a riqueza material são mais importantes que o bem-estar do povo português, a vida humana e a protecção da natureza. A pergunta que deixamos: até quanto teremos de suportar esta situação e esta gente que nos desgoverna?
Imagem de destaque: SIC Notícias.
Ver: Os incêndios e a desertificação do Portugal florestal – Jorge Paiva
Nenhum comentário:
Postar um comentário