Antoni Miró
Nos
últimos dias, temos assistido a algumas cenas particularmente
enternecedoras entre seres que se amam de sobremaneira, embora por
vezes não pareça, constituindo um trio admirável, para não dizer
“Odemira”, não sabemos bem se elogio ou insulto ao mais que
conhecido trio de música popular portuguesa. Marcelo, Costa e
Centeno, por esta ou por outra ordem qualquer, esta é arbitrária e
ao gosto do freguês, são os componentes do dito trio. E várias têm
sido as cenas: Costa e Centeno, um diz que não sabia e o outro diz
que não guarda segredos, com Marcelo irritado com o segundo, por
hipotética “fuga de informação”, ou o Costa a apoiar e a
lançar a recandidatura de Marcelo, com este a fazer-se de esquisito,
declarando que haverá outros temas mais prementes. Todos fazem de
conta, os três pensam como prioridade no seu futuro político, os
partidos a que pertencem são instrumentos de ambições mal
contidas, e o povo assiste à encenação, pagando o bilhete no
princípio, no meio e no fim desta ópera bufa, que seria uma comédia
e não uma tragédia se o preço não fosse enorme e pago com língua
de palmo pelos mesmos do costume. Todos se amam na defesa da
situação, da estabilidade e da paz social e... no apego ao tacho,
só se zangarão se houver alguma incompatibilidade ou imprevisto
entre eles.
Um
pequeno pormenor a ter em conta em relação ao apoio à
recandidatura de Marcelo, é feita pelo primeiro-ministro de um país
aparentemente soberano em fábrica de uma grande empresa alemã, com
votos de próximo encontro na mesma fábrica, como já acontecera no
passado. Não deixa de ser simbólico: numa fábrica alemã que se
instalou no nosso país, em tempo do cavaquismo, não pela lindeza
dos olhos dos trabalhadores portugueses mas pelo baixo custo da
mão-de-obra nacional, para além de outras regalias e benefícios
para o grande capital alemão. Costa e Marcelo assumem-se
descaradamente como lacaios do imperialismo germânico, do IV Reich
da führer Merkel. Para quem ainda tivesse dúvidas, fica o registo.
Costa, quanto à defesa dos interesses da Alemanha, também não tem deixado os pergaminhos por mãos alheias, já procedeu à requisição
civil contra os trabalhadores do porto de Setúbal e colocou a
polícia a proteger os fura-greves quando começou a falhar a saída
por aquele porto dos automóveis construídas pela fábrica da
Autoeuropa, em Palmela, que não teve problemas em entrar em lay off
apesar dos muitos milhões de euros de lucro. Situação esta de
iniciativa do governo PS que, alegando a dita “crise da pandemia”,
já beneficiou mais de metade das grandes empresas e somente menos de
um décimo das pequenas e micro empresas (dados da CGTP). Costa e
Marcelo são dois rematados lacaios do grande capital, dois Migueis
de Vasconcelos, dois rematados traidores no sentido tradicional do
termo, dois agentes da burguesia indígena, que não merece o nome de
“nacional” já que a sua pátria é a conta bancária e o
património conseguidos à custa da sobre-exploração dos
trabalhadores portugueses.
Mal
se soube do apoio de Costa a Marcelo, logo umas almas penadas da
política se indignaram com a proposta ter sido feita à revelia do
partido, umas (falsas) virgens que parecem contradizer, mas só
parece!, os “carneiros” que logo vieram criticar os que
criticavam e deram de imediato o reverenciado ámen à decisão do
primeiro (deles), comprovando que o PS não passa de uma agência de
emprego para os militantes e outras clientelas, ou seja, um meio
seguro de acesso ao pote. A carneirada, o aparelhismo, a
subserviência, ser fiel ao chefe, são características endógenas
do PS, e não só deste partido, mesmos os restantes que não têm
estado na governação não fogem muito à regra: um estado de alma,
um genoma, um destino de um partido que foi fundado em 1973, na
Alemanha, com os dinheiros da social-democracia da Fundação
Friedrich Ebert, o chanceler da república de Weimar que mandou
assinar os revolucionários Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, e com
um objectivo: enfiar o país na então CEE, transformá-lo num
protetorado do futuro império alemão. A entrada no euro foi o
completar do processo formal da constituição do império e o início
da pauperização em grande velocidade do povo português. A crise
dita “do coronavírus” apenas veio tornar mais visível, e
simultaneamente acelerar e justificar as medidas de austeridade há
muito preparadas, a crise económica mais profunda: a Alemanha entrou
em recessão ainda antes da pandemia, segundo o instituto de
estatística Destatis, já com o recuo de 0,1% do PIB no quarto
trimestre de 2019, retrocesso que se manteve nos dois trimestres
seguintes, e com a queda de 9,2% da produção industrial, coisa que
não se via desde 1991.
Em
relação às presidenciais, o PS não irá mudar a sua estratégia,
delineada e colocada em prática desde o tempo de Mário Soares, de
abrir a porta e tornar viável uma candidatura de direita, para
satisfazer os apetites deste sector mais retrógrado da elite dita
“nacional”; estratégia que falhou com o Soares Carneiro, cujo
objetivo era afrontar Eanes e satisfazer desejo mesquinho de revanche
de Mário Soares, mas que resultou em pleno com Cavaco Silva e, mais
tarde, com o Marcelo, cabendo o papel de idiotas úteis a Manuel
Alegre e a Sampaio da Nóvoa, o primeiro por duas vezes, parece que
nada aprendeu da primeira vez, o homem só de poesia é que entenderá
alguma coisa, porque de política, népias! Pelos vistos Ana Gomes
irá assumir o mesmo papel, dando redobrado gozo a Marcelo por uma
provável vitória logo à primeira volta por mais de 60%, porque de
novo surgirá um candidato oficial ou oficioso do PS, um palerma do
género José Seguro ou afim, para dividir o eleitorado de esquerda.
A direita sabe que só dividendo este eleitorado é que consegue
eleger um presidente da República, exactamente como tem acontecido
até agora. Se a fala-barato Ana Gomes (parece gostar de
protagonismo, será uma personalidade histriónica?, não sabemos e
até pouco interessará para o caso) conseguir manter-se firme na
defesa de um programa de esquerda, susceptível de unir o povo de
esquerda, largamente maioritário na sociedade portuguesa, então
tudo bem. Mas para isso terá de fazer o que Alegre não teve coragem
para fazer, colocar-se contra o partido e eventualmente ter que sair.
Terá Ana Gomes tomates para o fazer? Esperamos para ver.
O
PS é cada vez mais um partido em processo de fascização, já nem
diremos de direitização, tal como os restantes partidos do regime,
ficando essa tendência bem evidente em mais um episódio, acontecido
recentemente: a prisão, em hotel e a expensas do próprio, de um
natural dos Açores que ali chegou de avião a mando do governo
regional, com a justificação do despiste de covid-19; perante a
libertação por ordem de uma juíza, o soba local veio publicamente
manifestar a sua discordância da decisão do tribunal, embora
aceitando, mais do que contrariado senão não tinha vindo a
terreiro, o referido facto. Costa e Marcelo são apenas duas
expressões de uma cacicagem fascistóide, que faz da gestão do
Estado uma gerência de uma qualquer quinta de propriedade pessoal,
não diferindo em termos qualitativos, por exemplo, do fascista descarado e
oportunista Ventura. Este não deixará de beneficiar do apoio de
todos os media de referência do establishment, para servir de
espantalho a fim de assustar as mentes mais temerosas que se não
votarem nos candidatos do “sistema” virá aí o fascismo; uma
manipulação já usada e vezada em outros países, nomeadamente em
França com a Frente Nacional, porque depois vamos a ver e não há
diferença de vulto entre uns e outros. A acontecer esta candidatura
da extrema-direita formal será mais uma benesse que Marcelo irá
agradecer, porque o fará passar por democrata, um democrata da
treta que ainda há pouco não se coibia de gabar o ministro fascista
das Finanças Pinto Barbosa, braço direito de Salazar durante a
época mais feroz da ditadura, como “um muito bom ministro das
Finanças”.
Repetimos:
haverá coragem de colocar em causa a política seguida até agora e
levada à prática quer pelo PS quer pelo PSD, que por sua vez
responde a uma agenda política da própria burguesia portuguesa, uma
política de subordinação aos interesses da Alemanha, que irá
aproveitar a ocasião, com ou sem o “fundo de estímulo” de 500
mil milhões de euros em dívida da UE avançado pelo eixo
franco-alemão, para fazer recair o preço da sua recuperação
económica sobre os países da periferia? Irá o candidato da
esquerda repudiar o aumento já crónico e em progressão constante
da dívida pública, e de toda ela, reclamando uma maior soberania
económica, financeira e monetária, e ao cabo e ao resto política,
para o país? E irá colocar em causa a permanência de Portugal no
euro e na União Europeia? Esperamos sentados, para ver se surge
alguma candidatura mesmo de esquerda.