sexta-feira, 22 de maio de 2020

Tão amigos que eles são!


Antoni Miró

Nos últimos dias, temos assistido a algumas cenas particularmente enternecedoras entre seres que se amam de sobremaneira, embora por vezes não pareça, constituindo um trio admirável, para não dizer “Odemira”, não sabemos bem se elogio ou insulto ao mais que conhecido trio de música popular portuguesa. Marcelo, Costa e Centeno, por esta ou por outra ordem qualquer, esta é arbitrária e ao gosto do freguês, são os componentes do dito trio. E várias têm sido as cenas: Costa e Centeno, um diz que não sabia e o outro diz que não guarda segredos, com Marcelo irritado com o segundo, por hipotética “fuga de informação”, ou o Costa a apoiar e a lançar a recandidatura de Marcelo, com este a fazer-se de esquisito, declarando que haverá outros temas mais prementes. Todos fazem de conta, os três pensam como prioridade no seu futuro político, os partidos a que pertencem são instrumentos de ambições mal contidas, e o povo assiste à encenação, pagando o bilhete no princípio, no meio e no fim desta ópera bufa, que seria uma comédia e não uma tragédia se o preço não fosse enorme e pago com língua de palmo pelos mesmos do costume. Todos se amam na defesa da situação, da estabilidade e da paz social e... no apego ao tacho, só se zangarão se houver alguma incompatibilidade ou imprevisto entre eles.

Um pequeno pormenor a ter em conta em relação ao apoio à recandidatura de Marcelo, é feita pelo primeiro-ministro de um país aparentemente soberano em fábrica de uma grande empresa alemã, com votos de próximo encontro na mesma fábrica, como já acontecera no passado. Não deixa de ser simbólico: numa fábrica alemã que se instalou no nosso país, em tempo do cavaquismo, não pela lindeza dos olhos dos trabalhadores portugueses mas pelo baixo custo da mão-de-obra nacional, para além de outras regalias e benefícios para o grande capital alemão. Costa e Marcelo assumem-se descaradamente como lacaios do imperialismo germânico, do IV Reich da führer Merkel. Para quem ainda tivesse dúvidas, fica o registo. Costa, quanto à defesa dos interesses da Alemanha, também não tem deixado os pergaminhos por mãos alheias, já procedeu à requisição civil contra os trabalhadores do porto de Setúbal e colocou a polícia a proteger os fura-greves quando começou a falhar a saída por aquele porto dos automóveis construídas pela fábrica da Autoeuropa, em Palmela, que não teve problemas em entrar em lay off apesar dos muitos milhões de euros de lucro. Situação esta de iniciativa do governo PS que, alegando a dita “crise da pandemia”, já beneficiou mais de metade das grandes empresas e somente menos de um décimo das pequenas e micro empresas (dados da CGTP). Costa e Marcelo são dois rematados lacaios do grande capital, dois Migueis de Vasconcelos, dois rematados traidores no sentido tradicional do termo, dois agentes da burguesia indígena, que não merece o nome de “nacional” já que a sua pátria é a conta bancária e o património conseguidos à custa da sobre-exploração dos trabalhadores portugueses.

Mal se soube do apoio de Costa a Marcelo, logo umas almas penadas da política se indignaram com a proposta ter sido feita à revelia do partido, umas (falsas) virgens que parecem contradizer, mas só parece!, os “carneiros” que logo vieram criticar os que criticavam e deram de imediato o reverenciado ámen à decisão do primeiro (deles), comprovando que o PS não passa de uma agência de emprego para os militantes e outras clientelas, ou seja, um meio seguro de acesso ao pote. A carneirada, o aparelhismo, a subserviência, ser fiel ao chefe, são características endógenas do PS, e não só deste partido, mesmos os restantes que não têm estado na governação não fogem muito à regra: um estado de alma, um genoma, um destino de um partido que foi fundado em 1973, na Alemanha, com os dinheiros da social-democracia da Fundação Friedrich Ebert, o chanceler da república de Weimar que mandou assinar os revolucionários Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, e com um objectivo: enfiar o país na então CEE, transformá-lo num protetorado do futuro império alemão. A entrada no euro foi o completar do processo formal da constituição do império e o início da pauperização em grande velocidade do povo português. A crise dita “do coronavírus” apenas veio tornar mais visível, e simultaneamente acelerar e justificar as medidas de austeridade há muito preparadas, a crise económica mais profunda: a Alemanha entrou em recessão ainda antes da pandemia, segundo o instituto de estatística Destatis, já com o recuo de 0,1% do PIB no quarto trimestre de 2019, retrocesso que se manteve nos dois trimestres seguintes, e com a queda de 9,2% da produção industrial, coisa que não se via desde 1991.

Em relação às presidenciais, o PS não irá mudar a sua estratégia, delineada e colocada em prática desde o tempo de Mário Soares, de abrir a porta e tornar viável uma candidatura de direita, para satisfazer os apetites deste sector mais retrógrado da elite dita “nacional”; estratégia que falhou com o Soares Carneiro, cujo objetivo era afrontar Eanes e satisfazer desejo mesquinho de revanche de Mário Soares, mas que resultou em pleno com Cavaco Silva e, mais tarde, com o Marcelo, cabendo o papel de idiotas úteis a Manuel Alegre e a Sampaio da Nóvoa, o primeiro por duas vezes, parece que nada aprendeu da primeira vez, o homem só de poesia é que entenderá alguma coisa, porque de política, népias! Pelos vistos Ana Gomes irá assumir o mesmo papel, dando redobrado gozo a Marcelo por uma provável vitória logo à primeira volta por mais de 60%, porque de novo surgirá um candidato oficial ou oficioso do PS, um palerma do género José Seguro ou afim, para dividir o eleitorado de esquerda. A direita sabe que só dividendo este eleitorado é que consegue eleger um presidente da República, exactamente como tem acontecido até agora. Se a fala-barato Ana Gomes (parece gostar de protagonismo, será uma personalidade histriónica?, não sabemos e até pouco interessará para o caso) conseguir manter-se firme na defesa de um programa de esquerda, susceptível de unir o povo de esquerda, largamente maioritário na sociedade portuguesa, então tudo bem. Mas para isso terá de fazer o que Alegre não teve coragem para fazer, colocar-se contra o partido e eventualmente ter que sair. Terá Ana Gomes tomates para o fazer? Esperamos para ver.

O PS é cada vez mais um partido em processo de fascização, já nem diremos de direitização, tal como os restantes partidos do regime, ficando essa tendência bem evidente em mais um episódio, acontecido recentemente: a prisão, em hotel e a expensas do próprio, de um natural dos Açores que ali chegou de avião a mando do governo regional, com a justificação do despiste de covid-19; perante a libertação por ordem de uma juíza, o soba local veio publicamente manifestar a sua discordância da decisão do tribunal, embora aceitando, mais do que contrariado senão não tinha vindo a terreiro, o referido facto. Costa e Marcelo são apenas duas expressões de uma cacicagem fascistóide, que faz da gestão do Estado uma gerência de uma qualquer quinta de propriedade pessoal, não diferindo em termos qualitativos, por exemplo, do fascista descarado e oportunista Ventura. Este não deixará de beneficiar do apoio de todos os media de referência do establishment, para servir de espantalho a fim de assustar as mentes mais temerosas que se não votarem nos candidatos do “sistema” virá aí o fascismo; uma manipulação já usada e vezada em outros países, nomeadamente em França com a Frente Nacional, porque depois vamos a ver e não há diferença de vulto entre uns e outros. A acontecer esta candidatura da extrema-direita formal será mais uma benesse que Marcelo irá agradecer, porque o fará passar por democrata, um democrata da treta que ainda há pouco não se coibia de gabar o ministro fascista das Finanças Pinto Barbosa, braço direito de Salazar durante a época mais feroz da ditadura, como “um muito bom ministro das Finanças”.

Repetimos: haverá coragem de colocar em causa a política seguida até agora e levada à prática quer pelo PS quer pelo PSD, que por sua vez responde a uma agenda política da própria burguesia portuguesa, uma política de subordinação aos interesses da Alemanha, que irá aproveitar a ocasião, com ou sem o “fundo de estímulo” de 500 mil milhões de euros em dívida da UE avançado pelo eixo franco-alemão, para fazer recair o preço da sua recuperação económica sobre os países da periferia? Irá o candidato da esquerda repudiar o aumento já crónico e em progressão constante da dívida pública, e de toda ela, reclamando uma maior soberania económica, financeira e monetária, e ao cabo e ao resto política, para o país? E irá colocar em causa a permanência de Portugal no euro e na União Europeia? Esperamos sentados, para ver se surge alguma candidatura mesmo de esquerda.

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Os impostos que a burguesia não quer pagar e o povo cada vez mais pobre


Vasco Gargalo in facebook

Faz título de jornal que “a carga fiscal em 2019 mantém-se em 34,8% do PIB”, isto é, não aumentou desde 2018, embora seja a maior carga fiscal ocorrida nas duas últimas décadas; e ainda muito antes de publicada esta estatística do INE, já a burguesia, especialmente pela voz dos seus representantes mais retrógrados e reaccionários, iniciara uma campanha contra a “pesada carga fiscal”, escamoteando que os impostos que vai pagando estão muito abaixo dos impostos que os povo português é obrigado a pagar e a não bufar: a receita relativa ao IRS cresceu 267,5 milhões de euros (+2%), enquanto a receita referente ao IRC encolheu 2,9%, e a subida do IRS deveu-se essencialmente ao aumento do imposto sobre os rendimentos dos empregados e pensões (+4%), porque o IRS sobre rendimentos de capitais diminuiu 20,7%, já que a maior parte destes rendimentos são taxados em sede de outros impostos mais favoráveis aos capitalistas; e o IRS representa 65,1% do total dos impostos directos. O IVA é de todos os impostos o mais injusto porque tributa de igual modo tanto ricos como pobres, tendo registado uma subida de 7%, mais 1,17 mil milhões de euros em relação a 2018, representando cerca de 39% dos mais de 46 mil milhões de euros que o Estado terá extorquido em termos líquidos. Os capitalistas indígenas e os seus rufias nos partidos mais à direita escondem também que Portugal está abaixo da linha média de pagamento de impostos, entre os 28 Estados-membros da UE foi o décimo com menor carga fiscal, porque os patrões pagam poucos impostos e se pudessem não pagariam nenhuns e até teriam os trabalhadores a trabalhar à borla.

Contudo, as nossas elites, não satisfeitas vão destilando propaganda, por natureza, enganadora, reclamando constantemente mais baixa de impostos e de TSU, para além de financiamento directo do Estado a fundo perdido, e não é só a CIP e o seu abastardado chefe, como também agora, invocando a crise pandémica e não pandémica, os empresários da restauração e hotelaria. Esta gente esquece-se ou não quer saber que no Estado que temos os impostos são a principal fonte de receitas públicas, com as quais o Governo, que gere o o Estado, vai suportando as despesas com a Saúde, Educação ou infra-estruturas públicas, etc., demostrando-se mais uma vez e em tempo de pandemia que é ainda o SNS, e apesar de todos os ataques que tem sofrido, o principal instrumento na defesa da saúde pública. E se os patrões não pagarem impostos, terão de ser os trabalhadores a pagar a parte que ainda lhes vai calhando, e há empresas que neste momento ou pagam só uma parte dos impostos que deviam pagar, por exemplo, os bancos cujos lucros só parcialmente são taxados, ou os grandes fundos de investimento cujos impostos são quase nulos, ou as empresas nacionais, todas as do PSI-20, que nem sequer pagam impostos em Portugal, indo entregá-los na Holanda ou em outros paraísos fiscais. Quando se houve um Chega e o seu troglodita chefe barafustar que "os portugueses" pagam muitos impostos tem apenas em mente não os interesses dos trabalhadores portugueses, esses, sim, é que são esmifrados, mas os interesses de toda a burguesia e, em particular, de quem o promove e financia, o Grupo Cofina, pertencente ao oligarca Paulo Fernandes que tudo tem feito para não pagar a dívida de 13,5 milhões de euros (Cofina Media) ao Fisco e à Segurança Social e que, apesar de ter aderido ao PERES, já terá prescrito ou sido perdoada. A primeira medida que Macron e Trump tomaram mal ocuparam a cadeira do poder foi acabar praticamente com os impostos pagos pelos patrões das grandes empresas.

Em altura de comemoração dos 75 anos da vitória sobre o nazismo, pelas tropas aliadas mas essencialmente pela esforço heróico do exército vermelho e sacrifício do povo soviético, cujas baixas foram mais de metade de todas as provocadas pela barbárie hitleriana (um produto made in Germany, coisa que não devemos esquecer), devemos ter bem patente que todos os agora denominados “populismos” são arroubos do grande capital que entra directamente em cena como última hipótese de dar solução à crise profunda e arrastada do seu modelo económico assente na exploração do trabalho assalariado. CDS, parte do PSD, e, mais recentemente, Chega e Iniciativa Liberal, são expressões de projectos, ainda em lume brando, do grande capital a fim de aumentar a exploração dos trabalhadores e do povo português, não havendo outro objectivo. No entanto, para angariar apoios, os neo-nazis encapuçados de democratas dirigem-se aos sentimentos e preocupações mais imediatas de franjas do eleitorado, por vezes, mais humildes, mas mais despolitizadas e até abandonadas pelo partidos que se arvoram de esquerda. No discurso desta gente, e é ver os perfis nas redes sociais, alguns eventualmente falsos, a juntar à propaganda de “pagar menos impostos”, é o incitamento ao ódio contra o “outro” que é diferente (e mais pobre), seja cigano ou imigrante, ou o reivindicar da introdução da pena de morte ou da prisão perpétua por crimes que são em parte produto da miséria e da falta de protecção social (caso recente da morte da criança de Peniche) por parte do Estado, que só se preocupa com os lucros das empresas e o enriquecimento dos capitalistas, ou seja, aqueles interesses que os partidos e os trastes de extrema-direita servem, embora dando a entender o contrário.

Se os impostos destapam e, até certo ponto, agravam as diferenças sociais em países como Portugal, apesar da razão da sua existência dever ser o corrigir de eventuais desigualdades sociais e económicas, segundo dizem, as epidemias, como aquela que agora está acontecer entre nós, ainda mais agravam a situação de pobreza, por um lado, e fazem aumentar o enriquecimento e concentração de capital, pelo outro. Ao contrário do que toda a imprensa de referência andou, e ainda anda, a propagandear, os vírus, e muito menos o coronavírus, não afectam da mesma maneira a população e nem “todos estamos no mesmo barco”, pelos impostos que pagamos e pelo que sofremos com a doença. E os números, como sói dizer-se, “não enganam”: «os concelhos com maiores taxas de desemprego e maiores desigualdades de rendimento são aqueles que têm maior número acumulado de casos de Covid-19; a doença “não se apresenta como uma ameaça igual para todos”, sublinham os autores do Barómetro Covid-19 da Escola Nacional de Saúde Pública». E mais: “uma em cada quatro das pessoas que ganham menos de 650 euros mensais diz ter perdido totalmente o rendimento, enquanto no conjunto dos que ganham mais 2500 euros isso aconteceu apenas em 6% dos casos”; precisamente ao contrário do que afirma um merdas que dá por nome de Carlos Costa, governador (representante do BCE) do Banco de Portugal, que a pandemia tem um impacto maior nas famílias com rendimentos do trabalho mais elevados. E mesmo em relação à saúde: “o fenómeno das desigualdades pode exacerbar as vulnerabilidades” previamente existentes, ou seja, as consequências podem revelar-se mais negativas para pessoas em situação à partida mais precária, avisam peritos que assinam o estudo A pandemia não é igual para todos, porque, continuam, «já se sabe que “a saúde piora a cada degrau que se desce na hierarquia” social; a pandemia de Covid-19 não será excepção, desde logo as condições sócio-económicas podem ter uma influência significativa no risco de infecção, mas o mesmo pode acontecer no diagnóstico, no tratamento e até na sobrevivência». Como nem somos todos iguais nem estamos no mesmo barco e, como disse alguém, “estamos no mesmo mar, uns em iates de luxo, nós outros na água a tentar nadar!”

Se a precariedade no trabalho, a remuneração baixa e a dificuldade de acesso a apoios sociais podem “impedir que as pessoas se resguardem mais nas suas habitações para se protegerem do vírus”, e nem todos os trabalhadores podem estar em teletrabalho, são factores acrescidos de risco; o risco também aumenta quando as condições de vida são piores, quando as “pessoas vivem em bairros onde existe uma maior densidade populacional e utilizam transportes públicos mais lotados” (do estudo). Como são factores de risco trabalhar em fábricas sem condições e com patrões esclavagistas, a exemplo dos trabalhadores que andaram infectados durante mais de quinze dias em fábrica da Azambuja. Factos estes que pouco ou nada preocupam os que se indignaram com a manifestação na rua do 1º de Maio (diga-se de passagem, organizada timidamente pela CGTP), e que, à pala da indignação por algumas medidas do PS e da situação de abandono dos trabalhadores, tentam pescar nas águas turvas do populismo (número onde se pode incluir um merdoso MST que aproveita a sua posição de paineleiro e cronista do reino televisivo de bolsar alarvidades contras os trabalhadores e o 1º de Maio). Esta gente utiliza a mentira e a demagogia e quando se sentem atacados e desmascarados armam-se em vítimas, como aconteceu com os apaniguados do Chega depois de serem apanhados na deturpação dos resultados de sondagem realizada pela Pitágora & Sondagens PT que daria o 3º lugar àquele partido neo-nazi-polícia no distrito de Lisboa. A intenção da burguesia é a de intensificar a repressão sobre os trabalhadores caso estes se revoltem, não aceitem os estados de emergência e os confinamentos, e as medidas de austeridade, já presentes com o aumento do desemprego (mais 75 mil pessoas nos centros de emprego em Abril, comparado com igual mês de 2019) e da redução dos salários por força do lay-off, mas que aumentarão substancialmente a seguir ao dito desconfinamento.

Não é por mera coincidência nem por acaso que o governo de direita de Macron prolongou o estado de emergência sanitária até ao dia 10 de Julho, com a responsabilização criminal dos funcionários públicos pelos contágios que possam ocorrer durante o desconfinamento, não conseguindo ver aprovado o controlo dos cidadãos por aplicação de telemóvel (será apenas por registos médicos que serão destruídos passados três meses). Se não tivesse sido a providencial pandemia da Covid-19, nem Macron teria conseguido acabar com as manifestações dos coletes amarelos nem o ditador eleito Piñera, no Chile, tinha amainado as constantes e cada vez mais determinadas manifestações pelo seu derrube e por reformas políticas e económicas que não chegaram a ser feitas após a ditadura de Pinochet. Na mesma linha se encontra o Governo PS/Costa, que não consegue disfarçar a sua qualidade de agente de negócios dos capitalistas que por cá pululam, são diários os acontecimentos que põem a nu essa evidência. Agora, foi o aparente desconhecimento de Costa sobre a autorização dada pelo seu ministro das Finanças para entrega de 850 milhões de euros ao Novo Banco via Fundo de Resolução (banco com um prejuízo superior a mil milhões de euros em 2019 e cujos administradores receberam 2,3 milhões de euros em vencimentos e esperam por um bónus de 2 milhões em 2021, e fazem contratações de centenas de milhar de euros) quando foi interpelado na Assembleia da República sobre o assunto, tendo sido categórico a afirmar que isso só aconteceria após o resultado da auditoria que entretanto se estava a fazer; claro que ninguém acredita em tal patranha! Facilmente se percebe que a pandemia apenas colocou o descontentamento e a subsequente revolta social em quarentena, provisória e temporária, que depressa e quando menos se esperar irá irromper com mais violência, pela simples razão de que as causas que lhe subjazem terão aumentado em termos exponenciais.

Aguarda-se por novos surtos da pandemia... assim como pela revolução que seguirá dentro de momentos

terça-feira, 5 de maio de 2020

A Calamidade, o Costa e o Marcelo



«A criação voluntária de um estado de emergência permanente (mesmo se eventualmente não declarado no sentido técnico) tornou-se, desde então*, uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, mesmo dos chamados democráticos. Perante a progressão imparável daquela a que se chama uma «guerra civil mundial»**, o estado de excepção tende cada vez mais a tornar-se o paradigma de governo dominante na política contemporânea»
Giorgio Agamben 
in “Estado de Excepção”, 2003

A seguir ao estado de emergência, que inevitavelmente se irá repetir e transformar-se em nova normalidade, segue-se o estado de calamidade pública, que deveria ter sido decretado em vez do de emergência só que não dava para suspender os direitos e liberdades dos trabalhadores, por imposição menos do patronato do que pelo medo das consequências de se manter ad aeternum o estado de prisão domiciliário dos portugueses em termos de conflitualidade social.

Após os chefes da direita tradicional terem criticado a realização do 1º de Maio com pessoas presentes na rua pela CGTP, a central sindical oficiosa do regime, uma “pouca-vergonha” e uma “falta de respeito”, pela perda de autoridade de quem manda, o PR Marcelo, tal como o escorpião da história, não conseguiu conter a sua verdadeira natureza e de lá veio a ferroada, para não dizer coice, de que estava a contar com uma “cerimónia mais simbólica, como a do 25 de Abril na Assembleia da República, com “menos de 100 pessoas”, como os sindicalistas estivessem em espaço fechado. Para a burguesia o 25 de Abril não passa de uma data perdida na memória, que nem interessa trazer muito à baila pelo perigo de revolução que poderia ter ocorrido com os trabalhadores na rua a exigir mais do que uma simples mudança de figurões, e da mesma maneira quer que o 1º de Maio, dia de luta do proletariado, não seja mais do que um acto simbólico ou uma romaria, coisa de que a CGTP não tem fugido muito. A frustração presidencial desabafada e um pouco retardada correspondeu ao desejo e necessidade de se dirigir ao eleitorado mais conservador, pouco atreito a festividades vermelhas, e amaciar mais uma vez o pelo à Igreja Católica.

Aliás, uma estratégia semelhante ao do primeiro-ministro Costa do PS que, tendo começado por atirar o reinício da austeridade sobre os trabalhadores mais pobres e precários, os que na sua maioria não votam PS e nem votem sequer, e agora faz finca pé que as aulas recomecem para os alunos que têm exames à porta para acesso no ensino superior, filhos da classe média e clientes dos colégios privados onde vão vão comprar a nota, vai tentando gerir a crise económica/pandémica conciliando gregos e troianos, como é do seu timbre. Fechou os olhos à realização do 1º de Maio na rua pela CGTP, com a deslocação de pessoas de outros concelhos, quando isso estava interdito, mantendo assim o namoro com o PCP e BE e respectivos eleitorados, ao mesmo tempo, tenta satisfazer os patrões, com especial incidência os grandes grupos económicos, jamais deixando de olhar para as sondagens (“a gestão da pandemia da Covid-19 fez disparar a popularidade de António Costa entre os portugueses”, diz a imprensa/propaganda) a pensar em possíveis eleições antecipadas para o ano que vem a fim de obter a tão almejada e fugidia maioria absoluta. Enquanto esta não vem, o estado de emergência dará sempre para governar por decreto, sem precisar de maioria no Parlamento, porque este diz sempre ámen.

Não é inocente nem casual o anúncio feito pela ministra da Saúde, em modo moço de recados, de que o evento de Fátima de 13 de Maio se poderia realizar desde que “respeitadas as regras sanitárias”, o que terá muito “surpreendido” as reverendíssimas autoridades eclesiásticas católicas do país, que logo se comprometeram a actuar no mais restrito preceito pelas regras dimanadas pelo governo. É para se dizer que tão queridos que eles são!, até parece que governo e ICAR não actuam com conhecimento prévio e que a aparente compensação à Igreja pela realização do 1º de Maio pelo CGTP não era já ponto assente. Costa com esta putativa benesse apenas se limita a fazer pela vida em próximas eleições legislativas e, concomitante, carreira política pessoal. Se a CGTP veio para a rua, mui respeitosa, como também é o seu selo, fez muito bem, porque se o não fizesse ficaria mais do que evidente o seu conluio com o governo PS e lá se iria o seu capital de credibilidade perante os trabalhadores; e uma central sindical incapaz de mobilizar os trabalhadores nem que seja para a paz social, que é o que mais importa neste caso, é imprestável, completamente descartável pela burguesia, e também se iriam os tachos de burocratas sindicais da maioria dos seus dirigentes: ir trabalhar aos sessenta e tal anos é uma grande chatice, que o diga o Ti'Arménio!

Marcelo e Costa estão bem um para o outro, ambos defendem o mesmo, esta economia de mercado - que a própria CGTP não põe em causa, tornando-se cada vez mais nauseabundos o seu reformismo e pactuação com um regime a cair de podre -, e obrigar os trabalhadores a pagar com imenso suor e sangue a crise do capitalismo, nacional e europeu. Marcelo e Costa divergem quanto muito no tom da forma e do tempo como esse objectivo deverá ser atingido e ambos fazem pela vida. Os dois dão muitos abraços e beijinhos, um ao outro, quando se trata de defender a estabilidade política e a não conflitualidade social, como sublinhou Marcelo aquando da surpresa pela manifestação da CGTP; beliscam-se e arranham-se quando os interesses pessoais ou da tribo porventura colidem. Marcelo faz questão de se assumir, e disso faz alarde, como porta-voz e defensor por excelência da burguesia nacional e dos seus interesses, não deixando de frisar o órgão-central da alt-right portuguesa, o já incontornável “Observador”, que “quase 20% do PIB passou por Belém em mês meio”, desde “banqueiros, gestores e empresários” em mais de 40 encontros, ouvindo-os “falar da crise” e também fazer pedidos. O que não é para admiração porque serão estes que lhe pagarão as despesas da reeleição para o ano e que, desta vez e ao contrário do que tem sido habitual, será mais bem complicada do que a eleição na primeira vez.

A estafa de tanta reunião, e com a agravante de se conter nos beijos, afectos e selfies, Marcelo teve que desabafar, coisa que lhe acontece frequentemente, de que a pandemia da Covid-19 “está a ser um desafio enorme para a nossa (a deles) economia” e que “a economia não fechou portas, há que produzir (os trabalhadores), há que exportar e há que trabalhar (os trabalhadores)", reafirmando um modelo económico que acabou de mostrar que está falido, mais do que isso, moribundo. E mais disse: “vai ser um desafio para a nossa maneira de viver”, referindo-se mais ao povo português do que propriamente à classe que representa, reafirmando as palavras anteriores do Costa que "daqui para à frente nada será igual até que seja encontrada uma vacina" para o coronavírus. Ou seja, a pandemia está a ser um bom álibi, embora de garantia duvidosa, para reforçar a exploração dos trabalhadores e impedir que estes se mobilizem em lutas terrivelmente assustadoras pelo perigo de estas conduzirem à expropriação dos principais meios de produção e de distribuição e à mudança do regime político. A burguesia nacional e o seu comité de negócios, governo PS/Costa, não sabem ao certo de quem devem ter mais medo: se do povo que se pode revoltar caso o confinamento se mantenha indefinidamente, se o confinamento da economia a mais do que a conta torne a dita recuperação económica simplesmente inviável... e lá se vai a taxa de lucro!

Em qualquer daquelas hipóteses a burguesia teme pelo futuro, com ou sem União Europeia. As medidas do governo que tanta satisfação estão a dar ao Costa, em termos de popularidade, poderão ter o condão de fazer precipitar o que ele tanto quer esconjurar. A revolução está sempre ao virar da esquina, basta uma faúlha para incendiar a floresta, e não é, para quem a faz, um convite para jantar.

*Promulgação do “Decreto para a protecção do povo e do Estado” em 28 de Fevereiro de 1933, também conhecido por Reichstagsbrandverordnung;
**O combate à Covid-19 já foi declarado como «guerra mundial».