terça-feira, 23 de abril de 2024

O Último Relatório para a Pide e A Luta Contra a Guerra Colonial

  

A preparação do 1º de Maio de 1974 mostrou que o povo estava a lutar e antes que o regime caísse na rua… deu-se o 25 de Abril.

Salgueiro Maia não conseguiu esconder, pouco tempo antes de falecer, as razões que levaram a que o golpe tivesse sido antecipado para a data de 25 de Abril – não era esta a data prevista para o seu desencadeamento - que era o “desconforto” existente no seio dos oficiais das Forças Armadas devido às consequências imprevisíveis da realização do 1.º de Maio Vermelho, cujo amplo trabalho de convocação era realizado desde o princípio do mês, situação confirmada pelo próprio Otelo em outra ocasião.

Por todo o lado se mobilizava os operários para o dia de luta do proletariado internacional, sendo visíveis de norte a sul do país as inscrições nos muros realizadas por comunistas revolucionários e da CDE sobre a libertação dos presos ou sobre a carestia de vida, mas cuja propaganda era feita em ruelas esconsas ou comunicados deixados aos montes nas casas de banho e corredores do Metro, sendo facilmente apanhados na sua quase totalidade pela polícia, como refere o relatório (página 2-4)

É o “Ultimo relatório sobre a situação geral do país do Ministério do Interior para a PIDE-DGS” (“Perintrep” do Comando-Geral da P.S.P, nº15/74, respeitante ao período de 6 a 13 de Abril), que diz.

A folha 2-1, ponto 1, Situação Geral e na alínea a), pode ler-se o seguinte: «Continuam a aparecer panfletos (LISBOA, AVEIRO, LEIRIA, SANTARÉM E VIANA DO CASTELO) e pichagens (LISBOA, COIMBRA E BRAGA), relativos ao próprio dia 1 de Maio. O panfleto referente a Viana do Castelo era já conhecido e os restantes não tinham sido ainda detectados. Os seus autores são: “MRPP”, “CLAC” e “RPA-C”. Este último tem a finalidade de pretender induzir o pessoal das Forças Armadas a manifestar-se no 1º. de Maio».

Páginas 2-3 e 2-4 do mesmo documento, faz-se referência a comunicados contra a guerra colonial distribuídos porta a porta pelos CLA-C's e pela RPA-C e a “inscrições murais com o desenho da foice e do martelo: “VIVA O 1º DE MAIO / VIVA A DITADURA DO PROLETARIADO / TODOS AO ROSSIO ÀS 19H30 / O 1º DE MAIO É VERMELHO / TODOS AO ROSSIO ÀS 19H30 MRPP”».

E a página 2-5 (só para citar algumas referências), pode ler-se igualmente: «Data: 29 Mar 74. Editado: “Comité Amílcar Cabral – Comité Directivo da RPA-C. Súmula: Procura arrastar soldados e marinheiros para a anunciada manifestação do dia 1 de Maio no ROSSIO pelas 19h30, ao lado da classe operária e do povo contra a ditadura da burguesia colonial-fascista, contra a exploração capitalista, etc., indicando ter-se registado já no Regimento de Engenharia nº1 um caso de indisciplina».

Coimbra, 8 de Abril «detectadas na Rua Rego do Bonfim e na Fábrica de Cortumes, as inscrições murais: “VIVA A CLASSE OPERÁRIA, ABAIXO A EXPLORAÇÃO CAPITALISTA, O.C.M.L.P. / O GRITO DO POVO EM FRENTE PELA REVOLUÇÃO POPULAR / VIVA O 1-º DE MAIO”» (pág. 2-10).

Em Barcelos, «em 10 de Abril, são «detectadas em vários locais as inscrições murais: “VIVA O 1.º DE MAIO – GREVE / MANIFESTEMO-NOS CONTRA A EXPLORAÇÃO CAPITALISTA / ABAIXO O CAPITALISMO / ABAIXO O CUSTO DE VIDA / MAIS DINHEIRO /JUNTOS NO 1.º DE MAIO DIA DO OPERÁRO / LUTA”, seguidas das iniciais A.C.M.L.P. e do desenho da foice e martelo» (a folha 2-12).

Em Viana do Castelo, «11 de Abril, foram encontrados no Bairro Jardim, 26 exemplares do panfleto: “CAMARADAS: VIVA O DIA DOS TRABALHADORES – VIVA O 1º DE MAIO, editado pela Organização Marxista-Leninista Portuguesa (O Grito do Povo)”» (pág. 2-22).

Aveiro, 11 de Abril «foram encontrados em Espinho, exemplares dos panfletos com o título: FERIADO NO 1.º DE MAIO! UMA LUTA DE TODOS OS TRABALHADORES. Assinado por “Um Grupo de Trabalhadores” (pág. 2-11).

Outras indicações sobre a agitação e propaganda para a convocação do 1º de Maio, realizadas em Braga, na Marinha Grande ou em Torres Novas, se podem encontrar do mesmo documento (páginas 2-17 e 2-20), o que prova que a Pide e as outras forças repressivas tinham os olhos postos sobre a actividade de quem se oponha com firmeza à guerra colonial e ao regime.

O PADRE QUE PREGAVA CONTRA A GUERRA E OS ESPECULADORES

Sem dúvida que uma das referências mais interessantes encontradas no “ÚLTIMO RELATÓRIO sobre a situação geral do país do ex-ministro do Interior para a ex-pide/dgs” é aquela que diz respeito à prédica do padre de Maximinos, em 6 de Abril, que passamos a transcrever: «Aspecto religioso: chegou ao conhecimento do CD que o padre LIRA, pároco da freguesia de Maximinos desta cidade, nas meditações que fez durante a Via Sacra, enquadrada no programa das solenidades da Semana Santa em Braga, que teve lugar naquele dia, tendo por intenção especial os emigrantes, junto dos respectivos calvários, entre o mais, pronunciou: “Ó Jesus Cristo auxiliei o povo do século XX, ajudai o clero, as Instituições, os Bombeiros, os Educadores e os que fazem greves para aumentar os seus salários;

Ó Jesus Cristo castigai os do século XX que exploram os pobres, açambarcando os géneros e marcando-os por um preço mais elevado, aqueles que compram por cinco e vendem por trinta e cinco, aqueles que têm os presos a morrerem nas cadeias, aqueles que como Judas atraiçoam toda a gente e estão agora colocados em grandes pedestais;

Ó Santa Mãe que recebeste uma medalha do teu filho como exemplo de honra, mas não é como estas mães que agora recebem medalhas e condecorações a título póstumo por os filhos que morrem na guerra”» (pág. 2-13).

Fonte

Nenhum comentário:

Postar um comentário