sexta-feira, 28 de novembro de 2025

O governo Montenegro, o empobrecimento dos portugueses e o establishment apodrecido

"Mundo estranho" - Diane Arbus

Estamos quase a chegar ao fim do ano e as perspectivas para o próximo ano quanto ao bem-estar, condições de vida e rendimentos do povo português não são lá muito risonhas. O Orçamento de Estado (OE) para 2026 – o documento que orienta a distribuição da riqueza, criada no país pelo trabalho, pelos diferentes estratos sociais – aponta sem margem para qualquer dúvida para o aumento da pobreza das camadas da população mais baixas e um aumento inusitado para o topo da pirâmide social, o que se compreende à primeira vista de olharmos para os rendimentos de um grande número de ministros deste governo, incluindo o primeiro-ministro. Os ricos só gostam dos pobres na justa medida em que consigam manter-se em cima das suas costas. O conjunto de medidas reformistas no que concerne ao Código do Trabalho, propostas que o PSD só apresentou depois de se alcandorar mais uma vez ao governo, irão complementar esse processo de empobrecimento, não só das classes mais baixas como de igual modo da dita “classe média”. A pequena-burguesia, desorientada e sem um projecto de futuro, agarra-se às saias da extrema-direita bronca e ignorante, fortemente financiada pelo sector dos capitalistas rentistas, que só conseguem sobreviver sugando os dinheiros públicos com os negócios que mantém com o Estado, e diariamente embalada pelos media mainstream, de propriedade dessa mesma oligarquia parasitária. O polvo domina o Estado, o governo é o instrumento e o OE é o seguro de vida.

Prioridades orçamentais, o saque e a guerra

A política do governo Montenegro/PSD/Chega vai ter como fio condutor a substância do Orçamento de Estado, retirar o máximo de riqueza aos trabalhadores, os únicos que criam e produzem, e redistribui-la segundo a lógica do capital, por sua vez, bem expressa em dois acontecimentos recentes, que valem pelo simbolismo: a administração do Hospital de Castelo Branco chamou os cinquenta médicos tarefeiros, que ali trabalham e asseguram o funcionamento da instituição, para os informar que não pagará na íntegra o que lhes deve por alegadas dificuldades de tesouraria, curiosamente, no dia a seguir à visita da ministra da Saúde e do Secretário Executivo do SNS; Força Aérea vai gastar 24 milhões na modernização das aeronaves da frota P-3CGER, adquiridas à Alemanha.

Pelos vistos, há dinheiro para material de guerra, embora se diga que é destinado à vigilância, mas não para a Saúde. Neste orçamento, há mais dinheiro para a guerra na Ucrânia, um gasto de 3.837 milhões de euros, mais 25%, para os 2% em 2026, mas o objectivo é atingir os 5% do PIB. Contudo, o governo corta mais de 200 milhões em medicamentos e material de consumo clínico. São prioridades resultantes de opções ideológicas e ao serviço de uma classe que vive da exploração e quem trabalha. E quando há crise, a guerra serve sempre para o renovar da replicação e acumulação do capital – são intrínsecos.

Para reforçar esta acumulação e concentração, Bruxelas impõe, e a comissária dos Serviços Financeiros, uma portuguesa de má memória, já veio confirmar e apelar; assim, os trabalhadores terão de descontar para os fundos privados de pensões, o que levará ao enfraquecimento da Segurança Social, em processo semelhante ao que estar a acontecer com a CGA (Caixa Geral de Aposentações) que não está a ser renovada com novas adesões. O fundo de pensões dos trabalhadores do estado que o próprio governo, seguindo a intenção dos governos anteriores, quer pôr fim será o princípio da privatização do sistema ainda existente entre nós.

Bruxelas ameaçou que os novos fundos europeus dependeriam das mexidas nas pensões de reforma e o governo de Montenegro já decidiu que os descontos dos trabalhadores daqui para a frente serão automáticos para os fundos, geridos por bancos e companhias de seguros, que, tal como aconteceu em outros países, serão maioritariamente estrangeiros. Os nossos idosos são os que mais sofrem a pobreza e Portugal é o país da OCDE em que os trabalhadores mais tarde se reformam. A política de Montenegro é obrigar os trabalhadores a trabalharem até morrer – o tempo para a aposentação irá aumentar para 66 anos e 11 meses e a penalização para 17,6% em 2027. A dita “Europensão” será um meio poderoso para a recapitalização dos bancos europeus.

Portugal teve de seguir as regras draconianas impostas por Bruxelas quanto às despesas do Estado, a proposta apresentada pelo governo Montenegro do Orçamento estava aprovada à partida, quer pelos eurocratas quer pela Assembleia da República. A abstenção “exigente” do actual dirigente do PS, que veio substituir a famosa abstenção “violenta” do agora candidato à Presidência da República, mas então antecessor de Carneiro, foi determinante, na prática foi um voto a favor. Estes dois partidos do arco da governação têm sido até agora os instrumentos de defesa dos negócios e interesses do grande capital nacional e de todo o estrangeiro que por aqui exerce o saque. Enquanto que entre nós o Orçamento da guerra e da pobreza é aprovado perante relativa passividade social, em outros países da Europa, exemplo, Alemanha, Bulgária e Inglaterra, os orçamentos têm sido contestados na rua por muitas dezenas de milhares de cidadão descontentes.

Os dois partidos do bloco central de interesses têm perpetuado a astronómica dívida pública, que tem funcionado como um garrote no pescoço do povo português e um entrave ao próprio desenvolvimento económico do país, mesmo em termos capitalistas, para não fazer concorrência aos países mais ricos da UE, mas que o são em grande medida à custa da nossa pobreza. A dívida pública subiu para 97,6% do PIB no terceiro trimestre do ano, ou seja, 5.959 milhões de euros, para 294.319 milhões. Valor que tem sido desvalorizado pelo facto de o PIB também estar a crescer a uma velocidade um pouco maior, mas que a não faz encolher em termos reais e absolutos. Mantendo-se este ritmo, Portugal tem o futuro inevitavelmente comprometido, cada vez mais um protetorado da Europa que se apressa no caminho da guerra: «Poderá começar um conflito armado entre a NATO e a Rússia antes de 2029 – declarou o ministro da Defesa alemão Boris Pistorius em entrevista ao Frankfurter Allgemeine Zeitung».

Um governo indubitavelmente de salteadores

Este governo é sem disfarces uma espécie de Robin Hood dos ricos para roubar os pobres. A descida do IRC para 19% em 2026 foi de imediato aprovada na especialidade. Os bancos que operam em Portugal pagam apenas impostos sobre parte dos lucros, possuem um regime de excepção, mas mesmo assim queixam-se, apesar de também nunca terem tido lucros tão grandes como agora. Os principais bancos privados (BCP, Santander, Novo Banco e BPI) encaixam quase 1,5 mil milhões em comissões entre nos primeiros nove meses do ano. E no mesmo período os três maiores bancos privados lucram 2,1 mil milhões. Perante a fartura, o Presidente do BPI contesta a intenção de nova tributação, ao que parece “aconselhada” por Bruxelas: “Mais impostos? por que é que é sistematicamente aos bancos? é um problema ideológico”. Roubar o povo português, será igualmente uma questão ideológica, pergunta-se? O BES/Novo Banco terá ficado, em termos oficiais, em 8 mil milhões de euros ao Estado mas este só conseguiu recuperar 2 mil milhões, e um dos gestores, o marido da ministra mais rica do governo recebeu um bónus de mais de 7 milhões de euros pela venda do Novo Banco aos franceses. Os lucros foram para os americanos da Lone Star e dos homens de mão de conduziram o saque. Entretanto, o governo polaco vai taxar os bancos em 30%, ao contrário do que faz o governo Montenegro/PSD/Chega.

E falando em “ministros ricos”, não confundir com “ricos ministros”, constata-se que este é o governo cujos ministros possuem maior património, será o governo mais rico que Portugal alguma vez teve. O património, pelo menos o declarado, de tal gente atinge os 20,9 milhões de euros, são 17 ministros ricos, claro que uns são mais riquinhos que outros. Os ministros do Trabalho, da Justiça e do Ambiente são os mais ricos, por sinal até são ministras, são mulheres, parece assim que na casta dos ministros a mulher não é assim tão duplamente explorada, como se pinta para as mulheres trabalhadoras. Uma delas, a do Trabalho, é a mais rica, com um património de mais de 5,36 milhões de euros, exactamente a esposa do tal banqueiro que agora vai receber ou já recebeu uma pipa de dinheiro pelo negócio do Novo Banco, com certeza que não enriqueceu a trabalhar. Coloca-se a questão: quando saírem do governo, estarão mais ricas ou mais pobres? Não nos parece que seja difícil acertar na resposta correcta, porque sabemos antecipadamente que não será graças aos grandes vencimentos que actualmente auferem, provavelmente, será por outros negócios.

E, continuando com o tema dos impostos, deve dizer-se que Portugal não é o país da União Europeia onde se pagam em média mais impostos, ao contrário da propaganda dos media e dos chefes das associações patronais. Portugal registou, em 2024, um rácio de impostos em percentagem do PIB de 37,1%, abaixo da média da UE, que é de 40,4%, e da zona euro, 40,9%, segundo o Eurostat. Neste país quem paga impostos é o povo e os trabalhadores por conta de outrem, os que não podem escapar e acabam por pagar por todos. Neste OE, há uma rúbrica designada “excepções”, que constitui a segunda maior despesa do Estado para 2026, ou seja, 15,6 mil milhões de euros, que mais não é que um verdadeiro “saco azul” para dar aos grandes capitalistas, aos empresários rentistas amigos do PSD e que o financiaram, bem como ao Chega.

Estes dois partidos, juntamente com a IL, podem ser considerados como os agentes do neo-liberalismo extremo, isto é, do capitalismo mais selvagem, que visa como prioridade o empobrecimento rápido do povo português. Os ricos em Portugal, para além de praticamente estarem isentos de pagar impostos, ainda recebem do Estado dinheiro que é extorquido a quem trabalha. O Orçamento de Estado é um saque aos trabalhadores. São também mais de 2 mil milhões de euros, através da redução do IRC, são benefícios fiscais às grandes empresas, 1,8 mil milhões de euros, às parcerias público-privadas, 1,5 mil milhões de euros, e aos residentes não habituais, 1,9 mil milhões de euros. Ou seja, é mais do que gozar com quem trabalha, é roubar os pobres para dar aos ricos.

in "Observador"

Greve geral nacional contra todo o establishment

Diz a ministra mais rica do governo: "A lei em vigor é que tem desequilíbrio a favor dos trabalhadores". Ora, quem assim fala só pode ver no trabalhador um inimigo a abater, nenhum dirigente da CIP, por exemplo, seria tão eloquente. Não se poderá esperar outra coisa de uma figura (que não terá enriquecido a trabalhar) quanto a questões de defesa dos trabalhadores, porque são estes a parte mais frágil, não se encontram no mesmo plano dos patrões, se não ataques aos seus direitos e à sua sobrevivência. Só por esta afirmação se justifica a GREVE GERAL, que facilmente obteve a concordância das duas centrais sindicais – se estas não tivessem apressado a convocar a greve, os trabalhadores iriam eles, por iniciativa própria, fazer inúmeras greves que o governo teria mais dificuldade controlar.

Os motivos são sobejamente conhecidos e suscitaram o maior dos repúdios do mundo do trabalho, tanto no sector público como no privado: liberdade de despedimentos e de trabalho precário, tão defendido e elogiado pelos partidos da extrema-direita e pela ministra, incluindo na administração pública e já anunciados subliminarmente pelo ministro da dita “Reforma do Estado”, onde se privilegiam os CIT (contratos individuais de trabalho) e a contratação de serviços a terceiros (outsourcing); a imposição de trabalho não pago com os bancos de horas (escravatura pura e simples); diminuição brutal dos salários reais e até nominais, que na prática ficarão abaixo do salário mínimo nacional actual; dias de férias não pagos; retirada dos subsídios de férias e de natal diluindo-os ao longo dos 12 meses do ano; aumento do horário de trabalho para 50 ou mais horas semanais, como já aprovado em outros países da UE, etc.

Em suma, é nivelar por baixo, em retrocesso histórico jamais visto, colocando ao mesmo nível tanto os trabalhadores nacionais como os imigrantes, que, em alguns casos, como se ficou a saber nesta semana, há em Portugal trabalhadores migrantes a ganhar 80 euros por mês. Pior escravatura do que esta nem na antiga África portuguesa. Esta política em relação aos trabalhadores é ipsis verbis a política da extrema-direita, Chega, IL, que o PSD consciente e alegremente deseja colocar em prática, com a colaboração (pouca) “exigente” do PS.

Neste sentido, não é de estranhar o recente caso de escravatura de trabalhadores rurais imigrantes no Alentejo (Beja) que, para além de serem abjectamente explorados, eram vigiados por agentes da GNR – a velha GNR que se imortalizou pela repressão dos trabalhadores alentejanos no tempo do salazarismo, parece que lhe está nos genes ser a guarda pretoriana dos senhores de escravos. Estes militares (em função de polícias, já era tempo de se acabar com esta estrutura por anacrónica) “trabalhavam” em horas de serviço, devidamente fardados, utilizando viaturas da GNR, com conhecimento e protecção de alguns graduados, auferindo 200 euros por dia e 400 ao fim de semana, integrados numa organização que funcionava em moldes mafiosos, ou seja violentos, onde se encontrava também um agente da PS e era dirigida por um português. Podemos afirmar, sem exagero, que estamos perante um verdadeiro study case de empreendedorismo nacional, tão incensado por governo e media mainstream.

Estes indivíduos, ainda antes de serem julgados e condenados, deviam ser rapidamente expulsos das respectivas corporações, mas isso não vai acontecer pela simples razão de que estas instituições policiais foram criadas para isso mesmo: reprimir quem trabalha e ao serviço dos esclavagistas nacionais. Estas coisas acontecem porque existe na mente desta putativa “gente” a ideia da impunidade, podem fazer o que lhes der na real gana que nunca serão punida e se houver alguma pena será também meramente simbólica. Aconteceu na GNR e na PSP, e de igual modo na Associação de Bombeiros do Fundão, onde um jovem bombeiro foi sodomizado em ambiente de praxe pelos colegas e com o conhecimento, e quase incentivo, do comandante da corporação. São mentalidades, são práticas que se enquadram bem no establishment, que desumaniza o ser humano, que o escraviza e considera que não há limite para quem possui o poder – a lei é sempre para os outros.

A sociedade burguesa e o seu poder dito democrático revelam à evidência a sua verdadeira natureza nestes casos escabrosos e que indignam qualquer cidadão honesto. Não é apenas uma política, dimanada de um certo e determinado governo, ou a instigação de uma extrema-direita, levada ao colo pelos media de referência e a quem ninguém coloca freio, é todo um sistema que se encontra podre. É um velho mundo de exploração do capital, em fase de vida terminal, que é necessário derrubar. A greve geral nacional do 11 de Dezembro não é somente uma greve contra o “ataque brutal” efectuado pelo governo de Montenegro, como conclama a CGTP e que constitui o referido “pacote laboral”, mas essencialmente contra o governo que a assume e quer concretizar, contra a oligarquia a quem serve essa política, bem como contra todo o establishment. Outro mundo é possível porque necessário.

Imagem: Diane Arbus estava interessada em fotografar aberrações, sentia-se atraída por elas como sujeitos porque, como pessoas, elas não estavam esperando pela sua tragédia, mas em vez disso nasceram com ela. (Will Cappelmann) 

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