domingo, 22 de outubro de 2023

O Orçamento do Costa e o aumento da miséria

 

A proposta de Orçamento de Estado para 2024, muito semelhante às dos anos anteriores, mais não faz do que distribuir pelos diversos grupos de interesses o bolo resultante dos impostos e outras extorsões feitas ao povo português. Para que a receita habitual passe, e irá passar de certeza, tem de trazer à mistura alguns benefícios para quem, em última análise, produz toda a riqueza, o mundo do trabalho produtivo nacional. A classe média e a grande massa de idosos e pensionistas, que decidem muitas vezes os resultados dos processos eleitorais do regime, terão de receber a sua quota parte que, de ano para ano, vai minguado, no entanto, em 2024, haverá alguma excepção, serão mais umas migalhas, porque será ano de eleições.

Contudo, a distribuição de migalhas e de promessas, que sempre ficam aquém da realidade, não consegue esconder a miséria crescente em que vivem muitos portugueses, incluindo a dita “classe média” que mais não é que a pequena-burguesia, que se revolta com a situação em que se encontra, é ver o descontentamento e a luta intermitente de professores e, ultimamente, dos médicos, com especial destaque dos mais novos (os mais velhos com nome na praça estão bem).

Perante o agravamento das condições de vida de mais de três quartos dos portugueses, o governo do Costa, com todos os ministros em coro afinado, limita-se a dizer que os “portugueses estão melhor”, lembrando o Montenegro quando o PSD estava no governo, ou então vem com o argumento, que serve para justificar tudo e mais um par de botas, da guerra, a nova e a velha, que veio agravar o contexto global já “muito agreste”.

Os sem Sem-abrigo aumentaram 78% nos últimos quatro anos, são mais de 10 mil (números oficiais) devido ao aumento da pobreza, dos salários baixos que não impedem a miséria, da falta de habitação, esta por sua vez devido à especulação desenfreada, aos problemas mentais (Portugal é o 2.º país com mais casos psiquiátricos da UE) e toxicodependência provocados pelo desespero e falta de perspectivas de vida. A miséria extrema que se consubstancia na população marginal reflecte e concentra, em suma, todos os problemas que afligem o povo português e onde, salientamos, se inclui a classe média.

A proletarização da sociedade portuguesa tomou, e não é exagero de linguagem, o freio nos dentes, e, com certeza, que o número de pobres não ficará pelos um milhão e setecentos mil (rendimento inferior a 551 euros por mês) do número oficial, mas será bem mais do que o dobro; como já referimos, ter um emprego e receber um salário não são sinónimos de sair ou estar fora da pobreza.

Para enganar os tolos, é capaz que o governo do PS ainda iluda alguns, Costa vem com um pacote de medidas para “acabar” com a pobreza, são 270 (!?) “medidas de combate à pobreza”, onde se destacam “um técnico por família com carência social”, “120 mil crianças com creche gratuita”, “mais acesso a saúde oral e mental”; ou seja, medidas de caridadezinha, assistencialistas, para encobrir uma realidade que só pode ser erradica com medidas de fundo, do género: um salário digno, que faça frente à subida generalizada dos preços dos bens essenciais para uma vida de bem-estar, melhores condições de vida, acesso à habitação a preços controlados, melhores condições de trabalho, mais e melhor saúde com a revitalização do SNS, melhor Escola Pública e melhor Segurança Social.

Em relação ao combate à pobreza, com o pomposo plano de ação “2022-2025 da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza”, o governo também não diz que vai acabar com ela, somente pretende retirar das estatísticas cerca de um terço (660 mil pessoas) ao número (oficial) de pobres actualmente existente até 2030. Como o PS e Costa já não estarão no poder nessa altura também não serão obrigados a prestar contas sobre o falhanço mais que certo. Estamos perante uma verdadeira campanha eleitoral onde Costa não tem qualquer pejo em debitar a mais desbocada demagogia.

Perante tanta falta de vergonha, a oposição, de esquerda à direita, não apresenta argumentos sustentados e credíveis, com o chefe do dito “principal partido” da oposição a cacarejar que o Orçamento é “pipi, bem apresentadinho e muito betinho que parece que faz, mas não faz”; mais tarde, e perante o ridículo da argumentação, alguém do partido veio corrigir a adjectivação, passando para um só "bem vestido" Orçamento. À esquerda a objecção é meramente de promenor, as medidas deveriam ser mais avultadas, não se pondo em causa a natureza do documento e quem dele na realidade beneficia.

A oposição não faz um ataque de fundo à proposta de Orçamento pela simples razão de que, caso fosse governo, faria um semelhante, para não dizer igual, porque está de acordo, só que o não pode manifestar e não tem a coragem de denunciar e opor-se às imposições de Bruxelas que moldam os orçamentos de estado portugueses, elaborados e aprovados nos últimos anos. Não é por acaso que o tal “o mais elevado magistrado da nação” veio sem hesitações declarar que a estratégia seguida pelo Governo na proposta de Orçamento do Estado para 2024 é “porventura a única possível”, que o Orçamento está a correr bem, mas há um senão, o PRR está atrasado, e esse atraso não se deve só ao governo, mas igualmente ao "poder local e à máquina administrativa" e às próprias CCDR - Costa está desculpabilizado.

E é isto que preocupa a elite que vive à custa da manjedoura orçamental e com um extra que já faz salivar, o bolo proveniente de Bruxelas irá aumentar: «Ecofin aprova reprogramação para 22,2 mil milhões de euros do PRR português». A elite não se incomoda que o Medina queira gastar mais 300 milhões de euros com Banif e BPN no OE desde que o povo aceite pagar a conta no fim. Também não é com este Orçamento que os bancos vão pagar mais impostos, nem os especuladores imobiliários ou financeiros em geral, estes poderão dormir descansados porque os lucros serão mais que certos. O capitalismo "pornográfico" continuará de vento em poupa, a não ser com os percalços da crise endémica do sistema.

O Medina, que deve perceber tanto de “finanças” como nós de lagares de azeite, disse que entregou "um orçamento com os olhos postos no futuro"; ora, o futuro a que se refere será mais o aumento da riqueza dos que já são ricos em Portugal, porque nem os patrões serão obrigados a aumentar os salários numa percentagem que permita fazer face ao aumento da inflação, nem passarão a pagar mais impostos, bem pelo contrário, se ainda vão carpindo, declarando hipocritamente que “os portugueses vivem pior” (“Patrões do Minho” que, aparentemente, arrasam o OE, fazendo “5 propostas de melhoramento”), é porque quem não chora não mama, e há que chorar até ao fim.

Costa, o chefe da orquestra, pretende usar a manipulação pelo medo já que a guerra na Europa se mantém e se alarga no Médio Oriente, e não corou em afirmar que um dos objectivos do Orçamento é que Portugal seja “um porto de abrigo face a perturbações externas”. A demagogia não tem limites já que se encontra, como referenciamos atrás, em plena campanha eleitoral. As eleições para o Parlamento Europeu terão de ser ganhas pelo PS, de pouco importando os avisos do representante do BCE em Portugal, Mário Centeno, que foi peremptório ao chamar a atenção para a máxima prudência quanto às políticas orçamentais, e na véspera da apresentação do Orçamento do Estado. De uma maneira de outra, o OE 2024 irá passar sem grande dificuldade em Bruxelas, os governantes do länder são mansos (sem outra conotação).

O governo do PS continua com o mantra de que “está tudo bem” no país. Mas não está, o FMI acaba de declarar que Portugal irá enfrentar o pior abrandamento da Zona Euro em 2024; as exportações caem pelo quinto mês consecutivo no mês de Agosto; o governo do PS foi obrigado a adiar o reembolso de 641 milhões de euros em dívida para 2027 e 2030, empurrando o problema com a barriga; o governo irá gastar 7,1 mil milhões com juros da dívida em 2024, um agravamento de 8,6% em relação ao orçamento anterior, apesar de vir vangloriar-se de que a dívida pública irá baixar significativamente, podendo descer abaixo dos 100% do PIB, contando para isso com a subida do mesmo em 2024, só que há um problema, o PIB irá estagnar. E essa grande proeza será à custa de diminuição de investimento público na economia ou investimento insignificante na saúde, na educação e na segurança social, ou seja, em tudo que tenha a ver com a melhoria da vida e do bem-estar da maioria dos portugueses - são as ditas "contas certas"!

A medida do governo em querer aumentar o IUC dos carros mais velhos, com matrícula anterior a 2007, exactamente dos carros cujos proprietários são os portugueses mais pobres, alegando que será uma forma de obrigar à compra de carros eléctricos, a tão famigerada “transição energética”, é, para além de uma afronta aos pobres deste país, a expressão mais elucidativa  de como o governo encara o desenvolvimento económico: os pobres mais pobres, se não possuem dinheiro para o aumento do IUC, ou para a compra de um carro eléctrico, que andem a pé ou de bicicleta; os ricos, ou a classe média mais abonada, esses poderão andar de carro a combustível fóssil ou trocar de carro como bem entender.

Esta é uma estratégia para o país, e bem definida, imposta também por Bruxelas, executada por um governo mais papista que o Papa (que se diz “socialistas”, ora se não fosse!), contrariando aqueles que acusam o governo de andar sem rumo. Ora, o rumo do governo Costa/PS há muito que está definido, e bem: facilitar a sangria da riqueza dos cidadãos mais pobres para os mais ricos. Esta é que é a verdadeira preocupação do governo do Costa, que diz que irá baixar o IRS para as famílias, mas também diz que vai subir os impostos indirectos, e estes são os mais injustos porque tributam de igual modo tanto os ricos como os pobres.

Este Orçamento será aprovado, quer na generalidade quer na especialidade, pelos mesmos do costume, a bancada de zumbis do PS, e terá os votos contra dos que sabem que o Orçamento passa na mesma, e as abstenções dos auxiliares de marcha e moços de fretes do partido que mais tempo tem estado no governo e é responsável pelas principais medidas anti-operárias e anti-populares neste país. Como é tradição, as greves e as lutas irão recrudescer nesta altura, vésperas de aprovação do Orçamento, a ver se caem mais umas migalhas antes da aprovação definitiva, que costuma acontecer em finais de Novembro, isto é, lutas fofinhas que não ponham em causa a continuação do governo… se não, vem aí fascismo!, e daqui não se passa. Esperemos que a revolta venha, um dia destes, ao virar da esquina e quando menos se esperar….

Cartoon: André Carrilho@DN 

sábado, 21 de outubro de 2023

O Holocausto como indústria e justificativa para o massacre dos palestinos

 

Artigo escrito em 2014 e cada vez mais actual

Por  Renán Vega Cantor  

 “Tenho muitos amigos cujas vozes altas podiam ser ouvidas do outro lado do mundo, que teriam desejado e sem dúvida ainda querem expressar a sua indignação neste festival de sangue, mas alguns deles confessam em voz baixa que não ousam por medo de ser acusado de ser antissemita”. Não sei se eles estão conscientes de que estão cedendo – ao preço da sua alma – a uma chantagem inaceitável”. Gabriel García Márquez (1982).

 

O chamado Holocausto costuma justificar o genocídio implacável a que o povo palestino é submetido há décadas pelo Estado de Israel e que se acentua neste momento com o massacre institucionalizado em Gaza, que conta com o patrocínio do imperialismo norte-americano, dos seus lacaios europeus e dos membros desse grupo de canalhas que se autodenominam “comunidade internacional”. O Holocausto é usado como justificação para a alegada necessidade de Israel se defender de todos os “anti-semitas” que querem destruí-lo e evitar que o extermínio dos judeus se repita. Nada indica que algo semelhante esteja a acontecer, pois na realidade o que se observa é a destruição sistemática do povo palestiniano pelos “herdeiros do Holocausto”, que utilizam procedimentos semelhantes aos do nazismo, como a construção de guetos, a limpeza étnica, a “solução final”, a tortura e assassinato em massa de crianças, mulheres e jovens com todo o poder de fogo que o Estado pária que é Israel possui. No entanto, tanto o Estado de Israel como os seus porta-vozes mediáticos e académicos e os seus poderosos lobbies em várias partes do mundo (Estados Unidos, França, Argentina, entre os mais conhecidos) costumam recorrer antecipadamente ao Holocausto para justificar os seus crimes e para munirem-se de uma “licença” para massacrar os palestinianos e proclamarem-se como proprietários “naturais”, por uma alegada decisão religiosa divina, das terras que lhes foram tiradas a sangue e fogo.

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Um exemplo do que é o imperialismo cultural e do seu funcionamento como máquina bem lubrificada é fornecido pelo tema do Holocausto (com letras maiúsculas) que se refere ao extermínio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial pelo nazismo. No imaginário quotidiano das pessoas em diferentes partes do mundo, a Segunda Guerra Mundial reduz-se apenas a este extermínio, sem considerar a perseguição e assassinato de ciganos, homossexuais, deficientes e opositores políticos, comunistas e revolucionários ao regime de Hitler, nem os milhões de russos e habitantes de outras cidades que morreram lutando contra a expansão das hordas do nacional-socialismo por toda a Europa.

O facto de a Segunda Guerra Mundial estar exclusivamente associada aos Judeus e ao Holocausto deve-se ao facto de ter sido convertida numa poderosa indústria cultural e económica. Ao dizer isto, deve ficar claro que não estamos a negar o massacre de judeus na Alemanha e noutros locais da Europa após a ascensão de Hitler ao poder em 1933. Não, o que está a ser salientado é que, em circunstâncias muito particulares, que mencionámos imediatamente, um massacre tornou-se o Holocausto e foi considerado a pior ação criminosa da história. Por que não há celebrações pelos 25 milhões de russos que perderam a vida durante a Segunda Guerra Mundial ou pelos ciganos que foram exterminados nessa mesma guerra? Por que é que ninguém fala sobre o genocídio do povo arménio às mãos dos turcos em 1915-1916? Por que não existem museus dedicados à memória dos milhões de indígenas e afrodescendentes que foram exterminados durante a conquista europeia iniciada no século XVI? Por que não são lembradas as 10 milhões de mortes de congoleses num período de apenas 20 anos (1890-1910) pelos ocupantes belgas?

O facto do Holocausto se ter imposto como um acontecimento único na memória do mundo deveu-se a uma acção muito bem orquestrada e organizada do lobby judaico nos Estados Unidos. A palavra holocausto, que vem do grego (holo: “tudo”, e caustos: “queimado”), começou a ser usada com letras maiúsculas a partir de 1967, data nada acidental, pois era o ano da guerra dos seis dias, quando o Estado de Israel ocupou os territórios palestinos de Gaza e da Cisjordânia com sangue e fogo.

Norman Finkelstein escreveu um livro no qual estuda como a indústria do Holocausto foi estabelecida, apontando como na década de 1950 ninguém nos Estados Unidos falava sobre isso, muito menos usava o termo [1 ] . Isto tem uma explicação geopolítica, relacionada com as alianças dos Estados Unidos durante a Guerra Fria, nas quais a Alemanha desempenhou um papel importante. Devido a esta circunstância, nos Estados Unidos ninguém estava interessado em denunciar os crimes dos alemães contra os judeus – exceto os judeus de esquerda, cujas vozes foram minimizadas ou silenciadas – uma vez que o governo dos EUA teve que manter os seus laços estreitos com os seus As elites judaicas e aliadas alemãs não estavam interessadas em aprofundar essa questão, ao ponto de o Congresso Judaico Mundial e a Liga Anti-Difamação ajudarem a conter a “onda anti-alemã” que prevalecia entre os judeus nos Estados Unidos.

Esta atitude mudou após o fim da guerra de Junho de 1967, quando os Estados Unidos, muito impressionados com a vitória de Israel sobre os países árabes, decidiram transformá-lo num aliado estratégico no Médio Oriente. De repente, que coincidência, apareceu em cena a questão do Holocausto, que rapidamente se tornou uma verdadeira indústria, para justificar tanto a política criminosa do Estado de Israel contra os seus vizinhos, em primeiro lugar os palestinianos, como para apoiar a aliança entre o estado sionista e o imperialismo americano. Neste processo, a construção do Holocausto tornou-se uma desculpa para deslegitimar desde o início qualquer crítica dirigida aos judeus e especialmente ao Estado de Israel, apoiando a afirmação de que os judeus são um povo eleito.

Especificamente, quem mais sentiu o Holocausto são os palestinos, já que nos Estados Unidos os sionistas exploraram ao extremo a perseguição nazista para esconder e justificar os crimes que o Estado de Israel vem cometendo contra os palestinos desde 1948, e que realizam diariamente sem pausa, porque em “tempos normais” duas crianças palestinianas são assassinadas todas as semanas.

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Como qualquer indústria, a indústria do Holocausto precisa produzir diariamente para permanecer lucrativa. E é isso que de facto acontece, porque todos os dias são encenados filmes, séries de televisão, programas de rádio, são publicados livros, revistas e propaganda alusivas ao acontecimento. A questão adquiriu tal importância que nos próprios Estados Unidos se fala mais do Holocausto do que do ataque a Pearl Harbor ou do lançamento das bombas atómicas sobre Hiroshima ou Nagasaki. Cátedras especiais sobre o Holocausto foram criadas em universidades e cursos escolares sobre o assunto são ministrados em 17 estados.

Os principais jornais e meios de comunicação, geralmente controlados direta ou indiretamente pelo lobby judeu, não deixam passar um dia sem transmitir alguma notícia ou história relacionada ao Holocausto. Editoras nos Estados Unidos publicaram mais de 10 mil livros sobre o assunto, a maioria deles verdadeiras bobagens intelectuais, sem qualquer rigor, seriedade ou coerência analítica. Isto é tão verdade que, apesar de terem passado 70 anos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em vez de diminuir o número de sobreviventes do Holocausto, este aumenta sem cessar com o passar do tempo. Isto tem uma explicação económica, vulgarmente económica, porque o aparecimento de novos sobreviventes torna-se uma forma de pressão para que a Alemanha, a Suíça e eventualmente outros países europeus se comprometam a pagar compensações milionárias, não aos que sofreram pessoalmente, mas aos representantes do poderoso Lobby judaico  dos Estados Unidos. Com esta perspectiva, o genocídio nazi transformou-se num negócio, uma espécie de casino de Monte Carlo, no qual os industriais do Holocausto acumulam grandes lucros: em 1997, a Suíça entregou 1,25 mil milhões de dólares e o Congresso Judaico Mundial, com sede nos Estados Unidos, tinha recebido, no final da década de 1990, a fabulosa soma de sete mil milhões de dólares. O que é significativo é que “uma parte importante dos sobreviventes do Holocausto nunca viu um único dólar desse dinheiro, porque é recolhido por organizações judaicas que gerem reparações económicas aos Estados europeus envolvidos”. Por esta razão, “muitos dos seus líderes são verdadeiros gangsters e canalhas profissionais que deveriam estar na prisão”, uma vez que o extermínio nos campos de concentração “foi usado pelos líderes israelitas no último quarto de século como instrumento de chantagem”, mas em tempos mais recentes também por chantagem financeira” [2].

O Holocausto não só se tornou, como vimos, uma indústria próspera, mas também uma arma ideológica de dominação imperialista porque a vitimização étnica demonstrada pelos judeus dos Estados Unidos e do Estado de Israel serviu para apresentá-los perante a face do mundo. como “ovelhas mansas” que foram e continuam a ser vítimas de todos os “anti-semitas” do mundo, a começar pelos palestinianos. Desta forma, a história inverte-se e os palestinianos – torturados, massacrados, assassinados e perseguidos pelo Estado de Israel desde 1947 – aparecem como os agressores dos sionistas “pacíficos”. Da mesma forma, ao elevar o Holocausto ao nível de um crime único, todos os outros genocídios que foram cometidos, e que estão sendo cometidos atualmente em vários lugares do mundo, são negados e ocultados, como se o resto da humanidade que sofre tivesse nenhum direito de que seus sofrimentos fossem dignos de consideração. Como diz Finkelstein: “Perante o sofrimento dos afro-americanos, vietnamitas e palestinianos, o credo da minha mãe foi sempre: 'Somos todos vítimas do Holocausto'” [3]. 

Notas:

[1]. Norman Finkelstein,  A Indústria do Holocausto. Reflexões sobre a exploração do sofrimento judaico,  Siglo XXI de España Editores, Madrid, 2002.

[2]. Norman Finkelstein,  La Jornada,  12 de setembro de 2004.

04 Agosto de 2014

Fonte 

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

O lacaio Guterres e a Carta de demissão de Rima Khalaf, Secretária Executiva da ESCWA

 

Carta de demissão da Secretária Executiva da ESCWA (Comissão Económica e Social para a Ásia Ocidental), Rima Khalaf, em resposta ao pedido formal do Secretário-Geral das Nações Unidas para que a ESCWA retirasse a publicação de um relatório que afirma que o Estado de Israel implementou uma situação de apartheid.

«Prezado Senhor Secretário-Geral,

Analisei cuidadosamente a sua mensagem enviada pelo Chefe da Casa Civil e garanto-lhe que em nenhum momento questionei o seu direito de retirar a publicação do relatório do nosso site ou o facto de todos nós, que trabalhamos para o secretariado, estarmos sujeitos a autoridade do secretariado-geral. Tal como não tenho dúvidas sobre o seu compromisso com os direitos humanos em geral e a sua posição forte em relação aos direitos do povo palestiniano. Também compreendo as vossas preocupações, especialmente nestes tempos difíceis que vos deixam com poucas escolhas.

Não sou indiferente aos cruéis ataques e ameaças contra as Nações Unidas e contra si pessoalmente, vindos dos principais Estados-Membros, em resposta à divulgação do relatório da ESCWA intitulado "As Práticas de Israel em relação aos Palestinianos e a questão do apartheid". Não considero surpreendente que esses Estados-Membros, que têm agora governos que pouco respeitam as normas e valores internacionais em matéria de direitos humanos, recorram à intimidação quando têm dificuldade em defender as suas políticas e práticas ilícitas. É normal que os criminosos pressionem e ataquem aqueles que defendem a causa das suas vítimas. Não posso me colocar sob tanta pressão.

Não é em virtude da minha condição de funcionário internacional, mas em virtude da minha condição de ser humano honesto que acredito, como você, nos valores e princípios universais que sempre foram as diretrizes para o bem na história da humanidade, e sobre a qual se baseia uma organização como a nossa, as Nações Unidas. Tal como vós, considero que a discriminação contra qualquer pessoa com base na sua religião, cor da pele, género ou origem étnica é inaceitável, e que tal discriminação não pode ser tornada aceitável pelos cálculos do oportunismo ou do poder político. Considero ainda que as pessoas não só deveriam ter o direito de falar a verdade ao poder, mas também o dever de fazê-lo.

No espaço de dois meses, pediu-me que retirasse dois relatórios produzidos pela ESCWA, não devido a quaisquer erros cometidos nesses relatórios, e provavelmente não porque discordasse do seu conteúdo, mas devido à pressão política exercida pelos Estados-Membros que seriamente violam os direitos dos povos da região.

Viram que as pessoas desta região estão a viver um período de sofrimento sem paralelo na história moderna, e que o número considerável de catástrofes actuais resulta da enxurrada de injustiças que foram ignoradas, encobridas ou aprovadas abertamente por governos poderosos, tanto dentro como fora da região. São estes mesmos governos que os pressionam para silenciar a voz da verdade e o apelo à justiça apresentado nestes relatórios.

Tendo em conta o que precede, só posso defender as conclusões do relatório ESCAW de que o Estado de Israel estabeleceu um regime de apartheid que procura a dominação de um grupo racial sobre outro. As evidências fornecidas neste relatório por especialistas renomados são numerosas. Todos aqueles que atacaram este relatório não tinham uma palavra para definir o seu conteúdo. Considero que é meu dever destacar o facto legal e moralmente indefensável de que no século XXI ainda existe um estado de apartheid, em vez de suprimir as provas. Ao dizer isto não estou reivindicando qualquer superioridade moral ou visão superior. A minha posição é influenciada por uma vida inteira de experiências em que vi as consequências desastrosas para a paz quando bloqueamos as queixas das pessoas na nossa região.

Percebo que tenho poucas escolhas. Não posso agora retirar outro caso bem investigado e bem documentado da ONU sobre graves violações dos direitos humanos, embora saiba que instruções claras do Secretário-Geral devem ser implementadas rapidamente. É um dilema que só posso resolver renunciando para permitir que outra pessoa forneça o que não posso fornecer em sã consciência. Eu sei que só tenho mais 2 semanas de trabalho; a minha demissão não visa, portanto, exercer pressão política. Isto acontece simplesmente porque acredito que é meu dever para com as pessoas que servimos, para com as Nações Unidas e para comigo mesmo, não retirar testemunhos honestos sobre um crime contínuo que está na origem de tanto sofrimento humano.

Com todo o meu respeito,

Rima Khalaf»

22 de Março de 2017 - Fonte

MPPM condena actuação de António Guterres – Secretário-geral da ONU capitulou diante da política de apartheid de Israel

por MPPM [*]

O MPPM encara com preocupação o papel desempenhado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, no processo que conduziu à demissão de Rima Khalaf do posto de Secretária Executiva da Comissão Económica e Social das Nações Unidas para a Ásia Ocidental (CESAO).

A sucessão dos acontecimentos merece ser referida brevemente. Na quarta-feira, 15 de Março, a CESAO publicou um documento histórico em que acusa Israel de apartheid, num relatório que concluía que "Israel estabeleceu um regime de apartheid que domina o povo palestino como um todo".

Os autores do relatório — os estado-unidenses Virginia Tilley e Richard Falk, ambos especialistas em Direito Internacional — "conscientes da gravidade desta alegação […] concluem que os elementos de prova disponíveis estabelecem além de qualquer dúvida razoável que Israel é culpado de políticas e práticas que constituem o crime de apartheid, tal como definido legalmente nos instrumentos do direito internacional". O relatório "assenta no mesmo corpo de leis e princípios internacionais de direitos humanos que rejeitam o anti-semitismo e outras ideologias racialmente discriminatórias, incluindo a Carta das Nações Unidas (1945), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965)" e "baseia-se para a sua definição do apartheid sobretudo no artigo II da Convenção Internacional para a Repressão e a Punição do Crime de Apartheid (1973)". Os autores do relatório sublinham que, "embora o termo "apartheid" tenha sido originalmente associado ao caso específico da África do Sul, representa agora uma espécie de crime contra a humanidade segundo o direito internacional consuetudinário e o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional" acrescentando que "o presente relatório reflecte o consenso dos peritos de que a proibição do apartheid é universalmente aplicável e não foi tornada irrelevante pelo colapso do apartheid na África do Sul e no Sudoeste da África (Namíbia)".

O relatório destacou em especial as políticas discriminatórias de Israel no que diz respeito à terra, consagradas na Lei Fundamental do país (o equivalente à constituição). A CESAO também refere algumas das políticas israelenses de "engenharia demográfica": a concessão a todos os judeus, em qualquer parte do mundo, do direito de obter a cidadania israelense, enquanto impede a entrada de milhões de palestinos com laços ancestrais documentados à terra em que o Estado de Israel foi criado, em 1948; o impedimento do reagrupamento familiar dos cidadãos palestinos de Israel casados com palestinos dos territórios ocupados; a manutenção de comunidades segregadas dentro de Israel, com uma distribuição de recursos extremamente desigual. O relatório salienta ainda a importância fundamental dos diferentes códigos legais israelenses que se aplicam aos palestinos dentro de Israel, em Jerusalém Oriental ocupada, na Margem Ocidental e na Faixa de Gaza cercada como "principal método pelo qual Israel impõe um regime de apartheid".

A publicação do relatório foi de imediato alvo de violentas críticas de Israel e dos Estados Unidos, que exortaram o secretário-geral, António Guterres, a demarcar-se formalmente do conteúdo do relatório, e exigindo que o mesmo fosse retirado da página oficial das Nações Unidas. Nesse próprio dia, através de uma declaração do porta-voz do secretário-geral, Stéphane Dujarric, António Guterres tornava público o seu distanciamento.

Segundo declarações de Rima Khalaf, António Guterres pediu-lhe, em 16 de Março, que retirasse o relatório e, apesar da solicitação de que reconsiderasse, Guterres terá insistido, o que a levou a apresentar a sua demissão. E de facto, a 17 de Março, o relatório já não estava disponível no site da CESAO. A decisão do secretário-geral foi saudada pelos embaixadores de Israel, Danny Danon, e dos Estados Unidos, Nikki Haley, assim como pelas organizações do lobby sionista nos EUA.

O MPPM não pode deixar de condenar a actuação neste caso do secretário-geral da ONU, António Guterres, premiando o país que mais vezes violou as resoluções da ONU, Israel, em detrimento do martirizado povo palestino, para com o qual a ONU tem uma pesada e irrenunciável dívida histórica. Não podemos esquecer que há sete décadas a ONU optou por uma partilha do território histórico da Palestina, prometendo a criação de dois Estados. Mas enquanto um desses Estados, Israel, existe há 68 anos, o povo palestino continua a aguardar o cumprimento da promessa que a Assembleia Geral da ONU lhe fez e que foi sucessivamente renovada através de inúmeras resoluções do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral que Israel desafia diariamente.

O MPPM enaltece a posição de verticalidade assumida por Rima Khalaf e considera a decisão de António Guterres, cedendo perante as pressões de Israel e dos Estados Unidos da América – numa altura em que este último país discute cortes à comparticipação financeira para o orçamento da ONU – como gravemente atentatória do prestígio, independência e da própria razão de ser das Nações Unidas. Nesta ocasião, vale a pena recordar que, em Outubro de 2016, aquando da eleição de António Guterres, o embaixador de Israel na ONU, Danny Danon expressava votos que, com o novo Secretário Geral, a ONU abandonasse a sua "obsessão com Israel". A posição ora assumida por António Guterres, confirmando os receios suscitados por aquela declaração do representante de Israel, abre um grave precedente que faz temer o pior sobre o desenrolar futuro do seu mandato.

O MPPM reitera nesta ocasião os votos que formulou na carta que dirigiu a António Guterres por ocasião do início do seu mandato como secretário-geral da ONU: que este seja o mandato em que as Nações Unidas saldem a dívida histórica que têm para com o povo da Palestina. Só revendo a atitude que desta vez assumiu e adoptando uma posição consentânea com as resoluções da ONU, António Guterres defenderá a autoridade e prestígio da organização que dirige, e poderá favorecer uma solução justa do drama do povo palestino. Só assim a ONU poderá contribuir para a paz em todo o Médio Oriente, para a paz mundial.

Lisboa, 22 de Março de 2017

A Direcção Nacional do MPPM

O texto integral do relatório censurado encontra-se em electronicintifada.net/...

[*] Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente, www.facebook.com/mppm.movimento.palestina

Iamgem em https://www.timesofisrael.com/topic/rima-khalaf/ 

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Operação Chumbo Impune

 

Eduardo Galeano *

Artigo escrito em 17 de Janeiro de 2009

Este artigo é dedicado a meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latinoamericanas que Israel assessorou.

Para justificar-se, o terrorismo de estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por multiplicá-los.

Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma armadilha sem saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições em 2006. Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e, desde então, viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.

São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre as terras que foram palestinas e que a ocupação israelita usurpou. E o desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há muitos anos, o direito à existência da Palestina.

Já resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel está apagando-a do mapa.

Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam a pilhagem, em legítima defesa.

Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polónia para evitar que a Polónia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel devorou outro pedaço da Palestina, e os almoços seguem. O apetite devorador se justifica pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à espreita.

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que burla as leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros.

Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não conseguiu bombardear impunemente o País Basco para acabar com o ETA, nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência manda chuva que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?

O exército israelita, o mais moderno e sofisticado mundo, sabe a quem mata. Não mata por engano. Mata por horror. As vítimas civis são chamadas de "danos colaterais", segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez "danos colaterais", três são crianças. E somam aos milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando com êxito nesta operação de limpeza étnica.

E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Para cada cem palestinos mortos, um israelita.

Gente perigosa, adverte outro bombardeio, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a crer que uma vida israelita vale tanto quanto cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a acreditar que são humanitárias as duzentas bombas atómicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irão foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada "comunidade internacional", existe?

É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos adoptam quando fazem teatro?

Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se ilumina uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade.

Diante da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos.

A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama alguma que outra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caçada de judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada dos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, anti semitas. Eles estão pagando, com sangue vivo, uma conta alheia.

* Escritor e jornalista uruguaio

(in Agência Carta Maior e Adital,17-01-2009

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Os 100 anos da República

 

Nos 113 anos, basta trocar os nomes de Cavaco e Sócrates por Marcelo e Costa e temos a verdadeira imagem de uma república coxa e moribunda, de um país que mais não é que uma região (länder) da Alemanha, esta também em acentuado e irreversível declínio. Em suma, o declínio do império do Ocidente. Crónica escrita em 2010 e actualíssima.

A intensa dependência de Portugal, em termos económicos e políticos, em relação à potência mundial da altura, a Inglaterra, foi a razão patriótica da luta dos republicanos contra a monarquia, e o vexame do Ultimato foi o leitmotiv de toda a luta: havia que regenerar a alma lusitana e salvar a pátria. Cem anos depois, a situação de dependência económica e política é talvez maior, mas sem os arroubos patrióticos; a burguesia nacional do princípio do século XXI aspira à riqueza e prosperidade que caracteriza as nações capitalistas mais desenvolvidas, mas mantendo a sujeição, limitando-se agora a mendigar mais umas migalhas na divisão do saque, já sem o brio e o orgulho de há um século atrás. Porque também já não dá a desculpa dos 48 anos do fascismo (a correspondência à monarquia do século XIX). É a mera luta pela sobrevivência.

Na caracterização do capitalismo no princípio do século XX, Portugal era apontado como um caso sui generis de dependência financeira e diplomática, ainda que conservando a independência política, era na realidade um protectorado da Inglaterra. Essa situação vinha do tempo da Guerra de Sucessão de Espanha (1701-1714), a Inglaterra defendia Portugal e as colónias portuguesas para reforçar as suas próprias posições na luta contra os seus adversários, a Espanha e a França. Em troca a Inglaterra obteve vantagens comerciais, melhores condições para exportação das suas mercadorias e, sobretudo, para a exportação de capitais para Portugal e suas colónias. Pôde utilizar os portos e as ilhas do nosso país, os cabos telefónicos, chegou a construir caminhos de ferro e controlar os correios, obtendo uma posição de quase potência colonizadora.

Passados cem anos, a situação de Portugal dentro da União Europeia é muito semelhante no que toca à falta de independência económica e até política. Em termos de política financeira, o país está integrado na zona euro, não possui moeda própria e não pode mexer nas taxas de juro e os seus principais credores são os bancos alemães. Em termos económicos, o nosso principal parceiro é a Alemanha, a potência economicamente dominante dentro da UE, e é ela que, através de Bruxelas, impõe os seus ditames, controlando a política orçamental de cada um dos estados membros e a forma de desenvolvimento económico. A entrada de Portugal na UE (então CEE) foi uma verdadeira anexação germânica. E com a crise económica esta evidência será notória aos olhos do povo português, e sem subterfúgios; e a título de ilustração, deve-se ver quem é que nos vende os grandes equipamentos, cuja necessidade é mais do que discutível, desde os submarinos aos comboios para o futuro e longíquoTGV.

A decadência da actual burguesia é de tal ordem que, ao querer imitar a República de 1910 no que respeita à educação, a área em que esta mais investiu, os títeres Cavaco e Sócrates ao inaugurar escolas novas e remodeladas não conseguem iludir que, 100 anos depois, há menos escolas do 1º ciclo por crianças em idade escolar. Estas comemorações foram uma pantomina digna de comiseração. Tal com a actual república.

06 de Outubro 2010