segunda-feira, 16 de outubro de 2023

O lacaio Guterres e a Carta de demissão de Rima Khalaf, Secretária Executiva da ESCWA

 

Carta de demissão da Secretária Executiva da ESCWA (Comissão Económica e Social para a Ásia Ocidental), Rima Khalaf, em resposta ao pedido formal do Secretário-Geral das Nações Unidas para que a ESCWA retirasse a publicação de um relatório que afirma que o Estado de Israel implementou uma situação de apartheid.

«Prezado Senhor Secretário-Geral,

Analisei cuidadosamente a sua mensagem enviada pelo Chefe da Casa Civil e garanto-lhe que em nenhum momento questionei o seu direito de retirar a publicação do relatório do nosso site ou o facto de todos nós, que trabalhamos para o secretariado, estarmos sujeitos a autoridade do secretariado-geral. Tal como não tenho dúvidas sobre o seu compromisso com os direitos humanos em geral e a sua posição forte em relação aos direitos do povo palestiniano. Também compreendo as vossas preocupações, especialmente nestes tempos difíceis que vos deixam com poucas escolhas.

Não sou indiferente aos cruéis ataques e ameaças contra as Nações Unidas e contra si pessoalmente, vindos dos principais Estados-Membros, em resposta à divulgação do relatório da ESCWA intitulado "As Práticas de Israel em relação aos Palestinianos e a questão do apartheid". Não considero surpreendente que esses Estados-Membros, que têm agora governos que pouco respeitam as normas e valores internacionais em matéria de direitos humanos, recorram à intimidação quando têm dificuldade em defender as suas políticas e práticas ilícitas. É normal que os criminosos pressionem e ataquem aqueles que defendem a causa das suas vítimas. Não posso me colocar sob tanta pressão.

Não é em virtude da minha condição de funcionário internacional, mas em virtude da minha condição de ser humano honesto que acredito, como você, nos valores e princípios universais que sempre foram as diretrizes para o bem na história da humanidade, e sobre a qual se baseia uma organização como a nossa, as Nações Unidas. Tal como vós, considero que a discriminação contra qualquer pessoa com base na sua religião, cor da pele, género ou origem étnica é inaceitável, e que tal discriminação não pode ser tornada aceitável pelos cálculos do oportunismo ou do poder político. Considero ainda que as pessoas não só deveriam ter o direito de falar a verdade ao poder, mas também o dever de fazê-lo.

No espaço de dois meses, pediu-me que retirasse dois relatórios produzidos pela ESCWA, não devido a quaisquer erros cometidos nesses relatórios, e provavelmente não porque discordasse do seu conteúdo, mas devido à pressão política exercida pelos Estados-Membros que seriamente violam os direitos dos povos da região.

Viram que as pessoas desta região estão a viver um período de sofrimento sem paralelo na história moderna, e que o número considerável de catástrofes actuais resulta da enxurrada de injustiças que foram ignoradas, encobridas ou aprovadas abertamente por governos poderosos, tanto dentro como fora da região. São estes mesmos governos que os pressionam para silenciar a voz da verdade e o apelo à justiça apresentado nestes relatórios.

Tendo em conta o que precede, só posso defender as conclusões do relatório ESCAW de que o Estado de Israel estabeleceu um regime de apartheid que procura a dominação de um grupo racial sobre outro. As evidências fornecidas neste relatório por especialistas renomados são numerosas. Todos aqueles que atacaram este relatório não tinham uma palavra para definir o seu conteúdo. Considero que é meu dever destacar o facto legal e moralmente indefensável de que no século XXI ainda existe um estado de apartheid, em vez de suprimir as provas. Ao dizer isto não estou reivindicando qualquer superioridade moral ou visão superior. A minha posição é influenciada por uma vida inteira de experiências em que vi as consequências desastrosas para a paz quando bloqueamos as queixas das pessoas na nossa região.

Percebo que tenho poucas escolhas. Não posso agora retirar outro caso bem investigado e bem documentado da ONU sobre graves violações dos direitos humanos, embora saiba que instruções claras do Secretário-Geral devem ser implementadas rapidamente. É um dilema que só posso resolver renunciando para permitir que outra pessoa forneça o que não posso fornecer em sã consciência. Eu sei que só tenho mais 2 semanas de trabalho; a minha demissão não visa, portanto, exercer pressão política. Isto acontece simplesmente porque acredito que é meu dever para com as pessoas que servimos, para com as Nações Unidas e para comigo mesmo, não retirar testemunhos honestos sobre um crime contínuo que está na origem de tanto sofrimento humano.

Com todo o meu respeito,

Rima Khalaf»

22 de Março de 2017 - Fonte

MPPM condena actuação de António Guterres – Secretário-geral da ONU capitulou diante da política de apartheid de Israel

por MPPM [*]

O MPPM encara com preocupação o papel desempenhado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, no processo que conduziu à demissão de Rima Khalaf do posto de Secretária Executiva da Comissão Económica e Social das Nações Unidas para a Ásia Ocidental (CESAO).

A sucessão dos acontecimentos merece ser referida brevemente. Na quarta-feira, 15 de Março, a CESAO publicou um documento histórico em que acusa Israel de apartheid, num relatório que concluía que "Israel estabeleceu um regime de apartheid que domina o povo palestino como um todo".

Os autores do relatório — os estado-unidenses Virginia Tilley e Richard Falk, ambos especialistas em Direito Internacional — "conscientes da gravidade desta alegação […] concluem que os elementos de prova disponíveis estabelecem além de qualquer dúvida razoável que Israel é culpado de políticas e práticas que constituem o crime de apartheid, tal como definido legalmente nos instrumentos do direito internacional". O relatório "assenta no mesmo corpo de leis e princípios internacionais de direitos humanos que rejeitam o anti-semitismo e outras ideologias racialmente discriminatórias, incluindo a Carta das Nações Unidas (1945), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965)" e "baseia-se para a sua definição do apartheid sobretudo no artigo II da Convenção Internacional para a Repressão e a Punição do Crime de Apartheid (1973)". Os autores do relatório sublinham que, "embora o termo "apartheid" tenha sido originalmente associado ao caso específico da África do Sul, representa agora uma espécie de crime contra a humanidade segundo o direito internacional consuetudinário e o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional" acrescentando que "o presente relatório reflecte o consenso dos peritos de que a proibição do apartheid é universalmente aplicável e não foi tornada irrelevante pelo colapso do apartheid na África do Sul e no Sudoeste da África (Namíbia)".

O relatório destacou em especial as políticas discriminatórias de Israel no que diz respeito à terra, consagradas na Lei Fundamental do país (o equivalente à constituição). A CESAO também refere algumas das políticas israelenses de "engenharia demográfica": a concessão a todos os judeus, em qualquer parte do mundo, do direito de obter a cidadania israelense, enquanto impede a entrada de milhões de palestinos com laços ancestrais documentados à terra em que o Estado de Israel foi criado, em 1948; o impedimento do reagrupamento familiar dos cidadãos palestinos de Israel casados com palestinos dos territórios ocupados; a manutenção de comunidades segregadas dentro de Israel, com uma distribuição de recursos extremamente desigual. O relatório salienta ainda a importância fundamental dos diferentes códigos legais israelenses que se aplicam aos palestinos dentro de Israel, em Jerusalém Oriental ocupada, na Margem Ocidental e na Faixa de Gaza cercada como "principal método pelo qual Israel impõe um regime de apartheid".

A publicação do relatório foi de imediato alvo de violentas críticas de Israel e dos Estados Unidos, que exortaram o secretário-geral, António Guterres, a demarcar-se formalmente do conteúdo do relatório, e exigindo que o mesmo fosse retirado da página oficial das Nações Unidas. Nesse próprio dia, através de uma declaração do porta-voz do secretário-geral, Stéphane Dujarric, António Guterres tornava público o seu distanciamento.

Segundo declarações de Rima Khalaf, António Guterres pediu-lhe, em 16 de Março, que retirasse o relatório e, apesar da solicitação de que reconsiderasse, Guterres terá insistido, o que a levou a apresentar a sua demissão. E de facto, a 17 de Março, o relatório já não estava disponível no site da CESAO. A decisão do secretário-geral foi saudada pelos embaixadores de Israel, Danny Danon, e dos Estados Unidos, Nikki Haley, assim como pelas organizações do lobby sionista nos EUA.

O MPPM não pode deixar de condenar a actuação neste caso do secretário-geral da ONU, António Guterres, premiando o país que mais vezes violou as resoluções da ONU, Israel, em detrimento do martirizado povo palestino, para com o qual a ONU tem uma pesada e irrenunciável dívida histórica. Não podemos esquecer que há sete décadas a ONU optou por uma partilha do território histórico da Palestina, prometendo a criação de dois Estados. Mas enquanto um desses Estados, Israel, existe há 68 anos, o povo palestino continua a aguardar o cumprimento da promessa que a Assembleia Geral da ONU lhe fez e que foi sucessivamente renovada através de inúmeras resoluções do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral que Israel desafia diariamente.

O MPPM enaltece a posição de verticalidade assumida por Rima Khalaf e considera a decisão de António Guterres, cedendo perante as pressões de Israel e dos Estados Unidos da América – numa altura em que este último país discute cortes à comparticipação financeira para o orçamento da ONU – como gravemente atentatória do prestígio, independência e da própria razão de ser das Nações Unidas. Nesta ocasião, vale a pena recordar que, em Outubro de 2016, aquando da eleição de António Guterres, o embaixador de Israel na ONU, Danny Danon expressava votos que, com o novo Secretário Geral, a ONU abandonasse a sua "obsessão com Israel". A posição ora assumida por António Guterres, confirmando os receios suscitados por aquela declaração do representante de Israel, abre um grave precedente que faz temer o pior sobre o desenrolar futuro do seu mandato.

O MPPM reitera nesta ocasião os votos que formulou na carta que dirigiu a António Guterres por ocasião do início do seu mandato como secretário-geral da ONU: que este seja o mandato em que as Nações Unidas saldem a dívida histórica que têm para com o povo da Palestina. Só revendo a atitude que desta vez assumiu e adoptando uma posição consentânea com as resoluções da ONU, António Guterres defenderá a autoridade e prestígio da organização que dirige, e poderá favorecer uma solução justa do drama do povo palestino. Só assim a ONU poderá contribuir para a paz em todo o Médio Oriente, para a paz mundial.

Lisboa, 22 de Março de 2017

A Direcção Nacional do MPPM

O texto integral do relatório censurado encontra-se em electronicintifada.net/...

[*] Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente, www.facebook.com/mppm.movimento.palestina

Iamgem em https://www.timesofisrael.com/topic/rima-khalaf/ 

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