quarta-feira, 27 de março de 2024

Os fazedores de Salazares

Quando os media, mais concretamente a RTP com o programa “Grandes Portugueses”, já preparavam a opinião pública para aceitar a ideia de uma possível solução milagrosa para a crise do capital, centrada na figura de algum “salvador da pátria”, ao branquear o fascismo e o seu principal protagonista. Alguns anos depois surge o partido de extrema-direita que, recentemente, acaba por se transformar na terceira força política mais votada. Eles vêm ainda com pés de lã, por quanto tempo não sabemos.  A crónica é datada de Março de 2007.

 

O programa de “entretenimento” da RTP fez jus aos pergaminhos da estação televisiva do Estado, e teve como intuito, mais que saber da preferência dos telespectadores daquela estação sobre quem é o “maior português” de sempre, formar opinião favorável para que um dia destes, caso a crise económica não se resolva, venha aí um salvador da pátria providencial para pôr ordem na casa, o que bem encaixa na tradição política portuguesa.

A vitória do “padre” de Santa Comba, que tinha medo de andar de avião e usava do bom hábito de meter os opositores políticos na prisão, ou ordenar o seu assassínio quando se mostravam mais teimosos, ou temíveis, é interpretada pelos seus antigos admiradores como sinal de descontentamento do falhanço da democracia parlamentar. Muitos saudosistas relembram frequentemente que foi ele que livrou o país da guerra (da mundial, porque a colonial não conta) e que sempre viveu e morreu pobre, se esteve muito tempo no poder foi porque os portugueses assim o quiseram.

Outros opinantes, mais democráticos, entendem a vitória da sondagem telefónica como um alerta sobre o défice dos programas do ensino oficial que não ensinam a história do Estado Novo como deve ser, bem como sobre a Guerra Colonial; a isto juntam algum descontentamento pelas expectativas deixadas pelo 25 de Abril e que não se cumpriram. Alguns historiadores mais avisados, género Reis Torgal, talvez a maior sumidade em História Contemporânea Portuguesa, aponta o dedo à falta de seriedade da RTP que, graças à manipulação, mais não faz do que autêntica propaganda ao fascismo português.

É mesmo disso que se trata: manipulação. Manipulação feita por quem não desmerece do seu velho historial de estação oficial do regime e que ainda não conseguiu fazer a catarses. Foi a RTP que reciclou um velho fascista e salazarista, Hermano Saraiva, paradoxalmente irmão de um combatente anti-fascista, esquecido por este regime, que foi António José Saraiva. O “historiador” encartado terá sido convertido pela actual democracia com um programa pago a peso de ouro; programa esse, que pela pobreza e incorreção dos factos, só revela a ignorância do sujeito sobre história.

A acompanhar a estação de televisão do Estado, estão todos os principais órgãos de informação que têm, nestes últimos trinta e três anos de democracia de opereta, feito uma verdadeira operação de branqueamento do fascismo e de reciclagem de velhos e irredutíveis fascistas, agora apresentados como democratas – por exemplo, haveria interesse em conhecer o passado político de muitas figuras gradas do CDS e PSD e até de algumas do PS para verificarmos que o branqueamento do fascismo não se ficou apenas pelos crimes da PIDE, onde se inclui o assassinato de Humberto Delgado. Seria igualmente interessante conhecer os bufos daquela polícia política, porque então aí as surpresas seriam bem maiores, quase de certeza que iríamos conhecer figuras insuspeitas, algumas das quais pertencentes a partidos de dita “extrema-esquerda”.

Um programa como os “Grandes Portugueses” vem a calhar ao governo do ex-engenheiro Sócrates, serve como arma de chantagem: ou vocês aceitam a política de sacrifícios imposta pelo governo ou têm aí o fascismo porque há muito gente que vê com bons olhos o regresso de um “António das Botas” em versão pós-moderna. Só que os candidatos que mais se perfilam a candidato a Salazar de pacotilha são precisamente o Cavaco, actual PR, e o chefe do conselho de ministros, Sócrates (que nada tem a ver com o de Atenas), e que nem é engenheiro; ambos provincianos e com ar de tecnocratas.

O resultado do concurso prova, por um lado, que os fascistas mais jovens se encontram organizados, que souberam fazer bem o seu trabalho, conseguindo enviar uma catadupa de telefonemas para a RTP, nisso tiveram mais habilidade que os militantes do PCP, cujo candidato ao concurso não passou de um distante segundo lugar. Gente que beneficia, por outro lado, da protecção e da simpatia das autoridades políticas e policiais, cuja missão é fazer o trabalho sujo da polícia e tentar assustar os temerosos democratas pequeno-burgueses, que vêm neste regime o mais democrático de todos e no capitalismo o melhor dos mundos apesar de alguns defeitos que lhes possam ser apontados.

É pena a história não se repetir, o fascismo que nos explorou e oprimiu durante quase meio século não tem mais condições económicas, principalmente estas, nem sociais para voltar a impor-se. A grande massa de camponeses, incultos e supersticiosos, não existe mais, como ficou bem demonstrado pelo resultado do referendo sobre o aborto; a influência da Igreja é bem menor; a dita sociedade civil emancipou-se de tutelas, apesar do impasse que a luta de classes se encontra no momento actual; a classe dos operários, onde se incluem os assalariados do sector dos serviços, aumentou substancialmente e, embora o nível de literacia não seja o melhor, a experiência e os conhecimentos são muito superiores comparados com o que se verificava em 24 de Abril de 1974.

A experiência política colectiva dos trabalhadores leva a que a reacção perante uma tentativa de imposição de um qualquer regime ditatorial seja muito mais violenta, com eventual guerra civil revolucionária. E, pelo menos para já, a própria União Europeia, bem como o grande capital financeiro, não está interessada em regimes despóticos porque estes já demonstraram que não são os instrumentos mais eficazes e seguros para a boa prossecução da exploração do trabalho assalariado e para a desejada acumulação do capital.

Para infelicidade dos nossos fascistas, dos velhos e dos novos, os tempos já não são os mesmos e a tradição já não é o que era.

Fonte da notícia: TVI

Imagem: Cartaz publicitário em Lisboa, Av. da Liberdade - Foto do autor da crónica, 02 Março de 2007.

28 de Março 2007 

quarta-feira, 20 de março de 2024

Março, Marçagão, o mês de toda a manifestação

  A propósito das manifestações do dia 12 de Março de 2011, que ficaram conhecidas pelas manifestações da “geração à rasca”, e que tiveram o condão de ditar o fim dos governos PS/Sócrates. Embora alguma espontaneidade, não deixaram de ter uma mãozinha do BE e PCP, coisa que se confirmou mais tarde. Iremos agora assistir a manifestações "inorgânicas" ainda mais contestatárias contra o governo AD/Chega? Os trabalhadores e o povo português irão dizê-lo na altura que acharem mais oportuno.

 

“Contra os Contratos a Prazo, os Falsos Recibos Verdes, os Baixos Salários, a Precariedade Laboral e o Desemprego!” É assim que reza a convocatória da manifestação a realizar no próximo dia 12, sábado, em 10 cidade do país. Uma manifestação que, ao contrário da tradição, não é convocada por centrais sindicais ou (de forma aberta) por partidos da democracia instituída e que parece enervar alguns comentadores políticos da nossa praça, para além do governo. O mês de Março vai assistir a outras manifestações mais pacíficas, dos professores para o mesmo dia 12 e da CGTP para o dia 19, sob a estafada consigna “mudança de políticas”.

As greves dos transportes vão continuar, com os trabalhadores do Metro de Lisboa, Soflusa, Transtejo e maquinistas da CP a marcarem paralisações para o dia 23. Nos primeiros dias do mês foram as “Jornadas Anti-Capitalistas”, de colectivos anarquistas, e as concentrações de professores, convocadas por associações da classe, que se fizeram notar; e os maquinistas da CP negando-se a fazer horas extraordinárias fizeram suspender mais de 700 comboios. A questão que se coloca: para quando nova greve geral nacional e o que resultará da manifestação da “Geração à Rasca”?

O Manifesto da “Geração Enrascada” é claro: “Reafirmamos a total independência do protesto face a qualquer estrutura ou movimento de cariz partidário, político ou ideológico”. No entanto, não deixou de haver convite ao secretário-geral do PCP, e outros dirigentes políticos da esquerda, não se fizeram esperar para anunciar a sua participação na manifestação de Lisboa. Nada de mal, como também nada de importante o facto de elementos e forças políticas de extrema-direita queiram tirar partido, bem como outros pescadores de águas turvas.

O engraçado é ouvir certos fazedores de opinião perorarem sobre o perigo de manifestações como esta, aparentemente sem controlo e com consequências imprevisíveis, puderem catapultar caudilhos e salvadores da pátria dando como resultado final ditaduras. Ora, o perigo destas manifestações é geralmente não darem em nada; nem para a direita nem para esquerda, por serem facilmente “recuperáveis” pelo sistema, ou seja, pelos governos ou partidos parlamentares. Assim se compreende a colagem de alguns dirigentes políticos da esquerda, e nem nos admiramos que apareçam dirigentes das jotas dos partidos do centrão disfarçados, por exemplo, de dirigentes associativos. Tudo é possível.

Iremos, no próximo dia 12, isso sim, ver se as redes sociais, como em outros países em contestação fervente, funcionam também entre nós como meios de mobilização das massas, especialmente da juventude, contornando os meios tradicionais de mobilização dos partidos ou sindicatos. E podemos até ver qual a manifestação mais participada e contestária se a de 12 de Março ou do dia 19, e como os sindicatos reformistas se encontram esclerosados e ultrapassados. E é com enorme satisfação que assistimos a esta convocatória via net, independentemente das reais motivações de quem teve a iniciativa.

Não nos devemos preocupar se o Manifesto diz que “nunca foi enviada qualquer lista de reivindicações” ou que “não protestamos pela demissão de nenhum político ou governo”, pela simples razão de que quando a contestação social é iniciada ganha uma dinâmica própria difícil de fazer parar. Lembremo-nos da Comuna de Paris que começou no mês de Março, há precisamente 140 anos, e que colocou reivindicações que os partidos de esquerda existentes se tinham recusado a fazer, colocando em causa a existência do próprio estado. E muitas reivindicações, que agora não são apresentadas, surgirão naturalmente, e uma delas poderá ser a demissão dos políticos que nos (des)governam.

Se a manifestação do próximo sábado romper com os diques do conformismo poderá significar que os partidos de esquerda, incluindo a considerada extrema-esquerda, se encontram desligados dos reais interesses e verdadeiro sentir da grande massa dos jovens deste país. E mais do que os partidos serão ainda os sindicatos, dominados por gerontocracia há muito desligada do trabalho da empresa ou da escola, que há mais tempo ainda abdicaram de defender os trabalhadores desempregados, os trabalhadores precários, os trabalhadores imigrantes clandestinos, porque não pagam a quota à burocracia sindical. Muita coisa poderá ser posta em causa depois do dia 12 de Março. A ver vamos.

Saudamos ainda esta importante iniciativa – como é dito em outro sítio da net – porque ela é também uma resposta à falta de luta, à conciliação e até capitulação dos dirigentes das centrais sindicais em relação à longa ofensiva capitalista, bem expressas na recusa das referidas centrais em convocar uma nova greve geral nacional. É tempo de se virar a corrente do próprio movimento operário que se tem remetido a uma defesa que lhe será fatal, sendo mais que tempo de se passar à ofensiva. E a ofensiva é derrubar o governo PS/Sócrates.

As manifestações do dia 12 de Março, serão pelo menos 10, e que deverão multiplicar-se por mil, são a prova que, neste país, há gente que resiste, há gente que se sente revoltada, que não está conformada com os rituais sazonais de partidos que se dizem de esquerda mas que estão sempre prontos a entrar em compromissos com o governo e jamais levantaram uma palha do chão para lhe dificultar a vida, e dos desfiles das centrais sindicais que, atendendo à época, de “carnavalescos” passam a procissões pela avenida abaixo; e daqui não passam, mandando depois os trabalhadores para casa, ficando tudo na mesma.

Os jovens portugueses, estudantes ou trabalhadores, licenciados ou indiferenciados, não são uma geração rasca, estão simplesmente à rasca, como estão à rasca os restantes trabalhadores assalariados, incluindo os que pensam que tem um contrato sem termo, mas que de um momento para outro ficam no desemprego, as mulheres trabalhadoras, as primeiras a serem despedidos e com salários inferiores, a grande maioria dos reformados, ou seja, o mundo do trabalho no geral. A luta é comum, há apenas que arredar os empecilhos, e centrá-la na causa dos nossos males: o capitalismo e o seu governo PS, este o mais lacaio e vendido desde o 25 de Abril de 1974.

09 de Março 2011

Imagem de destaque: henricartoon

www.osbarbaros.org 

 

terça-feira, 12 de março de 2024

As eleições do dia 10: a instabilidade veio para ficar

 

O resultado das eleições legislativas realizadas no passado dia 10 de Março, não constituiu qualquer surpresa; surpresa foi o resultado das anteriores em que o PS conseguiu a maioria absoluta, coisa que nem ele próprio esperava. A disputa entre PS e PSD foi um tête à tête, gorando as tentativas levadas a cabo por algumas sondagens, feitas à medida por alguns órgãos de informação mainstream, que pressionaram a orientação do voto do eleitorado de molde a dar uma vantagem de 6% ao PSD, o que não veio a acontecer. O resultado da extrema-direita poderá, a uma primeira vista, ser considerado algo exagerado e até ter ultrapassado as expectativas dos correligionários do regresso ao passado, mas analisando mais atentamente não haverá surpresa e até terá beneficiado o PS que, assim, impediu a maioria absolta do PSD. A intenção do rei Marcelo foi alcançada, criou a instabilidade, da qual dificilmente se desenvencilhará, e o seu almejado governo PSD/Chega poderá ser uma realidade; Costa saiu pela porta baixa, e se era sua intenção levar o seu sucessor ao poder quando apresentou a demissão, sem ser acusado sequer no caso Influencer, foi inapelavelmente derrotado. No entanto, as melhores cenas do próximo capítulo seguirão brevemente e talvez não sejam boas de ver.

O rescaldo ainda se está a fazer, a poeira ainda não assentou, uns cantam vitória, outros franzem o sobrolho porque a colheita poderia ser mais proveitosa, aqueloutros lambem as feridas e o derrotado não dá parte de fraco e já assumiu tonitruantemente que será líder da oposição e não dará aval a proposta de Orçamento apresentado pelo futuro governo AD. Os que cantam vitória tentarão tirar os devidos dividendos e irão vender caro o apoio ao governo que se irá formar, muito provavelmente não limitarão o apoio em votos no Parlamento, exigirão a entrada no governo.

Muito provavelmente, Montenegro dará o dito pelo não dito, porque o bolo é demasiado apetitoso para ser atirado fora, são mais de 55 mil milhões de euros que escorregarão, parte já terá chegado, até 2027. Se vier a concretizar a união de facto, as divisões e as disputas pela repartição das comissões e do saque serão com certeza pomo rápido de discórdia e de desunião. Se a coisa não se der, então dificilmente haverá governo que dure até ao final do ano e de certeza que haverá de novo eleições antecipadas, que serão as terceiras em cerca de três anos. Marcelo terá um novo orgasmo, nova dissolução, nova viagem e nova corrida.

Será repetitivo, mas não é despiciendo, apontar as causas principais pela derrota do PS e a subida do partido da extrema-direita. Este constituído ilegalmente e como muitas irregularidades no processo que entrou no Tribunal Constitucional, mas havia pressa, e seguindo o que já acontecera em outros países da União Europeia, em criar uma organização que, simultaneamente metesses medo à pequena-burguesia e recolhesse os votos de “protesto” de algumas camadas do povo descontentes com a governação do PS.

E as razões são óbvias e já sobejamente apontadas: baixos salários, pensões de reforma miseráveis, elevado custo de vida, ausência de perspectivas para os mais jovens, trabalho precário, falta de habitação, acesso difícil aos cuidados de saúde devido à privatização da saúde, encerramento de urgências e de serviços de maternidade, longas listas de espera para consultas e cirurgias enquanto os médicos (80% dos médicos que trabalham no privado acumulam com o SNS), etc… Políticas impostas, por um lado, pela necessidade de os lucros do capital não poderem ser reduzidos e, por outro, segundo as directivas de Bruxelas.

O PS deu o oiro ao bandido, mas teve o consolo de não ter ido para a extrema-esquerda, ou para uma nova alternativa revolucionária, e ter impedido que o rival no acesso ao pote não conseguisse maioria absoluta. Ninguém conte que o PS se alie à AD para isolar o Chega, seria o seu fim como aconteceu com o PASOK, e quase de certeza que o Chega poderá ir para o governo; Marcelo nada se importará embora tenha publicamente dito o contrário.

O BE já prometeu “luta”, como é que não sabemos; o PCP, que ainda não percebeu porque está em queda abrupta e rápida em número de votos e de deputados desde 2015, isto é, desde quando reafirmou a sua política de maioria de esquerda em via inteiramente social-democrata, declarou que a viragem à direita exige já “a luta dos trabalhadores”. A CGTP irá ter trabalho extraordinário. Parece que estes três partidos, pode-se incluir o PS, só dão ares de esquerda quando estão na oposição, iremos assistir a manifestações e a greves gerais mobilizadoras como aconteceu durante o governo da coligação pafiosa? Não sabemos e esperamos para ver, porque há a possibilidade de os protestos sociais virem a ser inorgânicos, ou seja, fora do controlo das estruturas tradicionais.

O que sabemos para já é que os polícias e médicos que suspenderam as suas reivindicações, durante o período eleitoral, já vieram prometer a continuação. A plataforma que junta estruturas da PSP e GNR vai preparar estratégia para novo Governo; a FNAM exige regresso às negociações para "fazer o que não foi feito". Do outro lado, o presidente do Conselho Geral da AEP (Associação Empresarial de Portugal) exige “estabilidade”, pelo menos "até ao próximo OE”, isto é, até ao final do ano, e depois logo se verá, devendo-se “avançar passo a passo". Dá a entender que o governo que agora tomar posse terá sempre a vida em perigo.

Muito dificilmente, para não dizer impossível, o governo AD, com ou sem Chega, irá responder positivamente a polícias e a médicos, estes desejando o sol na eira e a chuva no nabal, acumulando público com o privado e ao mesmo tempo dizendo que não há falta de médicos, ou proceder a um aumento generalizado e significativo de salários ou de pensões de reforma. Sabe-se desde há muito, o BCE tem-no repetido frequentemente, que os salários terão de se manter baixos para “não fazerem subir a inflação”, quanto às reformas as directivas de Bruxelas são no sentido de se entregar os dinheiros da Segurança Social a fundos de investimento privados e aos bancos. Assim, a perspectiva imediata será um brutal e imediato corte, em termos reais, em todas as pensões e salários.

As palavras cautelosas de um dos dirigentes do empresariado indígena podem ser entendidas como alguma, se não muita, falta de confiança no novo governo, que não deverá ser capaz de impor uma política de austeridade a duplicar, abandonando as meias tintas dos governos do PS. Na realidade, aqueles nunca deixaram de impor uma austeridade mitigada, recusando sempre a revogação de todas as medidas decretadas pelo governo Passos Coelho/Paulo Portas e a mando da troika. Pelo contrário, ainda agravaram algumas delas, exemplo, alterações ao Código do Trabalho e continuação acelerada da Lei Cristas quanto à habitação, com os resultados conhecidos, razões que contribuíram para o descalabro eleitoral do PS e da subida da extrema-direita.

A História diz-nos que o os partidos social-democratas, género PS, são partidos da guerra. Costa defendeu acerrimamente a guerra na Ucrânia, enviou para lá algumas centenas de milhões de euros que seriam melhor empregues na Saúde ou na Educação, e nunca colocou em questão a situação de Portugal dentro da NATO ou na União Europeia. As mesmas posições e as mesmas políticas são defendidas pelos partidos da AD e pelo Chega, e ninguém se admire que o governo que se irá formar venha a defender sem hesitações o envio de tropas para a Ucrânia. Esta gente gosta da guerra, mas que sejam os outros a fazê-la no terreno por eles.

O PS recorreu à requisição civil mais vezes do que Salazar, foi contra os estivadores, contra os enfermeiros, foi contra ao motoristas de transporte de materiais perigosos, prometeu dentistas no SNS mas esqueceu-se logo no dia seguinte, prometeu habitação social e residências para estudantes mas não disse que eram tarefas para ser entregues à ganância do lucro de privados. Costa vem agora pedir reflexão sobre as causas do crescimento da extrema-direita… e se fosse para a pata que o pariu!

O PS mais não passa que um outro bando da matilha que se vai revezando na gestão dos negócios do grande capital: «Santos Silva defende "negociação e compromisso" entre PS e PSD em temas essenciais, Câmara Pereira não vê "mal nenhum" em entendimentos com Chega» (da imprensa mainstream). Vendo bem, não houve a “mudança de ciclo” que era previsível, mudaram somente os funcionários que irão cumprir as ordens dimanadas de Bruxelas e, nos intervalos, fazer o frete e facilitar os negócios a este ou aquele grupo de interesses que se vai alimentando do Orçamento de Estado, daí a preocupação pelo OE de 2025. Os oligarcas que financiaram o Chega esperam agora o retorno do investimento.

A imprensa, os paineleiros e cartilheiros, os políticos do regime, vêm todos em coro elogiar o sentido cívico dos portugueses que foram cumprir o seu, votando, e fazendo com que a abstenção tivesse descido para os 33,77%, ou seja, um terço dos cidadãos votantes resolveram não caucionar o regime da tal badalada “democracia”. No país que está entre os cinco países da UE onde menos se vota para formar governo, a “democracia” não paga as contas ao fim do mês, nem o povo come “democracia” durante o dia, nem se trata quando está doente com tão maravilhosa receita.

Aquela funciona bem para quem vai receber 20 milhões de euros por ano em subvenções, cada deputado arrecadará em média mais de 5 mil euros líquidos mensais, e para quem beneficia da dívida pública. Ainda não sabemos qual o remédio receitado pelos partidos que saíram agora vitoriosos para fazer frente quer à dívida soberana quer à dívida privada, esta mais de duas vezes superior à dívida pública, se não impor medidas de austeridade ainda mais gravosas do que as receitadas pela troika.

A respeito do resultado do destas legislativas, nas redes sociais alguém disse: “a parte boa é que vão acabar as greves!”. Entre nós, os de baixo, existe uma gente que ama sobremaneira o “manda quem pode, obedece quem deve!”, só que há um “pequeno” problema, onde há exploração e repressão a resistência é inevitável e pode crescer a ponto jamais visto, independentemente das vontades dos partidos da oposição ou das direcções sindicais. O partido do trabalho deve preparar-se par os tempos que se avizinham, que serão tempos de cólera e a tormenta de certeza que será global, seja qual for o governo a entrar em funções. Será suprema ironia que a vitória da AD seja posta em causa pelos votos que faltam da emigração. A instabilidade veio para ficar.

Imagem de henricartoon

segunda-feira, 11 de março de 2024

Quando o PSD sucede ao PS

Relembrar os tempos dos governos PSD, já que ganhou estas eleições, e, em particular, os grandes feitos do cavaquismo, na crónica escrita logo após a vitória do PSD nas eleições legislativas de 5 de Junho de 2011 e que atirou o PS para líder da oposição, numa situação algo semelhante à actual.

Silva, “O Repovoador”

O presidente da República, mais conhecido pelo senhor Silva, quer ficar na História de Portugal como um segundo D. Dinis, um repovoador do Reino que revitalizou a agricultura, desenvolveu a floresta e, já agora, contribuiu para o fomento da nossa marinha e deu a conhecer novos mundos ao mundo. O senhor Silva, na sua conversa da treta, no entanto mais conhecida por discurso oficial, indigna-se com a situação dos nossos campos, mas esquece-se, ou quer fazer esquecer, que ele, quando primeiro-ministro foi o principal responsável pela destruição da nossa agricultura e pelo abandono do interior por muitos milhares de agricultores. A agricultura do senhor Silva foi a agricultora de sucesso de uma Odefruta do seu amigalhaço Thierry Roussel, que fugiu para a Nigéria depois de enfiar nos bolsos 6 milhões de euros, ferrando o calote à CGD e ao estado português e deixando um projecto fraudulento e desajustado com graves consequências ambientais na costa alentejana, mais precisamente no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.

Foi no tempo do senhor Silva que milhares de milhões de euros desapareceram para que os agricultores deixassem de produzir, que vinhas e oliveiras foram arrancadas, vacarias desmanteladas, para no seu lugar se cultivassem girassóis que ficavam no campo a apodrecer, e se comprassem jipes de luxo e apartamentos de férias por pseudo-lavradores e que organizações do género CAP enriquecessem, passando os seus dirigentes a viver em palácio sumptuoso. Esta, sim, é que foi a "estratégia clara de revalorização do interior do país" e "oportunidades de sucesso" para os jovens agricultores. O senhor Silva diz que, hoje e em Portugal, 220 mil agricultores recebem subsídios da União Europeia para não produzir, mas muitos mais foram lançados na ruína para que os países ricos da Europa, com a Alemanha à cabeça, continuassem a produzir e escoar os seus excedentes para os países do Sul. A nossa pobreza, nomeadamente na agricultura, foi e é a riqueza dos países do Norte da Europa. E podemos agradecer ao senhor Silva.

Contudo, não foi só a agricultura que sofreu, foram as pescas, foi a indústria em geral, razão pela qual se percebe que uma Associação Nacional das Pequenas e Médias tivesse vindo perguntar, no dia do discurso do senhor Silva, onde foram parar os 60 mil milhões de euros de fundos europeus que entre 2000 e 2006 deviam ter sido investidas no Interior, não contando com os anteriores a este período. "Onde foram aplicados 60 mil milhões de euros, referentes às dotações do QCIII (Quadro Comunitário) 2000/2006 e QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional), uma vez que estas transferências líquidas da UE para o nosso país deviam ter sido investidas, precisamente, no desenvolvimento das Regiões de Convergência, ou Regiões do Interior", questiona a associação.

A obra do senhor Silva e do PSD foi completada nos governos do PS, pela mão do senhor comissionista Sousa, com o encerramento dos serviços de urgência e maternidades, o encerramento de escolas e deslocação das crianças para os mega-agrupamentos nas cidades, o encerramento dos postos dos CTT, etc., não esquecendo a obra notável do senhor Silva que consistiu na desactivação de mais 800 quilómetros de via-férrea e concomitante encerramento de dezenas de estações e perdas de postos de trabalho. Se o senhor Silva irá ficar na história como “O Repovoador”, o senhor Sousa ficará com o cognome do “Exterminador”. Ambos contribuíram fortemente para o despovoamento e miséria do país e, em particular, do Portugal profundo.

14 de Junho 2011, “Os Bárbaros”

segunda-feira, 4 de março de 2024

Eleições: A corrida ao oiro em ambiente de guerra aberta

 

Estas eleições irão distinguir-se de todas as outras já realizadas depois de 1976, ano em que entrou em vigor a Constituição da República da Democracia, por diversas características: uma delas é o prolongado tempo de campanha que, na realidade, começou ainda antes da dissolução do Parlamento e da queda do governo, que, por sua vez, foi o que mais tempo se manteve em funções de gestão; outra é o tom encarniçado em que os partidos se digladiam, menos por diferenças programáticas, mais por ataques às formas e aos modos de discurso ou de carácter dos principias protagonistas partidários. O ambiente em que a refrega ocorre é de constante e ruidosa instabilidade e insegurança, causada e atiçada por todos os políticos do establishment com hipótese de enfiar a mão no pote e sob o alto patrocínio do PR Marcelo que, depois de criar o caos e atiçar os ânimos, se recolheu a recato de gozo e satisfação.

Agitar os espantalhos da instabilidade e da insegurança

Não é primeira vez que assistimos a tentativas de desestabilização institucional e alarmismo social desencadeadas sorrateiramente pelo oposição das forças de direita, incluindo as mais retrógradas e trauliteiras, representadas por poderes fácticos, interessadas em derrubar ou criar dificuldades acrescidas aos governos do PS. Estamos lembrados da polémica das touradas em Barrancos, no tempo do governo de Guterres, que eram ilegais e que a direita, com a ajuda da imprensa que controla, fez tudo para que o governo lançasse a repressão sobre os intervenientes do evento; seria como que uma vingança pelo que se passou na Ponte 25 de Abril e que ditou o fim do Cavaquismo. Agora, fica-se com a impressão de que toda a contestação levada a cabo por polícias e militares, independentemente da justeza das razões aduzidas, possui o mesmo objectivo: desautorizar e descredibilizar o PS como governo. A mensagem é clara: o PS a governar, mesmo com maioria absoluta, é incapaz de garantir a estabilidade, tão necessária para o crescimento da economia, e para a segurança do cidadão.

Como já antevíamos, o que, diga-se de passagem, não era coisa difícil, a seguir aos polícias e guardas prisionais viriam os militares, e assim foi: tivemos o prazer de ouvir dois militares lateiros, um sargento e um oficial de secretária, perorar sobre a triste sorte de ser militar em Portugal. Em suma, cenas caricatas de gente que nunca pegou a sério numa arma e que nem deverão saber quantas estrias tem uma G3. Não nos enganaremos se afirmarmos que estes sindicalistas façanhudos rapidamente meterão a sanfona no saco se os partidos da AD formarem governo após as eleições do próximo dia 10 de Março. E mais ainda, caso o Chega vá para o governo, eventualidade mais que certa, contrariando os falsos pruridos democráticos de Montenegro, aos zaragateiros dirigentes policiais, que põem processos contra o governo e provocam o ministro da Administração Interna, mais rápido será o esfriamento do arrobo sedicioso. Por outro lado, não podemos olvidar que em situação de fascização do regime de democracia burguesa, é com militares e polícias mais “exaltados” que surgem historicamente as Sturmabteilung.

Convém relembrar outras provocações montadas pelos comandos da PSP com o objectivo de colocar o povo trabalhador contra o governo PS, foi também em tempo de governo Guterres, quando a polícia de choque, sob o comando do ultramontano general Gabriel Teixeira, carregou barbaramente sobre os trabalhadores da têxtil “Abel Alves de Figueiredo & Filhos”, em Santo Tirso, que mais pareceu uma operação militar com ocupação da fábrica, tendo provocado 4 feridos graves, um dos quais chegou a estar às portas da morte. O ministro da Administração Interna, Alberto Costa, só mais tarde é que soube do acontecimento, a operação terá sido feita à revelia da decisão ministerial. Ainda poderemos referir outros acontecimentos, com inteiros contornos de provocação, ocorridos com o mesmo governo e com o mesmo ministro, por exemplo, o baleamento mortal de um pilha-galinhas em Évora já com a polícia à espera embora a decisão do assalto tivesse sido decidida, ao que parece, durante o caminho; factos que levaram a que a PSP, e muito correctamente, tivesse sido desmilitarizada. Foram precisos mais de vinte anos para que se emendasse uma anomalia herdada do salazarismo, mas, pelo que se constata, o trabalho não ficou completo.

Estes apelos à quase sedição são aproveitados pelos sectores mais conservadores da elite para endurecer o regime democrático saído do 25 de Abril, acontecimento que ironicamente perfaz daqui a um mês o seu 50º aniversário. O incontornável PR está satisfeito com a actuação reivindicativa da polícia que vai ao encontro das suas intenções políticas, preocupa-se apenas que os protestos sejam “mal geridos” e possam “prejudicar a imagem das forças armadas” e das polícias. Marcelo não quer que uns como outros fiquem mal vistos perante o povo, mas parece que é isso que já está a acontecer, daí a preocupação presidencial e a razão pela qual o governo tem evitado a repressão sobre os contestatários, porque caso Montenegro fosse primeiro-ministro, e à semelhança de Cavaco, a repressão já tinha acontecido. Estas movimentações policiais e militares já fizeram reagir, para além da ministra da Defesa, inteiramente alinhada com a política militarista e belicista da OTAN/NATO e da União Europeia, o chefe do Estado Maior da Armada, almirante Gouveia e Melo, que foi frontal ao condenar a posição dos dirigentes sindicais de sargentos e praças e oficiais, o que terá levado ao desabafo, por parte daqueles, acusando a ministra e o almirante de sofrerem de “saudosismo autoritário”. O bom pretexto para que o almirante das vacinas considere a sua candidatura a Belém, de certeza que terá o voto de Marcelo… e até de muitos militares.

A Campanha eleitoral ao rubro

Na entrada da última semana de promessas ao metro e à resma, os principais partidos do establishment arregimentam todas forças que ainda conseguem mobilizar e toda a argumentação fácil e falaciosa para a compra do voto dos incautos e dos indecisos. São as putativas “sondagens” diárias a fim de canalizar o voto para a AD e o Chega; são os “incidentes” mediáticos e mediatizados de tinta verde na cabeça de Montenegro, passando a Monteverde, lembrando outros incidentes do género com Mário Soares na Marinha Grande ou de Bolsonaro quando levou a facada; são as convocatórios de múmias paralíticas dos partidos que constituem a AD; são o piscar de olho aos sectores ultramontanos da burguesia e da Igreja Católica com a antevisão de novo referendo para reverter a legalização do aborto ou da revogação da Lei da Eutanásia, embora depois venham desdizer que, por exemplo, a questão do aborto está definitivamente encerrada, o que não deixa de ser uma rematada mentira. A ideia é reverter o mais possível todas e quaisquer conquistas obtidas acerca dos direitos do povo português num aberto e ansioso regresso ao passado. Enterrar de vez o 25 de Abril no seu 50º aniversário.

É inteiramente patético rever os cadáveres desenterrados: um Passos Coelho que, sempre igual a si próprio, repisou as mentiras habituais e, de forma tosca, veio estigmatizar os imigrantes ligando-os a hipotética insegurança, ultrapassando o Chega, mas com o qual aconselha amorosa união de facto. Cavaco quis dar uma de democrata, coisa que lhe é arredia, chamando a atenção que o Chega faz o jogo do PS (sempre o Chega); Assunção Cristas, responsável pela lei dos despejos e pela “solução” do BES, que foi aos bolsos dos portugueses em mais de 10 mil milhões de euros, é apresentada como modelo da emancipação feminina; o salafrário e camaleão Barroso, numa de patriotismo, pede “orgulho na família e nos símbolos nacionais”, fazendo-se esquecido de que foi lacaio no apoio à guerra no Iraque, homem de mão de Bruxelas e do banco norte-americano Goldman Sachs, e agora ao serviço de Bill Gates na Aliança Global para as Vacinas, e, só pode ser paródia, orgulho nos anos da troika/Passos Coelho que levaram o povo ao empobrecimento e à miséria quase absoluta. E até um encartado liberal independente (ou será independente liberal?) foi convocado, Rui Moreira junta-se à campanha da AD porque “É o tempo de intervir”. Juntar as fraquezas não significa aumentar a força ou que ela exista sequer.

Os partidos desprezam os grandes problemas do povo português

Com a campanha na recta final, os partidos da democracia de Abril continuam a deitar para debaixo do tapete questões de importância para o povo português: situação de Portugal dentro do euro e da União Europeia; a guerra na Europa que, atendendo aos últimos desenvolvimentos, por exemplo, de possibilidade de colocação de tropas NATO dentro da Ucrânia, qual a posição a seguir?; Com a guerra à porta, Portugal deve sair ou não da NATO?; a conscrição será para se retomar ou não, tema impopular no seio da juventude?; em temas que são abordados pela rama, por exemplo, a Justiça, quais as medidas concretas para a reformar, os juízes e Ministério Público devem ser sujeitos ao escrutínio do voto ou não?; como combater a corrupção, medidas palpáveis como acabar com o sigilo bancário e com sigilo fiscal e expropriação das grandes riquezas que não sejam comprovadas a favor do estado serão medidas eficazes ou não?; as alterações feitas ao Código do Trabalho pelos governos Passos Coelho e Costa são para revogar ou não (pedra de toque para eventual apoio da dita esquerda a governo PS)? Os partidos da oposição não apresentam soluções credíveis e o PS, agora pela voz de Costa, que correu em auxílio de recurso ao aflito Pedro Santos, limitou-se a salientar as “proezas” do seu governo, ou seja, a aplicação prática das medidas que interessam ao grande capital, ao mesmo tempo que deixava cair para debaixo da mesa umas parcas migalhas para enganar os que ainda se deixam ou querem ser enganados.

A política económica que há muito está definida por Bruxelas, isto é, pelo grande capital financeiro, é para esconder, ou seja, continuar-se a enganar os trabalhadores e o povo português em geral. Quanto a salários, Lagarde já foi clara e taxativa, de nada valendo as promessas a rodo feitas quanto aos hipotéticos aumentos do salário mínimo ou salário médio: “os salários serão importante motor de inflação nos próximos trimestres”. Em português corrente, aumentar salários é aumentar a inflação, vira-se a questão de pernas para o ar, escondendo que o salário também é o preço de uma mercadora que é a força de trabalho e encontra-se sujeita às mesmas leis económicas. Baixos salários significam elevados lucros para as empresas, começando e acabando nos bancos. A Saúde, como a Educação, é para privatizar e o SNS é para ser desmantelado por completo; ambos os sectores são considerados como duas áreas de actividade económica: vendem-se medicamentos, cuidados de saúde, exames complementares de diagnóstico, ou educação, como se vendem sapatos, carros ou batatas; os utentes de cuidados de saúde há muito que são considerados “clientes”. A habitação é uma mercadoria, não é um direito, independentemente do número de casas vazias, é o mercado, e os bancos, que controlam os preços. Eis as propostas dos partidos da governação.

O estado intervir nestes sectores fundamentais para avida das pessoas é assunto proibido. Colocar no governo PS ou PSD, com ou sem anexos, é chover no molhado. Quando um regime político, que não consegue resolver os problemas da maioria da população, faliu pura e simplesmente; embora ainda funcione satisfatoriamente para o aumento dos lucros das grandes empresas (as pequenas estarão sempre condenadas). E dando uma olhadela pelas que aqui exploram fica-se com a ideia clara de que PS e PSD não têm servido quem os tem elegido: EDP espera lucrar até 1,3 mil milhões em 2023; GALP teve um lucro recorde de 1000 milhões de euros; principais bancos privados em Portugal com lucros de 3.153 milhões de euros (maior parte dos lucros destas empresas sai do país por serem maioritariamente de capital estrangeiro). Entretanto, o endividamento das famílias quadruplica face a 2015 à boleia de créditos à saúde; 10% da população empregada está em risco de pobreza e taxa agravou-se para os desempregados, atingindo quase metade desta população (dados do INE). Os números, que até são oficiais, não enganam.

Passados 50 anos, o regime de democracia burguesa está a finar-se e, segundo diz o velho ditado popular, não se deve gastar água benta com ruim defunto; no entanto, e, ao contrário do que afirmam os partidos do poder, os votos não alteram nada, somente consolidam o que já está instituído, daí a preocupação do PR Marcelo e de todos os comentadores estipendiados quanto à eventualidade da abstenção subir. Ficou-se a saber hoje, o que não é propriamente novidade, que 80% dos portugueses não confiam nos partidos políticos, 60% não confiam na Assembleia da República e 43% referem insatisfação com o regime. Será o confirmar da falência de um regime que, vendo bem, já nasceu velho, porque deixou incólume muito do aparelho de estado do fascismo, a começar e acabar nas suas figuras mais importantes, que nunca foram julgadas, e os seus esbirros, os pides, incluindo os que assassinaram Huberto Delgado, foram sujeitos a uma facécia de julgamento e puderam morrer descansadamente, bem como os juízes do Tribunal Plenário, gozando de chorudas reformas pagas pelo povo português. O chefe do partido de extrema-direita, criado e medrado pela burguesia e levado ao colo pelos media mainstream, outro sintoma da podridão deste regime, vem levantar suspeitas sobre a lisura deste acto eleitoral, deitando assim mais lenha no processo de descredibilização do dito.

Em 10 de Março os trabalhadores e o povo vão ter um dilema: em quem votar, sabendo que PS e PSD são as duas faces da mesma moeda? Votar em partidos que estão fora do Parlamento talvez seja o voto de protesto… ou então a abstenção, enquanto a velha toupeira vai fazendo o seu trabalho.

Imagem: “À procura” de Henrique Monteiro.