Quando os media, mais concretamente a RTP com o programa “Grandes Portugueses”, já preparavam a opinião pública para aceitar a ideia de uma possível solução milagrosa para a crise do capital, centrada na figura de algum “salvador da pátria”, ao branquear o fascismo e o seu principal protagonista. Alguns anos depois surge o partido de extrema-direita que, recentemente, acaba por se transformar na terceira força política mais votada. Eles vêm ainda com pés de lã, por quanto tempo não sabemos. A crónica é datada de Março de 2007.
O programa de “entretenimento” da RTP fez jus
aos pergaminhos da estação televisiva do Estado, e teve como intuito, mais que
saber da preferência dos telespectadores daquela estação sobre quem é o “maior
português” de sempre, formar opinião favorável para que um dia destes, caso a
crise económica não se resolva, venha aí um salvador da pátria providencial
para pôr ordem na casa, o que bem encaixa na tradição política portuguesa.
A vitória do “padre” de Santa Comba, que tinha
medo de andar de avião e usava do bom hábito de meter os opositores políticos
na prisão, ou ordenar o seu assassínio quando se mostravam mais teimosos, ou
temíveis, é interpretada pelos seus antigos admiradores como sinal de
descontentamento do falhanço da democracia parlamentar. Muitos saudosistas
relembram frequentemente que foi ele que livrou o país da guerra (da mundial,
porque a colonial não conta) e que sempre viveu e morreu pobre, se esteve muito
tempo no poder foi porque os portugueses assim o quiseram.
Outros opinantes, mais democráticos, entendem
a vitória da sondagem telefónica como um alerta sobre o défice dos programas do
ensino oficial que não ensinam a história do Estado Novo como deve ser, bem
como sobre a Guerra Colonial; a isto juntam algum descontentamento pelas
expectativas deixadas pelo 25 de Abril e que não se cumpriram. Alguns
historiadores mais avisados, género Reis Torgal, talvez a maior sumidade em
História Contemporânea Portuguesa, aponta o dedo à falta de seriedade da RTP que,
graças à manipulação, mais não faz do que autêntica propaganda ao fascismo
português.
É mesmo disso que se trata: manipulação.
Manipulação feita por quem não desmerece do seu velho historial de estação
oficial do regime e que ainda não conseguiu fazer a catarses. Foi a RTP que
reciclou um velho fascista e salazarista, Hermano Saraiva, paradoxalmente irmão
de um combatente anti-fascista, esquecido por este regime, que foi António José
Saraiva. O “historiador” encartado terá sido convertido pela actual democracia
com um programa pago a peso de ouro; programa esse, que pela pobreza e
incorreção dos factos, só revela a ignorância do sujeito sobre história.
A acompanhar a estação de televisão do Estado,
estão todos os principais órgãos de informação que têm, nestes últimos trinta e
três anos de democracia de opereta, feito uma verdadeira operação de
branqueamento do fascismo e de reciclagem de velhos e irredutíveis fascistas,
agora apresentados como democratas – por exemplo, haveria interesse em conhecer
o passado político de muitas figuras gradas do CDS e PSD e até de algumas do PS
para verificarmos que o branqueamento do fascismo não se ficou apenas pelos crimes
da PIDE, onde se inclui o assassinato de Humberto Delgado. Seria igualmente
interessante conhecer os bufos daquela polícia política, porque então aí as
surpresas seriam bem maiores, quase de certeza que iríamos conhecer figuras
insuspeitas, algumas das quais pertencentes a partidos de dita “extrema-esquerda”.
Um programa como os “Grandes Portugueses” vem
a calhar ao governo do ex-engenheiro Sócrates, serve como arma de chantagem: ou
vocês aceitam a política de sacrifícios imposta pelo governo ou têm aí o
fascismo porque há muito gente que vê com bons olhos o regresso de um “António
das Botas” em versão pós-moderna. Só que os candidatos que mais se perfilam a
candidato a Salazar de pacotilha são precisamente o Cavaco, actual PR, e o
chefe do conselho de ministros, Sócrates (que nada tem a ver com o de Atenas),
e que nem é engenheiro; ambos provincianos e com ar de tecnocratas.
O resultado do concurso prova, por um lado,
que os fascistas mais jovens se encontram organizados, que souberam fazer bem o
seu trabalho, conseguindo enviar uma catadupa de telefonemas para a RTP, nisso
tiveram mais habilidade que os militantes do PCP, cujo candidato ao concurso
não passou de um distante segundo lugar. Gente que beneficia, por outro lado,
da protecção e da simpatia das autoridades políticas e policiais, cuja missão é
fazer o trabalho sujo da polícia e tentar assustar os temerosos democratas
pequeno-burgueses, que vêm neste regime o mais democrático de todos e no
capitalismo o melhor dos mundos apesar de alguns defeitos que lhes possam ser
apontados.
É pena a história não se repetir, o fascismo
que nos explorou e oprimiu durante quase meio século não tem mais condições
económicas, principalmente estas, nem sociais para voltar a impor-se. A grande
massa de camponeses, incultos e supersticiosos, não existe mais, como ficou bem
demonstrado pelo resultado do referendo sobre o aborto; a influência da Igreja
é bem menor; a dita sociedade civil emancipou-se de tutelas, apesar do impasse
que a luta de classes se encontra no momento actual; a classe dos operários,
onde se incluem os assalariados do sector dos serviços, aumentou
substancialmente e, embora o nível de literacia não seja o melhor, a
experiência e os conhecimentos são muito superiores comparados com o que se
verificava em 24 de Abril de 1974.
A experiência política colectiva dos
trabalhadores leva a que a reacção perante uma tentativa de imposição de um
qualquer regime ditatorial seja muito mais violenta, com eventual guerra civil
revolucionária. E, pelo menos para já, a própria União Europeia, bem como o
grande capital financeiro, não está interessada em regimes despóticos porque
estes já demonstraram que não são os instrumentos mais eficazes e seguros para
a boa prossecução da exploração do trabalho assalariado e para a desejada
acumulação do capital.
Para infelicidade dos nossos fascistas, dos
velhos e dos novos, os tempos já não são os mesmos e a tradição já não é o que
era.
Fonte da notícia: TVI
Imagem: Cartaz publicitário em Lisboa, Av. da Liberdade - Foto do autor da crónica, 02 Março de 2007.
28 de Março 2007
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