segunda-feira, 4 de março de 2024

Eleições: A corrida ao oiro em ambiente de guerra aberta

 

Estas eleições irão distinguir-se de todas as outras já realizadas depois de 1976, ano em que entrou em vigor a Constituição da República da Democracia, por diversas características: uma delas é o prolongado tempo de campanha que, na realidade, começou ainda antes da dissolução do Parlamento e da queda do governo, que, por sua vez, foi o que mais tempo se manteve em funções de gestão; outra é o tom encarniçado em que os partidos se digladiam, menos por diferenças programáticas, mais por ataques às formas e aos modos de discurso ou de carácter dos principias protagonistas partidários. O ambiente em que a refrega ocorre é de constante e ruidosa instabilidade e insegurança, causada e atiçada por todos os políticos do establishment com hipótese de enfiar a mão no pote e sob o alto patrocínio do PR Marcelo que, depois de criar o caos e atiçar os ânimos, se recolheu a recato de gozo e satisfação.

Agitar os espantalhos da instabilidade e da insegurança

Não é primeira vez que assistimos a tentativas de desestabilização institucional e alarmismo social desencadeadas sorrateiramente pelo oposição das forças de direita, incluindo as mais retrógradas e trauliteiras, representadas por poderes fácticos, interessadas em derrubar ou criar dificuldades acrescidas aos governos do PS. Estamos lembrados da polémica das touradas em Barrancos, no tempo do governo de Guterres, que eram ilegais e que a direita, com a ajuda da imprensa que controla, fez tudo para que o governo lançasse a repressão sobre os intervenientes do evento; seria como que uma vingança pelo que se passou na Ponte 25 de Abril e que ditou o fim do Cavaquismo. Agora, fica-se com a impressão de que toda a contestação levada a cabo por polícias e militares, independentemente da justeza das razões aduzidas, possui o mesmo objectivo: desautorizar e descredibilizar o PS como governo. A mensagem é clara: o PS a governar, mesmo com maioria absoluta, é incapaz de garantir a estabilidade, tão necessária para o crescimento da economia, e para a segurança do cidadão.

Como já antevíamos, o que, diga-se de passagem, não era coisa difícil, a seguir aos polícias e guardas prisionais viriam os militares, e assim foi: tivemos o prazer de ouvir dois militares lateiros, um sargento e um oficial de secretária, perorar sobre a triste sorte de ser militar em Portugal. Em suma, cenas caricatas de gente que nunca pegou a sério numa arma e que nem deverão saber quantas estrias tem uma G3. Não nos enganaremos se afirmarmos que estes sindicalistas façanhudos rapidamente meterão a sanfona no saco se os partidos da AD formarem governo após as eleições do próximo dia 10 de Março. E mais ainda, caso o Chega vá para o governo, eventualidade mais que certa, contrariando os falsos pruridos democráticos de Montenegro, aos zaragateiros dirigentes policiais, que põem processos contra o governo e provocam o ministro da Administração Interna, mais rápido será o esfriamento do arrobo sedicioso. Por outro lado, não podemos olvidar que em situação de fascização do regime de democracia burguesa, é com militares e polícias mais “exaltados” que surgem historicamente as Sturmabteilung.

Convém relembrar outras provocações montadas pelos comandos da PSP com o objectivo de colocar o povo trabalhador contra o governo PS, foi também em tempo de governo Guterres, quando a polícia de choque, sob o comando do ultramontano general Gabriel Teixeira, carregou barbaramente sobre os trabalhadores da têxtil “Abel Alves de Figueiredo & Filhos”, em Santo Tirso, que mais pareceu uma operação militar com ocupação da fábrica, tendo provocado 4 feridos graves, um dos quais chegou a estar às portas da morte. O ministro da Administração Interna, Alberto Costa, só mais tarde é que soube do acontecimento, a operação terá sido feita à revelia da decisão ministerial. Ainda poderemos referir outros acontecimentos, com inteiros contornos de provocação, ocorridos com o mesmo governo e com o mesmo ministro, por exemplo, o baleamento mortal de um pilha-galinhas em Évora já com a polícia à espera embora a decisão do assalto tivesse sido decidida, ao que parece, durante o caminho; factos que levaram a que a PSP, e muito correctamente, tivesse sido desmilitarizada. Foram precisos mais de vinte anos para que se emendasse uma anomalia herdada do salazarismo, mas, pelo que se constata, o trabalho não ficou completo.

Estes apelos à quase sedição são aproveitados pelos sectores mais conservadores da elite para endurecer o regime democrático saído do 25 de Abril, acontecimento que ironicamente perfaz daqui a um mês o seu 50º aniversário. O incontornável PR está satisfeito com a actuação reivindicativa da polícia que vai ao encontro das suas intenções políticas, preocupa-se apenas que os protestos sejam “mal geridos” e possam “prejudicar a imagem das forças armadas” e das polícias. Marcelo não quer que uns como outros fiquem mal vistos perante o povo, mas parece que é isso que já está a acontecer, daí a preocupação presidencial e a razão pela qual o governo tem evitado a repressão sobre os contestatários, porque caso Montenegro fosse primeiro-ministro, e à semelhança de Cavaco, a repressão já tinha acontecido. Estas movimentações policiais e militares já fizeram reagir, para além da ministra da Defesa, inteiramente alinhada com a política militarista e belicista da OTAN/NATO e da União Europeia, o chefe do Estado Maior da Armada, almirante Gouveia e Melo, que foi frontal ao condenar a posição dos dirigentes sindicais de sargentos e praças e oficiais, o que terá levado ao desabafo, por parte daqueles, acusando a ministra e o almirante de sofrerem de “saudosismo autoritário”. O bom pretexto para que o almirante das vacinas considere a sua candidatura a Belém, de certeza que terá o voto de Marcelo… e até de muitos militares.

A Campanha eleitoral ao rubro

Na entrada da última semana de promessas ao metro e à resma, os principais partidos do establishment arregimentam todas forças que ainda conseguem mobilizar e toda a argumentação fácil e falaciosa para a compra do voto dos incautos e dos indecisos. São as putativas “sondagens” diárias a fim de canalizar o voto para a AD e o Chega; são os “incidentes” mediáticos e mediatizados de tinta verde na cabeça de Montenegro, passando a Monteverde, lembrando outros incidentes do género com Mário Soares na Marinha Grande ou de Bolsonaro quando levou a facada; são as convocatórios de múmias paralíticas dos partidos que constituem a AD; são o piscar de olho aos sectores ultramontanos da burguesia e da Igreja Católica com a antevisão de novo referendo para reverter a legalização do aborto ou da revogação da Lei da Eutanásia, embora depois venham desdizer que, por exemplo, a questão do aborto está definitivamente encerrada, o que não deixa de ser uma rematada mentira. A ideia é reverter o mais possível todas e quaisquer conquistas obtidas acerca dos direitos do povo português num aberto e ansioso regresso ao passado. Enterrar de vez o 25 de Abril no seu 50º aniversário.

É inteiramente patético rever os cadáveres desenterrados: um Passos Coelho que, sempre igual a si próprio, repisou as mentiras habituais e, de forma tosca, veio estigmatizar os imigrantes ligando-os a hipotética insegurança, ultrapassando o Chega, mas com o qual aconselha amorosa união de facto. Cavaco quis dar uma de democrata, coisa que lhe é arredia, chamando a atenção que o Chega faz o jogo do PS (sempre o Chega); Assunção Cristas, responsável pela lei dos despejos e pela “solução” do BES, que foi aos bolsos dos portugueses em mais de 10 mil milhões de euros, é apresentada como modelo da emancipação feminina; o salafrário e camaleão Barroso, numa de patriotismo, pede “orgulho na família e nos símbolos nacionais”, fazendo-se esquecido de que foi lacaio no apoio à guerra no Iraque, homem de mão de Bruxelas e do banco norte-americano Goldman Sachs, e agora ao serviço de Bill Gates na Aliança Global para as Vacinas, e, só pode ser paródia, orgulho nos anos da troika/Passos Coelho que levaram o povo ao empobrecimento e à miséria quase absoluta. E até um encartado liberal independente (ou será independente liberal?) foi convocado, Rui Moreira junta-se à campanha da AD porque “É o tempo de intervir”. Juntar as fraquezas não significa aumentar a força ou que ela exista sequer.

Os partidos desprezam os grandes problemas do povo português

Com a campanha na recta final, os partidos da democracia de Abril continuam a deitar para debaixo do tapete questões de importância para o povo português: situação de Portugal dentro do euro e da União Europeia; a guerra na Europa que, atendendo aos últimos desenvolvimentos, por exemplo, de possibilidade de colocação de tropas NATO dentro da Ucrânia, qual a posição a seguir?; Com a guerra à porta, Portugal deve sair ou não da NATO?; a conscrição será para se retomar ou não, tema impopular no seio da juventude?; em temas que são abordados pela rama, por exemplo, a Justiça, quais as medidas concretas para a reformar, os juízes e Ministério Público devem ser sujeitos ao escrutínio do voto ou não?; como combater a corrupção, medidas palpáveis como acabar com o sigilo bancário e com sigilo fiscal e expropriação das grandes riquezas que não sejam comprovadas a favor do estado serão medidas eficazes ou não?; as alterações feitas ao Código do Trabalho pelos governos Passos Coelho e Costa são para revogar ou não (pedra de toque para eventual apoio da dita esquerda a governo PS)? Os partidos da oposição não apresentam soluções credíveis e o PS, agora pela voz de Costa, que correu em auxílio de recurso ao aflito Pedro Santos, limitou-se a salientar as “proezas” do seu governo, ou seja, a aplicação prática das medidas que interessam ao grande capital, ao mesmo tempo que deixava cair para debaixo da mesa umas parcas migalhas para enganar os que ainda se deixam ou querem ser enganados.

A política económica que há muito está definida por Bruxelas, isto é, pelo grande capital financeiro, é para esconder, ou seja, continuar-se a enganar os trabalhadores e o povo português em geral. Quanto a salários, Lagarde já foi clara e taxativa, de nada valendo as promessas a rodo feitas quanto aos hipotéticos aumentos do salário mínimo ou salário médio: “os salários serão importante motor de inflação nos próximos trimestres”. Em português corrente, aumentar salários é aumentar a inflação, vira-se a questão de pernas para o ar, escondendo que o salário também é o preço de uma mercadora que é a força de trabalho e encontra-se sujeita às mesmas leis económicas. Baixos salários significam elevados lucros para as empresas, começando e acabando nos bancos. A Saúde, como a Educação, é para privatizar e o SNS é para ser desmantelado por completo; ambos os sectores são considerados como duas áreas de actividade económica: vendem-se medicamentos, cuidados de saúde, exames complementares de diagnóstico, ou educação, como se vendem sapatos, carros ou batatas; os utentes de cuidados de saúde há muito que são considerados “clientes”. A habitação é uma mercadoria, não é um direito, independentemente do número de casas vazias, é o mercado, e os bancos, que controlam os preços. Eis as propostas dos partidos da governação.

O estado intervir nestes sectores fundamentais para avida das pessoas é assunto proibido. Colocar no governo PS ou PSD, com ou sem anexos, é chover no molhado. Quando um regime político, que não consegue resolver os problemas da maioria da população, faliu pura e simplesmente; embora ainda funcione satisfatoriamente para o aumento dos lucros das grandes empresas (as pequenas estarão sempre condenadas). E dando uma olhadela pelas que aqui exploram fica-se com a ideia clara de que PS e PSD não têm servido quem os tem elegido: EDP espera lucrar até 1,3 mil milhões em 2023; GALP teve um lucro recorde de 1000 milhões de euros; principais bancos privados em Portugal com lucros de 3.153 milhões de euros (maior parte dos lucros destas empresas sai do país por serem maioritariamente de capital estrangeiro). Entretanto, o endividamento das famílias quadruplica face a 2015 à boleia de créditos à saúde; 10% da população empregada está em risco de pobreza e taxa agravou-se para os desempregados, atingindo quase metade desta população (dados do INE). Os números, que até são oficiais, não enganam.

Passados 50 anos, o regime de democracia burguesa está a finar-se e, segundo diz o velho ditado popular, não se deve gastar água benta com ruim defunto; no entanto, e, ao contrário do que afirmam os partidos do poder, os votos não alteram nada, somente consolidam o que já está instituído, daí a preocupação do PR Marcelo e de todos os comentadores estipendiados quanto à eventualidade da abstenção subir. Ficou-se a saber hoje, o que não é propriamente novidade, que 80% dos portugueses não confiam nos partidos políticos, 60% não confiam na Assembleia da República e 43% referem insatisfação com o regime. Será o confirmar da falência de um regime que, vendo bem, já nasceu velho, porque deixou incólume muito do aparelho de estado do fascismo, a começar e acabar nas suas figuras mais importantes, que nunca foram julgadas, e os seus esbirros, os pides, incluindo os que assassinaram Huberto Delgado, foram sujeitos a uma facécia de julgamento e puderam morrer descansadamente, bem como os juízes do Tribunal Plenário, gozando de chorudas reformas pagas pelo povo português. O chefe do partido de extrema-direita, criado e medrado pela burguesia e levado ao colo pelos media mainstream, outro sintoma da podridão deste regime, vem levantar suspeitas sobre a lisura deste acto eleitoral, deitando assim mais lenha no processo de descredibilização do dito.

Em 10 de Março os trabalhadores e o povo vão ter um dilema: em quem votar, sabendo que PS e PSD são as duas faces da mesma moeda? Votar em partidos que estão fora do Parlamento talvez seja o voto de protesto… ou então a abstenção, enquanto a velha toupeira vai fazendo o seu trabalho.

Imagem: “À procura” de Henrique Monteiro.

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