Estas eleições irão distinguir-se de todas as
outras já realizadas depois de 1976, ano em que entrou em vigor a Constituição
da República da Democracia, por diversas características: uma delas é o
prolongado tempo de campanha que, na realidade, começou ainda antes da
dissolução do Parlamento e da queda do governo, que, por sua vez, foi o que
mais tempo se manteve em funções de gestão; outra é o tom encarniçado em que os
partidos se digladiam, menos por diferenças programáticas, mais por ataques às
formas e aos modos de discurso ou de carácter dos principias protagonistas
partidários. O ambiente em que a refrega ocorre é de constante e ruidosa
instabilidade e insegurança, causada e atiçada por todos os políticos do
establishment com hipótese de enfiar a mão no pote e sob o alto patrocínio do
PR Marcelo que, depois de criar o caos e atiçar os ânimos, se recolheu a recato
de gozo e satisfação.
Agitar os espantalhos da instabilidade e da
insegurança
Não é primeira vez que assistimos a tentativas
de desestabilização institucional e alarmismo social desencadeadas
sorrateiramente pelo oposição das forças de direita, incluindo as mais
retrógradas e trauliteiras, representadas por poderes fácticos, interessadas em
derrubar ou criar dificuldades acrescidas aos governos do PS. Estamos lembrados
da polémica das touradas em Barrancos, no tempo do governo de Guterres, que
eram ilegais e que a direita, com a ajuda da imprensa que controla, fez tudo
para que o governo lançasse a repressão sobre os intervenientes do evento;
seria como que uma vingança pelo que se passou na Ponte 25 de Abril e que ditou
o fim do Cavaquismo. Agora, fica-se com a impressão de que toda a contestação
levada a cabo por polícias e militares, independentemente da justeza das razões
aduzidas, possui o mesmo objectivo: desautorizar e descredibilizar o PS como
governo. A mensagem é clara: o PS a governar, mesmo com maioria absoluta, é
incapaz de garantir a estabilidade, tão necessária para o crescimento da
economia, e para a segurança do cidadão.
Como já antevíamos, o que, diga-se de
passagem, não era coisa difícil, a seguir aos polícias e guardas prisionais
viriam os militares, e assim foi: tivemos o prazer de ouvir dois militares
lateiros, um sargento e um oficial de secretária, perorar sobre a triste sorte
de ser militar em Portugal. Em suma, cenas caricatas de gente que nunca pegou a
sério numa arma e que nem deverão saber quantas estrias tem uma G3. Não nos
enganaremos se afirmarmos que estes sindicalistas façanhudos rapidamente
meterão a sanfona no saco se os partidos da AD formarem governo após as
eleições do próximo dia 10 de Março. E mais ainda, caso o Chega vá para o
governo, eventualidade mais que certa, contrariando os falsos pruridos democráticos
de Montenegro, aos zaragateiros dirigentes policiais, que põem processos contra
o governo e provocam o ministro da Administração Interna, mais rápido será o
esfriamento do arrobo sedicioso. Por outro lado, não podemos olvidar que em
situação de fascização do regime de democracia burguesa, é com militares e polícias
mais “exaltados” que surgem historicamente as Sturmabteilung.
Convém relembrar outras provocações montadas
pelos comandos da PSP com o objectivo de colocar o povo trabalhador contra o
governo PS, foi também em tempo de governo Guterres, quando a polícia de
choque, sob o comando do ultramontano general Gabriel Teixeira, carregou
barbaramente sobre os trabalhadores da têxtil “Abel Alves de Figueiredo &
Filhos”, em Santo Tirso, que mais pareceu uma operação militar com ocupação da
fábrica, tendo provocado 4 feridos graves, um dos quais chegou a estar às
portas da morte. O ministro da Administração Interna, Alberto Costa, só mais
tarde é que soube do acontecimento, a operação terá sido feita à revelia da
decisão ministerial. Ainda poderemos referir outros acontecimentos, com
inteiros contornos de provocação, ocorridos com o mesmo governo e com o mesmo
ministro, por exemplo, o baleamento mortal de um pilha-galinhas em Évora já com
a polícia à espera embora a decisão do assalto tivesse sido decidida, ao que
parece, durante o caminho; factos que levaram a que a PSP, e muito
correctamente, tivesse sido desmilitarizada. Foram precisos mais de vinte anos
para que se emendasse uma anomalia herdada do salazarismo, mas, pelo que se
constata, o trabalho não ficou completo.
Estes apelos à quase sedição são aproveitados
pelos sectores mais conservadores da elite para endurecer o regime democrático
saído do 25 de Abril, acontecimento que ironicamente perfaz daqui a um mês o
seu 50º aniversário. O incontornável PR está satisfeito com a actuação
reivindicativa da polícia que vai ao encontro das suas intenções políticas,
preocupa-se apenas que os protestos sejam “mal geridos” e possam “prejudicar a
imagem das forças armadas” e das polícias. Marcelo não quer que uns como outros
fiquem mal vistos perante o povo, mas parece que é isso que já está a acontecer,
daí a preocupação presidencial e a razão pela qual o governo tem evitado a
repressão sobre os contestatários, porque caso Montenegro fosse
primeiro-ministro, e à semelhança de Cavaco, a repressão já tinha acontecido. Estas
movimentações policiais e militares já fizeram reagir, para além da ministra da
Defesa, inteiramente alinhada com a política militarista e belicista da
OTAN/NATO e da União Europeia, o chefe do Estado Maior da Armada, almirante
Gouveia e Melo, que foi frontal ao condenar a posição dos dirigentes sindicais
de sargentos e praças e oficiais, o que terá levado ao desabafo, por parte daqueles,
acusando a ministra e o almirante de sofrerem de “saudosismo autoritário”. O
bom pretexto para que o almirante das vacinas considere a sua candidatura a
Belém, de certeza que terá o voto de Marcelo… e até de muitos militares.
A Campanha eleitoral ao rubro
Na entrada da última semana de promessas ao
metro e à resma, os principais partidos do establishment arregimentam todas
forças que ainda conseguem mobilizar e toda a argumentação fácil e falaciosa
para a compra do voto dos incautos e dos indecisos. São as putativas
“sondagens” diárias a fim de canalizar o voto para a AD e o Chega; são os
“incidentes” mediáticos e mediatizados de tinta verde na cabeça de Montenegro,
passando a Monteverde, lembrando outros incidentes do género com Mário Soares
na Marinha Grande ou de Bolsonaro quando levou a facada; são as convocatórios
de múmias paralíticas dos partidos que constituem a AD; são o piscar de olho
aos sectores ultramontanos da burguesia e da Igreja Católica com a antevisão de
novo referendo para reverter a legalização do aborto ou da revogação da Lei da
Eutanásia, embora depois venham desdizer que, por exemplo, a questão do aborto
está definitivamente encerrada, o que não deixa de ser uma rematada mentira. A
ideia é reverter o mais possível todas e quaisquer conquistas obtidas acerca
dos direitos do povo português num aberto e ansioso regresso ao passado.
Enterrar de vez o 25 de Abril no seu 50º aniversário.
É inteiramente patético rever os cadáveres
desenterrados: um Passos Coelho que, sempre igual a si próprio, repisou as
mentiras habituais e, de forma tosca, veio estigmatizar os imigrantes
ligando-os a hipotética insegurança, ultrapassando o Chega, mas com o qual
aconselha amorosa união de facto. Cavaco quis dar uma de democrata, coisa que
lhe é arredia, chamando a atenção que o Chega faz o jogo do PS (sempre o
Chega); Assunção Cristas, responsável pela lei dos despejos e pela “solução” do
BES, que foi aos bolsos dos portugueses em mais de 10 mil milhões de euros, é
apresentada como modelo da emancipação feminina; o salafrário e camaleão
Barroso, numa de patriotismo, pede “orgulho na família e nos símbolos
nacionais”, fazendo-se esquecido de que foi lacaio no apoio à guerra no Iraque,
homem de mão de Bruxelas e do banco norte-americano Goldman Sachs, e agora ao
serviço de Bill Gates na Aliança Global para as Vacinas, e, só pode ser
paródia, orgulho nos anos da troika/Passos Coelho que levaram o povo ao
empobrecimento e à miséria quase absoluta. E até um encartado liberal
independente (ou será independente liberal?) foi convocado, Rui Moreira
junta-se à campanha da AD porque “É o tempo de intervir”. Juntar as fraquezas
não significa aumentar a força ou que ela exista sequer.
Os partidos desprezam os grandes problemas do povo português
Com a campanha na recta final, os partidos da
democracia de Abril continuam a deitar para debaixo do tapete questões de
importância para o povo português: situação de Portugal dentro do euro e da
União Europeia; a guerra na Europa que, atendendo aos últimos desenvolvimentos,
por exemplo, de possibilidade de colocação de tropas NATO dentro da Ucrânia,
qual a posição a seguir?; Com a guerra à porta, Portugal deve sair ou não da
NATO?; a conscrição será para se retomar ou não, tema impopular no seio da
juventude?; em temas que são abordados pela rama, por exemplo, a Justiça, quais
as medidas concretas para a reformar, os juízes e Ministério Público devem ser
sujeitos ao escrutínio do voto ou não?; como combater a corrupção, medidas
palpáveis como acabar com o sigilo bancário e com sigilo fiscal e expropriação
das grandes riquezas que não sejam comprovadas a favor do estado serão medidas
eficazes ou não?; as alterações feitas ao Código do Trabalho pelos governos
Passos Coelho e Costa são para revogar ou não (pedra de toque para eventual
apoio da dita esquerda a governo PS)? Os partidos da oposição não apresentam
soluções credíveis e o PS, agora pela voz de Costa, que correu em auxílio de
recurso ao aflito Pedro Santos, limitou-se a salientar as “proezas” do seu
governo, ou seja, a aplicação prática das medidas que interessam ao grande
capital, ao mesmo tempo que deixava cair para debaixo da mesa umas parcas
migalhas para enganar os que ainda se deixam ou querem ser enganados.
A política económica que há muito está
definida por Bruxelas, isto é, pelo grande capital financeiro, é para esconder,
ou seja, continuar-se a enganar os trabalhadores e o povo português em geral. Quanto
a salários, Lagarde já foi clara e taxativa, de nada valendo as promessas a
rodo feitas quanto aos hipotéticos aumentos do salário mínimo ou salário médio:
“os salários serão importante motor de inflação nos próximos trimestres”. Em
português corrente, aumentar salários é aumentar a inflação, vira-se a questão
de pernas para o ar, escondendo que o salário também é o preço de uma mercadora
que é a força de trabalho e encontra-se sujeita às mesmas leis económicas.
Baixos salários significam elevados lucros para as empresas, começando e
acabando nos bancos. A Saúde, como a Educação, é para privatizar e o SNS é para
ser desmantelado por completo; ambos os sectores são considerados como duas áreas
de actividade económica: vendem-se medicamentos, cuidados de saúde, exames
complementares de diagnóstico, ou educação, como se vendem sapatos, carros ou
batatas; os utentes de cuidados de saúde há muito que são considerados
“clientes”. A habitação é uma mercadoria, não é um direito, independentemente
do número de casas vazias, é o mercado, e os bancos, que controlam os preços. Eis
as propostas dos partidos da governação.
O estado intervir nestes sectores fundamentais
para avida das pessoas é assunto proibido. Colocar no governo PS ou PSD, com ou
sem anexos, é chover no molhado. Quando um regime político, que não consegue
resolver os problemas da maioria da população, faliu pura e simplesmente;
embora ainda funcione satisfatoriamente para o aumento dos lucros das grandes
empresas (as pequenas estarão sempre condenadas). E dando uma olhadela pelas que
aqui exploram fica-se com a ideia clara de que PS e PSD não têm servido quem os
tem elegido: EDP espera lucrar até 1,3 mil milhões em 2023; GALP teve um lucro
recorde de 1000 milhões de euros; principais bancos privados em Portugal com
lucros de 3.153 milhões de euros (maior parte dos lucros destas empresas sai do
país por serem maioritariamente de capital estrangeiro). Entretanto, o endividamento
das famílias quadruplica face a 2015 à boleia de créditos à saúde; 10% da
população empregada está em risco de pobreza e taxa agravou-se para os
desempregados, atingindo quase metade desta população (dados do INE). Os
números, que até são oficiais, não enganam.
Passados 50 anos, o regime de democracia
burguesa está a finar-se e, segundo diz o velho ditado popular, não se deve
gastar água benta com ruim defunto; no entanto, e, ao contrário do que afirmam
os partidos do poder, os votos não alteram nada, somente consolidam o que já
está instituído, daí a preocupação do PR Marcelo e de todos os comentadores
estipendiados quanto à eventualidade da abstenção subir. Ficou-se a saber hoje,
o que não é propriamente novidade, que 80% dos portugueses não confiam nos
partidos políticos, 60% não confiam na Assembleia da República e 43% referem
insatisfação com o regime. Será o confirmar da falência de um regime que, vendo
bem, já nasceu velho, porque deixou incólume muito do aparelho de estado do
fascismo, a começar e acabar nas suas figuras mais importantes, que nunca foram
julgadas, e os seus esbirros, os pides, incluindo os que assassinaram Huberto
Delgado, foram sujeitos a uma facécia de julgamento e puderam morrer
descansadamente, bem como os juízes do Tribunal Plenário, gozando de chorudas
reformas pagas pelo povo português. O chefe do partido de extrema-direita, criado
e medrado pela burguesia e levado ao colo pelos media mainstream, outro sintoma
da podridão deste regime, vem levantar suspeitas sobre a lisura deste acto
eleitoral, deitando assim mais lenha no processo de descredibilização do dito.
Em 10 de Março os trabalhadores e o povo vão
ter um dilema: em quem votar, sabendo que PS e PSD são as duas faces da mesma
moeda? Votar em partidos que estão fora do Parlamento talvez seja o voto de
protesto… ou então a abstenção, enquanto a velha toupeira vai fazendo o seu trabalho.
Imagem: “À procura” de Henrique Monteiro.
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