O resultado das eleições legislativas realizadas no passado dia 10 de Março, não constituiu qualquer surpresa; surpresa foi o resultado das anteriores em que o PS conseguiu a maioria absoluta, coisa que nem ele próprio esperava. A disputa entre PS e PSD foi um tête à tête, gorando as tentativas levadas a cabo por algumas sondagens, feitas à medida por alguns órgãos de informação mainstream, que pressionaram a orientação do voto do eleitorado de molde a dar uma vantagem de 6% ao PSD, o que não veio a acontecer. O resultado da extrema-direita poderá, a uma primeira vista, ser considerado algo exagerado e até ter ultrapassado as expectativas dos correligionários do regresso ao passado, mas analisando mais atentamente não haverá surpresa e até terá beneficiado o PS que, assim, impediu a maioria absolta do PSD. A intenção do rei Marcelo foi alcançada, criou a instabilidade, da qual dificilmente se desenvencilhará, e o seu almejado governo PSD/Chega poderá ser uma realidade; Costa saiu pela porta baixa, e se era sua intenção levar o seu sucessor ao poder quando apresentou a demissão, sem ser acusado sequer no caso Influencer, foi inapelavelmente derrotado. No entanto, as melhores cenas do próximo capítulo seguirão brevemente e talvez não sejam boas de ver.
O rescaldo ainda se está a fazer, a poeira
ainda não assentou, uns cantam vitória, outros franzem o sobrolho porque a
colheita poderia ser mais proveitosa, aqueloutros lambem as feridas e o
derrotado não dá parte de fraco e já assumiu tonitruantemente que será líder da
oposição e não dará aval a proposta de Orçamento apresentado pelo futuro
governo AD. Os que cantam vitória tentarão tirar os devidos dividendos e irão
vender caro o apoio ao governo que se irá formar, muito provavelmente não
limitarão o apoio em votos no Parlamento, exigirão a entrada no governo.
Muito provavelmente, Montenegro dará o dito
pelo não dito, porque o bolo é demasiado apetitoso para ser atirado fora, são
mais de 55 mil milhões de euros que escorregarão, parte já terá chegado, até
2027. Se vier a concretizar a união de facto, as divisões e as disputas pela
repartição das comissões e do saque serão com certeza pomo rápido de discórdia
e de desunião. Se a coisa não se der, então dificilmente haverá governo que
dure até ao final do ano e de certeza que haverá de novo eleições antecipadas,
que serão as terceiras em cerca de três anos. Marcelo terá um novo orgasmo, nova
dissolução, nova viagem e nova corrida.
Será repetitivo, mas não é despiciendo,
apontar as causas principais pela derrota do PS e a subida do partido da
extrema-direita. Este constituído ilegalmente e como muitas irregularidades no processo
que entrou no Tribunal Constitucional, mas havia pressa, e seguindo o que já acontecera
em outros países da União Europeia, em criar uma organização que, simultaneamente
metesses medo à pequena-burguesia e recolhesse os votos de “protesto” de
algumas camadas do povo descontentes com a governação do PS.
E as razões são óbvias e já sobejamente
apontadas: baixos salários, pensões de reforma miseráveis, elevado custo de
vida, ausência de perspectivas para os mais jovens, trabalho precário, falta de
habitação, acesso difícil aos cuidados de saúde devido à privatização da saúde,
encerramento de urgências e de serviços de maternidade, longas listas de espera
para consultas e cirurgias enquanto os médicos (80% dos médicos que trabalham
no privado acumulam com o SNS), etc… Políticas impostas, por um lado, pela necessidade
de os lucros do capital não poderem ser reduzidos e, por outro, segundo as directivas
de Bruxelas.
O PS deu o oiro ao bandido, mas teve o consolo
de não ter ido para a extrema-esquerda, ou para uma nova alternativa
revolucionária, e ter impedido que o rival no acesso ao pote não conseguisse
maioria absoluta. Ninguém conte que o PS se alie à AD para isolar o Chega,
seria o seu fim como aconteceu com o PASOK, e quase de certeza que o Chega
poderá ir para o governo; Marcelo nada se importará embora tenha publicamente dito
o contrário.
O BE já prometeu “luta”, como é que não
sabemos; o PCP, que ainda não percebeu porque está em queda abrupta e rápida em
número de votos e de deputados desde 2015, isto é, desde quando reafirmou a sua
política de maioria de esquerda em via inteiramente social-democrata, declarou
que a viragem à direita exige já “a luta dos trabalhadores”. A CGTP irá ter
trabalho extraordinário. Parece que estes três partidos, pode-se incluir o PS,
só dão ares de esquerda quando estão na oposição, iremos assistir a
manifestações e a greves gerais mobilizadoras como aconteceu durante o governo
da coligação pafiosa? Não sabemos e esperamos para ver, porque há a possibilidade
de os protestos sociais virem a ser inorgânicos, ou seja, fora do controlo das
estruturas tradicionais.
O que sabemos para já é que os polícias e médicos
que suspenderam as suas reivindicações, durante o período eleitoral, já vieram
prometer a continuação. A plataforma que junta estruturas da PSP e GNR vai
preparar estratégia para novo Governo; a FNAM exige regresso às negociações
para "fazer o que não foi feito". Do outro lado, o presidente do
Conselho Geral da AEP (Associação Empresarial de Portugal) exige “estabilidade”,
pelo menos "até ao próximo OE”, isto é, até ao final do ano, e depois logo
se verá, devendo-se “avançar passo a passo". Dá a entender que o governo
que agora tomar posse terá sempre a vida em perigo.
Muito dificilmente, para não dizer impossível,
o governo AD, com ou sem Chega, irá responder positivamente a polícias e a
médicos, estes desejando o sol na eira e a chuva no nabal, acumulando público
com o privado e ao mesmo tempo dizendo que não há falta de médicos, ou proceder
a um aumento generalizado e significativo de salários ou de pensões de reforma.
Sabe-se desde há muito, o BCE tem-no repetido frequentemente, que os salários
terão de se manter baixos para “não fazerem subir a inflação”, quanto às
reformas as directivas de Bruxelas são no sentido de se entregar os dinheiros
da Segurança Social a fundos de investimento privados e aos bancos. Assim, a
perspectiva imediata será um brutal e imediato corte, em termos reais, em todas
as pensões e salários.
As palavras cautelosas de um dos dirigentes do
empresariado indígena podem ser entendidas como alguma, se não muita, falta de
confiança no novo governo, que não deverá ser capaz de impor uma política de
austeridade a duplicar, abandonando as meias tintas dos governos do PS. Na
realidade, aqueles nunca deixaram de impor uma austeridade mitigada, recusando
sempre a revogação de todas as medidas decretadas pelo governo Passos
Coelho/Paulo Portas e a mando da troika. Pelo contrário, ainda agravaram
algumas delas, exemplo, alterações ao Código do Trabalho e continuação
acelerada da Lei Cristas quanto à habitação, com os resultados conhecidos, razões
que contribuíram para o descalabro eleitoral do PS e da subida da
extrema-direita.
A História diz-nos que o os partidos social-democratas,
género PS, são partidos da guerra. Costa defendeu acerrimamente a guerra na
Ucrânia, enviou para lá algumas centenas de milhões de euros que seriam melhor
empregues na Saúde ou na Educação, e nunca colocou em questão a situação de
Portugal dentro da NATO ou na União Europeia. As mesmas posições e as mesmas
políticas são defendidas pelos partidos da AD e pelo Chega, e ninguém se admire
que o governo que se irá formar venha a defender sem hesitações o envio de
tropas para a Ucrânia. Esta gente gosta da guerra, mas que sejam os outros a
fazê-la no terreno por eles.
O PS recorreu à requisição civil mais vezes do
que Salazar, foi contra os estivadores, contra os enfermeiros, foi contra ao motoristas
de transporte de materiais perigosos, prometeu dentistas no SNS mas esqueceu-se
logo no dia seguinte, prometeu habitação social e residências para estudantes
mas não disse que eram tarefas para ser entregues à ganância do lucro de
privados. Costa vem agora pedir reflexão sobre as causas do crescimento da
extrema-direita… e se fosse para a pata que o pariu!
O PS mais não passa que um outro bando da
matilha que se vai revezando na gestão dos negócios do grande capital: «Santos
Silva defende "negociação e compromisso" entre PS e PSD em temas
essenciais, Câmara Pereira não vê "mal nenhum" em entendimentos com
Chega» (da imprensa mainstream). Vendo bem, não houve a “mudança de
ciclo” que era previsível, mudaram somente os funcionários que irão cumprir as
ordens dimanadas de Bruxelas e, nos intervalos, fazer o frete e facilitar os
negócios a este ou aquele grupo de interesses que se vai alimentando do
Orçamento de Estado, daí a preocupação pelo OE de 2025. Os oligarcas que financiaram
o Chega esperam agora o retorno do investimento.
A imprensa, os paineleiros e cartilheiros, os
políticos do regime, vêm todos em coro elogiar o sentido cívico dos portugueses
que foram cumprir o seu, votando, e fazendo com que a abstenção tivesse descido
para os 33,77%, ou seja, um terço dos cidadãos votantes resolveram não caucionar
o regime da tal badalada “democracia”. No país que está entre os cinco países
da UE onde menos se vota para formar governo, a “democracia” não paga as contas
ao fim do mês, nem o povo come “democracia” durante o dia, nem se trata quando
está doente com tão maravilhosa receita.
Aquela funciona bem para quem vai receber 20
milhões de euros por ano em subvenções, cada deputado arrecadará em média mais
de 5 mil euros líquidos mensais, e para quem beneficia da dívida pública. Ainda
não sabemos qual o remédio receitado pelos partidos que saíram agora vitoriosos
para fazer frente quer à dívida soberana quer à dívida privada, esta mais de
duas vezes superior à dívida pública, se não impor medidas de austeridade ainda
mais gravosas do que as receitadas pela troika.
A respeito do resultado do destas legislativas,
nas redes sociais alguém disse: “a parte boa é que vão acabar as greves!”. Entre
nós, os de baixo, existe uma gente que ama sobremaneira o “manda quem pode,
obedece quem deve!”, só que há um “pequeno” problema, onde há exploração e
repressão a resistência é inevitável e pode crescer a ponto jamais visto,
independentemente das vontades dos partidos da oposição ou das direcções
sindicais. O partido do trabalho deve preparar-se par os tempos que se avizinham,
que serão tempos de cólera e a tormenta de certeza que será global, seja qual
for o governo a entrar em funções. Será suprema ironia que a vitória da AD seja
posta em causa pelos votos que faltam da emigração. A instabilidade veio para
ficar.
Imagem de henricartoon
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