terça-feira, 12 de março de 2024

As eleições do dia 10: a instabilidade veio para ficar

 

O resultado das eleições legislativas realizadas no passado dia 10 de Março, não constituiu qualquer surpresa; surpresa foi o resultado das anteriores em que o PS conseguiu a maioria absoluta, coisa que nem ele próprio esperava. A disputa entre PS e PSD foi um tête à tête, gorando as tentativas levadas a cabo por algumas sondagens, feitas à medida por alguns órgãos de informação mainstream, que pressionaram a orientação do voto do eleitorado de molde a dar uma vantagem de 6% ao PSD, o que não veio a acontecer. O resultado da extrema-direita poderá, a uma primeira vista, ser considerado algo exagerado e até ter ultrapassado as expectativas dos correligionários do regresso ao passado, mas analisando mais atentamente não haverá surpresa e até terá beneficiado o PS que, assim, impediu a maioria absolta do PSD. A intenção do rei Marcelo foi alcançada, criou a instabilidade, da qual dificilmente se desenvencilhará, e o seu almejado governo PSD/Chega poderá ser uma realidade; Costa saiu pela porta baixa, e se era sua intenção levar o seu sucessor ao poder quando apresentou a demissão, sem ser acusado sequer no caso Influencer, foi inapelavelmente derrotado. No entanto, as melhores cenas do próximo capítulo seguirão brevemente e talvez não sejam boas de ver.

O rescaldo ainda se está a fazer, a poeira ainda não assentou, uns cantam vitória, outros franzem o sobrolho porque a colheita poderia ser mais proveitosa, aqueloutros lambem as feridas e o derrotado não dá parte de fraco e já assumiu tonitruantemente que será líder da oposição e não dará aval a proposta de Orçamento apresentado pelo futuro governo AD. Os que cantam vitória tentarão tirar os devidos dividendos e irão vender caro o apoio ao governo que se irá formar, muito provavelmente não limitarão o apoio em votos no Parlamento, exigirão a entrada no governo.

Muito provavelmente, Montenegro dará o dito pelo não dito, porque o bolo é demasiado apetitoso para ser atirado fora, são mais de 55 mil milhões de euros que escorregarão, parte já terá chegado, até 2027. Se vier a concretizar a união de facto, as divisões e as disputas pela repartição das comissões e do saque serão com certeza pomo rápido de discórdia e de desunião. Se a coisa não se der, então dificilmente haverá governo que dure até ao final do ano e de certeza que haverá de novo eleições antecipadas, que serão as terceiras em cerca de três anos. Marcelo terá um novo orgasmo, nova dissolução, nova viagem e nova corrida.

Será repetitivo, mas não é despiciendo, apontar as causas principais pela derrota do PS e a subida do partido da extrema-direita. Este constituído ilegalmente e como muitas irregularidades no processo que entrou no Tribunal Constitucional, mas havia pressa, e seguindo o que já acontecera em outros países da União Europeia, em criar uma organização que, simultaneamente metesses medo à pequena-burguesia e recolhesse os votos de “protesto” de algumas camadas do povo descontentes com a governação do PS.

E as razões são óbvias e já sobejamente apontadas: baixos salários, pensões de reforma miseráveis, elevado custo de vida, ausência de perspectivas para os mais jovens, trabalho precário, falta de habitação, acesso difícil aos cuidados de saúde devido à privatização da saúde, encerramento de urgências e de serviços de maternidade, longas listas de espera para consultas e cirurgias enquanto os médicos (80% dos médicos que trabalham no privado acumulam com o SNS), etc… Políticas impostas, por um lado, pela necessidade de os lucros do capital não poderem ser reduzidos e, por outro, segundo as directivas de Bruxelas.

O PS deu o oiro ao bandido, mas teve o consolo de não ter ido para a extrema-esquerda, ou para uma nova alternativa revolucionária, e ter impedido que o rival no acesso ao pote não conseguisse maioria absoluta. Ninguém conte que o PS se alie à AD para isolar o Chega, seria o seu fim como aconteceu com o PASOK, e quase de certeza que o Chega poderá ir para o governo; Marcelo nada se importará embora tenha publicamente dito o contrário.

O BE já prometeu “luta”, como é que não sabemos; o PCP, que ainda não percebeu porque está em queda abrupta e rápida em número de votos e de deputados desde 2015, isto é, desde quando reafirmou a sua política de maioria de esquerda em via inteiramente social-democrata, declarou que a viragem à direita exige já “a luta dos trabalhadores”. A CGTP irá ter trabalho extraordinário. Parece que estes três partidos, pode-se incluir o PS, só dão ares de esquerda quando estão na oposição, iremos assistir a manifestações e a greves gerais mobilizadoras como aconteceu durante o governo da coligação pafiosa? Não sabemos e esperamos para ver, porque há a possibilidade de os protestos sociais virem a ser inorgânicos, ou seja, fora do controlo das estruturas tradicionais.

O que sabemos para já é que os polícias e médicos que suspenderam as suas reivindicações, durante o período eleitoral, já vieram prometer a continuação. A plataforma que junta estruturas da PSP e GNR vai preparar estratégia para novo Governo; a FNAM exige regresso às negociações para "fazer o que não foi feito". Do outro lado, o presidente do Conselho Geral da AEP (Associação Empresarial de Portugal) exige “estabilidade”, pelo menos "até ao próximo OE”, isto é, até ao final do ano, e depois logo se verá, devendo-se “avançar passo a passo". Dá a entender que o governo que agora tomar posse terá sempre a vida em perigo.

Muito dificilmente, para não dizer impossível, o governo AD, com ou sem Chega, irá responder positivamente a polícias e a médicos, estes desejando o sol na eira e a chuva no nabal, acumulando público com o privado e ao mesmo tempo dizendo que não há falta de médicos, ou proceder a um aumento generalizado e significativo de salários ou de pensões de reforma. Sabe-se desde há muito, o BCE tem-no repetido frequentemente, que os salários terão de se manter baixos para “não fazerem subir a inflação”, quanto às reformas as directivas de Bruxelas são no sentido de se entregar os dinheiros da Segurança Social a fundos de investimento privados e aos bancos. Assim, a perspectiva imediata será um brutal e imediato corte, em termos reais, em todas as pensões e salários.

As palavras cautelosas de um dos dirigentes do empresariado indígena podem ser entendidas como alguma, se não muita, falta de confiança no novo governo, que não deverá ser capaz de impor uma política de austeridade a duplicar, abandonando as meias tintas dos governos do PS. Na realidade, aqueles nunca deixaram de impor uma austeridade mitigada, recusando sempre a revogação de todas as medidas decretadas pelo governo Passos Coelho/Paulo Portas e a mando da troika. Pelo contrário, ainda agravaram algumas delas, exemplo, alterações ao Código do Trabalho e continuação acelerada da Lei Cristas quanto à habitação, com os resultados conhecidos, razões que contribuíram para o descalabro eleitoral do PS e da subida da extrema-direita.

A História diz-nos que o os partidos social-democratas, género PS, são partidos da guerra. Costa defendeu acerrimamente a guerra na Ucrânia, enviou para lá algumas centenas de milhões de euros que seriam melhor empregues na Saúde ou na Educação, e nunca colocou em questão a situação de Portugal dentro da NATO ou na União Europeia. As mesmas posições e as mesmas políticas são defendidas pelos partidos da AD e pelo Chega, e ninguém se admire que o governo que se irá formar venha a defender sem hesitações o envio de tropas para a Ucrânia. Esta gente gosta da guerra, mas que sejam os outros a fazê-la no terreno por eles.

O PS recorreu à requisição civil mais vezes do que Salazar, foi contra os estivadores, contra os enfermeiros, foi contra ao motoristas de transporte de materiais perigosos, prometeu dentistas no SNS mas esqueceu-se logo no dia seguinte, prometeu habitação social e residências para estudantes mas não disse que eram tarefas para ser entregues à ganância do lucro de privados. Costa vem agora pedir reflexão sobre as causas do crescimento da extrema-direita… e se fosse para a pata que o pariu!

O PS mais não passa que um outro bando da matilha que se vai revezando na gestão dos negócios do grande capital: «Santos Silva defende "negociação e compromisso" entre PS e PSD em temas essenciais, Câmara Pereira não vê "mal nenhum" em entendimentos com Chega» (da imprensa mainstream). Vendo bem, não houve a “mudança de ciclo” que era previsível, mudaram somente os funcionários que irão cumprir as ordens dimanadas de Bruxelas e, nos intervalos, fazer o frete e facilitar os negócios a este ou aquele grupo de interesses que se vai alimentando do Orçamento de Estado, daí a preocupação pelo OE de 2025. Os oligarcas que financiaram o Chega esperam agora o retorno do investimento.

A imprensa, os paineleiros e cartilheiros, os políticos do regime, vêm todos em coro elogiar o sentido cívico dos portugueses que foram cumprir o seu, votando, e fazendo com que a abstenção tivesse descido para os 33,77%, ou seja, um terço dos cidadãos votantes resolveram não caucionar o regime da tal badalada “democracia”. No país que está entre os cinco países da UE onde menos se vota para formar governo, a “democracia” não paga as contas ao fim do mês, nem o povo come “democracia” durante o dia, nem se trata quando está doente com tão maravilhosa receita.

Aquela funciona bem para quem vai receber 20 milhões de euros por ano em subvenções, cada deputado arrecadará em média mais de 5 mil euros líquidos mensais, e para quem beneficia da dívida pública. Ainda não sabemos qual o remédio receitado pelos partidos que saíram agora vitoriosos para fazer frente quer à dívida soberana quer à dívida privada, esta mais de duas vezes superior à dívida pública, se não impor medidas de austeridade ainda mais gravosas do que as receitadas pela troika.

A respeito do resultado do destas legislativas, nas redes sociais alguém disse: “a parte boa é que vão acabar as greves!”. Entre nós, os de baixo, existe uma gente que ama sobremaneira o “manda quem pode, obedece quem deve!”, só que há um “pequeno” problema, onde há exploração e repressão a resistência é inevitável e pode crescer a ponto jamais visto, independentemente das vontades dos partidos da oposição ou das direcções sindicais. O partido do trabalho deve preparar-se par os tempos que se avizinham, que serão tempos de cólera e a tormenta de certeza que será global, seja qual for o governo a entrar em funções. Será suprema ironia que a vitória da AD seja posta em causa pelos votos que faltam da emigração. A instabilidade veio para ficar.

Imagem de henricartoon

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