sábado, 21 de agosto de 2021

Silly Season à portuguesa

 

Estamos em pleno Verão, na estação da parvalheira à portuguesa e em plena campanha covid, agora incidindo na testagem por teste que não consegue distinguir o coronavírus da moda dos restantes, e nem reconhece se está vivo ou morto, e na vacinação universal que, por este andar, ainda será estendida aos animais domésticos, cães e gatos, já que parece que estes também podem ser portadores do vírus. No negócio do ano, dificilmente se diferenciam os políticos detentores de cargos públicos, alguns médicos e especialistas encartadas e avençados por muitos euros e dólares, os delegados de propaganda médica, funcionários dos grandes laboratórios farmacêuticos que financiam as actividades de muitas organizações médicas desta ou daquela especialidade, a exemplo da Associação Portuguesa de Pediatria, os jornalistas/propagandistas e todo o bicho-careta comentador/paineleiro televisivo, dirigentes de partidos do poder à esquerda e à direita; todos incentivam à vacinação universal. Entre os mais entusiastas defensores da vacinação de toda a gente e a todo o custo destaca-se o nosso PR, monárquico convicto, que ainda há pouco foi cumprimentar o seu irmão de peito, Jair Bolsonaro.

Apesar da estação ser um período de pasmaceira, onde nem o habitual e sazonal negócio dos incêndios, e que tantos milhões de euros tem dado a ganhar aos nossos empreendedores empresários e ainda por cima em tempo de irreversível aquecimento global, segundo diz o recente relatório da ONU/IPCC, está à altura dos outros anos e nem a água do mar do Algarve aquece (mau prenúncio para o turismo!), o grande capital não descansa na sua tarefa, nem sempre discreta, de exploração de quem trabalha. O Novo Banco, depois de ter extorquido ao erário público cerca de 8 mil milhões de euros, vai agora processar o estado por este lhe dever (?!) 277 milhões e, perante os 137,7 milhões de lucro, vai “compensar os acionistas” com a respectiva distribuição de dividendos.

A pandemia covid-19 parece que foi feita à medida da necessidade das grandes empresas se recapitalizarem, deixando fluir a acumulação e a concentração da riqueza a níveis que há muito já não eram vistos: Novo Banco tem lucros de 137,7 milhões no primeiro semestre; Caixa Geral de Depósitos com lucro de 294 milhões de euros; lucros da EDP cresceram 9% para 343 milhões; Galp passa de prejuízos a lucros de 166 milhões; Sonae passa de prejuízo a lucro de 62 milhões de euros; lucro da Jerónimo Martins sobe quase 79% para 186 milhões e as vendas ascenderam a 9.900 milhões de euros, mais 6,3%. Lucros só no primeiro semestre do ano e o governo do Costa/PS paga 33 milhões a 80 mil empresas pelo aumento do salário mínimo. E diz o advogado/ministro dos negócios Vieira, a respeito da falência da Dielmar e depois de esta ter embolsado 8 milhões de euros, que o “dinheiro público não serve para salvar empresários”. Ora se servisse, que o diga a dona do Novo Banco!

A acumulação e concentração do capital não se faz só cá dentro, e também ninguém se iluda quanto ao apoio governamental às tais pequenas e médias empresas em Portugal porque a maioria será para falir dentro em breve, a concentração faz-se, contudo e principalmente, lá fora: A companhia petrolífera BP obteve lucros de 7.783 milhões de dólares (6.545 milhões de euros) no primeiro semestre do ano, devido ao aumento dos preços do petróleo; a multinacional norte-americana McDonald's anunciou um lucro líquido de 3.756 milhões de dólares (3.185 milhões de euros) no primeiro semestre, 136% mais do que no mesmo período de 2020; no mesmo período, a farmacêutica AstraZeneca lucrou 1,17 mil milhões de dólares com a venda de vacinas da Covid-19. Venham mais pandemias! Warren Buffett lá tem as suas razões para afirmar que esta pandemia está a beneficiar as grandes empresas em detrimento das mais pequenas e que atrás desta pandemia virão outras, e uma delas será a já famigerada pandemia das alterações climáticas que se anunciam como “rápidas, intensivas e irreversíveis e afectando todas as regiões da terra” - o Armagedão!

Enquanto os grandes grupos monopolistas vão contando os lucros propiciados por tão providencial pandemia – e que o digam os 4 maiores laboratórios farmacêuticos do ocidente civilizado fabricantes de vacinas e que agora se preparam para o lançamento de um medicamento milagroso, tipo placebo tamiflu ou remdesivir! -, os trabalhadores vão sendo despedidos. Hoje, quando redigimos estas linhas, os trabalhadores da pública CGD estão em greve e manifestam-se, exigindo a negociação da tabela salarial e repudiando quaisquer despedimentos que já se anunciam ao mesmo tempo que a CGD se prepara para a aquisição de outras instituições bancárias. São considerados quase como certos os despedimentos, alguns disfarçados de “rescisões por mútuo acordo” e “reformas antecipadas”, de 2500 trabalhadores da banca nacional, ou que por cá anda a explorar-nos, só este ano de 2021, onde já se incluem os cerca de 600 que já foram descartados no primeiro semestre como inúteis e causadores de prejuízo.

As falências não se farão esperar, a Groundforce já viu a insolvência declarada pelo Tribunal e os trabalhadores da TAP recorrem à justiça para impedir o despedimento colectivo. No primeiro caso o acionista privado sai a rir-se e de bolsos cheios, enriqueceu à custa dos trabalhadores e, caso se propicie, ainda irá pedir alguma indemnização ao estado, a exemplo da Dielmar, cujos acionistas receberam 8 milhões de euros de ajudas públicas e espetaram o calote de mais de 10 milhões, nada mau! E diz o tal ministro, advogado dos negócios privados, que “dinheiro público não serve para salvar empresários”; pois não, para empresas é que não serve. E a TAP não vai pelo cano abaixo, como desejariam muitos empresários da nossa terra e outros da concorrência, porque está a ser “emagrecida” à custa dos trabalhadores e dos dinheiros públicos para ser entregada de mão beijada aos alemães da Lufthansa. Deve salientar-se que a falência, fraudulenta ou não, da Dielmar é, como alguém já disse, uma “bomba atómica”, porque principal empregadora da região e o futuro dos cerca de 400 trabalhadores não é garantido por ninguém. Fica o desemprego puro e simples, na medida em que a decadente economia capitalista nacional não consegue oferecer alternativa. Até porque o sacrossanto turismo já foi e nunca virá a ser o mesmo.

A única actividade em franco progresso é sem dúvida a dos testes falsificados PCR e as vacinas importadas e pagas a preço do ouro, os comissários nacionais deverão fazer bons lucros – para além das farmacêuticas, como é óbvio. O PR Marcelo tem surgido como um dos principais promotores da venda das vacinas; primeiro, insurgiu-se contra o facto de nem todos os jovens dos 12 aos 15 anos virem a ser vacinados (um grupo praticamente isento de risco), ao contrário do que acontece na Madeira (parece que o governo laranja daquele arquipélago é o seu modelo político), depois, já mais satisfeito quando ouviu o coro reivindicativo da Ordem dos Médicos, na pessoa do seu comerciante-da-saúde-bastonário, e de outros ajudantes de vendas dos laboratórios clamar pela vacinação universal e, mais ainda, pela terceira dose... porque as duas doses não terão criado imunidade suficiente a quem as tomou, e não por mais que evidente ineficácia. A cachorrice de Marcelo tem-se evidenciado em diversas ocasiões em relação às imposições de Bruxelas, a vacina é mais uma outra que demonstra que a União Europeia é o projecto político do grande capital europeu, e mais recentemente ficou bem visível pela subserviência perante o presidente brasileiro fascista, que nem se dignou sequer estar presente no evento que era a inauguração do Museu da Língua Portuguesa; este até poderá ser considerado uma arrogância neo-colonialista e terá sido a razão principal de mais uma passeata presidencial. Marcelo foi recebido pelas autoridades brasileiras todas elas sem máscara e quando regressou não foi obrigado à quarentena da praxe... porque era detentor de um certificado sanitário europeu – nem sabíamos que o certificado até tinha propriedades virucidas!

Alguns factos ocorridos há pouco tempo, e embora desligados entre si, poderão ser apontados como reflexos da decadência irreversível do regime e, até certo ponto, do país em geral: “Cerca de 37.700 bebés nasceram em Portugal no primeiro semestre, uma redução de mais de 4.400 relativamente ao período homólogo e que representa o valor mais baixo nos últimos 30 anos, segundo dados do Instituto Nacional Ricardo Jorge”; “A confirmar-se, demência de Ricardo Salgado pode servir para atenuar ou suspender pena - Defesa pediu uma perícia médica neurológica ao ex-banqueiro e apresentou exame PET e relatório de um neurologista que aponta para um quadro demencial de Salgado” e “O julgamento do arguido da Operação Marquês iniciou-se há três semanas, mas o antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES) beneficiou da lei que permite a pessoas com mais de 70 anos não terem que marcar presença no tribunal, devido aos riscos associados à pandemia de covid-19”. Os factos, por vezes, valem mais do que mil palavras! O fim do capitalismo é mais que certo do que o armagedão climático propalado por Bill Gates e Fundação Rockefeller e respectivos agentes.

A luta travada pelos trabalhadores e pelo povo português é cada vez mais uma luta anti-capitalista e qualquer luta, independente do seus objectivos imediatos, que não vinque bem esta matriz, estabelecendo estratégia nesse sentido, está inevitavelmente sujeita ao insucesso, como tem acontecido até ao presente nos últimos anos de retrocesso do movimento operário e popular. Os trabalhadores terão de perceber que lutar contra os despedimentos, contra os baixos salários, contra a tentativa de não aumentar salários cada vez mais miseráveis, o exemplo da proposta da administração do Metro do Porto (PPP, saliente-se!) é uma abjecta provocação, terá de visar, mesmo que a prazo, o derrube do capitalismo e do poder político burguês. Ao contrário do propagandeado pela CGTP, de que “só haverá trabalho digno quando se revogarem normas que fragilizam direitos”, em capitalismo só haverá escravidão, umas vezes mais disfarçada do que em outras, e quando os capitalistas têm de abrir mão de alguma melhoria, esse benefício é sempre fugaz porque a burguesia irá tirar, com a outra mão, o que deu e com juros. A inflação que se espera para breve será grande, calcula-se que os preços dos produtos alimentares, a pretexto do mais que anunciado “aquecimento global”, poderão aumentar em cerca de 80% (Oxfam) e atrás destes irão todos os outros, agravando o estado de exploração e de miséria de quem trabalha.

Lutar por reivindicações parcelares ou pontuais terá de ser igualmente a luta contra o actual fascismo sanitário – Costa ainda mantém o estado de calamidade pública e a exemplo da restante UE não desistirá facilmente do certificado sanitário –; fascismo aquele que encobre e anuncia um outro mais geral e repressivo, já consubstanciado no famigerado artigo 6.º da Carta de Direitos na Era Digital, que Marcelo se viu obrigado a enviar para o Tribunal Constitucional, e na possibilidade legal do Ministério Público, sem a devida autorização de um juiz, de interceptar correio electrónico de qualquer cidadão a pretexto da “luta contra o terrorismo” - o mesmo pretexto que permitiu aos EUA, através da Lei Patriota, suspender as liberdades e os direitos dos cidadãos e manter os suspeitos em prisão por tempo indeterminado (Guantánamo). A luta terá de ser sempre contra o estado, um órgão de repressão de classe da burguesia contra as outras que oprime e explora.

Não há salvadores da pátria. A classe operária, em aliança com outras classes trabalhadoras e exploradas mas com a sua direcção, terá de ser o sujeito da sua emancipação e numa perspectiva internacionalista.

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

A Peste

 

Albert Camus

A palavra «peste» acabava de ser pronunciada pela primeira vez. Neste momento da narrativa, que deixa Rieux atrás da sua janela, permitir-se-á ao narrador que justifique a incerteza e o espanto do médico, visto que, com cambiantes, a sua reação foi a da maior parte dos nossos concidadãos. Os flagelos, com efeito, são uma coisa comum, mas acredita-se dificilmente neles quando nos caem sobre a cabeça. Houve no mundo tantas pestes como guerras. E, contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas. Rieux estava desprevenido como o estavam os seus concidadãos, e por isso é necessário compreender as suas hesitações. É por isso que é preciso compreender também que ele se dividisse entre a dúvida e a confiança. Quando rebenta uma guerra, as pessoas dizem: «Não pode durar muito, seria estúpido.» E, sem dúvida, uma guerra é muito estúpida, mas isso não a impede de durar. A estupidez insiste sempre e compreendê-la-íamos se não pensássemos sempre em nós. Os nossos concidadãos, a esse respeito, eram como toda a gente: pensavam em si próprios. Por outras palavras, eram humanistas: não acreditavam nos flagelos. O flagelo não está à medida do Homem; diz-se então que o flagelo é irreal, que é um mau sonho que vai passar. Ele, porém, não passa, e de mau sonho em mau sonho, são os homens que passam e os humanistas em primeiro lugar, pois não tomaram as suas precauções. Os nossos concidadãos não eram mais culpados do que os outros. Apenas se esqueciam de ser modestos e pensavam que tudo era ainda possível para eles, o que pressupunha que os flagelos eram impossíveis. Continuavam a fazer negócios, preparavam viagens e tinham opiniões. Como poderiam ter pensado na peste, que suprime o futuro, as viagens e as discussões? Julgavam-se livres e nunca alguém será livre enquanto existirem os flagelos.

E, ainda depois de o doutor Rieux ter reconhecido, perante o seu amigo, que um punhado de doentes dispersos acabava, sem prevenir, de morrer da peste, o perigo continuava irreal para ele. Simplesmente, quando se é médico faz-se uma ideia da dor e tem-se um pouco mais de imaginação. Ao olhar pela janela a cidade que não tinha mudado, mal pode dizer-se que Rieux sentia nascer dentro de si esse ligeiro enjoo perante o futuro que se chama inquietação. Ele procurava reunir no seu espírito o que sabia sobre essa doença. Flutuavam números na sua memória e dizia a si próprio que as três dezenas de pestes que a História conheceu tinham feito perto de cem milhões de mortos. Mas, o que são cem milhões de mortos? Quando se fez a guerra, mal se sabe já o que é um morto. E, visto que um homem morto só pesa se o vimos morto, cem milhões de cadáveres semeados através da História não passam de um fumo na imaginação. O médico lembrava-se da peste de Constantinopla, que, segundo Procópio, tinha feito dez mil vítimas num só dia. Dez mil mortos fazem cinco vezes o público de um grande cinema. Aí está o que se deveria fazer: juntam-se as pessoas à saída de cinco cinemas, conduzem-se a uma praça da cidade e fazem-se morrer em monte, para se compreender alguma coisa. Ao menos, poderiam então pôr-se algumas caras conhecidas nessa pilha anónima. Mas, naturalmente, isto é impossível de realizar e, depois, quem conhece dez mil caras? Além disso, é bem sabido que as pessoas como Procópio não sabiam contar. Em Cantão, há setenta anos, quarenta mil ratos tinham morrido da peste antes que o flagelo se interessasse pelos habitantes. Mas em 1871 não havia maneira de contar os ratos. Fazia-se o cálculo aproximadamente, por grosso, com evidentes probabilidades de erro. Contudo, se um rato tem trinta centímetros de comprimento, quarenta mil ratos em fila fariam...

Mas o médico impacientava-se. Alguns casos não fazem uma epidemia e basta que se tomem precauções. Era preciso limitar-se àquilo que se sabia: o entorpecimento e a prostração, os olhos encarnados, a boca suja, as dores de cabeça, os tumores, a sede terrível, o delírio, as manchas no corpo, o esquartejamento interior e, ao fim de tudo isso... Ao fim de tudo isso, uma frase vinha ao espírito do doutor Rieux, uma frase que no seu manual terminava justamente a enumeração dos sintomas: «O pulso torna-se filiforme e a morte sobrevém por ocasião de um movimento insignificante.» Sim, ao fim de tudo isso estava-se preso por um fio, e três quartos das pessoas, era o número exato, eram bastante impacientes para fazer esse movimento impercetível que as precipitava.

O médico continuava a olhar pela janela. De um lado da vidraça, o céu fresco da primavera; do outro, a palavra que ressoava ainda na sala: a peste. A palavra não continha apenas o que a ciência entendia dever condensar nela mas uma longa série de imagens extraordinárias, que não concordavam com esta cidade amarela e cinzenta, moderadamente animada a esta hora, mais murmurante do que ruidosa, feliz, em suma, se é possível ser-se ao mesmo tempo feliz e taciturno. E uma tranquilidade tão pacífica e tão indiferente negava quase sem esforço as velhas imagens do flagelo: Atenas empestada e abandonada pelas aves, as cidades chinesas cheias de agonizantes silenciosos, os forçados de Marselha empilhando em covas os corpos pegajosos, a construção, na Provença, de um grande muro que devia deter o vento furioso da peste, Jafa e os seus mendigos horrendos, os catres húmidos e apodrecidos colados à terra batida do hospital de Constantinopla, os doentes tirados com ganchos, o carnaval dos médicos mascarados durante a Peste Negra, os acasalamentos dos vivos nos cemitérios de Milão, os carros de mortos na aterrada Londres, as noites e os dias cheios em toda aparte e sempre do grito interminável dos homens. Não, tudo isso não era ainda bastante forte para matar a paz deste dia. Do outro lado da janela, a campainha de um carro elétrico invisível tilintava de repente e refutava num segundo a crueldade da dor. Só o mar, ao fundo do xadrez baço das casas, testemunhava o que há de inquietante e de jamais tranquilo neste mundo. E o doutor Rieux, que olhava para o golfo, pensava nessas fogueiras de que fala Lucrécio e que os atenienses atacados pela doença faziam subir à beira-mar. Levavam para lá os mortos durante a noite, mas o sítio era pequeno e os vivos batiam-se a golpes de archote para lá colocarem os que lhes tinham sido queridos, sustentando lutas sangrentas de preferência a abandonarem os cadáveres. Podia imaginar-se as fogueiras rubras diante da água tranquila e negra, os combates de archotes na noite crepitante de faúlhas e densos vapores envenenados subindo para o céu atento. Podia recear-se...

Mas esta vertigem não se sustentava perante a razão. É verdade que a palavra «peste» tinha sido pronunciada, é verdade que nesse mesmo minuto o flagelo abalava e deitava por terra uma ou duas vítimas. Mas, que diabo, aquilo podia deter-se. O necessário era reconhecer claramente o que devia ser reconhecido, expulsar, enfim, as sombras inúteis, tomar as medidas que convinham. Em seguida a peste pararia, porque a peste não se imaginava, ou imaginava-se erradamente. Se ela parasse - o que era o mais provável  - tudo iria bem. Em caso contrário, saber-se-ia ó que ela era e se não havia meio de se defender dela primeiro, para a vencer em seguida.

O médico abriu a janela e o ruído da cidade aumentou de repente. De uma oficina vizinha subia o silvo breve e repetido de uma serra mecânica. Rieux despertou. Aí estava a certeza, no trabalho de todos os dias. O resto dependia de fios, de movimentos insignificantes, não se podia perder tempo com isso. O essencial era exercer bem a sua profissão.