segunda-feira, 23 de novembro de 2020

O estado de emergência, o OE-2021 e os negócios à conta da pandemia

A Assembleia da República acaba de aprovar o quinto estado de emergência, mais propriamente estado de excepção, desde o início da propalada pandemia, que vai endurecer as medidas restritivas e atentatórias das liberdades, direitos e garantias dos cidadão, alegando a defesa da vida dos mesmos cidadãos, que, contraditoriamente, vêm o direito aos cuidados de saúde mais restringido com o encerramento das cirurgias e consultas nas instituições do SNS. Se os números de infecções e de mortes pelo SARS-CoV-02 não cessa, então o número de mortes por outras doenças que não tratadas pelo SNS aumentam no valor triplo das primeiras. Então, os números mostram que a preocupação do governo será mais a economia do que propriamente a saúde, ou a vida, dos portugueses em geral, e Centeno não consegue impedir que a boca lhe fuja para a verdade: “são necessárias medidas de fortalecimento do capital das empresas, para reduzir a alavancagem e aumentar a sua capacidade de serviço da dívida” e “uma utilização eficiente dos fundos públicos exige o estabelecimento de procedimentos que permitam uma identificação efectiva das empresas viáveis, que devem ser as receptoras privilegiadas destes apoios”.

Ora, as palavras do governador do Banco de Portugal, agência local do Banco Central Europeu, que é quem na realidade dita as leis na União Europeia para cada estado obedecer, devem ser trocadas por miúdos: o país tem capacidade de produção a mais, há que seleccionar as empresas “viáveis” através do financiamento bancário; há que garantir a sustentabilidade da banca, que é quem se encontra no topo do sistema económico e que no final da linha arrecada o maior quinhão dos lucros; há que respeitar as obrigações impostas pela dívida, seja ela pública e privada, qualquer uma delas não se cansa de crescer, e as dívidas são para ser pagas, já que são os bancos as principais entidades credoras, com o BCE a controlar as operações; uma “boa utilização dos fundos públicos” é necessária para recapitalizar as empresas que o devem ser mas na óptica de Bruxelas, não numa perspectiva de soberania económica – uma economia baseada na agricultura e com a indústria como elemento orientador para a satisfação das necessidades do povo português será impossível no quadro de uma UE e com a agravante de não se possuir autonomia monetária. Centeno parece manter ainda o papel de ministro das Finanças, senão mesmo de primeiro-ministro, ou mais ainda, é o BCE a dar as directivas pela sua boca – os alunos até são aplicados, o esboço do OE-2021 já foi aprovado por Bruxelas.

O estado de emergência ou de excepção veio para ficar e não se quedará pelo tempo de pandemia viral, porque a seguir virá a pandemia da contestação social, a mais perigosa e preocupante para as nossas elites, que aquele pretende esconjurar ou prevenir, mas que conduzirá forçosamente a um efeito perverso: a contestação social, a revolta popular será inevitável e em forma mais violenta – o remédio acabará por exacerbar a doença. Pelo aumento rápido do desemprego, também inevitável pela falência das empresas que estão a mais, na sua maioria pequenas e médias empresas que pouco ou nada irão beneficiar dos fundos públicos, onde se incluem milhares de pequenas empresas ligadas ao turismo e ao comércio, outras de sectores de actividade não produtiva, mas essencialmente no sector industrial, tornando o país ainda mais dependente perante a UE, dos países do centro, os mais industrializados e que irão resolver a crise à custa dos países periféricos. A pandemia mais grave será a pandemia da destruição de enormes forças produtivas, incluindo a mais importante de todas, a força humana. A guerra existe, não exactamente a do vírus, mas sim a guerra do capital contra o trabalho, desvalorizando e destruindo este último. A riqueza que agora se produz é demasiada para ser contida no quadro do capitalismo, outra sociedade sob o comando dos que trabalham se tem de criar.

Uma das razões para fundamentar a restrição de circulação dos cidadãos e de reuniões alargadas em família, estando por isso o Natal em risco, como anunciou com pompa e circunstância o beato e monárquico PR Marcelo, era o número de 68% dos contágios acontecerem dentro da família, Costa bem salientou em habitual conferência de imprensa com papel na mão; ora, ficou-se a saber na reunião do Infarmed, que 80% do total de infecções têm origem desconhecida; assim, será 68% de 20%, o que dá uns míseros 13,6%, e só 2% das infecções terão origem em restaurantes. Como se comprova, os números apresentados pelo governo e pela sua inefável directora geral da Saúde são enganosos, como já tinha sido denunciado pela equipa de investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto que foram claros: os dados que têm sido fornecidas à comunidade científica, nos últimos meses, sobre os casos de covid-19, “têm uma qualidade baixa, erros, inconsistências e muita informação em falta”. É na base da mentira e da manipulação para incutir o medo que Costa+Marcelo+Parlamento têm confinado os cidadãos portugueses com o objectivo de implementar as medidas económicas para a reconversão da economia, que serão sempre mais austeridade para o povo.

A partir de Janeiro as medidas de austeridade serão a dobrar e o OE, em aprovação na especialidade, será somente o reportório dessa austeridade embora disfarçada em “relançamento da economia”, que será sempre em termos de capitalismo com menos emprego, salários mais baixos e jornadas de trabalho mais elevadas e penosas – sempre assim foi ao longo da história do capitalismo. Os partidos que aprovarem o OE para 2021 são cúmplices no agravamento inaudito da miséria dos trabalhadores e do empobrecimento do povo português em geral. Esta realidade está bem visível, não sendo necessária a carta dirigida ao ministro das Finanças e subscrita por algumas figuras conhecidas do regime, a fim de esclarecer os milhares de milhões de euros em “compromissos sem suficiente fundamentação”, por exemplo, 9.813,5 milhões em ‘despesas excepcionais’ (10% da despesa pública anual prevista em 2021 e um acréscimo de mais de 40% relativamente ao ano de 2020), ou 4.911,3 milhões de euros para empréstimos concedidos pelo Estado (mais 280% nos empréstimos a médio e longo prazo), ou 2.245,2 milhões de euros previstos em participações de capital em empresas privadas (+41% em relação a 2020), ou 852,5 milhões de euros para o Fundo de Resolução Europeu da Banca (+22%). No OE para 2021 não haverá mais dinheiro para o aumento do investimento público nem para a contratação de mais profissionais de saúde, ou para o aumento dos salários dos trabalhadores da administração pública que, por sua vez, seria um empurrão para a subida dos salários dos trabalhadores do sector privado, nivelando todos os salários por cima, ou para acabar com os trabalhadores precários no estado, ou mais dinheiro para o SNS ou Educação ou Segurança Social, já que o desemprego irá ser incontrolável. Ou como o governo PS, com os dinheiros públicos, recapitaliza a economia nacional (capitalista) para que a burguesia não veja os seus lucros a diminuir, ou seja, se mantenha a incessante acumulação do capital.

O tempo de pandemia covideira tem sido boa oportunidade para a proliferação de bons negócios, a par dos financiamentos do estado, para as diversas grandes empresas, cujos accionistas não possuem os mínimos pruridos de distribuir entre si os muitos milhões em dividendos enquanto os trabalhadores vão sendo despedidos ou com os magros salários cortados em elevada percentagem. E os exemplos são vários, para além das empresas cotadas em bolsa e com sede na Holanda, temos uma Navigator que, depois de ter recorrido ao lay-off para 1200 trabalhadores, uma excelente recapitalização com os dinheiros da Segurança Social, e apesar de ter tido lucros de 168,3 milhões de euros em 2019, distribuiu aos accionistas 99,14 milhões de euros; Altice, que recorreu ao lay-off para 612 trabalhadores, despediu trabalhadores precários, quer congelar salários para 2020 e agora até pede apoio do estado para instalação da rede 5G, apesar de ter obtido lucros de 210 milhões de euros no ano passado; a Sumol+Compal vai iniciar um processo de despedimento colectivo, 80 trabalhadores, depois de ter colocado em lay-off 40% dos seus 1200 trabalhadores, alegando “dificuldades provocadas pela crise pandémica”; o grupo Global Media, detentor de órgãos de imprensa JN, DN, TSF e Jogo, entre outros, quer despedir 81 trabalhadores, um despedimento colectivo, para reduzir 7,8 milhões de euros em despesas de salários, depois de ter recebido do governo PS 1.064.901,66 euros para compra de publicidade institucional, o quer dizer na prática para fazer publicidade às políticas do governo, principalmente no que concerne às medidas de pretenso combate à doença covid-19. E o número não acaba de empresas que depois de terem sido recapitalizadas, vão despedindo e esperam possivelmente por mais fundos públicos... porque são viáveis. Conhecendo os factos, melhor podemos entender a real motivação das medidas de combate à pandemia e para que serve na realidade os estados de emergência e o OE para 2021. Tudo se liga e se inter-relaciona.

O governo PS ao mesmo tempo que vai despedindo enfermeiros, embora diga que nem sequer os vai deixar sair do SNS, prepara-se para dar mais de 200 milhões por vacinas que ainda não tiveram tempo para se comprovar que são seguras e eficazes e continua na compra de um medicamento comprovadamente ineficaz, o Remdesivir, onde já terão sido gastos 35 milhões de euros, uma forma pouco hábil de enriquecimento dos grandes grupos farmacêuticos internacionais, conhecidos pelos seus processos pouco limpos de aliciar médicos, cientistas e governantes para o bom prosseguimento dos seus mais que chorudos negócios. A pandemia do covid-19, feita à medida e depois da pandemia da gripe suína ter falhado há 10 anos, marcará a reorganização e a desejada revitalização da economia capitalista, onde nenhum sector de actividade humana ficará de fora, nomeadamente o sector da saúde, onde os privados tentarão sempre ter o melhor quinhão – neste momento as empresas privadas da saúde já terão garantido umas centenas largas de milhões de euros – e com os responsáveis do negócio da doença a reclamar que “a saúde também tem de ser tutelada pelo ministério da Economia” – presidente do Health Cluster dixit.

O governo está cada vez mais isolado, e sabe disso. As sondagens, descontando o que possam incluir de imprecisão ou até de manipulação, revelam que os portugueses estão cada vez mais desiludidos com as políticas do governo em relação à pandemia, porque se em Março eram 25%, agora, são 50% os inquiridos que consideram as medidas do Governo pouco ou nada adequadas; 35% dos inquiridos declaram que nem sempre usam a máscara em grupos de 1o ou mais pessoas; e, mais grave, 20% das pessoas que disseram necessitar de uma consulta, nas últimas duas semanas, não a tiveram porque decidiram não ir ou foi desmarcada, e cerca de 40% de pessoas evitaram marcar ou adiaram cuidados de saúde não urgentes por receio de contrair covid-19; também é grande o impacto na saúde mental, com mais de 20% a dizer que se sentem agitadas, tristes ou ansiosas todos os dias ou quase todos os dias. – dados do estudo Barómetro covid-19 Opinião Social, que inquiriu 182.581 pessoas desde Março.

A renovação do estado de excepção foi aprovada com os votos favoráveis de PS e PSD, com apenas 187 votos; desta vez até o CDS, que tinha aprovado o anterior, se absteve, e o Chega a mudar o voto de abstenção para contra; o PCP, escaldado com os resultados eleitorais nos Açores, já não tinha chegado o mau resultado na legislativas, parece que não tem meio de aprender, votou contra; e o BE, no seu crónico oportunismo, absteve-se com a ideia peregrina de alguma vez vir a ser governo. Este resultado mostra que o PS se encontra cada vez mais só e que a votação para o OE-2021 não será muito diferente. A gestão da pandemia e a aprovação do OE, bem como toda a governação dos últimos tempos, irão ter um efeito de desgaste enorme quer no PS quer no PSD. Ao mesmo tempo que a burguesia tenta a reestruturação da sua economia assente no extorquir acelerado e extremo da mais valia produzida pelos operários, irá mais dia menos dia reorganizar o seu quadro partidário, e os partidos que surgiram no pós-25 de Abril estão a dar as últimas, em termos internos, e, a nível internacional, a UE é um cadáver adiado e o sol do capitalismo mundial está a virar para leste. Encontramo-nos em fim de ciclo. E daqui para a frente tudo estará em aberto, incluindo no campo do proletariado e da revolução comunista.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

A Economia em estado comatoso, o fascismo brando e o PS em fim de linha

 

João Abel Manta 

O alarme, o medo, o estado de emergência, com a mentira e a manipulação
pelo meio, têm sido a estratégia do governo PS/Costa neste segundo mandato para impôr uma segunda vaga de austeridade, agora em dose maciça. Para atingir o objectivo há que amedrontar o povo e os trabalhadores e atirar com a responsabilidade para uma falsa pandemia, por sua vez, amplificada por uma imprensa subserviente, paga por muitos milhões de euros através de contratos de publicidade institucional e que agora, em final de Novembro, serão renovados, para continuar a propagar a mentira e induzir o medo. A declaração de estado de emergência, com o apoio servil da Assembleia da República, cada vez mais secundarizada para o papel de caixa de ressonância do executivo, e sob o alto patrocínio do PR Marcelo, que em segundo mandato irá mostrar os dentes, tal como o faz presentemente o Costa, e a explicitação em reunião extraordinária de ministros das medidas concretas que enformam a situação de suspensão de algumas liberdade e direitos dos cidadãos foram antecedidas, acompanhadas e seguidas por números manipulados e até falsos com um único fito de lançar o pânico e levar à aceitação de uma inevitabilidade, como se a vida de cada português estivesse em causa com uma virose que não mata mais do que qualquer outra patologia de causa infecto-contagiosa já existente em Portugal.

Os números apresentados são para isso mesmo, para aterrorizar, os títulos da imprensa o dizem: “Nunca em Portugal se registaram tantos casos em 24 horas: mais 5.550 infetados, a maioria no Norte (3.006)“ (DN, 06), “Pico de 6500 casos por dia de covid-19 esperado para o fim de Novembro” (JN, 07), “COVID-19: Portugal com novo recorde de óbitos. Mais 63 mortes e 4.096 infetados em 24 horas” (DN, 09), “Portugal ultrapassa as 3 mil mortes, com mais 62 nas últimas 24 horas” (DN,11), contudo a imprensa passa ao de leve ou não fala de todo que se em Março se começou a testar 800 pessoas se passou em Novembro (dia 05) a testar mais de 40 mil por dia, o que prova que a letalidade é pequena (1,7%), mas o medo devido ao matraquear constante dos números fica. Números que afinal até serão falsos, como denunciam os 12 investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em estudo publicado que aponta que os dados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) que têm sido fornecidas à comunidade científica, nos últimos meses, sobre os casos de Covid-19, “têm uma qualidade baixa, erros, inconsistências e muita informação em falta”, onde são encontrados “casos de um doente com 134 anos e três homens classificados como 'grávidos', bem como 19 doentes que supostamente teriam tido a doença antes do primeiro caso que se sabe que foi diagnosticado em Portugal”, colocando por terra a fiabilidade de todos os dados. O governo pode mentir uma vez e mais vezes, mas não conseguirá mentir sempre de molde a continuar com a intimidação, os factos são a contraprova da mentira e o povo mais cedo ou mais tarde abrirá os olhos e enviará o PS para o sítio onde já deveria estar, a história do lixo político.

A economia nacional encontra-se em estado comatoso

Por que é que o governo do Costa e do PS se encarniça na mentira e decretou o estado de emergência, não foi para “controlar e reprimir a pandemia” ou “apoiar os profissionais de saúde”, como Costa não se cansa de afirmar? Por uma simples razão, é que a economia nacional se encontra em estado comatoso, se em 2010 eram os bancos que se encontravam à beira da falência, agora são as empresas em geral que vêem os lucros a estagnar, muitas delas estão descapitalizadas e com o mercado a não conseguir consumir o excesso de produção do capitalismo devido à diminuição dos rendimentos dos trabalhadores – uma das contradições do capitalismo. As medidas que irão ser aplicadas daqui para frente, na continuidades das que foram no quadro do primeiro estado de emergência, serão para salvar as grandes empresas, os grandes capitalistas e patrões, não os pequenos e mesmo médios, como diz Costa: “"as medidas... não são alternativas ao layoff, somam-se ao layoff", reforçando que "o layoff continua a existir, quer o geral como a medida de apoio à retoma que substituiu o layoff simplificado", e já foram 1.550 milhões de euros, para além da “bazuca” que já está a caminho, são 750 milhões em subsídios a fundo perdido para as ditas “micro e pequenas empresas” que apresentem uma quebra de facturação de pelo menos 25% nos primeiros nove meses deste ano. Ora, iremos ver muitas empresas a apresentar subfacturação sem necessitar de ajudas e outras já com a corda ao pescoço a falirem inapelavelmente. Costa não acredita que seja possível "impedir a insolvência de todas as empresas" e assim estaria a pensar, já depois do estado de emergência em vigor e com o seu ar de hipócrita crónico, nas medidas mais adequadas, que irão sobretudo para os grandes hoteleiros e cadeias de restauração... um dia destes quem quiser tomar uma refeição pouco mais terá para além de um McDonald's ou de um Burger King e em centros comerciais. O pequeno comércio de rua terá desaparecido por força da prisão domiciliária dos portugueses , e em especial aos fins de semana!

Não será só o pequeno comércio ligado ao turismo, mas serão todas as pequenas e empresas que terão de fechar, no processo pandémica acelerado da concentração do capital, e é entidade insuspeita, agência Moody's, que o revela de forma insofismável: “Portugal é dos países que poderá ter maior destruição económica”. E em função disso, e não só, será um dos países que terá mais dificuldade em sair da crise económica e se alguma vez o conseguir fazer, porque economia dependente e subsidiária dentro da UE, onde faz 70% das suas trocas comerciais. E, mais importante ainda, a dívida pública que irá subir para os 135,1% do PIB, segundo perspectiva da Comissão Europeia, acima dos 134,8% previstos pelo Governo no OE 2021 – uma dívida cada vez mais impagável. E não será apenas Portugal, como todos os países do sul, Grécia e Itália, a que se pode acrescentar Espanha, com a maior quebra do PIB neste momento, devido ao grande número de pequenas empresas e, por essa razão, “de reduzida dimensão, possuem menores alternativas de financiamento e menores horizontes”. Uma perspectiva de uma situação que, segundo o relatório “Perpectivas Mundiais dos Soberanos (estados)”, que se irá estender por 12 a 18 meses. Será ainda mais grave no nosso país porque não há indústria nem o país se poderá reindustrializar no quadro da União Europeia, como a emigração, escape para a mão-de-obra excedentária, se encontra bloqueada na justa medida em que os países mais ricos e industriais, Alemanha e França, ou tradicionais destinos da emigração portuguesa, se encontram igualmente em crise (o Reino Unido já não faz parte da UE) e as suas necessidades de mão-de-obra barata e dócil já foram supridas pela imigração de refugiados.

Daqui para a frente será mais desemprego e mais miséria
sem que o sistema económico consiga dar solução, já que a reorganização e possível recuperação do capitalismo será sempre com menos mão-de-obra e salários mais baixos, a robotização anunciada, tal como a introdução da máquina a vapor nos primórdios do capitalismo, será feita com mais desemprego (espera-se que um robot faça o trabalho de pelo menos três trabalhadores) e miséria para os trabalhadores, agora para todos e não apenas para os operários, daí a proletarização da pequena-burguesia que vai dando terreno para o medrar dos populismos e da extrema-direita. E os números não metem: a diferença do rendimento médio bruto por agregado entre aquele com maior rendimento (IRS) e o com menor rendimento era, em 2011, de 171 vezes, em 2015 de 174 vezes e, em 2018, era já de 182 vezes; no 4º trimestre de 2019 havia 522.300 desempregados, no 3º trimestre de 2020 são já 655.100, sendo o desemprego é a causa mais importante da pobreza no país; antes da pandemia, 47,5% dos desempregados estavam no limiar da pobreza e a maioria dos desempregados não recebe o subsídio de desemprego porque a lei os exclui; no fim do 3º trimestre de 2020, o teletrabalho já abrangia 681.900 trabalhadores, segundo o INE, e a partir da imposição do segundo estado de emergência com a sua obrigatoriedade, irá disparar, o que significa menos rendimentos para os trabalhadores e mais lucros para os patrões. A pandemia traz mais pobreza e miséria enquanto permite aos ricos ficarem cada vez mais ricos.

A pandemia do medo como distracção

A pandemia do medo tem outra finalidade, além do resultado de justificar a miséria, o de distrair os trabalhadores e o povo de assuntos que neste momento são questões de primordial importância para a sobrevivência de quem trabalha e produz, como é a discussão e aprovação do Orçamento de Estado para 2021. Em artigo anterior já denunciáramos o facto da disputa entre as diversas cliques da classe dominante e outras clientelas dependentes dos dinheiros públicos era o pote não ser suficiente, para mais em tempo de vacas magras, e não é que, sem surpresa para nós, que o incontornável advogado dos negócios e ministro da Economia veio desabafar para a opinião pública que “Ninguém está satisfeito; à mesa do Orçamento, todos acham que é insuficiente aquilo que lhes toca". O homem, para além de verberar que “todos acham que é insuficiente aquilo que lhes toca”, deixa claro que “o Governo tem de gerir aquilo que tem” e será neste cuidado que o governo e o ministro não deixarão de dar às grandes empresas, onde se inclui a banca, o maior quinhão, abrangendo todos aqueles que à mama da pandemia vão enchendo os bolsos: 496 milhões de euros para testes, equipamentos e outros serviços.

Perante a pressão dos lóbis, foi dado como garantido pela ministra da Saúde, e já orçamentado, mais 35 milhões de euros para os hospitais privados pela ocupação de umas, por enquanto, largas centenas de camas para doentes não só covid-19, como para de outras patologias, tendo ordenado o fecho, alegando caso de necessidade, dos serviços do SNS no atendimento dos casos não covid-19, o que irá engrossar as listas já de si enormes para cirurgias, consultas, exames complementares de diagnóstico e outros cuidados de saúde, incluindo os de enfermagem. Não deixa de ser curioso assistir ao perorar de um Marques Mendes, o conhecido recadeiro de Marcelo, na televisão do sócio nº1 do PSD, contra as dificuldade do SNS, já que o homenzinho é responsável máximo de um dos mais importantes grupos económicos privados da saúde, a Lenitudes! No entanto, os cuidados prestados no privado não serão de qualidade e haverá sempre o risco de o sector também estourar como o público, porque a maior parte dos enfermeiros e médicos que ali trabalham ser constituída por funcionários públicos que acumulam os dois lados. É todo o SNS que está a ser degradado e sem haver uma resposta de qualidade e à altura por parte do sector privado ou social, estando aí outros casos a comprová-lo: "desde 29 de outubro foram detetados 64 casos de legionella no norte do país", com 6 mortes, não se conhecendo exactamente qual a fonte do contágio. Outros casos surgirão, o concentrar de meios no pretenso combate à pandemia irá fazer com que outras patologias atinjam números que não existiam até agora, estando aí o número de mortes a mais para o atestar.

A pandemia como meio para endurecer as medidas de controlo e de repressão dos trabalhadores

A pandemia é, a par do espantalho do terrorismo, um bom pretexto para endurecer as medidas de controlo e de repressão dos trabalhadores e do cidadão em geral, é com o recolher obrigatório, ainda circunscrito a 121 concelhos em Portugal, mas que facilmente se prevê que será estendido a todo o território continental, visto que o número de infectados aumentará em proporção ao número de testes diários e de mortes, que poderão atingir as 100 por dia, e não será preciso ser matemático para ver isto, já que não se está a proteger os grupos mais vulneráveis, idosos e doentes crónicos que agora vêm as portas do SNS a fechar, e se testa inclusivamente os mortos suspeitos de terem tido contacto com alguém com teste positivo apesar de não sintomático, chegando-se ao cúmulo de se considerar “paciente assintomático” as pessoas saudáveis.

Mais liberdades, direitos e garantias reprimidas pelo governo a nível interno e mais limitação de entrada de imigrantes é a política que vai prevalecer em todos os estados da UE, e as medidas estão aí a começar por alguns países: o presidente francês Macron anunciou reforço de patrulhas fronteiriças e quer reforma de Schengen e o chefe da diplomacia italiana, Luigi Di Maio, propôs um `Patriot Act` europeu, semelhante à lei antiterrorista nos EUA. Qualquer indivíduo pode ser detido por tempo indeterminado desde que acusado de “terrorismo”, sabendo nós que estes grupos de mercenários foram criados pelos países do Ocidente para fazerem o trabalho sujo das suas forças armadas, como ficou bem provado na Síria. Como se acaba com a democracia, sob pretexto de se querer defender a vida dos cidadãos a nível da saúde e da segurança física! Costa já o afirmou, o estado de emergência poderá ir até ao fim da pandemia, e a Ordem dos Médicos concorda com o estado de emergência. Os portugueses ficarão em prisão domiciliária até quando calhar!

A par da repressão pelo cacete, a repressão sobre aqueles que pensam diferente, independentemente de ser por boas ou más razões, há muito, ainda antes da pandemia, se faz sentir: são os facebook ou twitter que fazem censura sobre as opiniões politicamente incorrectas, estejam mais à esquerda ou mais à direita, ou os artigos de opinião pagos a milhares de euros para descredibilizar quem contesta os dados e o discurso apresentados pelo governo, taxando de nagacionistas e de ignorantes e de outros impropérios mais violentos os que desalinham, ou são as televisões do império que cortam a palavra ao candidato que se pretende derrotado. O dito quarto poder cada vez com mais força para controlar a mente e o comportamento dos cidadãos. São as televisões que anunciam oficialmente o candidato vitorioso, ainda antes da instituição do estado que tem essa missão, são as televisões que vendem um candidato Marcelo que ganha sem precisar de fazer campanha no tempo próprio, são as televisões que lançam o impedimento de presidentes democraticamente eleitos quando deixam de ser convenientes para o sistema, são as televisões que amplificam os números deturpados da DGS, são as televisões de difundam o medo e criam o alarmismo, são as televisões que promovem a bufaria, sendo frequente ver pessoas na rua a olhar desconfiadas para outras que não usam a máscara, ou a telefonar para a polícia porque há um grupo de jovens em alegre farra em casa ou em bar já fora de horas. As televisões, nas mãos de grandes grupos económicos financiados com dinheiros públicos ou públicas dirigidas por ex-deputados e dirigentes do partido da oposição são os olhos do Big Brother. Em Dezembro irão receber outros 15 milhões de euros.

A democracia parlamentar burguesa está suspensa e dará lugar ao fascismo brando

É toda uma política económica de impôr a austeridade sobre os trabalhadores, uma política de repressão e de silenciamento, atentatória dos mais elementares direitos individuais, sobre o povo em geral, políticas impostas por um governo, cingindo-nos agora ao nosso país, por um governo que se diz de esquerda e que fará com que o próximo governo seja um governo aberta e formalmente de direita, aproveitando demagogicamente de uma política que facilmente terá sido identificada de “esquerda”, na medida em que foi aplicada por um governo também dito de “esquerda” e apoiado por toda a esquerda bem comportada do regime, pese toda a desculpabilização pela pandemia. Ninguém se admire que este governo PS/Costa não chegue ao fim de mandato por diversas razões, porque a mentira não dura sempre e Costa será escorraçado pela falsidade e pelo agravamento inaudito das condições de vida do povo português e porque Marcelo já em segundo mandato fará a este governo bem pior que o seu antecessor fez ao governo Sócrates/PS e não descansará de pôr na governação o seu partido e mais uns acrescentos. A democracia parlamentar burguesa está suspensa, dará lugar ao fascismo brando, porque o capitalismo se encontra falido.

Os resultados das eleições para a Assembleia Regional dos Açores marcam o princípio do fim de linha do PS,
porque já deixaram indício do que poderá acontecer no Continente, quando a miséria aqui igualar a miséria no arquipélago, esta agora ainda a vários pontos acima no que concerne a privação material severa, beneficiários do RSI e taxa de desemprego, será uma geringonça de direita, com o ainda principal partido da burguesia nacional a aliar-se com a extrema-direita; extrema-direita essa que apenas teve o trabalho de se mostrar porque sempre esteve lá dentro, desde que o PPD foi fundado. E ninguém se admire com a participação do partido de extrema-direita no governo, que irá sendo entretanto normalizado, quer pelo PR Marcelo quer por toda a imprensa de referência, com o seu dirigente-comentador-desportivo-televisivo a sobraçar alguma pasta mais importante, género Administração Interna ou Defesa. Se isto vier a acontecer, a exemplo do que está a suceder por essa Europa fora, devemos agradecer a um PS, com a sua política de direita a destruir a sua base de apoio, e aos partidos de dita “esquerda”, BE, ansioso em ir para o governo, e PCP, com as suas oportunistas abstenções e votos contras a pensar no próximo acto eleitoral, aplanaram o caminho para o fascismo - como já aconteceu no passado. De nada valerão as lágrimas de crocodilo dos falsos democratas nem os abaixo-assinados-cordões-sanitários... porque é da sobrevivência do capitalismo, e da burguesia, que se trata.

À medida que os campos se extremam, a luta de classes se intensifica, a revolução comunista surge como iminente e necessária.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

A pandemia combatida por dois cabos de esquadra

 

Nápoles, 1960 - Henri Cartier-Bresson

O homem não pára, lembrou-se da aplicação informática para controlar o cidadão, como a coisa falhou, para já, veio com o uso obrigatório da máscara no espaço público por um período de 70 dias revogáveis, a primeira das suas cinco medidas para prevenir a propagação do coronavírus, apesar de se comprovar que a medida por si só é inútil como se mostra pelo aumento incessante do número de infectados na Itália após quase um mês de ter sido imposta a sua obrigatoriedade; a seguir entendeu, e a pedido de vários autarcas locais, outros tantos caciques encartados, alargar o confinamento, que já existia em 3 concelhos do norte do país, a mais 118, abrangendo uma população de cerca de 7,1 milhões de pessoas, depois de ter imposto limitação de circulação de pessoas entre concelhos no período de 30 de Outubro a 3 de Novembro, sempre com a mesma alegação de impedir o alastramento da pandemia, que ameaça poder ir aos 7 ou 8 mil infectados por dia. Agora, para responder aos que criticam que estas medidas do governo são anti-constitucionais e atentatórias das liberdades, direitos e garantias do cidadão, foi conversar com o PR Marcelo para ser declarado o estado de emergência, no seu dizer, “um estado de emergência com natureza preventiva”. Em conversa de família (a entrevista dada na RTP foi mais um monólogo e uma entrevista feita pelo próprio ao jornalista, lembrando o seu saudoso padrinho), Marcelo corroborou que será um estado de emergência para “medidas não muito extensas”, porque a sociedade se encontra “fatigada da pandemia”. Rui Rio concorda com o novo estado de emergência, lamentando que "não possa ser como foi em Março", numa perspectiva de revisão da Constituição, com maioria de dois terços dos votos, porque ter de “ouvir” (como referem os jornais, o Parlamento já não decide) sempre a Assembleia da República para o estado de emergência ser decretado e depois renovado de 15 em 15 dias, é uma grandessíssima chatice!

Em conferência de imprensa, realizada no Palácio da Ajuda, para explicar as medidas restritivas a vigorar a partir de 4 de Novembro, abrangendo quase três quartos da população portuguesa, e que poderão ser rapidamente alargadas a toda a população caso o número de infectados dispare, saliente-se que é número de infectados e não de doentes embora se continue a falar de covid-19 (doença), bastando para isso aumentar o número de testes diários, ouviu-se a provocação de que “se os portugueses estão cansados, imaginem os profissionais de saúde!”. Ficamos a saber que estes profissionais estão cansados porque os portugueses gostam de se infectar e recorrer aos hospitais, inundando enfermarias e unidades de cuidados intensivos. Ficamos também esclarecidos que a maior parte dos contágios acontece não nos transportes públicos apinhados, nas fábricas e empresas sem condições mínimas de trabalho, mas no seio das famílias, daí se pensar em confinamento mais apertado na primeira quinzena de Dezembro para se tentar “salvar o Natal”. Ou como se quer virar trabalhadores da saúde contra o povo, desviando-os do alvo verdadeiro que é o governo e destruir-se a própria família, levando ao isolamento do cidadão para o melhor amedrontar e submeter aos ditames e medidas económicas de austeridade a dobrar. Ao invés do propagandeado, o dever cívico dos portugueses é ajudar os profissionais de saúde a lutar por melhores condições de trabalho, salários dignos e carreiras profissionais que permitam maior desenvolvimento profissional e pessoal. A fadiga de que esta gente fala é a fadiga não da pandemia, mas das medidas desajustadas, que o governo em colaboração com o PR e o ámen do Parlamento tem posto em prática, que poderão levar o povo à revolta.

Antes das provocações do cabo de esquadra que lidera o governo lançadas sobre o povo português e os trabalhadores da saúde, já outro cabo de esquadra, especialista do cacete, e nomeado pelo primeiro para função específica de pôr os portugueses recalcitrantes na devida ordem, já avisara: "(os portugueses) vão ter que cumprir as regras quer queiram quer não". O cabo de esquadra com farda não esteve com modas, esclarecendo que "vivemos uma situação excepcional e em situações excepcionais não se resolvem [as coisas] fazendo como se fazia em situações normais, exigem-se situações excepcionais", ou seja, o cacete está pronto a ser usado, à boa maneira fascista, não importando que as medidas decretadas pelo governo até agora são frontalmente anti-constitucionais, coisa que não interessa de todo ao cabo de esquadra fardado às ordens de outro cabo de esquadra sem farda, sem vergonha e sem escrúpulos. E, para que ninguém ficasse com dúvidas, acabou de esclarecer, em conferência de imprensa como de político se tratasse: "a acção repressiva acontece quando as pessoas não querem nem se deixam sensibilizar... mas há cidadãos que não se deixam ensinar e sensibilizar". Ficamos, com certeza, bem elucidados, as pandemias combatem-se não com planos sanitários, mas com medidas repressivas, para enquanto policiais, mas não demorará muito que a tropa, à semelhança do que acaba de fazer o presidente francês Macron, será colocada na rua. É mais do que evidente que o real e verdadeiro alvo destas medidas não é o combate à covid-19 mas o combate aos trabalhadores e ao povo português - a luta de classes sem disfarces.

A política levada a cabo pelo governo não é exactamente para combater a pandemia da doença covid-19, e esta não é nenhuma teoria da conspiração porque se baseia em factos indesmentíveis e por isso ocultados pela imprensa paga com 15 milhões de euros, mas para permitir uma maior acumulação de capital, o que vai inevitavelmente conduzir à destruição das pequenas formas de economia, sempre com o fim último de maiores lucros para as grandes empresas capitalistas. Não é por acaso que o governo português quis proibir os mercados e feiras ao ar livre ao mesmo tempo que deixava abertos as grandes superfícies de retalho, e foi por pressão popular e do populismo do PR em tempo de campanha eleitoral que fez marcha atrás, ou o governo francês ter proibido a abertura das pequenas livrarias enquanto deixava abertas as grandes loja do sector, como por exemplo a FNAC. Há que facilitar a acumulação dos lucros, sempre a favor do grande capital, e para mais em tempo de crise profunda e prolongada do capitalismo e de reorganização do mesmo. Pelo lado da saúde dos portugueses, esta vem sempre em último lugar, porque se houvesse tão grande preocupação então não se teria deixado degradar e de forma deliberada o SNS. Neste Verão, houve tempo não só para contratar mais pessoal com vínculo efectivo como se tinha aumentado o número de camas, coisa fácil de se fazer visto que nos hospitais centrais há muitas camas vazias e serviços ao abandono, assim como hospitais fechados ou a funcionar a meio gás. Só em Coimbra haverá perto de 500 camas vagas, com pavilhões inteiros fechados no Bloco de Celas e Hospital de Sobral Cid, e enfermarias subaproveitas no Bloco Central, no Hospital dos Covões e Maternidade Bissaya Barreto, isto só no CHUC, ou o Hospital Militar semidesactivado e as antigas instalações do Hospital Pediátrico, ainda com material, tudo ao abandono e à espera da especulação imobiliária, tão da especialidade da câmara socialista e do autarca que mais tem promovido a corrupção e o caos urbanístico em Coimbra.

Se o governo se interessasse minimamente pela saúde do povo português não teria deixado morrer mais 7.525 pessoas por outras patologias que o SNS não tratou por estar centrado quase exclusivamente na covid-19 e não apenas as 2500 falecidas por esta doença, desde 15 de Março até finais de Outubro – uma das piores situações da UE, incluindo países que inicialmente registaram mais mortes no início da pandemia. O governo, embora diga o contrário e é até uma outra medida para justificar o estado de emergência, não pretende requisitar os privados da saúde, mas contratar os seus serviços, para já em termos discretos e graduais, como está a acontecer no norte do país com a ARSN a fazer contratos, cujos contornos são pouco claros e conhecidos, justificando-se com o esgotamento da capacidade de hospitais que em tempo normal sempre estiveram no limite. Para se perguntar, mais uma vez, em que hospitais privados trabalham, acumulando com o público, os responsáveis que fizeram os contratos e que comissões que receberam por debaixo da mesa?

Perante a azáfama de medidas limitadoras das liberdades dos cidadãos e da difusão do medo, assistimos a uma situação que não deixa de ser caricata e irónica: enquanto os partidos ditos de “esquerda” com assento parlamentar defendem, de uma maneira ou outra, estas medidas, colaborando activamente com o governo, os partidos de extrema-direita e de defesa clara e intransigente dos interesses do grande capital e da burguesia mais retrógrada nacional, arvoram-se em defensores dos direitos e das liberdades. Não deixa também de ser curioso assistir a uma ICAR, no que concerne à questão da eutanásia, criticar a casa da democracia por ter chumbado a realização do referendo, querendo assim colocar-se, de igual modo como a extrema-direita, no campo da defesa das liberdades e da democracia, enquanto os deputados, e agora com especial incidência para os que se dizem “comunistas”, são contra o franco e livre debate de ideias no seio da sociedade. E mais ainda, quem ousa contestar as medidas autoritárias do governo é estigmatizado e taxado de “negacionista”, defensor das “teorias da conspiração”, ou seja, os tais que não se deixam ensinar pela polícia, como aponta o cabo de esquadra com farda, ou até de fazerem o jogo da extrema-direita ou de serem mesmo “nazis”, quando surgem as manifestações de rua em Espanha, aqui tão perigosamente perto, em França, na Alemanha ou na Itália, onde estão mobilizados sindicatos e uma grande camada das massas operárias contra o governo. É o mundo às avessas. A confusão, a manipulação e a demagogia promovidas pelo governo não escondem a incapacidade e o medo da nossa burguesia e dos cabos de esquadra de serviço, é que o estado de emergência, que irá ser brevemente instaurado, não poderá ser muito severo não porque a economia não aguenta mas... porque o povo se pode impacientar e revoltar-se. O PS, o tradicional bombeiro da contestação social, um dia destes se esgotará, talvez primeiro que o SNS.

A dita pandemia, que até agora levou desta para melhor cerca de 2.500 cidadãos, na sua grande maioria com mais de 80 anos, nada parecido com a pneumónica de há cem anos que levou cerca de 120 mil pessoas numa população de perto de 6 milhões de habitantes, e que incidiu particularmente em crianças com menos de 2 anos e em jovens entre os 20 e 30 anos, não está a ser combatida com um plano sanitário, mas com medidas de tipo militar para confinamento de toda a população. Em vez de se testar os grupos de risco, está-se a testar a população a eito para inflacionar o número de infectados, que na maioria poderão ser falsos positivos, apesar do número de sintomáticos (os verdadeiramente doentes) ser baixo e com bom diagnóstico, fazendo crer que todos são doentes, confundindo intencionalmente infectados assintomáticos (não doentes) como sendo doentes, coisa jamais vista em outras doenças infecto-contagiosas e nomeadamente viroses. Em vez de se proteger os grupos de risco, concretamente os mais idosos, criando o Estado uma rede nacional e pública de lares, acabando com o negócio dos privados e principalmente com os lares ilegais, estabelecendo regras de habitabilidade e de higiene condignas (condições essas que foram agravadas pelo governo de Passos/Portas devido à autorização do aumento da lotação dos lares, o que valeu uma medalha ao Passos pelas Misericórdias agradecidas pelo fomento do negócio, medida que não foi revertida pelo actual governo do PS), obrigando a programas saudáveis no que respeita à alimentação e actividades ocupacionais e, aqui está o busílis, com rácios adequados de pessoal auxiliar devidamente formado, de enfermeiros a tempo inteiro e de médicos. Para além, como já referido, de robustecer o SNS, com mais pessoal, mais equipamento, mais serviços e reactivação das mais de 3 mil camas que foram encerradas nos últimos 12 anos. Ora, até agora nada disto foi feito, bem pelo contrário, entregou-se a gestão da crise pandémica a dois cabos de esquadra, um com farda, o outro (ainda) desfardado.

A norma daqui para à frente será o estado de emergência, por enquanto “suave” mas que rapidamente se eternizará e se tornará mais violento, será a nova normalidade: em Espanha vigorará até Maio de 2021, em França nos últimos anos tem sido mais o tempo com estado de excepção do que sem ele, vindo da presidência Sarkozy. Em função da grave crise económica sem remissão à vista, mas justificada pela crise pandémica da covid-19, o estado de excepção significa a degenerescência irreversível da democracia burguesa, que já não tem retorno, e cujo resultado será a guerra, ou entre facções das elites que se digladiam ou a revolução comunista, que poderá ser a forma de conjurar a guerra contrarrevolucionária ou uma consequência, nesta hipótese será sempre com maiores custos e sacrifícios para as massas proletárias e populares. Como refere o filósofo Giorgio Agamben, o final será sempre a guerra.