sábado, 20 de fevereiro de 2021

Democracia portuguesa e o seu passado fascista

 

Vivian Maier, 1954

Costuma-se dizer que a diferença entre a democracia portuguesa e a espanhola é a de que a nossa foi imposta de fora para dentro, foram os militares de baixa patente descontentes com a guerra colonial e com a carreira que se revoltaram, dando eco ao descontentamento crescente de sectores amplos do povo português, que se vinha manifestando em greves e manifestações de rua que o regime e a imprensa tentavam silenciar; enquanto a democracia espanhola foi criada a partir de dentro do franquismo que, após a morte do caudilho e para responder às reivindicações de sector mais democrático e inteligente da burguesia, teve que ceder à abertura, dando origem a uma monarquia que simbolizaria o consenso entre as diversas facções da classe dominante. Diferença que justificava o facto de, em Portugal, por exemplo, a PIDE ter sido desmantelada, oficiais superiores das forças armadas terem sido saneados e as altas figuras do regime expatriadas, e, contrariamente, em Espanha, onde o poder repressivo, polícia secreta e Audiencia Nacional (correspondente ao nosso Tribunal Plenário), tenha ficado praticamente incólume. Só que as diferenças não são assim tantas, e são-no mais na aparência.

Se, em Portugal, o fascismo caiu, os fascista ficaram – não foi por acaso que nem pides nem fascistas-mor foram julgados e condenados e o caso do julgamento dos assassinos de Humberto Delgado não passou de uma triste farsa – e os seus valores foram rapidamente recuperados, especialmente nos governos de Cavaco/PSD e em todos os da coligação PSD/CDS, principalmente no último Coelho/Portas; e, nos restantes de marca PS, a recuperação não cessou em termos de reforço dos aparelhos policiais e judiciais, em suma, no que respeita à repressão e controlo social, como agora se bem constata nos estados de emergência e de confinamento de grande parte da população, uma verdadeira prisão domiciliária que nem no Idade Média se verificou, porque então só se imponha a quarentena às pessoas infectadas e não à sociedade em geral. Na mesma linha se tem vindo a recuperar a ideia da guerra de “defesa do Ultramar” e da “defesa da Pátria”, com a construção de monumentos e memoriais e cerimónias afins, e que culminou há pouco dias com a presença dos altos dignitários da Nação, incluindo o PR Marcelo (que fugiu à tropa), no funeral do maior criminoso da guerra colonial, tendo até merecido uma mensagem do “socialista” ministro da Defesa, idiota útil de serviço, Cravinho, no sentido de enaltecimento das qualidades do “militar mais condecorado de sempre do Exército”.

Foi-nos relembrado que “o militar mais condecorado de sempre” foi colocado nessa situação pelo regime do Estado Novo (forma simpática de nomear o fascismo nacional) e as grandes façanhas em combate foram nomeadamente matar muitos, não só militares do outro lado, mas essencialmente civis, mulheres e crianças, inocentes com requintes de malvadez e crueldade; “feitos heróicos” dos quais não se cansava de gabar, passados todos estes anos, mostrando assim que os assassínios que cometeu lhe deram prazer: matar e ver matar era o seu ofício. Foi um salazarista, que lutou por Portugal colonial e retrógrado, embora tenha nascido negro e na Guiné, um emblema que os fascistas gostavam de ostentar no exterior, que jamais regressou à sua terra de origem e que pôde refugiar-se em Portugal após a “amnistia” de fascistas e de capitalistas foragidos pelo PS/Mário Soares. Ainda foi promovido, reformado e fez uns biscates como chefe de segurança na antiga Universidade Moderna, podendo morrer em inteira segurança graças à nossa excelsa democracia e aos nossos democratas da merda. Em país civilizado e verdadeiramente democrático, este criminoso de guerra teria sido julgado como criminoso de guerra e genocida que realmente foi, mas não, teve honras de estado, com direito à bandeira nacional (por sinal, a mesma da guerra colonial) no caixão, como qualquer militar das SS ou valoroso soldado nazi. Esta homenagem diz mais da nossa putrefacta democracia do que do defunto.

Uma cerimónia própria de fascista, ocorrida em pleno governo PS, diz sempre qualquer coisa sobre o regime e sobre o governo que a levou a cabo. Não é um acto para acalmar ou controlar as hostes fascistas, mas revelador da verdadeira natureza do regime e da classe que detém o poder económico e político no país. Mais, a natureza e as ambições coloniais mantêm-se e até se reforçam em tempos de crise económica. O governo português continua a enviar tropas, agora mercenárias já que a conscrição foi extinta e por também mais confiáveis, mantendo-as em África com a justificação de “ajuda humanitária” no quadro da UE, no entanto com a curiosidade de ser em países onde as empresas europeias têm interesses devido às riquezas naturais. Há pouco, o governo decidiu enviar 60 “instrutores militares” para a antiga colónia de Moçambique para “ajudar” no combate à guerrilha islamista, em zona onde existem grandes reservas de gás natural a ser exploradas por empresas, curiosamente, da União Europeia. Aos tiques fascistas do PS juntam-se os tiques colonialistas, agora em versão neo e de “solidariedade europeia”.

As pulsões agressivas não se fazem sentir apenas a nível externo, são mais dirigidos contra o povo português e a pretextos diversos. A pandemia e as aparentes preocupações pela bio-segurança, são a justificação mais conveniente para aumentar o poder das polícias, reforçar as leis e todos os meios julgados mais adequados para o controlo social e a repressão sobre os trabalhadores. Não é coisa de estranhar sabendo-se do papel histórico dos partidos ditos “socialistas” e sociais-democratas na afinação do aparelho de estado repressivo burguês e na preparação do caminho para o aparecimento do fascismo logo que a burguesia, temerosa perante a crise sem fim à vista, entenda como necessário. E as medidas e os factos são mais do que alguns: “Nova lei de videovigilância prevê uso de "bodycams" pelos polícias”, “Forças de segurança vão ter subsídio de risco até Junho”, “Estado de emergência: Mais de 13 mil contraordenações levantadas desde Janeiro, mais que em todo o ano de 2020”, “PSP abre inquérito por dúvidas no uso da força em ação policial no Barreiro - A intervenção policial registou-se devido a um ajuntamento de pessoas a consumir bebidas alcoólicas na via pública”, “Crimes, Figueira da Foz: PSP deteve homem sem máscara”, “PSP multa surfista resgatado na praia em Cascais”, “GNR encerrou restaurante em Ílhavo com cinco pessoas no interior”, “Brigadas covid da PSP: 810 pessoas multadas em 48 horas, 92 por não terem máscara”. É notícia no jornal que mais promove a extrema-direita (DN): “Brunei já pune homossexualidade e adultério com apedrejamento e mutilação”, parece que será medida civilizacional a ser copiada por Portugal! O reforço das medidas e agentes repressivos, a pretexto do “combate à pandemia”, são declaradamente o retorno da democracia parlamentar burguesa ao fascismo que ela própria transporta no ventre e acarinha.

O fascismo que a democracia burguesa encerra em si (para os historiadores oficiais do regime, trotskistas género Raquel Varela, não há democracia burguesa, mas só “democracia”, as classes milagrosamente são extintas e a luta de classes um mero incidente) tem-se revelado em Portugal de diversas e frequentes maneiras. Não se estranha que um Chaga/Ventas se tenha queixado à PGR do activista Mamadou Ba por ter exactamente denunciado o seu conterrâneo de “assassino” e “sanguinário” e ter criticado a apresentação pelo CDS-PP de um voto de pesar; ou este partido, alfobre dos fascistas herdados do 24 de Abril, ter exigido a "saída imediata" do dirigente do SOS Racismo do Grupo de Trabalho para a Prevenção e o Combate ao Racismo e à Discriminação (um dos muitos grupos criados pelo governo para coisíssima nenhuma), por se ter referido ao “criminoso de guerra” em “termos inaceitáveis”; ou o aparecimento de uma petição pública a exigir a deportação de ativista Mamadou Ba para a terra dele. O chefete do CDS é bem claro em relação ao preto a ser expulso: “ofende portugueses, insulta a nossa história, denigre a nossa cultura e agora desrespeita os símbolos e as figuras nacionais, como o caso do tenente-coronel Marcelino da Mata...”. Ficamos assim bem elucidados quanto à natureza dos “símbolos e figuras nacionais”, onde se inclui um criminoso de guerra, e desse modo desta democracia que, no entender dos historiadores oficiais do regime, não é burguesa, mas simplesmente “democracia”. Ou como se esbate a diferença entre fascismo e democracia. Ou as duas faces de um mesmo sistema económico que é o capitalismo.

O governo PS/Costa vai promovendo a bufaria, por iniciativa própria ou por intermediários, seja o comando da PSP ou avençados na comunicação social e por esta própria que, é bom não esquecer, recebeu 15 milhões de euros para defender e reproduzir o discurso e a política governamentais. São médicos que, a troco de auto-promoção para terem o consultório cheio ou para aceder a tachos na administração pública, se esforçam não só para denunciar aqueles que não seguem o pensamento único oficial como apelam à perseguição e repressão dos heréticos. Os casos de cidadãos corajosos, como o do cidadão de Vila do Conde que resistiu à arbitrariedade e ilegalidade da PSP, são estigmatizados e diabolizados, bem como os médicos que foram ameaçados de suspensão pela Ordem, cujo bastonários todos os dias se coloca em bicos de pés no protagonismo pessoal e no ataque ao SNS, querendo esconder que ele, ao acumular o público com o privado (trabalha no Hospital de S. João e no Hospital da Lapa) é corresponsável pela degradação e já destruição do SNS; ele, como todos os trabalhadores do SNS que acumulam funções no privado, são os responsáveis directos pelas longas listas de espera para consultas e cirurgias, porque não fazem no público para irem enriquecer no privado, através de um claro tráfico de doentes. O aumento da exploração dos trabalhadores e do povo em geral, para estar garantida, terá de ser sempre acompanhado pelo reforço da intimidação e da repressão; por vezes a primeira antecede a segunda ou vêm em simultâneo.

A PSP parece, pelo menos para já, como a principal força de repressão do regime democrático burguês (devemos também recordar que foi a PSP a primeira a matar no regime fascista, ultrapassando muitas vezes a própria PIDE), é na perseguição dos que furam as regras do confinamento, sendo este, e ao contrário do que defende o governo, um factor que promove o contágio, actuando na impunidade: “Polícias de Alfragide ainda em funções. Director da PSP diz que ainda não recebeu acórdão de há dois meses”, ou “PSP suspende Manuel Morais por chamar “aberração” a Ventura. Agente disposto a ir a tribunal”, ou “Presidente do maior sindicato da polícia: Não vejo infiltrações, nem de extrema direita nem de esquerda na PSP". Mas como é muito provável que algum dia a PSP não consiga dar conta do recado e seja necessário pôr a tropa na rua, como aconteceu na Primeira República, então, haverá de dar mais poder à tropa: “O objetivo é dar mais poderes ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, que passa a ter autoridade sobre os três ramos: a Marinha, o Exército e a Força Aérea. O ministro da Defesa adianta que a iniciativa para alterar a lei vai dar entrada no Parlamento, nas próximas semanas.” Ficamos também entendidos neste ponto, mas não sendo suficiente, o governo joga numa maior subserviência em relação ao patrão imperialista, no caso americano, há que diversificar: “Em entrevista à Agência Lusa, João Gomes Cravinho também se mostra expectante em relação ao papel da Administração Biden na NATO, com a possibilidade de um reforço do papel da Aliança Atlântica, depois da saída de Donald Trump.”

Marcelo, o afilhado do outro, e que ficará para a História como o último PR da democracia parlamentar burguesa nacional, deve ter tido o décimo primeiro orgasmo depois que foi declarado o estado pandémico. No prazer teve a companhia de todos os partidos, com excepção do PCP que, atemorizado com as derrotas eleitorais, tenta fazer pela sobrevivência. Todos os partidos com representação parlamentar, apesar das cambalhotas para não serem identificados com o governo nas medidas mais repressivas ou impopulares contra os trabalhadores, não deixarão de ser colaboradores e cúmplices pelo fim desta democracia já em adiantado estado de putrefacção.


Nota: Depois de escrita esta crónica,  foi aprovado o voto de pesar na Assembleia da República, contando com os votos a favor do PS (maioria dos deputados), PSD, CDS-PP, Chega e IL , abstenções da deputada não-inscrita Cristina Rodrigues e de sete deputados do PS (Porfírio Silva, Miguel Matos, Maria Begonha, Cláudia Santos, Joana Sá Pereira, Tiago Barbosa Ribeiro e Bruno Aragão) e votaram contra o BE, PCP, Verdes, PAN, a deputada não-inscrita Joacine Katar Moreira e três deputados do PS (Ascenso Simões, Paulo Pisco e Eduardo Barroco de Melo).

sábado, 6 de fevereiro de 2021

A “democracia com falhas”, o governo de “salvação nacional” e o apelo aos militares

 

As nossas elites e os seus representantes e defensores políticos têm ultimamente falado muito da necessidade de um governo de “salvação nacional” ou de “unidade nacional”, desde os prosélitos do recém-reeleito Marcelo, que o erguem a “pai da nossa democracia” e se atemorizam com o nosso “sistema partidário desequilibrado e em desagregação”, com a agravante de “ser impossível prever como sobreviverá”, aos mais desbocados, como o conhecido e ainda não esquecido ex-soba da Madeira que, como é habitual, não esteve como meias palavras, reafirmando “a absoluta necessidade de um governo da salvação nacional”, mas com a ressalva de “com os partidos democráticos, dado a situação económica-social de Portugal piorar de dia para dia”, reconhecendo também que essa situação era existente (“ter caído para a cauda da Europa”) ainda antes do surgimento da epidemia da covid-19. E é mesmo a situação de crise económica endémica e arrastada da economia nacional que atemoriza e faz correr esta gente.

Recentemente saltou para as primeiras páginas dos noticiários dos media corporativos a notícia de que o “PIB afunda-se 7,6% em 2020 penalizado por consumo e turismo”, contrastando aparentemente com o ano anterior em que houve um crescimento do PIB de 2,2. E “aparentemente” porque este crescimento deveu-se à procura externa do turismo, não a um aumento de riqueza produzida pela indústria e que a todo o momento iria desaparecer. Como aconteceu logo a partir do terceiro mês de 2020, não exactamente devido à dita “pandemia”, mas pelas medidas impostas através dos estados de emergência e do confinamento com o pretexto da “defesa da vida dos cidadãos”, mas com o verdadeiro e oculto objectivo de recapitalizar a economia (as grandes empresas e não apenas os bancos como em 2010) em pré-falência e justificar essa política de molde a que o povo a aceitasse e não viesse para a rua manifestar o seu descontentamento e revolta.

Os números da estagnação e do já retrocesso da economia capitalista nacional são sobejamente conhecidos, o economista Eugénio Rosa já os tinha publicado e dos quais aqui já tínhamos feito referência. É o PIB que encolheu, e que vai continuar com o presente estado de emergência e confinamento, mantendo-se a justificação de se combater a progressão da epidemia (progressão essa dependente dos PCRs positivos que irão diminuir logo que se comece fazer menos testes, actualmente a média diária é de 52 mil, enquanto em Março do ano passado era de 800!), apesar da contínua injecção de milhões de euros nos bolsos dos patrões, alegando ironicamente que são para “manter os postos de trabalho”, enquanto não vêm os 13 mil milhões de euros da “bazuca” de Bruxelas; mas poderão ser ainda menos, e que não chegarão para repor a perda dos 15 mil milhões de euros sofridos pela economia em 2020, que é o que responde aos 7,6% do PIB. E ainda ficará por contabilizar o arrombo que irá acontecer este ano, que está a ser iludido como as promessas do dinheiro a rodos que virá da UE e da milagrosa vacina que o governo espera ser o travão à epidemia. Um travão que irá render só à Pfizer americana uns 15 mil milhões de dólares só este ano e em termos globais, imagine-se então qual será o montante das comissões a receber pelos burocratas de Bruxelas, governantes locais, alguns médicos e outros especialistas!

Se o PIB afundou e continua a afundar, então a dívida pública, como também aqui tínhamos repetido os números de Eugénio Rosa, acompanha o desastre do desempenho da economia, tendo derrapado em 2020 em mais de 3 mil milhões de euros. Deve ultrapassar os 136% do PIB, ou seja, 270,4 mil milhões de euros (o governo tinha projectado 266,5 mil milhões), embora na óptica do Tratado de Maastricht seja 198,3 mil milhões de euros. A realidade iniludível é que a dívida pública se torna cada vez mais impagável e com tendência a continuar a crescer; situação que irá agravar-se enquanto nos mantivermos na União Europeia e no euro, visto que Portugal não tem qualquer soberania monetária, e nem económica e política, diga-se de passagem. Estamos condenados a ser espremidos por Bruxelas e pelos bancos internacionais credores que vão enriquecendo comprando dívida portuguesa (“Procura de emissão de dívida a 30 anos ultrapassa 34 mil milhões de euros”, segundo a agência Bloomberg, o valor mais elevado de sempre!) e que por sua vez a vão vender ao Banco Central Europeu, enfiando nos bolsos as vultuosas intermediações. Enquanto os bancos engordam, os portugueses emagrecem, e muito.

Para que a reinicialização da economia nacional se faça, independentemente até das directivas do Fórum de Davos, terá de se fazer sob o domínio de um governo forte, que muita gente, incluindo do círculo íntimo de Marcelo, considera que ainda não deve ser de “salvação nacional”, pelo menos para já, mas de um “governo com músculo” para manter a estabilidade (a sacrossanta estabilidade tão querida ao PR) porque assim exige a “crise pandémica”, querendo-se continuar a ofuscar a crise económica com a crise provocada pela doença covid-19, a fim de justificar os meios e levar a aceitação por parte dos trabalhadores e do povo. Será que o governo PS/Costa tem músculo suficiente para manter o povo no sossego e na ordem quando as falinhas mansas deixarem de resultar? Não parece e há quem dê por terminado a sua frágil vida aí pelo próximo mês de Outubro. O que virá a seguir ninguém sabe e então é bom que a plebe se habitue à entrada em cena dos militares. Primeiro por razões humanitárias e de gestão da logística, daí as múltiplas explicações e loas tecidas às pretensas qualidades dos médicos e outros profissionais de saúde militares alemães, que vêm reforçar as unidades de cuidados intensivos, ao novo gestor da vacinação, marinheiro dos submarinos, e aos militares já no terreno a coordenar a distribuição das vacinas. O combate à covid e agora a vacinação são considerados uma guerra. Uma guerra que na verdade é uma guerra contra o povo, que mais dia menos dia irá levantar-se contra a fome, o desemprego e a falta de liberdade. E nesta guerra os militares terão de estar presentes, mas a reprimir o povo, porque as polícias não serão suficientes. E é bom que os alemães também cá estejam: primeiro foi o euro, agora serão os militares da saúde, depressa virá a Wehrmacht – só faltará o pretexto.

Ao mesmo tempo que os temerosos clamam por um governo de “salvação nacional”, reivindicado até por gente que andou pela extrema-esquerda, basta dar uma volta pelas redes sociais, e a pequena-burguesia poltrona anseia pelo “paizinho”, enquanto que Marcelo vai tendo tantos orgasmos quantos os estados de emergência decretados (10, senão estamos em erro!), vai-se assistindo a claras manifestações de autoritarismo e de arrogância. São as polícias que se passeiam pelas ruas, perseguindo cidadãos e multando quem não cumpre as regras, invadem restaurantes e propriedade privada, impedem os ajustamentos, enquanto alguns dos seus elementos dão o exemplo pela negativa com festas de aniversário; os comandos da PSP suspendem agentes por atitudes anti-fascistas enquanto mantêm ao serviço agentes condenados a pena de prisão efectiva por actos de racismo e de tortura; ou vamos assistindo a julgamento de declaradamente torturadores que se vão escudando na amnésia e, à semelhança da velha PIDE, atribuem a morte do trabalhador imigrante a possível queda ou auto-mutilação, perante a complacência de um ministro e de um governo que, só por isso, já deveriam ter sido demitidos. Razões pelas quais, a velha publicação do capital financeiro europeu, The Economist, considera a democracia portuguesa uma “democracia falhada”.

Portugal regressou à “democracia com falhas” em 2020, tal como a maior parte das restantes democracias burguesas – que já o eram, só que não se notava tanto – da União Europeia. É bem possível que, neste ranking, a Itália esteja na posição número 1, já que será o primeiro país a ter governo de salvação nacional com um ex-banqueiro, de curriculum tenebroso, à frente; e seja também o primeiro a seguir as pisadas da Grã-Bretanha na saída da UE, atendendo à enorme dívida pública, a maior de todas, e à destruição do seu poder produtivo. A lógica é simples, a burguesia tenta ter uma acção proactiva perante as mais que possíveis revoltas dos trabalhadores, considerando para mais as cada vez mais frequentes e fortes manifestações contra as restrições impostas pelos confinamentos celerados que estão a acontecer nos principais países europeus. O governo do ex-funcionário da família Rothschild em França, Macron, não ousou impor um terceiro confinamento pela simples razão de temer a desobediência civil por parte do povo francês. É que se a classe operária e o povo em França se revoltam será um muito mau sinal para a burguesia e para o capitalismo em toda a Europa, atendendo ao heróico historial do proletariado francês. Não nos esqueçamos que em 18 de Março próximo se comemora os 150 anos da Comuna de Paris!