Friederich Engels, 1881
A propósito das recentes palavras da chefe do
BCE (Banco Central Europeu) de "temos de assegurar que as
expectativas de inflação permanecem ancoradas, perante o desenrolar do processo
de convergência em alta dos salários".
"Em
vez do lema conservador: um salário justo para um dia de trabalho justo!, a
classe operária tem que inscrever na sua bandeira a palavra de ordem
revolucionária: Abolição do salariato!".
K. Marx,
1865
Foi esta a palavra de ordem ("um salário justo para uma jornada de trabalho justa") do movimento da classe operária inglesa ao longo dos últimos cinquenta anos. Prestou inicialmente grandes serviços, na época em que os sindicatos retomavam a actividade depois da revogação, em 1824, da infame lei contra o direito de associação (1), depois melhores serviços ainda na época do glorioso movimento cartista (2), quando os operários ingleses marchavam à cabeça da classe operária da Europa.
Contudo, a história avança, e muitas coisas
que eram desejáveis e úteis há 50 anos ou mesmo há 30 anos, agora envelheceram
e passaram completamente de uso. Esta antiga e venerável palavra de ordem está
nessa situação. (3) . Um salário justo para uma jornada de trabalho
justa? Mas o que é um salário justo, e o que é uma jornada de trabalho justa?
Como serão eles determinados pelas leis sobre que vive e se desenvolve a sociedade
moderna? Para responder a esta pergunta, não devemos socorrer-nos da moral, do
direito ou da equidade, nem mesmo dum qualquer sentimento de humanidade, de
justiça, ou até de caridade. Com efeito, o que é equitativo do ponto de vista
da moral, ou mesmo do direito, pode estar longe de o ser do ponto de vista
social. Aquilo que, do ponto de vista social, é ou não justo é determinado por
uma só ciência: a que trata dos factos materiais da produção e da distribuição,
a ciência da economia política.
Ora, que significa um salário justo e uma
jornada de trabalho justa para a economia política? Muito simplesmente a taxa
de salário bem como a duração e intensidade de trabalho de um dia, tal como são
determinados pela concorrência entre empresários e operários no mercado livre. E
a que nível som fixados?
Em circunstâncias normais, um salário justo é
a quantia necessária ao operário para adquirir os meios de subsistência
necessários para o manterem em estado de trabalhar e propagar a sua espécie, em
conformidade com as condições de vida do seu meio e do seu país. Segundo as
flutuações da economia, o salário real está quer acima, quer abaixo dessa
quantia; assim, nas condições justas, esta soma é a média de todas as
oscilações.
Uma jornada de trabalho equitativa corresponde
a uma duração e a uma intensidade da jornada de trabalho que absorve
completamente a força de trabalho – de um dia – do operário sem afectar as suas
faculdades de produzir, no amanhã e nos dias seguintes, a mesma quantidade de
trabalho.
Consequentemente, a transacção pode
descrever-se como se segue: o operário cede ao capitalista toda a sua força de
trabalho, isto é, tudo o que pode dar sem tornar impossível a constante
renovação da transacção; em troca, obtém precisamente a quantidade de meios de subsistência
– e não mais – que lhe são necessárias para recomeçar cada dia o mesmo
trabalho. O operário dá o máximo e o capitalista o mínimo daquilo que a
natureza da transacção admite. Muito singular espécie de equidade esta!
Mas vejamos as coisas ainda um pouco mais de
perto. Como, segundo os economistas, o salário e a jornada de trabalho som
determinados pela concorrência, a equidade parece exigir que as duas partes
desfrutem à partida de condições idênticas. Ora, nada disso se passa. Se não
consegue entender-se com o operário, o capitalista pode permitir-se esperar, já
que pode viver do seu capital. O operário não tem essa possibilidade. Para
viver, tem apenas o seu salário, de modo que é obrigado a aceitar o trabalho
quando, onde e como se lhe apresenta. O ponto de partida já não é equitativo
para o operário. A fome representa para ele uma terrível desvantagem. Contudo
aos olhos da economia política capitalista, isso é o cúmulo da equidade!
Mas isso não é, de maneira nenhuma, essencial.
A introdução dos meios mecânicos e do maquinismo nos ramos de novas indústrias,
bem como a aplicação de máquinas mais aperfeiçoadas aos ramos já submetidos ao
maquinismo, lançam cada vez mais operários para o desemprego, e isto
processa-se a um ritmo bem mais rápido que aquele com que a indústria pode
absorver e reempregar os braços tornados supérfluos. Esta mão-de-obra em
excesso representa um autêntico exército de reserva para o capital. Quando os
negócios são maus, os desempregados podem morrer de fome, mendigar, roubar ou
ir para as prisões que som as Workhouses (casas de trabalho); quando som bons,
constituem um reservatório que os capitalistas utilizam para aumentar a
produção.
E enquanto o último homem, a última mulher e a
última criança não tiver encontrado trabalho – o que só acontece nos momentos
de superprodução desenfreada –, os salários são comprimidos pela concorrência
deste exército de reserva, cuja simples existência assegura ao capital um
acréscimo de poder na sua luta contra o trabalho. Na competição com o capital,
a fome não é somente uma desvantagem para o trabalho, é uma verdadeira grilheta
presa aos seus pés. E é a isto que a economia política burguesa chama equidade!
Vejamos agora com que paga o capital estes
salários tão equitativos. Com capital evidentemente. No entanto, o capital não
cria nenhum valor, já que, além da terra, o trabalho é a única fonte de
riqueza. Com efeito, o capital acumula unicamente o produto do trabalho. Daqui
decorre que os salários do trabalho são pagos com trabalho, sendo o operário
remunerado com o produto do seu próprio trabalho.
Segundo o que habitualmente se chama equidade,
o salário do operário deveria corresponder à totalidade do produto do seu
trabalho, mas segundo a economia política isso não seria equitativo. Com efeito,
o capitalista apropria-se do produto do trabalho do operário, e este não recebe
mais do que lhe é necessário para continuar a subsistir. E o resultado desta
concorrência tão "equitativa" é o produto daqueles que trabalham
acumular-se invariavelmente nas mãos dos que não trabalham e nelas tornar-se a
mais poderosa arma para reforçar a escravatura daqueles que som os únicos e
verdadeiros produtores.
Que resta, portanto, do salário justo para uma
jornada de trabalho justa? Haveria ainda muitas coisas a dizer sobre a jornada
de trabalho justa que é também tão "justa" como o salário quotidiano.
Mas deixaremos isso para outra vez. Mas, desde já, a conclusão é absolutamente
clara para nós: a velha palavra de ordem fez a sua época, e actualmente já não
resulta.
A equidade da economia política, tal como a
determinam as leis gerais que regem a actual sociedade, só é completa para um
dos lados: o do capital. É, portanto, preciso enterrar de uma vez para sempre
essa velha fórmula e substitui-la por esta outra:
A classe operária deve, ela mesma,
apropriar-se dos meios de trabalho, isto é, das matérias-primas, fábricas e
máquinas.
NOTAS:
A legislação contra as organizações dos
trabalhadores proibia a criação e a actividade de toda e qualquer organização
operária. Ela foi abolida por um acto do Parlamento em 1824, mas foi
praticamente restabelecida em 1825 por novas leis sobre as associações. Estas
consideravam como "abuso" e "violência" o recrutamento para
a entrada nos sindicatos e a agitação para a participação numa greve,
comparando-os a um delito criminal.
2- O cartismo foi o primeiro movimento
revolucionário de massas da classe operária na história que eclodiu em
Inglaterra nos anos 30 e 40 do século XIX. Os cartistas realizaram numerosos
comícios e manifestações em todo o país que contaram com a participação de
milhões de operários e demais trabalhadores.
3- Tal como afirmou Marx na sua comunicação
nas sessões de 20 e 27 de Junho de 1865 do Conselho Geral da I Internacional,
"Em vez do lema conservador: um salário justo para um dia de trabalho
justo!, a classe operária tem que inscrever na sua bandeira a palavra de ordem
revolucionária: Abolição do salariato!".
Escrito: 1-2 de
Maio 1881. Sob o título "O Sistema de Trabalho Assalariado" foram ao
longo dos anos editados os 11 artigos de Engels publicados no jornal londrino
The Labour Standard em 1881.
Fonte. marxists.org
Imagem de destaque: A justiça nos salários (Ilustração: Samuel Casal)