terça-feira, 20 de junho de 2023

Na República das Bananas, fogos, assaltos e corrupção

 

Crónica escrita há meia dúzia de anos sobre os fogos de Pedrógão, o assalto ao paiol de Tancos, a corrupção e o mais correlacionado.

Os acontecimentos que ocorreram nos últimos dias mostram bem que vivemos numa espécie de república das bananas que revela, contudo, alguma polidez para se diferenciar das já conhecidas repúblicas da América Latina, já que estamos na União Europeia, um conjunto de países que bailam segundo a música germânica, uma velha Europa dita civilizada, mas que tem sido ela quem tem despoletado as guerras mais sangrentas que têm até agora flagelado o mundo.

Os fogos “inevitáveis”

Foram os incêndios que provocaram 64 mortes e cerca de 250 feridos, que ficarão sempre na memória colectiva, cuja origem ainda está para se apurar, e mais recentemente foi o assalto aos paióis nacionais do polígono militar de Tancos e cujas responsabilidades estão a ser atiradas para cima do PS, como se os restantes partidos do arco da governação, PSD e CDS, estivessem isentos de culpas, e não fosse este sistema económico capitalista, exclusivamente virado para o lucro, e o poder político da burguesia tida como democrática e liberal, em última instância, a causa de tudo o que aconteceu e ainda irá acontecer.

Não deixa de ser curioso que estas calamidades aconteçam no preciso momento em que as coisas relacionadas com a economia e as contas públicas estão a correr tão bem para o governo PS (acolitado por PCP e BE). É a saída do procedimento por défice excessivo, o défice reduziu para número já esquecido, assim como o desemprego (9,3% em Abril), e até o investimento e o PIB dispararam, e o FMI foi reembolsado antecipadamente em 1000 milhões de euros, levando aquela instituição do capitalismo internacional a rever em alta o PIB nacional e a considerar a meta do défice de 1,5% como perfeitamente atingível. E, imagine-se!, até a confiança dos consumidores voltou a crescer em Junho, chegando a valores que já não se viam há pelo menos 20 anos.

O assalto ao paiol de Tancos

Não deixa de ser hilariante ouvir dirigentes da esquerda e, com mais gravidade, de uma esquerda autodenominada de "comunista", considerar o roubo de material de guerra um facto de extrema gravidade para a segurança do país, como se o exército, e as forças armadas em geral, não fossem um exército burguês, reaccionário, constituído actualmente exclusivamente por mercenários, que serve única e exclusivamente para defender a elite que se encontra no poder. Que um reaccionário de extrema-direita, como é Ângelo Correia, até se entende, agora gente que se diz comunista, é obra! E diz bem do papel desempenhado por esta gente no campo de luta de classe em Portugal.

Ao longo da história, quando o país é invadido, as elites e os chefes das forças armadas permanentes, estes pelo menos na sua maioria, ou desertam ou bandeiam-se para o lado do inimigo, sendo depois o povo, com ou sem ajuda estrangeira, a organizar a defesa do país. Foi assim no reinado de D. Fernando, com a invasão do rei de Leão; foi assim depois da morte deste rei, tendo depois a burguesia ascendente sobe a chefia de D. João a lutar pela independência; foi assim em 1580, com a perda da dita; foi assim com as invasões francesas, a corte desertou apavorada para o Brasil, deixando pela rua enormes riquezas que foram saqueados pelo povo.

A corrupção

Um dos papéis do PS quando está no governo é ou completar os mesmos negócios iniciados pelo PSD/CDS quando estes estão no governo e não tiveram tempo, como aconteceu com o contrato SIRESP, ou é iniciar outros negócios de que a direita vai beneficiar mais tarde, e então é ver figurões saltarem do conselho de administração de empresas para pastas ministeriais, facilitando os negócios das ditas com o estado, e depois voltarem para os mesmos conselhos de administração, estando o assalto consumado. Desta feita, foram 500 milhões de euros e o PS mais tarde conseguiu um descontozinho, "poupou" umas migalhas ao erário público – normalmente é esse o seu papel de regularização das negociatas.

Não é espanto para ninguém que o PS venha agora dizer que não houve "mão humana" no desaparecimento da informação dos 10 mil milhões que foram para off-shores, foi mais outra "falha informática", exactamente quando o secretário de estado da tutela era advogado que já trabalhava para os capitalistas com especial tentação para a fuga aos impostos, mostrando-lhes a melhor maneira de enganar o estado, regressando depois ao mesmo ofício quando deixou o governo. PS e PSD são as faces da mesma moeda e é fácil perceber porquê, sem necessidade de grandes explicações, é o bloco central de interesses instituído há mais de 40 anos.

Veio também a saber-se que o governo PS/Costa ilibou o SIRESP de qualquer responsabilidade quanto às falhas no incêndio de Pedrógão Grande (todo o Pinhal Interior), entretanto os acionistas distribuíram entre si 13 milhões de euros de dividendos e irão receber mais uns 200 milhões; se o sistema de comunicações da dita "Protecção Civil" não falhou, esta pela lógica também não terá falhado, e até o presidente Marcelo afirmou sem rebuço que "não era possível fazer mais".

A “conspiração” contra o governo PS

Parece que há um complô contra o PS ou, também é válida a hipóteses, o PS só serve para acudir nos momentos difíceis, não exactamente para o país ou para o povo português, mas para o capitalismo nacional e a burguesia parasitária que dele se alimenta e é razão da sua (dela, burguesia) existência. As interrogações irão persistir por muito tempo: afinal, quem é que deitou fogo ao eucaliptal e quem e como assaltou o paiol (que obviamente deveria estar vigiado 24 horas por dia por soldados armados, como no velho tempo da guerra colonial)?

Ah!, quanto ao assalto ao paiol (quase que faz lembrar os filmes de Bruce Willis), o supremo magistrado da Nação, o comandante em chefe das forças armadas, diz que "ainda não é o momento" de falar sobre o assunto. Com um homem de extrema-direita (sorridente e cheia de afectos) no cargo de PR, é natural que a extrema-direita nas Forças Armadas ponha as garras de fora, descontente com a “gestão política” das supra-citadas. Este incidente faz-nos lembrar um análogo, que ocorreu no tempo do governo PS/Guterres, com o Alberto Costa como ministro da Administração Interna, que o opôs ao comandante nacional da PSP, um general retintamente fascista, que passou à provocação ao governo com a repressão desmedida sobre os trabalhadores de uma empresa têxtil, em vias de encerramento do Norte.

Um outro caso foi a morte de um dos delinquentes em consequência dos disparos dos polícias que já estavam à espera de um assalto a uma ourivesaria em Évora, se não estamos em erro, um assalto que teve a particularidade de ter sido morto, ao que parece, o bufo da PSP e autor da ideia do assalto (era o que corria nos bastidores políticos, na altura); o fascista general acabou por ser demitido, mas tarde, após muito conciliação. Seria interessante conhecer as verdadeiras razões que estão por detrás do pedido insistente da demissão dos ministros da Defesa e da Administração Interna, para além de se querer arranjar problemas ao Costa e forçar a sua demissão.

Para além das aparentes "tramóias" (com ou sem aspas) feitas ao PS dos incêndios e do furto de algumas toneladas de armamento (que só poderia acontecer com a colaboração de gente de dentro e bem colocada, atendendo a que se trata de algumas toneladas que não passam discretamente pelo buraco da rede, a exoneração dos cinco responsáveis militares só vem confirmar a suspeita), o governo PS/Costa até está bem, apesar do pedido da demissão dos dois ministros em causa feito pela oposição de direita e pelo "grande educador", ainda ressabiado com o Costa; segundo as sondagens, Costa não sai chamuscado e a possibilidade de ganhar as eleições mantém-se.

PSD/CDS não sabem o que fazer para descredibilizar o governo: ora, inventam quedas de avião; ora, arranjam uns suicídios ou uns parassuicídios internados em hospital qualquer; ora, escandalizam-se com o roubo do armamento, querendo dar a entender que eles nunca foram governo e se fossem agora nada disto teria acontecido – uns farsantes da pior espécie. Enquanto esta oposição se enreda cada vez mais nas suas contradições e é ela própria que se vai descredibilizando, assiste-se a uns arremedos de greves, como acontece no início deste mês, com a dita "recusa" dos enfermeiros especialistas ou especializados em prestar serviço especializado na sua área, blocos de partos e saúde mental. Uma greve inventada pelo PSD/bastonária do Ordem dos Enfermeiros (com a Ordem arvorada em entidade sindical), depois dos dois sindicatos afectos à UGT/PSD terem, há algum tempo, decretada uma greve de zelo (!?). Uma paródia a que desta vez os sindicatos da CGTP não aderiram.

PS e PSD, as duas faces da mesma moeda

O PS não difere em nada do PSD/CDS, excepto no estilo e no discurso, porque a política é a mesma e com um único objectivo: bem gerir os negócios do capital, assegurando que o estado, que não é neutro, cumpre bem a missão de os defender e promover, para além de simultaneamente garantir a sua função repressiva. São ilustrativas as palavras do ministro da Agricultura (parece que o homem tem lugar cativo no cargo sempre que o PS é governo, terá alguma avença da Celbi, empresa de que Pinto Balsemão é accionista?), o PS não está contra o eucalipto (pouco tempo antes fora aprovado concurso de 9 milhões de euros para o eucaliptal, de um total de 27 milhões para a dita floresta industrial), quer sim é uma melhor gestão da floresta, mais concretamente, “queremos ter mais metros cúbicos de eucalipto para alimentar as celuloses, que são fundamentais para o país, mas na mesma área”.

Resumindo, o PS quer uma melhor gestão do capitalismo, de preferência com algum "rosto humano", traduzido pela restituição de uma pequena, senão pequeníssima, parcela do que foi retirado aos trabalhadores. O PSD vai mais à bruta, não está com subtilezas nem com rodriguinhos, daí defender que o eucalipto não contribui para o aumento dos incêndios já que, na sua douta-ignorante opinião, é uma árvore que custa a arder e fácil de apagar quando incendiada (não se trata de patologia de mentiroso compulsivo, mas de canalha sem o mínimo de escrúpulos para mostrar que ele e o seu partido são os mais eficientes na gestão da acumulação capitalista). Existe entre estes dois partidos quanto muito uma diferença de grau, ou seja, PS = capitalismo com regras (com vaselina), PSD/CDS = capitalismo sem freio (sem vaselina). No fundo, a mesma coisa.

3 de Julho 2017 

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