Crónica escrita há meia dúzia de anos sobre
os fogos de Pedrógão, o assalto ao paiol de Tancos, a corrupção e o mais
correlacionado.
Os acontecimentos que ocorreram nos últimos
dias mostram bem que vivemos numa espécie de república das bananas que revela,
contudo, alguma polidez para se diferenciar das já conhecidas repúblicas da
América Latina, já que estamos na União Europeia, um conjunto de países que
bailam segundo a música germânica, uma velha Europa dita civilizada, mas que
tem sido ela quem tem despoletado as guerras mais sangrentas que têm até agora
flagelado o mundo.
Os fogos “inevitáveis”
Foram os incêndios que provocaram 64 mortes e
cerca de 250 feridos, que ficarão sempre na memória colectiva, cuja origem
ainda está para se apurar, e mais recentemente foi o assalto aos paióis
nacionais do polígono militar de Tancos e cujas responsabilidades estão a ser
atiradas para cima do PS, como se os restantes partidos do arco da governação,
PSD e CDS, estivessem isentos de culpas, e não fosse este sistema económico
capitalista, exclusivamente virado para o lucro, e o poder político da
burguesia tida como democrática e liberal, em última instância, a causa de tudo
o que aconteceu e ainda irá acontecer.
Não deixa de ser curioso que estas calamidades
aconteçam no preciso momento em que as coisas relacionadas com a economia e as
contas públicas estão a correr tão bem para o governo PS (acolitado por PCP e
BE). É a saída do procedimento por défice excessivo, o défice reduziu para
número já esquecido, assim como o desemprego (9,3% em Abril), e até o
investimento e o PIB dispararam, e o FMI foi reembolsado antecipadamente em
1000 milhões de euros, levando aquela instituição do capitalismo internacional
a rever em alta o PIB nacional e a considerar a meta do défice de 1,5% como
perfeitamente atingível. E, imagine-se!, até a confiança dos consumidores
voltou a crescer em Junho, chegando a valores que já não se viam há pelo menos
20 anos.
O assalto ao paiol de Tancos
Não deixa de ser hilariante ouvir dirigentes
da esquerda e, com mais gravidade, de uma esquerda autodenominada de
"comunista", considerar o roubo de material de guerra um facto de
extrema gravidade para a segurança do país, como se o exército, e as forças
armadas em geral, não fossem um exército burguês, reaccionário, constituído
actualmente exclusivamente por mercenários, que serve única e exclusivamente
para defender a elite que se encontra no poder. Que um reaccionário de
extrema-direita, como é Ângelo Correia, até se entende, agora gente que se diz
comunista, é obra! E diz bem do papel desempenhado por esta gente no campo de
luta de classe em Portugal.
Ao longo da história, quando o país é
invadido, as elites e os chefes das forças armadas permanentes, estes pelo
menos na sua maioria, ou desertam ou bandeiam-se para o lado do inimigo, sendo
depois o povo, com ou sem ajuda estrangeira, a organizar a defesa do país. Foi
assim no reinado de D. Fernando, com a invasão do rei de Leão; foi assim depois
da morte deste rei, tendo depois a burguesia ascendente sobe a chefia de D.
João a lutar pela independência; foi assim em 1580, com a perda da dita; foi
assim com as invasões francesas, a corte desertou apavorada para o Brasil,
deixando pela rua enormes riquezas que foram saqueados pelo povo.
A corrupção
Um dos papéis do PS quando está no governo é
ou completar os mesmos negócios iniciados pelo PSD/CDS quando estes estão no
governo e não tiveram tempo, como aconteceu com o contrato SIRESP, ou é iniciar
outros negócios de que a direita vai beneficiar mais tarde, e então é ver
figurões saltarem do conselho de administração de empresas para pastas
ministeriais, facilitando os negócios das ditas com o estado, e depois voltarem
para os mesmos conselhos de administração, estando o assalto consumado. Desta
feita, foram 500 milhões de euros e o PS mais tarde conseguiu um descontozinho,
"poupou" umas migalhas ao erário público – normalmente é esse o seu papel
de regularização das negociatas.
Não é espanto para ninguém que o PS venha
agora dizer que não houve "mão humana" no desaparecimento da
informação dos 10 mil milhões que foram para off-shores, foi mais outra
"falha informática", exactamente quando o secretário de estado da
tutela era advogado que já trabalhava para os capitalistas com especial
tentação para a fuga aos impostos, mostrando-lhes a melhor maneira de enganar o
estado, regressando depois ao mesmo ofício quando deixou o governo. PS e PSD são
as faces da mesma moeda e é fácil perceber porquê, sem necessidade de grandes
explicações, é o bloco central de interesses instituído há mais de 40 anos.
Veio também a saber-se que o governo PS/Costa
ilibou o SIRESP de qualquer responsabilidade quanto às falhas no incêndio de
Pedrógão Grande (todo o Pinhal Interior), entretanto os acionistas distribuíram
entre si 13 milhões de euros de dividendos e irão receber mais uns 200 milhões;
se o sistema de comunicações da dita "Protecção Civil" não falhou,
esta pela lógica também não terá falhado, e até o presidente Marcelo afirmou
sem rebuço que "não era possível fazer mais".
A “conspiração” contra o governo PS
Parece que há um complô contra o PS ou, também
é válida a hipóteses, o PS só serve para acudir nos momentos difíceis, não
exactamente para o país ou para o povo português, mas para o capitalismo
nacional e a burguesia parasitária que dele se alimenta e é razão da sua (dela,
burguesia) existência. As interrogações irão persistir por muito tempo: afinal,
quem é que deitou fogo ao eucaliptal e quem e como assaltou o paiol (que
obviamente deveria estar vigiado 24 horas por dia por soldados armados, como no
velho tempo da guerra colonial)?
Ah!, quanto ao assalto ao paiol (quase que faz
lembrar os filmes de Bruce Willis), o supremo magistrado da Nação, o comandante
em chefe das forças armadas, diz que "ainda não é o momento" de falar
sobre o assunto. Com um homem de extrema-direita (sorridente e cheia de
afectos) no cargo de PR, é natural que a extrema-direita nas Forças Armadas
ponha as garras de fora, descontente com a “gestão política” das supra-citadas.
Este incidente faz-nos lembrar um análogo, que ocorreu no tempo do governo
PS/Guterres, com o Alberto Costa como ministro da Administração Interna, que o
opôs ao comandante nacional da PSP, um general retintamente fascista, que
passou à provocação ao governo com a repressão desmedida sobre os trabalhadores
de uma empresa têxtil, em vias de encerramento do Norte.
Um outro caso foi a morte de um dos
delinquentes em consequência dos disparos dos polícias que já estavam à espera
de um assalto a uma ourivesaria em Évora, se não estamos em erro, um assalto
que teve a particularidade de ter sido morto, ao que parece, o bufo da PSP e
autor da ideia do assalto (era o que corria nos bastidores políticos, na
altura); o fascista general acabou por ser demitido, mas tarde, após muito
conciliação. Seria interessante conhecer as verdadeiras razões que estão por
detrás do pedido insistente da demissão dos ministros da Defesa e da
Administração Interna, para além de se querer arranjar problemas ao Costa e
forçar a sua demissão.
Para além das aparentes "tramóias"
(com ou sem aspas) feitas ao PS dos incêndios e do furto de algumas toneladas
de armamento (que só poderia acontecer com a colaboração de gente de dentro e
bem colocada, atendendo a que se trata de algumas toneladas que não passam
discretamente pelo buraco da rede, a exoneração dos cinco responsáveis
militares só vem confirmar a suspeita), o governo PS/Costa até está bem, apesar
do pedido da demissão dos dois ministros em causa feito pela oposição de
direita e pelo "grande educador", ainda ressabiado com o Costa;
segundo as sondagens, Costa não sai chamuscado e a possibilidade de ganhar as
eleições mantém-se.
PSD/CDS não sabem o que fazer para
descredibilizar o governo: ora, inventam quedas de avião; ora, arranjam uns
suicídios ou uns parassuicídios internados em hospital qualquer; ora,
escandalizam-se com o roubo do armamento, querendo dar a entender que eles
nunca foram governo e se fossem agora nada disto teria acontecido – uns
farsantes da pior espécie. Enquanto esta oposição se enreda cada vez mais nas
suas contradições e é ela própria que se vai descredibilizando, assiste-se a
uns arremedos de greves, como acontece no início deste mês, com a dita
"recusa" dos enfermeiros especialistas ou especializados em prestar
serviço especializado na sua área, blocos de partos e saúde mental. Uma greve
inventada pelo PSD/bastonária do Ordem dos Enfermeiros (com a Ordem arvorada em
entidade sindical), depois dos dois sindicatos afectos à UGT/PSD terem, há
algum tempo, decretada uma greve de zelo (!?). Uma paródia a que desta vez os
sindicatos da CGTP não aderiram.
PS e PSD, as duas faces da mesma moeda
O PS não difere em nada do PSD/CDS, excepto no
estilo e no discurso, porque a política é a mesma e com um único objectivo: bem
gerir os negócios do capital, assegurando que o estado, que não é neutro,
cumpre bem a missão de os defender e promover, para além de simultaneamente
garantir a sua função repressiva. São ilustrativas as palavras do ministro da
Agricultura (parece que o homem tem lugar cativo no cargo sempre que o PS é
governo, terá alguma avença da Celbi, empresa de que Pinto Balsemão é accionista?),
o PS não está contra o eucalipto (pouco tempo antes fora aprovado concurso de 9
milhões de euros para o eucaliptal, de um total de 27 milhões para a dita
floresta industrial), quer sim é uma melhor gestão da floresta, mais
concretamente, “queremos ter mais metros cúbicos de eucalipto para alimentar as
celuloses, que são fundamentais para o país, mas na mesma área”.
Resumindo, o PS quer uma melhor gestão do
capitalismo, de preferência com algum "rosto humano", traduzido pela
restituição de uma pequena, senão pequeníssima, parcela do que foi retirado aos
trabalhadores. O PSD vai mais à bruta, não está com subtilezas nem com
rodriguinhos, daí defender que o eucalipto não contribui para o aumento dos
incêndios já que, na sua douta-ignorante opinião, é uma árvore que custa a
arder e fácil de apagar quando incendiada (não se trata de patologia de
mentiroso compulsivo, mas de canalha sem o mínimo de escrúpulos para mostrar
que ele e o seu partido são os mais eficientes na gestão da acumulação
capitalista). Existe entre estes dois partidos quanto muito uma diferença de
grau, ou seja, PS = capitalismo com regras (com vaselina), PSD/CDS =
capitalismo sem freio (sem vaselina). No fundo, a mesma coisa.
3 de Julho 2017
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