sexta-feira, 27 de março de 2020

A sobrevivência da União Europeia está em perigo


Carlos Latuff

A própria sobrevivência da União Europeia encontra-se em jogo, ela corre o risco de afundar-se a breve prazo. 

A saída da Grã-Bretanha, a estagnação económica da Alemanha e da França, forte endividamento da terceira economia da UE, a Itália, a falta de solidariedade dos países mais ricos em relação aos mais pobres e periféricos (a Alemanha proibiu a exportação de equipamento médico para combate ao vírus), o aumento de endividamento destes último países por força do esforço económico que agora será feito e por força da subida das taxas de juro sobre as dívidas soberanas que já se está a fazer sentir (em 4 dias a taxa de juro da dívida pública portuguesa a 10 anos subiu de 0,791% para 1,208%, em Fevereiro estava abaixo dos 0,3%, e a subida de 1% representará mais 3 mil milhões de euros) são factores endógenos e exponenciais que precipitarão o fim.

Lagrade, presidente do BCE (Banco Central Europeu), foi clara, apesar de logo tentar emendar a mão, a boca fugiu-lhe irresistivelmente para a verdade: não é da competência do BCE reduzir os spreads da dívida pública na zona euro. Estamos ainda bem lembrados de outras palavras da mesma senhora quando era presidente da instituição benemérita FMI de que os idosos eram um peso para a economia; ora, são exactamente os idosos que estão a ser as principais vítimas do coronavírus (veja-se o que se está a passar em Espanha!).

O dinheiro prometido para “estimular” a economia é para dar aos bancos que, por sua vez, irão continuar a lucrar com a dívida pública, Portugal já passou mais de 25 mil milhões da dívida pública externa para a banca dita "nacional", só entre 2015 e 2019, com o governo de Costa/Centeno, tendo atingido a dívida do Estado à banca o montante de 83.888 milhões de euros no fim de 2019.

O dinheiro prometido às empresas e patrões, 3000 milhões de garantia aos créditos, para isso ainda teve que pedir autorização a Bruxelas, 5200 milhões na área fiscal e 1000 milhões na área contributiva, no total de 9200 milhões, são uma panaceia de que irão beneficiar apenas as grandes empresas, as pequenas irão ser condenadas à falência, e os trabalhadores nada receberão, apesar do Governo Costa/PS não se cansar de dizer que é dinheiro para ajudar as “famílias”, as famiglias serão outras, com certeza.

O que se verificará na prática é que Portugal sairá mais endividado desta crise económica, destapada e de certo agravada pelo surto do Covid-19, mas já existente e que a todo o momento prometia rebentar, crise aguda dentro de crise crónica do capitalismo.

E esta até seria, já que estamos em estado de emergência, uma excelente oportunidade para o Governo PS/Costa, caso tivesse tomates para tal, alterar alguma coisa na economia, como seja: desenvolver a produção por parte do Estado, e o Laboratório Militar até tem capacidade para tal, de medicamentos e desinfectantes, que estão a ser objecto de especulação verdadeiramente escandalosa; de equipamento de pretecção; e de outros bens essenciais em situação de calamidade e de emergência; e nacionalizar todas as empresas, a começar pelos bancos, que entendesse para o bem do povo, o dito “interesse público”.

O Governo Costa/PS pode suspender, caso queira, o pagamento da dívida soberana até que dure a crise pandémica e se realize uma auditoria cidadã à dívida que, toda ela ou quase, é ilegítima, ilegal e odiosa, porque não foi o povo que a contraiu nem dela beneficiou ou beneficia.

Suspensão imediata do pagamento da dívida para que o dinheiro que tem sido gasto com ela, mais de 8 mil milhões por ano em média, seja todo aplicado no fortalecimento do SNS e, no imediato, na aquisição de bens e contratação de pessoal para o combate ao coronavírus. Aqui os partidos que se dizem de esquerda com assento parlamentar teriam uma palavra importante a dizer.

Mas, infelizmente, nada disto acontecerá, porque temos um governo e partidos, que se arvoram do “comunismo” e de “esquerda”, e que estão completamente de acordo, e mais do que isso, integrados de alma e coração no salvamento da economia capitalista periclitante. Terão de ser os trabalhadores e o povo, um dia destes, a sair para a rua e exigir o que tem de ser exigido, nem que seja pela força das circunstâncias: o povo não se deixará matar nem pela fome nem pelo coronavírus.


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