Media Spotlight - Sherif Arafa
Antes da declaração da crise e do
aumento significativo do número de casos de infectados pelo
coronavírus a nível mundial, os sinais de grave crise da economia
capitalista a nível global já eram mais que evidentes. As economias
da China, da Itália e da França já mostravam que se encontravam em
queda: na China o índice PMI (Purchasing Manufacturing Index) do
instituto Caixin/Markit teve a maior queda desde 2004; a Itália
sofrera o seu 17º declínio mensal consecutivo na atividade
manufactureira, com o governo a anunciar a injecção de 3,6 bilhões
de euros na economia; e a actividade fabril a contrair-se, com o PMI
industrial a cair 1,3 pontos, na França. A economia capitalista
mundial já diminuíra para quase uma velocidade de perda (stall
speed) de 2,5% ao ano, os EUA a crescer apenas 2% ao ano, apesar das
medidas e fanfarronices do presidente Trump, e o conjunto da UE e o
Japão apenas 1%. Lógico, e como reflexo, o índice Dow Jones de
Wall Street experimentou a maior queda de sempre no dia 27 de
Fevereiro, com uma perda acumulada superior a 15%. O FMI, no seu
último relatório sobre a estabilidade financeira global, prevê a
possibilidade de uma recessão tão ou mais severa quanto à de 2009,
que resultaria em empresas com 19 triliões (10 elevado a 18) de
dólares de dívida pendente mas com lucros insuficientes para lhe
fazer face: uma bancarrota geral do capitalismo. Realidade que
confirma uma das leis do capitalismo que é a tendência da taxa de
lucro para zero. Ora, uma pandemia vem mesmo a calhar, o azar é se
acontecerá o mesmo que ocorreu no século XIV com a peste negra, que
terá ceifado entre 50 a 200 milhões de vidas humanas na Europa e na
Ásia, e que marcou o fim da Idade Média e a ascensão da burguesia,
é que esta agora poderá marcar o fim da burguesia e do seu sistema
económica de exploração humana.
A pandemia do Covid-19 justificará
também uma maior exploração sobre os trabalhadores, e sobre os
povos em termos globais, e com uma maior manipulação da opinião
pública, e inclusivamente dos próprios trabalhadores, como já se
vê entre nós a respeito da greve dos trabalhadores do Hospital de
Braga. Os trabalhadores deste hospital, mais precisamente os
assistentes técnicos, limitam-se a reivindicar uma questão básica
que é apenas beneficiar de um acordo coletivo de trabalho, questão
que tem sido constantemente protelada pela administração que sempre
actuou de má-fé. O Governo e os patrões, a começar pelo Estado,
desde há muito que têm vindo a atacar um direito elementar dos
trabalhadores, o direito à contratação colectiva, coisa que tem
sido cada vez mais negada pelas sucessivas revisões da Lei do
Trabalho; e agora, graças ao coronavirus, vai surgindo, pelo menos
em alguma blogosfera e redes sociais, opinião favorável à
criminalização dos trabalhadores e das suas organizações
sindicais, porque se estarão a aproveitar de forma oportunista de
uma situação má para o país, confundindo que em Portugal existem
vários “países”, grosso modo, dois: o dos patrões e dos
trabalhadores assalariados. As televisões têm sido os instrumentos
de eleição para a intoxicação da opinião pública,
simultaneamente vão aumentando as audiências, com maiores proventos
da publicidade, isto é, vão lucrando com o mal dos outros, e não
deixam de salientar a toda a hora a hipotética ineficiência do SNS,
preparando o terreno para uma maior intervenção dos serviços
privados de saúde, cujos acionistas não deixarão de enriquecer
graças à ocasião.
Esta pandemia é a segunda declarada
pela Organização Mundial de Saúde desde 2009, a primeira foi a
famosa gripe das aves (H1N1 ou Gripe A), e depois daquela data já
avançou com situações de “emergência internacional”, com o
vírus Ébola (2013), com o ressurgimento da Poliomielite (2014) e
com o Zika (2016). Isto mostra que o capitalismo, devido à sua
própria natureza, só visando o lucro, é incapaz de promover a
saúde das populações, e do indivíduo em particular se não fizer
parte dos 1% dos detentores da riqueza, seja através da prevenção
primária, isto é, da saúde que não dá dinheiro, seja por meio do
tratamento (prevenção secundária) que, movendo-se na área da
medicina curativa e da indústria farmacêutica, não gere as
mais-valias desejadas. E a OMS mostra, de igual modo, que possui uma
agenda ditada pelos grandes grupos económicos que dominam o sector
da Saúde e pelas grandes potências capitalistas, tendo tardado a
declarar a situação de pandemia e, ao que parece, também nada ter
aprendido com as situações passadas, a começar pelas mais
recentes.
Não deixa de ser curioso notar que é
precisamente em países de capitalismo mais desenvolvido que se
detetam maior número de infectados e de suspeitos de infecção:
China, segunda potência económica mundial, foi onde a pandemia se
terá iniciado; Coreia do Sul, um dos “tigres asiáticos”;
Itália, Alemanha, França, Espanha, na dita “democrática e
civilizada” União Europeia; e Irão, um dos considerados países
do “eixo-do-mal”, que poderá ser a excepção. Países, quase
todos eles, onde seria suposto as pessoas possuírem um elevado grau
de Educação para a Saúde e Serviços de Saúde de topo. Ainda
estamos para ver o que irá acontecer no país do Tio Sam onde a
maioria do povo não tem acesso a Serviços de Saúde devido, entre
outras razões, à inexistência de um SNS.
A pandemia do coronavírus servirá de
argumentário para desculpabilizar a crise profunda e crónica do
capitalismo e tentar justificar os meios para a minorar, uma crise
com causas e mecanismos bem conhecidos, terá quanto muito
contribuído para a destapar e antecipar. As medidas que vierem a ser
postas em prática terão sempre um efeito perverso: contribuir para
um maior agravamento do estado comatoso de toda a economia
capitalista, desde os países mais desenvolvidos aos mais atrasados;
agravamento que irá acontecer a breve trecho. A moeda tem sempre
duas faces.
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