terça-feira, 9 de maio de 2023

Marcelo, a bicha de rabear e a disputa pelo pote

  

Sem título, 1980 - Joel Meyerowitz

Nos últimos dias temos assistido a uma espécie de telenovela protagonizada pelo primeiro-ministro e o presidente da república com vários episódios: primeiro, a demissão ou não do ministro das Infraestruturas Galamba, previamente promovido de secretário de Estado da Energia e do Ambiente; depois da reafirmação pelo Costa de que não iria demitir o subordinado, a demissão ou não do governo ou/e da dissolução ou não da Assembleia da República; finalmente e por ora, o significado do discurso de Marcelo que optou pela manutenção do governo (e do ministro) contra todas as expectativas da direita e da esquerda, dos politólogos e paineleiros a soldo das televisões e diversos lóbis dependentes dos dinheiros públicos e dos fundos europeus. Marcelo ficará doravante a vigiar ao milímetro a actuação governativa, e pergunta-se: antes, não era o que fazia constantemente? A partir de hoje, teremos: Marcelo, O Vigia.

Costa e o governo PS são acusados de falta de responsabilidade, de estarem presos por um fio, não conseguirem colocar ordem na casa, onde facilmente um simples e reles adjunto do ministro furta um computador do estado contendo, eventualmente ou quase de certeza, assuntos top secret, relacionados com o negócio de privatização da TAP; processo este que, por sua vez, está recheado de peripécias e episódios que não deveriam ter acontecido mas que são, para regozijo da dita, escalpelizados e aproveitados por toda a imprensa mainstream para descredibilizar o governo e o seu chefe. E perguntar-se-á uma vez mais: o que faz correr esta gente contra o governo e desejar a demissão de uma figura sem grande perfil, detentora de uma pasta ministerial que, relembremos, até foi dividida em duas antes da tomada de posse de Galamba, era das Infraestruturas e da Habitação?

A disputa pelo pote

A resposta mais óbvia é a de, como se sói dizer popularmente, haver muitos cães a um osso. E o osso é “apenas” mais de 50 mil milhões de euros (50 000 000) em obras que irão ser administradas pelo ministério das Infraestruturas. É muita massa, e os diversos grupos de interesses, os tais poderes fáticos, estão ansiosos por abocanhar a maior fatia possível do bolo: 8 mil milhões: Novo aeroporto; 2 mil milhões: Ferrovia 2020, a concluir até final de 2023; 23 mil milhões: Acordo de Parceria entre Portugal e a Comissão Europeia, com aplicação entre 2021 e 2027; 16,6 mil milhões: Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) mas que poderá ultrapassar os 20 mil milhões de euros, que terão de ser aplicados até 2026. Ou seja, será mais de um terço de todos os fundos (150 mil milhões de euros) que Portugal (não o povo português) recebeu desde a entrada na então CEE e agora União Europeia. Percebe-se que a disputa é feroz e tudo serve para destruir o governo e ejectar o ministro. Claro que o bolo é repartido pelos diversos grupos da elite nacional, no entanto, as comissões a distribuir pelos governantes de turno serão mais que principescas; ora, mantendo-se o PS, PSD e quejandos ficarão a chuchar no dedo.

Esta é que é a verdadeira razão de toda a discórdia, de todo o palrar das catatuas e outras aves raras que têm surgido ultimamente nos ecrãs televisivos e nas páginas dos jornais a vociferar e a lançar perdigotos: “Costa e Governo arrasados!”, Costa possui uma “frieza psicopata”, é um “jogador de xadrez manhoso”, o que poderá significar batoteiro, um “aldrabão” que tenta disfarçar a sua posição de “derrotado” perante Marcelo, etc.. Quem mais se tem destacado nos ataques, entre toda a oposição, é o aparelho comunicacional de Balsemão, colocado inteiramente ao serviço do PSD, do qual é o sócio fundador nº1, e de Marcelo. O senador do regime, velho play boy fascista reciclado em democrata, não está com meias palavras: “Não queremos nada com a extrema-direita” (será para disfarçar?) nem “com este PS”. Balsemão está com Marcelo, apesar dos desaguisados quando este era seu empregado no “Expresso”, e, como é natural, defende o PSD: “temos de acompanhar – ou comboiar, como quiserem – a fase final do mandato do atual Presidente da República. A maior oposição ao governo parece vir de fora do espectro partidário. Serão os ocultos poderes fáticos que actuam nos bastidores?

Quanto aos partidos da putativa “oposição”, as reacções mais não denotam do que fraqueza, cobardia e hipocrisia, seja à direita ou à esquerda. E não deixa de ser curioso que os ataques ao governo e ao Costa por não se ter desenvencilhado de Galamba venham precisamente do interior do próprio PS. O ex-ministro da (também dita) Solidariedade, se não estamos em erro, terá sido o primeiro botar faladura, atribuindo à trapalhada que se passou no ministério das Infraestruturas (furto de computador, eventuais agressões a funcionárias pelo ressabiado adjunto, cujo comportamento raia a de um vulgar provocador) às disputas pela sucessão de Costa; rematando mais tarde com a sugestão: “um pouco mais de maturidade à governação”. Outra militante, possivelmente também ressabiada por não ter continuado no governo, Alexandra Leitão, desabafa que Costa “acorrenta-se” ao dossiê TAP e “deveria remodelar”. São da mesma opinião o César dos Açores, que terá arranjado emprego para alguns dos familiares, e o sucessor frustrado de Mário Soares, agora comentador televisivo que se gaba de ter enriquecido à custa da especulação com as criptomoedas, afinam pelo mesmo diapasão. Como se constata, a disputa pelo pote também se verifica dentro do partido que ainda é governo.

Bicha de rabear em vez de bomba atómica

Falar da oposição, talvez seja um trabalho vão e supérfluo pela simples razão da sua inutilidade como força oponente ao partido do governo. O PSD agarra-se às saias de Marcelo, reconhecendo a sua impotência e cobardia, com o arruaceiro de serviço, Miguel Pinto Luz, a vociferar: “Costa vai sentir, pela primeira vez, um Marcelo que não conhecia”. Ora, depois do moço de recados presidenciais ter vislumbrado na bola de cristal que: “Galamba não tem quaisquer condições para continuar no Governo, Costa pode já estar a preparar uma remodelação”, Marcelo encolhe-se, abdica da “bomba atómica” e lança a bicha de rabear: o governo fica, mas é avisado de que: “Esta é a fase de ser o último fusível de segurança”. Reacções: «PSD respeita conclusões de Marcelo Rebelo de Sousa e avisa que culpa de instabilidade será de António Costa»; Marcelo, o “novo” Marcelo, será o chefe da oposição devido á demissão de Montenegro!

À esquerda, o PCP ainda foi o partido com mais recato e prudência nas considerações relativas à esperada e desejada demissão do governo ou dissolução do Parlamento, é que os tempos não vão de feição para novas eleições legislativas, como se diz, gato escaldado de água fria tem medo. O BE, pela boca da sua mediática dirigente, vai mandando umas bocas, talvez para não ser acusado de “não fazer nada”, do género e pouco original: “Cabe a Marcelo e Costa tirarem Portugal do pântano”, “todo o Governo está fragilizado”, “onde está Costa de peito feito para afrontar o BCE?”. Depois de ter dado o oiro ao bandido com o apoio à formação da “geringonça”, sofrendo os custos de tal negócio através de brutal perda de votos, o BE ainda acredita em duas coisas: ser alguma vez governo substituindo o PS, à semelhança do que aconteceu na Grécia com o Pasok e o Syriza; ser possível reformular o capitalismo acabando com as suas profundas e violentas crises estruturais. Entrementes, o BE faz uma visita aos seus amigos neo-fascistas de Kiev, o “anti-fascismo” será só para uso interno.

Perante toda a disputa, os ataques mútuos, uma excessiva algazarra mediática e fanfarronice por parte dos políticos do establishment, fica-se com uma dúvida: não será tudo isto uma tremenda encenação para iludir o Zé Povinho? Sabe-se que sempre que um dos partidos do bloco central de interesses se encontra no governo não toma nenhuma medida importante sem ter o acordo prévio do outro, então por que razão toda esta chinfrineira? Galamba parece ter industriado a CEO da TAP nas respostas que deveria dar à comissão de inquérito, quando escreveu a carta de demissão não terá sido também por sugestão de Costa que já sabia a resposta a dar? Antes de Marcelo ter tomada a posição que tomou, Costa já não saberia do conteúdo do discurso visto que momentos antes tinha estado em reunião com Marcelo em Belém? Mas alguém ainda acredita que algum ministro tome qualquer posição política ou decisão sem ter o visto prévio do primeiro-ministro? Haverá alguma dúvida sobre o que une esta gente é muito mais forte do que aquilo que os divide?

Os “bons resultados” económicos

Enquanto a oposição lambe as feridas deste desaire, o governo vai gabando-se dos seus feitos e glórias, os “bons resultados” de Medina, a nível da economia: diminuição (percentual) da dívida pública; aumento do PIB nacional, um dos mais elevados da UE; abrandamento da inflação; “excelente desempenho” da economia que se “traduz” nos bolsos dos portugueses com o aumento das pensões e da “reforma” para a “dignificação” do trabalho; garantia da paz social, a greve dos maquinistas da CP foi resolvida pela mediação do ministro tão contestado (afinal, para alguma coisa vai servindo), depois de ter pagado os salários dos funcionários judiciais relativos aos dias em que estiveram de greve, a ministra da tutela já garantiu que os problemas serão resolvidos com a aprovação do estatuto dos funcionários. E em relação aos professores, o governo vai entretendo com algumas medidas pontuais e espera que luta acabe por cansaço. Enquanto o PS garantir a paz social – e não nos cansamos de salientar a importância deste seguro de vida do governo – terá sempre o futuro garantido por muito que estrebuchem os partidos da oposição e o comedor de gelados que, ele sim, dá pouca ou nenhuma dignidade à função de que foi investido, nem autoridade ao órgão de soberania que representa.

PS vai assessorando e gerindo os negócios das grandes empresas que operam em Portugal, nacionais ou estrangeiras, pouco importa desde que os lucros não parem de aumentar: lucros da GALP sobem 62% para 250 milhões de euros no primeiro trimestre; EDP pagou aos acionistas 795 milhões de euros em dividendos referentes aos lucros do ano passado e espera lucros de 1,1 mil milhões de euros este ano; há 2,4 mil milhões em dividendos para os acionistas das empresas do PSI que por acaso possuem a sede na Holanda; lucro do grupo Brisa sobe para 240,8 milhões de euros em 2022; lucros da Jerónimo Martins subiram quase 60% no primeiro trimestre de 2023; lucros do Santander sobem 19,6% para 186 milhões de euros; BPI teve lucros consolidados de 85 milhões de euros no primeiro trimestre, mais 75% do que nos primeiros três meses do ano passado, na operação em Portugal, os lucros do banco mais do que duplicaram, para 73 milhões de euros. E poder-se-ia continuar, ou seja, enquanto o grande capital ver os lucros a crescerem a olhos vistos o governo pode dormir descansado.

O povo que se lixe!

Se a grande maioria do povo se vê aflito em pagar as prestações dos empréstimos da casa ao banco, o BCE subiu de novo as taxas de juro e irá aumentar mais até ao final do Verão; se a habitação e a alimentação estão cada vez mais caras; se em Portugal trabalha-se mais 4 horas que a média europeia, mas ganha-se salários mais baixos; se os sectores da economia que geram mais riqueza têm salários abaixo da média; se os salários e pensões suportam mais de 90% do IRS; se o SNS vai-se degradando com desvio dos investimentos para o sector privado a quem o governo aluga os blocos operatórios porque no público ou não existem ou estão às moscas… que se amanhem e estejam quedos e mudos, porque o “PS faz o melhor que pode”, “os outros já cá estiveram e não fizeram melhor” – dizem os indefectíveis e interessados apoiantes. Além da hipocrisia de Marcelo que “pede reflexão sobre taxas e prestações no crédito à habitação”, quando visitou o negócio do Banco Alimentar Contra a Fome, ou do ainda líder do PSD que, sem se rir, proclamou: o “país está a perder mais bem-estar do que no período da troika”. Gente que não presta, mas é o que temos!

Até quando teremos de aturar esta corja?!

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