quarta-feira, 31 de maio de 2023

As instituições, a democracia e a extrema-direita

 

Henricartoon

Parece haver por aí gente muito preocupada com a respeitabilidade das nossas instituições e com a saúde da nossa democracia. O nosso inefável presidente da república, pensando que é rei e não deixando de surfar o impulso coscuvilheiro, anda ansioso: "o prestígio das instituições é o mais importante”; outros preocupam-se, com o “desgaste da democracia”. Todos terão agora acordado para realidades que eles próprios ajudaram a criar, e isto a propósito das peripécias reveladas (ou por ela criadas) pela já famigerada CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre a gestão da TAP (Transportadora Aérea de Portugal). Ficamos com algumas questões: quem na realidade está interessado na degradação das instituições e no desgaste da democracia, e com que objectivos?

A múmia volta a atacar

Andava a CPI na sua burocrática actividade de procurar mais as peripécias que envolvem a demissão do também já famoso ex-adjunto, ou ex-assessor (para que servirá na realidade um gajo destes?), do ministro Galamba e da recuperação do também badalado computador do que propriamente com a má gestão da transportadora aérea nacional, quando o país é sobressaltado com um grito cavernoso.

Foi o acordar da múmia, esquecida no recanto do Convento do Sacramento, com gabinete cujas obras orçaram em cerca de meio milhão de euros, e ainda sustentado pelo erário público. Terá vindo por pedido de socorro da direcção do seu partido e, como já nos tem habituado ultimamente, vomitou raiva, ressabiamento e ódio; como seria de esperar, vociferou pela demissão do governo.

Ao que parece, várias forças se unem pelo descrédito acelerado do governo e do PS a fim de obrigar a realização de novas eleições legislativas, mas pelas piores razões. O chefe parlamentar Sarmento escandaliza-se porque “com o governo PS não há instituições que resistam”, comportamento que “contribui também para o nosso atraso económico e social”, aparelhando com Marcelo que não se cansa de perorar que “é uma ilusão achar que se pode ser importante sem pagar um preço”, numa directa clara sobre o Galamba.

A nova PIDE em preparação?

A repressão aumenta à medida em que a disputa pelo pote é mais renhida e se vislumbra uma maior resistência por parte de que produz a riqueza a deixar-se espoliar. O ataque ao governo, pelo sector mais reaccionário do PSD, e da judicialização da política, uma outra variante, nota-se à vista desarmada que a extrema-direita, dentro e fora do dito “principal partido da oposição”, se encontra desesperada por enfiar a mão no pote.

O bolo, já depois da actualização dos empréstimos dentro do quadro do PRR, ultrapassa os conhecidos 53 mil milhões de euros até 2027. É muita fruta para ficar só nas mãos da gerência socialista, haverá que dividir. Assim se entende o ressuscitar da múmia que, ao contrário do que afirma, pouco se importa que a extrema-direita se locuplete.

Por outro lado, não deixa de ser irónico que a direita e a extrema-direita se indignem com actuação das secretas e do papel do governo quanto ao seu controlo, sabendo-se que PSD no governo é a política do cacete puro e duro sobre os trabalhadores e sem os dois subprodutos da extrema-direita que, entretanto, produziu. Se o SIS existe, então, basta a direita/extrema-direita no poder alterar a legislação para que a nova PIDE esteja pronta a trabalhar, já que a máquina está montada. O poder não é o fim, é somente o meio para conseguir a riqueza.

Sabemos de experiência passada que o PS, aquando governo, cria e afina os instrumentos repressivos que depois o governo de direita formal que venha a seguir irá utilizar contra o povo e os trabalhadores, com o objectivo de extorquir maiores mais-valias. E os instrumentos repressivos vão de polícias a leis sanitárias e restrições ao direito da greve; e veremos como será a revisão da Constituição.

A questão da privatização da TAP

Antes da política e do poder encontra-se a economia, e esta, ao contrário da bazófia de Costa, não estará assim tão boa. Será nesta perspectiva que se deve entender o imbróglio telenovelístico da TAP, Transportadora Aérea Nacional, geradora de mais-valias de vários milhares de milhões de euros para o país e os cofres do estado, razão pela qual se transformou num bem apetecível e cobiçado para capitalistas nacionais e estrangeiros.

Durante este tempo todo, a CPI só nas últimas horas começou a revelar alguma realidade sobre o que se passou na TAP, aliás, a verdadeira razão para a sua constituição, dando a conhecer nada que já não se soubesse: “Privatização da TAP dava 100% dos lucros aos privados e 100% dos riscos ao Estado"; “Risco de litigância explica parte do “mistério” dos 55 milhões pagos a Neeleman para sair da TAP”; “Venda da TAP não faz parte das exigências de Bruxelas”.

Traduzindo, a privatização feita acorrer pelo governo do PSD/PP levou ao enriquecimento fácil de um oligarca nacional e de um cabotino apátrida que, depois de meter ao bolso largos milhões de euros pelo negócio dos aviões comprados a cima do preço real, ainda recebeu um bónus para se ir embora. Todas as privações têm sido feitas no meio das maiores das corrupções e com claro prejuízo para o povo português. Fica a questão: quanto é que embolsaram em comissões os ministros envolvidos na vigarice da privatização?

Para se perceber qual a função do estado e a sua natureza de classe, bem como o governo de turno ao serviço dos negócios do capital, seja PS ou PSD, ou qualquer outro que suceda sem colocar em causa este estado que nos desgoverna; assim, ficou-se a saber, o que também já não era novidade, que a recapitalização da TAP se fez à custa do despedimento e redução nos salários dos seus trabalhadores. Estes estão sempre no fim de linha a aguentar com os custos, isto é, suportam o aumento dos lucros do capital. Desta vez, quem irá beneficiar do “emagrecimento” da empresa será o grande capital europeu, concreta e muito provavelmente, a Lufthansa.

A judicialização da política

Depois da múmia “aconselhar” o Costa a sair pelo seu pé, o cronista MST divagar sobre a “insuportável futilidade da política” do regime (saliente-se!), e para finalizar, o canal televisivo, propriedade de oligarcas nacionais aliados ao imperialismo americano, tira da cartola o “coelho” da Operação 'Tutti Frutti', caso enterrado no Ministério público vai para quase meia dúzia de anos, envolvendo caciques locais dos dois partidos do bloco central de interesses.

Parece que a operação “mãos limpas” à portuguesa não visará apenas o partido do governo mas igualmente a sua cara metade, ou seja, o PSD e, em suma, todo o regime democrático. A responsabilidade não será só da falta de autoridade ou das mentiras de Costa e do PS, parece haver uma campanha no sentido de, e a curto prazo, de um endurecimento do regime, uma musculação capaz de submeter os trabalhadores a uma agenda económica, que só funcionará se acompanhada pela tal autoridade referida pelo PSD.

Será que estamos a assistir não só à musculação da democracia parlamentar burguesa como à mudança dos partidos ao serviço das elites? Parece que tudo aponta nesse sentido, desde as marcelices debitadas pelo comentador político instalado no palácio de Belém (“É mais fácil mudar de instituições do que as instituições mudarem de povo” – ou será as elites?) até à judicialização da política (TVI: “Aquilo que revelámos é ipsis verbis o que o Ministério Público nos passou”). Então, devemos relembrar quais foram os partidos que na Itália, depois da operação “mãos limpas”, foram substituir os que se desacreditaram pela mentira e pela corrupção, catapultando para o poder a extrema-direita de Salvine e Meloni Mussolini.

A democracia e as flores de lapela do regime

Neste quadro de reconstituição partidária não poderemos deixar de apontar o que se passa com o Bloco de Esquerda. Houve a Convenção para tentar mudar o rumo de correr atrás do prejuízo; relembremos que, entre 2015 e 2022, o BE perdeu 14 deputados e 310 636 votos (desceu de 10,19% para 4,46%), enquanto o PS ganhou 31 deputados e 498 952 votos (passou de 32,31% para 41,68 %), o resultado lógico do apoio à “geringonça”. Mas, fazendo fé nas palavras da nova coordenadora, ficará tudo na mesma: “Mariana Mortágua diz que a sua liderança não vai representar uma ‘guinada política’”.

É a pequena-burguesia urbana e poltrona, também ávida do pote, que não se coíbe de se assumir como a flor de lapela da burguesia e do seu regime democrático: “Expresso: Bloco: Catarina Martins substitui Mariana Mortágua na SIC”. Agora, teremos o partido da “vida boa”, cá dentro; e, lá fora, continuará a seguir o imperialismo norte-americano nas suas guerras de agressão contra os povos. Em suma, para o BE, o capitalismo é para manter, mas mais humanizado, bem como a sacrossanta democracia parlamentar, regime que ainda assim permite a mama ao BE.

Para os próximos tempos, prevê-se ataques renhidos contra o PS e o governo, a bem de melhor partilha do pote dos 55 mil milhões de euros, e possível revisão da Constituição da República no sentido de transformar este regime parlamentar em regime presidencialista; onde o PR possa formar governo e com funções de primeiro-ministro, um pouco à semelhança da Turquia que aboliu o cargo de chefe de governo. Pelo menos, enquanto não surja um providencial D. Sebastião, Salvador da Pátria, para arrumar a casa de vez e colocar os trabalhadores e o povo na devida ordem. Sempre a Bem da Nação… e do Capital.

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