sábado, 13 de janeiro de 2024

O caos nas urgências dos hospitais públicos

 

Estávamos no Inverno de 2014/15, na entrada do último ano de governação da coligação PàF (PSD/CDS-PP) e era ministro da saúde Paulo Mendo, as urgências dos hospitais do SNS estavam num caos, a intenção era clara: dar clientela aos hospitais privados. A imprensa corporativa, que agora não se cansa de denegrir o SNS por eventual má gestão do governo PS, deveria recuar no tempo e fazer a comparação e facilmente chegaria à conclusão de que não há diferença significativa. A destruição do SNS tem sido uma tarefa a que os governo dos dois partidos do bloco central da governação e dos interesses se têm dedicado desde sempre, cada um à sua maneira.

Pode dizer-se que não há palavras para descrever a pouca vergonha que se está a passar nos serviços de urgência dos hospitais do SNS e a forma como o governo e ministro estão a lidar com o problema. Em menos de um mês oito cidadãos morreram aparentemente por falta ou deficiente atendimento após, ao contrário do que mandam as regras nestas situações, muitas horas de espera nos serviços de urgência. A imprensa fala em mais de 1900 mortes no período do Inverno, particularmente frio este ano, devido a diversas morbilidades; todas elas estarão relacionadas com a descida da temperatura e do aparecimento da gripe sazonal, fazendo fé no que a imprensa diz, número que aparentemente não estará longe do que ocorre em outros anos; contudo, esse número será bem maior já que a subdirectora-geral da Saúde, Graça Freitas, esclarece que “ o excesso de mortalidade já terá ultrapassado os mil óbitos em relação ao esperado”. O que tem sido fora do normal são as mortes de pessoas, quase todas idosas, que esperam muitas horas por cuidados que não são prestados em tempo útil.

Ainda estamos todos lembrados da epidemia da legionella que há pouco mais de dois meses fez 12 mortes e infectou 375 pessoas, tendo o governo levado bastante tempo a identificar o foco causador e a tomar medidas. Foi a terceira maior epidemia no mundo, bem reveladora da política seguida pelo governo PSD/CDS-PP quanto à Saúde Pública, quer no que concerne às medidas de fiscalização e prevenção quer à resposta em termos de cuidados de assistência. A mesma política encontra-se agora ilustrada nas mortes nos serviços de urgência hospitalar que não têm conseguido dar resposta como seria de esperar, sabendo-se antecipadamente que as idas às urgências aumentam substancialmente nesta época do ano.

O governo desculpa-se com o “frio”, com a “reforma antecipada dos médicos” e acusa as notícias de “alarmismo” infundado e de “falsidade” na análise das mortes ocorridas e promete medidas salvíficas do género “alargamento dos horários de funcionamento dos centros de saúde”, “contratação directa de novos médicos”, “proibição (!?) de médicos e enfermeiros tirarem férias no período do Carnaval”, “abertura de mais camas de internamento” (só no último ano, este governo acabou com 700 camas!) … e da possibilidade de as “urgências privadas poderem vir a tratar doentes do Serviço Nacional de Saúde em alturas de maior afluência aos hospitais”, segundo despacho assinado, curiosamente de forma muito discreta em 9 de Janeiro, pelo secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.

E terá sido esta medida que trouxe mais alguma luz sobre as verdadeiras razões do caos que se vive nas urgências dos hospitais públicos, que fazem mover o ministro especialista em cobrança de impostos e que dão para entender o escarcéu feito por alguma imprensa de referência situada mais à direita. Não há dúvida de que as mortes por legionella e as mortes ocorridas nas urgências, e que poderiam ter sido perfeitamente evitadas, são devidas à política de austeridade levada a cabo nos últimos três anos e meio, o mesmo tempo de mandato deste governo fascista, que tem cortado na Saúde e na Administração Pública em geral com a redução de pessoal e corte brutal nos salários.

Mas, mais do que isso, são a consequência lógica de uma estratégia, que vem de há muito, desde o 1º governo de maioria absoluta do PSD/Cavaco, de privatização da Saúde e concomitante destruição do SNS. Só com a degradação do SNS, com o seu subfinanciamento, a não contratação de pessoal, o encerramento de serviços e diminuição do número de camas, ao mesmo tempo que se financia por diversas maneiras o negócio da medicina privada, é que este terá possibilidade de se instalar e progredir. O privado já possui 30% dos internamentos e das consultas, só faltavam as urgências, o “frio” e a “gripe” (o negócio das vacinas parece que já deu o que tinha a dar) deram o mote, o “caos das urgências” confirma a necessidade, a imprensa do regime faz a propaganda… e a medida (o oportuno e "silencioso" despacho feito por uma figura menor do governo) já está tomada.

E, assim, o negócio da Saúde em Portugal vai de vento em popa, enquanto o povo vai morrendo à fome e à falta de cuidados médicos. É o que acontece quando um governo sem legitimidade continua em funções e tem pressa em acabar a missão para que foi investido: privatizar tudo o que seja passível de ser privatizado, empobrecer o mais possível o povo português, no processo imparável de acumulação e concentração do capital. Não basta demitir o ministro, como muito boa gente tem defendido, mas todo o governo, que há muito deveria ter sido lançado borda fora.

AS URGÊNCIAS EM JANEIRO DE 2015:

RELAÇÃO DOS ÓBITOS NAS URGÊNCIAS SEM ATENDIMENTO MÉDICO ENTRE 27.12.2014 E 20.01.2015 POR TEMPO DE ESPERA E LOCAL DE OCORRÊNCIA:

DATA: 27 de Dezembro de 2014 LOCAL: Urgência do Hospital de S. José – LISBOA ÓBITO: Homem de 80 anos TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO : 6 Horas (até falecer) PULSEIRA MANCHESTER: Amarela TEMPO DE ESPERA MÁXIMO ADMISSIVEL: 1 hora CAUSA DE MORTE: Acidente Vascular Cerebral.

DATA: 2 de Janeiro de 2015 LOCAL: Urgência do Hospital de S. Bernardo – SETÚBAL ÓBITO: Homem de 77 anos de idade TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO : 4 Horas PULSEIRA DE MANCHESTER: Amarela TEMPO DE ESPERA MÁXIMO ADMISSIVEL: 1 Hora CAUSA DE MORTE: Falência Multi-orgânica.

DATA: 4 de Janeiro de 2015 LOCAL: Urgência do Hospital de S. Sebastião – SANTA MARIA DA FEIRA ÓBITO: Homem de 57 anos TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 6 horas (até falecer) PULSEIRA DE MANCHESTER: Amarela. TEMPO MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 1 Hora

DATA: 5 de Janeiro de 2015 LOCAL: Urgência do Hospital de Peniche – PENICHE ÓBITO: Mulher de 79 anos TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 15 Minutos TEMPO DE ESPERA POR RESULTADOS DE EXAMES MÉDICOS IMPRESCINDIVEIS: 7 Horas PULSEIRA DE MANCHESTER: Amarela TEMPO MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 1 Hora CAUSA DE MORTE: Edema Agudo do Pulmão pós-Enfarte Agudo do Miocárdio.

DATA: 11 de Janeiro de 2015 LOCAL: Urgência do Hospital de Santarém- SANTARÉM ÓBITO: Homem de 92 anos TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 4 Horas (até falecer sentado, que nem maca havia para o deitar) PULSEIRA DE MANCHESTER: Amarela TEMPO DE MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 1 Hora CAUSA DE MORTE: Problema cardíaco.

DATA: 11 de Janeiro de 2015 LOCAL: Urgência do Hospital Garcia da Orta ÓBITO: Homem de 60 anos. TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 3 Horas (até falecer) PULSEIRA MANCHESTER: Amarela. TEMPO MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 1 hora CAUSA DE MORTE: Enfarte agudo do Miocárdio.

DATA: 18 de Janeiro de 2015 LOCAL: Urgência do Hospital Garcia da Orta ÓBITO: Mulher de 89 anos TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 9 horas PULSEIRA MANCHESTER: Amarela TEMPO MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 1 hora

DATA: 20 de Janeiro de 2015 LOCAL: Urgência do Hospital S. Francisco Xavier ÓBITO: Homem de 91 anos. TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 3 Horas. PULSEIRA MANCHESTER: Laranja. TEMPO MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 10 minutos.

26 de Janeiro 2015

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