Estávamos no Inverno de 2014/15, na entrada do último ano de governação da coligação PàF (PSD/CDS-PP) e era ministro da saúde Paulo Mendo, as urgências dos hospitais do SNS estavam num caos, a intenção era clara: dar clientela aos hospitais privados. A imprensa corporativa, que agora não se cansa de denegrir o SNS por eventual má gestão do governo PS, deveria recuar no tempo e fazer a comparação e facilmente chegaria à conclusão de que não há diferença significativa. A destruição do SNS tem sido uma tarefa a que os governo dos dois partidos do bloco central da governação e dos interesses se têm dedicado desde sempre, cada um à sua maneira.
Pode dizer-se que não há palavras para
descrever a pouca vergonha que se está a passar nos serviços de urgência dos
hospitais do SNS e a forma como o governo e ministro estão a lidar com o
problema. Em menos de um mês oito cidadãos morreram aparentemente por falta ou
deficiente atendimento após, ao contrário do que mandam as regras nestas
situações, muitas horas de espera nos serviços de urgência. A imprensa fala em
mais de 1900 mortes no período do Inverno, particularmente frio este ano,
devido a diversas morbilidades; todas elas estarão relacionadas com a descida
da temperatura e do aparecimento da gripe sazonal, fazendo fé no que a imprensa
diz, número que aparentemente não estará longe do que ocorre em outros anos; contudo, esse número será bem maior já que a subdirectora-geral da Saúde,
Graça Freitas, esclarece que “ o excesso de mortalidade já terá ultrapassado os
mil óbitos em relação ao esperado”. O que tem sido fora do normal são as mortes
de pessoas, quase todas idosas, que esperam muitas horas por cuidados que não
são prestados em tempo útil.
Ainda estamos todos lembrados da epidemia da
legionella que há pouco mais de dois meses fez 12 mortes e infectou 375
pessoas, tendo o governo levado bastante tempo a identificar o foco causador e
a tomar medidas. Foi a terceira maior epidemia no mundo, bem reveladora da
política seguida pelo governo PSD/CDS-PP quanto à Saúde Pública, quer no que
concerne às medidas de fiscalização e prevenção quer à resposta em termos de
cuidados de assistência. A mesma política encontra-se agora ilustrada nas
mortes nos serviços de urgência hospitalar que não têm conseguido dar resposta
como seria de esperar, sabendo-se antecipadamente que as idas às urgências
aumentam substancialmente nesta época do ano.
O governo desculpa-se com o “frio”, com a
“reforma antecipada dos médicos” e acusa as notícias de “alarmismo” infundado e
de “falsidade” na análise das mortes ocorridas e promete medidas salvíficas do
género “alargamento dos horários de funcionamento dos centros de saúde”,
“contratação directa de novos médicos”, “proibição (!?) de médicos e
enfermeiros tirarem férias no período do Carnaval”, “abertura de mais camas de
internamento” (só no último ano, este governo acabou com 700 camas!) … e da
possibilidade de as “urgências privadas poderem vir a tratar doentes do Serviço
Nacional de Saúde em alturas de maior afluência aos hospitais”, segundo
despacho assinado, curiosamente de forma muito discreta em 9 de Janeiro, pelo
secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.
E terá sido esta medida que trouxe mais alguma
luz sobre as verdadeiras razões do caos que se vive nas urgências dos hospitais
públicos, que fazem mover o ministro especialista em cobrança de impostos e que
dão para entender o escarcéu feito por alguma imprensa de referência situada
mais à direita. Não há dúvida de que as mortes por legionella e as mortes
ocorridas nas urgências, e que poderiam ter sido perfeitamente evitadas, são
devidas à política de austeridade levada a cabo nos últimos três anos e meio, o
mesmo tempo de mandato deste governo fascista, que tem cortado na Saúde e na
Administração Pública em geral com a redução de pessoal e corte brutal nos
salários.
Mas, mais do que isso, são a consequência
lógica de uma estratégia, que vem de há muito, desde o 1º governo de maioria
absoluta do PSD/Cavaco, de privatização da Saúde e concomitante destruição do
SNS. Só com a degradação do SNS, com o seu subfinanciamento, a não contratação
de pessoal, o encerramento de serviços e diminuição do número de camas, ao
mesmo tempo que se financia por diversas maneiras o negócio da medicina
privada, é que este terá possibilidade de se instalar e progredir. O privado já
possui 30% dos internamentos e das consultas, só faltavam as urgências, o
“frio” e a “gripe” (o negócio das vacinas parece que já deu o que tinha a dar)
deram o mote, o “caos das urgências” confirma a necessidade, a imprensa do
regime faz a propaganda… e a medida (o oportuno e "silencioso"
despacho feito por uma figura menor do governo) já está tomada.
E, assim, o negócio da Saúde em Portugal vai
de vento em popa, enquanto o povo vai morrendo à fome e à falta de cuidados
médicos. É o que acontece quando um governo sem legitimidade continua em
funções e tem pressa em acabar a missão para que foi investido: privatizar tudo
o que seja passível de ser privatizado, empobrecer o mais possível o povo
português, no processo imparável de acumulação e concentração do capital. Não
basta demitir o ministro, como muito boa gente tem defendido, mas todo o
governo, que há muito deveria ter sido lançado borda fora.
AS URGÊNCIAS EM JANEIRO DE 2015:
RELAÇÃO DOS ÓBITOS NAS URGÊNCIAS SEM
ATENDIMENTO MÉDICO ENTRE 27.12.2014 E 20.01.2015 POR TEMPO DE ESPERA E LOCAL DE
OCORRÊNCIA:
DATA: 27 de Dezembro de 2014 LOCAL:
Urgência do Hospital de S. José – LISBOA ÓBITO: Homem de 80 anos TEMPO
DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO : 6 Horas (até falecer) PULSEIRA
MANCHESTER: Amarela TEMPO DE ESPERA MÁXIMO ADMISSIVEL: 1 hora CAUSA
DE MORTE: Acidente Vascular Cerebral.
DATA: 2 de Janeiro de 2015 LOCAL:
Urgência do Hospital de S. Bernardo – SETÚBAL ÓBITO: Homem de 77 anos de
idade TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO : 4 Horas PULSEIRA DE
MANCHESTER: Amarela TEMPO DE ESPERA MÁXIMO ADMISSIVEL: 1 Hora CAUSA
DE MORTE: Falência Multi-orgânica.
DATA: 4 de Janeiro de 2015 LOCAL:
Urgência do Hospital de S. Sebastião – SANTA MARIA DA FEIRA ÓBITO: Homem
de 57 anos TEMPO DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 6 horas (até falecer)
PULSEIRA DE MANCHESTER: Amarela. TEMPO MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 1 Hora
DATA: 5 de Janeiro de 2015 LOCAL:
Urgência do Hospital de Peniche – PENICHE ÓBITO: Mulher de 79 anos TEMPO
DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 15 Minutos TEMPO DE ESPERA POR
RESULTADOS DE EXAMES MÉDICOS IMPRESCINDIVEIS: 7 Horas PULSEIRA DE MANCHESTER:
Amarela TEMPO MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 1 Hora CAUSA DE MORTE:
Edema Agudo do Pulmão pós-Enfarte Agudo do Miocárdio.
DATA: 11 de Janeiro de 2015 LOCAL:
Urgência do Hospital de Santarém- SANTARÉM ÓBITO: Homem de 92 anos TEMPO
DE ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 4 Horas (até falecer sentado, que nem maca
havia para o deitar) PULSEIRA DE MANCHESTER: Amarela TEMPO DE MÁXIMO DE
ESPERA ADMISSIVEL: 1 Hora CAUSA DE MORTE: Problema cardíaco.
DATA: 11 de Janeiro de 2015 LOCAL:
Urgência do Hospital Garcia da Orta ÓBITO: Homem de 60 anos. TEMPO DE
ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 3 Horas (até falecer) PULSEIRA MANCHESTER:
Amarela. TEMPO MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 1 hora CAUSA DE MORTE:
Enfarte agudo do Miocárdio.
DATA: 18 de Janeiro de 2015 LOCAL:
Urgência do Hospital Garcia da Orta ÓBITO: Mulher de 89 anos TEMPO DE
ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 9 horas PULSEIRA MANCHESTER: Amarela TEMPO
MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 1 hora
DATA: 20 de Janeiro de 2015 LOCAL:
Urgência do Hospital S. Francisco Xavier ÓBITO: Homem de 91 anos. TEMPO DE
ESPERA SEM ATENDIMENTO MÉDICO: 3 Horas. PULSEIRA MANCHESTER: Laranja. TEMPO
MÁXIMO DE ESPERA ADMISSIVEL: 10 minutos.
26 de Janeiro 2015
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