segunda-feira, 23 de novembro de 2020

O estado de emergência, o OE-2021 e os negócios à conta da pandemia

A Assembleia da República acaba de aprovar o quinto estado de emergência, mais propriamente estado de excepção, desde o início da propalada pandemia, que vai endurecer as medidas restritivas e atentatórias das liberdades, direitos e garantias dos cidadão, alegando a defesa da vida dos mesmos cidadãos, que, contraditoriamente, vêm o direito aos cuidados de saúde mais restringido com o encerramento das cirurgias e consultas nas instituições do SNS. Se os números de infecções e de mortes pelo SARS-CoV-02 não cessa, então o número de mortes por outras doenças que não tratadas pelo SNS aumentam no valor triplo das primeiras. Então, os números mostram que a preocupação do governo será mais a economia do que propriamente a saúde, ou a vida, dos portugueses em geral, e Centeno não consegue impedir que a boca lhe fuja para a verdade: “são necessárias medidas de fortalecimento do capital das empresas, para reduzir a alavancagem e aumentar a sua capacidade de serviço da dívida” e “uma utilização eficiente dos fundos públicos exige o estabelecimento de procedimentos que permitam uma identificação efectiva das empresas viáveis, que devem ser as receptoras privilegiadas destes apoios”.

Ora, as palavras do governador do Banco de Portugal, agência local do Banco Central Europeu, que é quem na realidade dita as leis na União Europeia para cada estado obedecer, devem ser trocadas por miúdos: o país tem capacidade de produção a mais, há que seleccionar as empresas “viáveis” através do financiamento bancário; há que garantir a sustentabilidade da banca, que é quem se encontra no topo do sistema económico e que no final da linha arrecada o maior quinhão dos lucros; há que respeitar as obrigações impostas pela dívida, seja ela pública e privada, qualquer uma delas não se cansa de crescer, e as dívidas são para ser pagas, já que são os bancos as principais entidades credoras, com o BCE a controlar as operações; uma “boa utilização dos fundos públicos” é necessária para recapitalizar as empresas que o devem ser mas na óptica de Bruxelas, não numa perspectiva de soberania económica – uma economia baseada na agricultura e com a indústria como elemento orientador para a satisfação das necessidades do povo português será impossível no quadro de uma UE e com a agravante de não se possuir autonomia monetária. Centeno parece manter ainda o papel de ministro das Finanças, senão mesmo de primeiro-ministro, ou mais ainda, é o BCE a dar as directivas pela sua boca – os alunos até são aplicados, o esboço do OE-2021 já foi aprovado por Bruxelas.

O estado de emergência ou de excepção veio para ficar e não se quedará pelo tempo de pandemia viral, porque a seguir virá a pandemia da contestação social, a mais perigosa e preocupante para as nossas elites, que aquele pretende esconjurar ou prevenir, mas que conduzirá forçosamente a um efeito perverso: a contestação social, a revolta popular será inevitável e em forma mais violenta – o remédio acabará por exacerbar a doença. Pelo aumento rápido do desemprego, também inevitável pela falência das empresas que estão a mais, na sua maioria pequenas e médias empresas que pouco ou nada irão beneficiar dos fundos públicos, onde se incluem milhares de pequenas empresas ligadas ao turismo e ao comércio, outras de sectores de actividade não produtiva, mas essencialmente no sector industrial, tornando o país ainda mais dependente perante a UE, dos países do centro, os mais industrializados e que irão resolver a crise à custa dos países periféricos. A pandemia mais grave será a pandemia da destruição de enormes forças produtivas, incluindo a mais importante de todas, a força humana. A guerra existe, não exactamente a do vírus, mas sim a guerra do capital contra o trabalho, desvalorizando e destruindo este último. A riqueza que agora se produz é demasiada para ser contida no quadro do capitalismo, outra sociedade sob o comando dos que trabalham se tem de criar.

Uma das razões para fundamentar a restrição de circulação dos cidadãos e de reuniões alargadas em família, estando por isso o Natal em risco, como anunciou com pompa e circunstância o beato e monárquico PR Marcelo, era o número de 68% dos contágios acontecerem dentro da família, Costa bem salientou em habitual conferência de imprensa com papel na mão; ora, ficou-se a saber na reunião do Infarmed, que 80% do total de infecções têm origem desconhecida; assim, será 68% de 20%, o que dá uns míseros 13,6%, e só 2% das infecções terão origem em restaurantes. Como se comprova, os números apresentados pelo governo e pela sua inefável directora geral da Saúde são enganosos, como já tinha sido denunciado pela equipa de investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto que foram claros: os dados que têm sido fornecidas à comunidade científica, nos últimos meses, sobre os casos de covid-19, “têm uma qualidade baixa, erros, inconsistências e muita informação em falta”. É na base da mentira e da manipulação para incutir o medo que Costa+Marcelo+Parlamento têm confinado os cidadãos portugueses com o objectivo de implementar as medidas económicas para a reconversão da economia, que serão sempre mais austeridade para o povo.

A partir de Janeiro as medidas de austeridade serão a dobrar e o OE, em aprovação na especialidade, será somente o reportório dessa austeridade embora disfarçada em “relançamento da economia”, que será sempre em termos de capitalismo com menos emprego, salários mais baixos e jornadas de trabalho mais elevadas e penosas – sempre assim foi ao longo da história do capitalismo. Os partidos que aprovarem o OE para 2021 são cúmplices no agravamento inaudito da miséria dos trabalhadores e do empobrecimento do povo português em geral. Esta realidade está bem visível, não sendo necessária a carta dirigida ao ministro das Finanças e subscrita por algumas figuras conhecidas do regime, a fim de esclarecer os milhares de milhões de euros em “compromissos sem suficiente fundamentação”, por exemplo, 9.813,5 milhões em ‘despesas excepcionais’ (10% da despesa pública anual prevista em 2021 e um acréscimo de mais de 40% relativamente ao ano de 2020), ou 4.911,3 milhões de euros para empréstimos concedidos pelo Estado (mais 280% nos empréstimos a médio e longo prazo), ou 2.245,2 milhões de euros previstos em participações de capital em empresas privadas (+41% em relação a 2020), ou 852,5 milhões de euros para o Fundo de Resolução Europeu da Banca (+22%). No OE para 2021 não haverá mais dinheiro para o aumento do investimento público nem para a contratação de mais profissionais de saúde, ou para o aumento dos salários dos trabalhadores da administração pública que, por sua vez, seria um empurrão para a subida dos salários dos trabalhadores do sector privado, nivelando todos os salários por cima, ou para acabar com os trabalhadores precários no estado, ou mais dinheiro para o SNS ou Educação ou Segurança Social, já que o desemprego irá ser incontrolável. Ou como o governo PS, com os dinheiros públicos, recapitaliza a economia nacional (capitalista) para que a burguesia não veja os seus lucros a diminuir, ou seja, se mantenha a incessante acumulação do capital.

O tempo de pandemia covideira tem sido boa oportunidade para a proliferação de bons negócios, a par dos financiamentos do estado, para as diversas grandes empresas, cujos accionistas não possuem os mínimos pruridos de distribuir entre si os muitos milhões em dividendos enquanto os trabalhadores vão sendo despedidos ou com os magros salários cortados em elevada percentagem. E os exemplos são vários, para além das empresas cotadas em bolsa e com sede na Holanda, temos uma Navigator que, depois de ter recorrido ao lay-off para 1200 trabalhadores, uma excelente recapitalização com os dinheiros da Segurança Social, e apesar de ter tido lucros de 168,3 milhões de euros em 2019, distribuiu aos accionistas 99,14 milhões de euros; Altice, que recorreu ao lay-off para 612 trabalhadores, despediu trabalhadores precários, quer congelar salários para 2020 e agora até pede apoio do estado para instalação da rede 5G, apesar de ter obtido lucros de 210 milhões de euros no ano passado; a Sumol+Compal vai iniciar um processo de despedimento colectivo, 80 trabalhadores, depois de ter colocado em lay-off 40% dos seus 1200 trabalhadores, alegando “dificuldades provocadas pela crise pandémica”; o grupo Global Media, detentor de órgãos de imprensa JN, DN, TSF e Jogo, entre outros, quer despedir 81 trabalhadores, um despedimento colectivo, para reduzir 7,8 milhões de euros em despesas de salários, depois de ter recebido do governo PS 1.064.901,66 euros para compra de publicidade institucional, o quer dizer na prática para fazer publicidade às políticas do governo, principalmente no que concerne às medidas de pretenso combate à doença covid-19. E o número não acaba de empresas que depois de terem sido recapitalizadas, vão despedindo e esperam possivelmente por mais fundos públicos... porque são viáveis. Conhecendo os factos, melhor podemos entender a real motivação das medidas de combate à pandemia e para que serve na realidade os estados de emergência e o OE para 2021. Tudo se liga e se inter-relaciona.

O governo PS ao mesmo tempo que vai despedindo enfermeiros, embora diga que nem sequer os vai deixar sair do SNS, prepara-se para dar mais de 200 milhões por vacinas que ainda não tiveram tempo para se comprovar que são seguras e eficazes e continua na compra de um medicamento comprovadamente ineficaz, o Remdesivir, onde já terão sido gastos 35 milhões de euros, uma forma pouco hábil de enriquecimento dos grandes grupos farmacêuticos internacionais, conhecidos pelos seus processos pouco limpos de aliciar médicos, cientistas e governantes para o bom prosseguimento dos seus mais que chorudos negócios. A pandemia do covid-19, feita à medida e depois da pandemia da gripe suína ter falhado há 10 anos, marcará a reorganização e a desejada revitalização da economia capitalista, onde nenhum sector de actividade humana ficará de fora, nomeadamente o sector da saúde, onde os privados tentarão sempre ter o melhor quinhão – neste momento as empresas privadas da saúde já terão garantido umas centenas largas de milhões de euros – e com os responsáveis do negócio da doença a reclamar que “a saúde também tem de ser tutelada pelo ministério da Economia” – presidente do Health Cluster dixit.

O governo está cada vez mais isolado, e sabe disso. As sondagens, descontando o que possam incluir de imprecisão ou até de manipulação, revelam que os portugueses estão cada vez mais desiludidos com as políticas do governo em relação à pandemia, porque se em Março eram 25%, agora, são 50% os inquiridos que consideram as medidas do Governo pouco ou nada adequadas; 35% dos inquiridos declaram que nem sempre usam a máscara em grupos de 1o ou mais pessoas; e, mais grave, 20% das pessoas que disseram necessitar de uma consulta, nas últimas duas semanas, não a tiveram porque decidiram não ir ou foi desmarcada, e cerca de 40% de pessoas evitaram marcar ou adiaram cuidados de saúde não urgentes por receio de contrair covid-19; também é grande o impacto na saúde mental, com mais de 20% a dizer que se sentem agitadas, tristes ou ansiosas todos os dias ou quase todos os dias. – dados do estudo Barómetro covid-19 Opinião Social, que inquiriu 182.581 pessoas desde Março.

A renovação do estado de excepção foi aprovada com os votos favoráveis de PS e PSD, com apenas 187 votos; desta vez até o CDS, que tinha aprovado o anterior, se absteve, e o Chega a mudar o voto de abstenção para contra; o PCP, escaldado com os resultados eleitorais nos Açores, já não tinha chegado o mau resultado na legislativas, parece que não tem meio de aprender, votou contra; e o BE, no seu crónico oportunismo, absteve-se com a ideia peregrina de alguma vez vir a ser governo. Este resultado mostra que o PS se encontra cada vez mais só e que a votação para o OE-2021 não será muito diferente. A gestão da pandemia e a aprovação do OE, bem como toda a governação dos últimos tempos, irão ter um efeito de desgaste enorme quer no PS quer no PSD. Ao mesmo tempo que a burguesia tenta a reestruturação da sua economia assente no extorquir acelerado e extremo da mais valia produzida pelos operários, irá mais dia menos dia reorganizar o seu quadro partidário, e os partidos que surgiram no pós-25 de Abril estão a dar as últimas, em termos internos, e, a nível internacional, a UE é um cadáver adiado e o sol do capitalismo mundial está a virar para leste. Encontramo-nos em fim de ciclo. E daqui para a frente tudo estará em aberto, incluindo no campo do proletariado e da revolução comunista.

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