Os incêndios florestais tomaram mais uma vez conta de Portugal dando uma imagem muito semelhante àquela que acompanhou o início do consulado de António Costa e governos socialistas, uma imensa tragédia mais que conhecida e temida e que ninguém ousa ou tem interesses em evitar. No entanto, a ministra da dita “administração interna” não esconde a irritação pela insistência das perguntas dos jornalistas quanto à falta de meios aéreos para combate aos fogos, considerando-a “irrelevante”, e o outro responsável pela “defesa” formaliza a criação de um “grupo de trabalho” para desenvolver propostas para pedido formal de “assistência financeira”; ou seja, aumentar a dívida pública para adquirir mais material de guerra, não a uma hipotética e futura indústria nacional de defesa, mas aos EUA conforme ficou estipulado pelo recente acordo entre a União Europeia e o Império do outro lado do Atlântico. Vai-se comprar F-35 para a guerra e alugam-se, tarde e a más horas, helicópteros para combate aos incêndios e para o transporte de doentes. Como alguém disse em relação ao pavoroso incêndio a lavrar neste momento em Arouca: “Estamos num inferno quando podíamos estar no paraíso". Portugal a arder é mais do que uma metáfora.
A agenda do grande capital financeiro e da
burguesia ultramontana
A política é condicionada pela economia, é a
sua expressão a nível da gestão da coisa pública e o governo nunca deixa de ser
o comité de negócios da oligarquia. Assim,
não é despiciendo relembrar que a dívida pública está a subir há seis
meses seguidos e fixou novo recorde em Maio, é o segundo máximo absoluto
consecutivo, graças sobretudo aos títulos de dívida e certificados de aforro –
chegou aos 284,5 mil milhões de euros, ou seja, mais 3,7 mil milhões do que no
mês anterior. Como também se deve salientar o que os tais “peritos do Bruegel”
sugeriram a Bruxelas a criação de um novo imposto para pagar gastos militares. As
exportações de bens diminuíram 1,3% no segundo trimestre do ano enquanto as importações
subiram 6,4%, resultado do aumento do turismo e da alguma estagnação da
produção nacional. O estado português acaba de financiar-se em 1.260 milhões de
euros a longo prazo, mas pagando juros mais altos. Perante a situação de crise
aguda iminente da economia - que corre sobre a crise crónica que é estrutural -, a elite
encarregou o governo Montenegro/PSD/Chega a preparar um pacote de medidas que,
logo que sejam passadas as eleições autárquicas e presidenciais, serão impostas
a fogo e ferro e que superarão em muito as que foram aplicadas pelo programa de
assistência da troika. Até lá, às eleições, alguns rebuçados irão adoçar a boca do
eleitorado.
O programa político do governo Montenegro é,
sem mínima margem para dúvidas, o programa do grande capital financeiro,
representado por Bruxelas, e o do sector mais ultramontano e explorador da
oligarquia nacional. Praticamente todos os órgãos da informação mainstream
fizeram campanha pela vitória do PSD e, agora governo, é levado ao colo e, sem
rebuço, deixaram de falar da empresa familiar do primeiro-ministro. Não é por
acaso que o mais reaccionário deles todo lançou de imediato uma campanha de descredibilização
do actual governador do Banco de Portugal quando Montenegro aventou a hipóteses
de o reconduzir no cargo, a exemplo do que tem acontecido até aqui. A cartilha
dos acionistas do “Observador” é exactamente a agenda política do governo. A
promoção do ex-ministro “pastel de nata” do governo de Passos coelho para o cargo
não é inocente, talvez já ninguém se recorde e a imprensa também não as vai recuperar,
as palavras preferidas ainda há pouco tempo por Álvaro Santos Pereira, em
entrevista ao “Expresso”: a “proteção dos despedimentos individuais deve sair
da Constituição”. Ainda não tinha sido nomeado para governador do banco central
e já defendia a realização de “reformas estruturais” e que a “revisão
constitucional”, embora não fosse indispensável, iria “dar um impulso à
competitividade”. Quanto às intenções deste homem de mão do grande capital
financeiro internacional estamos conversados, o papel de agência do BCE por
parte do Banco de Portugal sairá reforçado.
Com o governo e os instrumentos financeiros
sob inteiro controlo de Bruxelas e da elite parasitária nacional a política não
poderá ser outra se não intensificar a extorsão de mais-valia à força de
trabalho nacional, onde os trabalhadores imigrantes são uma parte importante. Daí
ser necessário reforçar outros instrumentos de controlo e de exploração do trabalho:
restringir o direito à greve, ou simplesmente acabar com ele; “reformar” o
código do trabalho, a fim de baixar ainda mais os salários reais, a existência
de uma enorme mão-de-obra ilegal será um meio importante para baixar os
salários em geral, fala-se já em não aumentar tanto o salário mínimo nacional;
despedimentos mais baratos e mais fáceis, mais precarização. E se houver
insubordinação social, haverá mais repressão e para este fim são necessários
mais polícias: o governo acaba de dar posse a mais 439 novos agentes… para garantir
“a liberdade e a segurança dos cidadãos”, referindo-se Montenegro mais aos
cidadãos da classe que representa e defende do que aos cidadãos comuns, esses
que se amanhem ou se matem uns aos outros. O governo joga com as estatísticas e
fomenta falsas percepções sobre a questão da segurança, enquanto o número de
crimes registados pelas autoridades diminuiu 1,3% nos últimos anos, as notícias
sobre a delinquência subiram 130% nas primeiras páginas e noticiários dos media
mainstream. Estes, juntamente com o governo, são os maiores fazedores de
fake news.
Empobrecer o povo e dividir para reinar
Com o fundo de opinião pública moldado foi
fácil ao governo alterar a lei de estrangeiros e a lei da nacionalidade de
forma a restringir ainda mais a entrada da horda de bárbaros que tanto
atormenta as boas consciências cristãs nacionais, apesar de aparentemente estarem
eivadas de inconstitucionalidades. Em relação à primeira, o manhoso do Marcelo
resolveu enviá-la para o Tribunal Constitucional e o mesmo deverá fazer em
relação à segunda, lavará sim as mãos e o ónus ficará sobre o governo e ninguém
o poderá acusar de estar a seguir a agenda da extrema-direita, como acontece de
forma indisfarçável com Montenegro. Os responsáveis políticos de alguns dos
países da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) não se fizeram
esperar nos reparos a estas alterações legislativas e é muito provável caso
elas avancem que haja retaliações, devemos lembrar que se há cerca de 60 mil
imigrantes angolanos em Portugal, há mais de 120 mil portugueses emigrados em
Angola. Se os países onde há emigrantes portugueses, com as suas famílias, fizeram
o mesmo, então, serão mais de dois milhões portugueses a fazer adornar a fraca embarcação
nacional. Estas leis servirão apenas para engrossar a mão-de-obra ilegal, mais
vulnerável e mais explorável e impedir que ela se una aos trabalhadores
portugueses em solidariedade internacionalista, o inimigo é comum: a burguesia
e o seu sistema de exploração capitalista.
Os portugueses comuns, o povo, estão mais
pobres. O número de famílias em dificuldades, muitas já se endividam para conseguir
pagar a renda e despesas essenciais como as contas do supermercado, da água,
luz e gás, apesar de manterem rendimentos fixos e trabalho a tempo inteiro, e
quem lança o alerta é o Gabinete de Proteção Financeira da Deco, que geralmente peca por defeito. No entanto, há quase 250 mil casas vazias em Portugal
fora do mercado de venda ou arrendamento, que poderiam ser usadas em termos
imediatos para a resolução do grave problema da falta de habitação para a
classe trabalhadora e até para parte da classe média. Ao todo são 723 mil casas
vagas em Portugal, das quais 485 mil estão em condições de ser habitadas, e só
metade deste número estão no mercado com o objectivo de manter a alta dos
preços e impedir um abaixamento, o que faria diminuir os lucros exorbitantes
arrecadados por toda a sorte de especuladores que pululam nesta área. Por outro
lado, vem o actual líder do PS defender que o problema de “falta de habitação”
se pode resolver com “construções modulares”, uma solução rápida para habitação
no seu limitado entendimento, depois de ter visitado uma fábrica de produção
daquele equipamento, escamoteando que o problema é antes do mais político e que
basta colocar toda a habitação disponível actualmente no mercado, constituindo-se
o estado em agente interventivo, para o problema ser resolvido.
Avanços
da extrema direita em Portugal - Thiago Lucas
Os próximos tempos vão ser de luta
O governo Montenegro/PSD/Chega assume-se desde
a primeira hora como agente de negócios da burguesia e dos interesses de
Bruxelas, a destruição agora acelerada e em modo irreversível do SNS é o melhor
exemplo desse papel. Os constantemente encerramentos das urgências pediátricas,
obstetrícias e cirúrgicas de hospitais importantes e por fins de semana
continuados e já por períodos mais longos revelam à evidência que se está proceder
ao desmantelamento dos cuidados públicos de saúde substituindo-os pelos serviços
privados, que simultaneamente são financiados pelo Orçamento Geral do Estado,
daí as verbas destinadas a este sector serem as mais elevadas de sempre, enquanto que os cidadãos portugueses nunca tiveram tão maus serviços e tantas
dificuldades em acedê-los. O que acontece no Hospital de Braga fala por si: ao
longo de 15 anos, este hospital celebrou contratos de mais de 27 milhões de
euros com uma empresa privada, pertencente ao director do serviço de
oftalmologia Fernando Vaz, que, sabendo que o escândalo seria noticiado, pede a
demissão dois dias antes. Entretanto o hospital não paga o dinheiro que deve
aos médicos radiologistas do quadro por trabalho extraordinário que eles agora
se recusam a fazer; e a assistência aos doentes que sofram AVC foi suspensa
aos sábados e aos domingos e a partir das 20h nos dias da semana. É o outsourcing
que Montenegro prometeu, e que a partir de agora será dominante quanto as
despesas do estado. Não basta pedir a a demissão da comissária política da
ministra da saúde, terá de ser de todo o governo e de toda a sua política que lhe
é “recomendada” por Bruxelas.
A mesma política será seguida em todos os negócios com o estado, as tão famigeradas parecerias público-privadas estão de regresso com a construção das linhas do TGV; o outsourcing será para continuar e estender a quase todos os serviços que ainda são públicos, saúde, educação, escolas, creches e infantários, apoio à terceira idade e cuidados continuados, que já o são através das IPSS e continuarão. O combate aos incêndios florestais também é feita em outsourcing, transformando esta desgraça nacional em chorudo negócio; enquanto houver mata e eucaliptos para arder, drones para atear as chamas (o crime vai-se modernizando), Portugal será o país da Europa com mais área ardida e por incendiarismo. Haverá também mais comissões a circular por debaixo da mesma, daí a pressa da substituição do governo PS/Costa por este mais competente no uso do cacete (pelo menos é o que se espera); golpe presidencial levado a cabo, ao contrário do que muitos militantes do PS pensam, com a colaboração activa e interessada do próprio Costa.
Ao mesmo tempo, a corrupção irá aumentar, porque é o óleo que lubrifica toda a engrenagem da economia capitalista nacional, coisa que a nossa inefável "esquerda" se esquece frequentemente. A contradição que o povo trabalhador tem de enfrentar não é bem entre a "democracia" e o "fascismo", porque estas duas formas de regime político são apenas duas maneiras distintas de gerir o capitalismo, mas entre capitalismo e socialismo/comunismo, entre poder político nas mãos da oligarquia e o mesmo poder nas mãos de quem trabalha e produz. A velha toupeira é incansável no seu lento e discreto trabalho, e uma nova esquerda terá de se erguer no lugar da velha, que desde há muito perdeu referências e apoio dos de baixo, passando o tempo na conciliação para se alcandorar a pequeno lugar na mesa do banquete da exploração. Os próximos tempos vão ser de luta, e de luta bem dura - o capitalismo terá de ser destruído.
Imagem de destaque: Portugal em chamas
- Vasco Gargalo
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