sexta-feira, 22 de maio de 2020

Tão amigos que eles são!


Antoni Miró

Nos últimos dias, temos assistido a algumas cenas particularmente enternecedoras entre seres que se amam de sobremaneira, embora por vezes não pareça, constituindo um trio admirável, para não dizer “Odemira”, não sabemos bem se elogio ou insulto ao mais que conhecido trio de música popular portuguesa. Marcelo, Costa e Centeno, por esta ou por outra ordem qualquer, esta é arbitrária e ao gosto do freguês, são os componentes do dito trio. E várias têm sido as cenas: Costa e Centeno, um diz que não sabia e o outro diz que não guarda segredos, com Marcelo irritado com o segundo, por hipotética “fuga de informação”, ou o Costa a apoiar e a lançar a recandidatura de Marcelo, com este a fazer-se de esquisito, declarando que haverá outros temas mais prementes. Todos fazem de conta, os três pensam como prioridade no seu futuro político, os partidos a que pertencem são instrumentos de ambições mal contidas, e o povo assiste à encenação, pagando o bilhete no princípio, no meio e no fim desta ópera bufa, que seria uma comédia e não uma tragédia se o preço não fosse enorme e pago com língua de palmo pelos mesmos do costume. Todos se amam na defesa da situação, da estabilidade e da paz social e... no apego ao tacho, só se zangarão se houver alguma incompatibilidade ou imprevisto entre eles.

Um pequeno pormenor a ter em conta em relação ao apoio à recandidatura de Marcelo, é feita pelo primeiro-ministro de um país aparentemente soberano em fábrica de uma grande empresa alemã, com votos de próximo encontro na mesma fábrica, como já acontecera no passado. Não deixa de ser simbólico: numa fábrica alemã que se instalou no nosso país, em tempo do cavaquismo, não pela lindeza dos olhos dos trabalhadores portugueses mas pelo baixo custo da mão-de-obra nacional, para além de outras regalias e benefícios para o grande capital alemão. Costa e Marcelo assumem-se descaradamente como lacaios do imperialismo germânico, do IV Reich da führer Merkel. Para quem ainda tivesse dúvidas, fica o registo. Costa, quanto à defesa dos interesses da Alemanha, também não tem deixado os pergaminhos por mãos alheias, já procedeu à requisição civil contra os trabalhadores do porto de Setúbal e colocou a polícia a proteger os fura-greves quando começou a falhar a saída por aquele porto dos automóveis construídas pela fábrica da Autoeuropa, em Palmela, que não teve problemas em entrar em lay off apesar dos muitos milhões de euros de lucro. Situação esta de iniciativa do governo PS que, alegando a dita “crise da pandemia”, já beneficiou mais de metade das grandes empresas e somente menos de um décimo das pequenas e micro empresas (dados da CGTP). Costa e Marcelo são dois rematados lacaios do grande capital, dois Migueis de Vasconcelos, dois rematados traidores no sentido tradicional do termo, dois agentes da burguesia indígena, que não merece o nome de “nacional” já que a sua pátria é a conta bancária e o património conseguidos à custa da sobre-exploração dos trabalhadores portugueses.

Mal se soube do apoio de Costa a Marcelo, logo umas almas penadas da política se indignaram com a proposta ter sido feita à revelia do partido, umas (falsas) virgens que parecem contradizer, mas só parece!, os “carneiros” que logo vieram criticar os que criticavam e deram de imediato o reverenciado ámen à decisão do primeiro (deles), comprovando que o PS não passa de uma agência de emprego para os militantes e outras clientelas, ou seja, um meio seguro de acesso ao pote. A carneirada, o aparelhismo, a subserviência, ser fiel ao chefe, são características endógenas do PS, e não só deste partido, mesmos os restantes que não têm estado na governação não fogem muito à regra: um estado de alma, um genoma, um destino de um partido que foi fundado em 1973, na Alemanha, com os dinheiros da social-democracia da Fundação Friedrich Ebert, o chanceler da república de Weimar que mandou assinar os revolucionários Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, e com um objectivo: enfiar o país na então CEE, transformá-lo num protetorado do futuro império alemão. A entrada no euro foi o completar do processo formal da constituição do império e o início da pauperização em grande velocidade do povo português. A crise dita “do coronavírus” apenas veio tornar mais visível, e simultaneamente acelerar e justificar as medidas de austeridade há muito preparadas, a crise económica mais profunda: a Alemanha entrou em recessão ainda antes da pandemia, segundo o instituto de estatística Destatis, já com o recuo de 0,1% do PIB no quarto trimestre de 2019, retrocesso que se manteve nos dois trimestres seguintes, e com a queda de 9,2% da produção industrial, coisa que não se via desde 1991.

Em relação às presidenciais, o PS não irá mudar a sua estratégia, delineada e colocada em prática desde o tempo de Mário Soares, de abrir a porta e tornar viável uma candidatura de direita, para satisfazer os apetites deste sector mais retrógrado da elite dita “nacional”; estratégia que falhou com o Soares Carneiro, cujo objetivo era afrontar Eanes e satisfazer desejo mesquinho de revanche de Mário Soares, mas que resultou em pleno com Cavaco Silva e, mais tarde, com o Marcelo, cabendo o papel de idiotas úteis a Manuel Alegre e a Sampaio da Nóvoa, o primeiro por duas vezes, parece que nada aprendeu da primeira vez, o homem só de poesia é que entenderá alguma coisa, porque de política, népias! Pelos vistos Ana Gomes irá assumir o mesmo papel, dando redobrado gozo a Marcelo por uma provável vitória logo à primeira volta por mais de 60%, porque de novo surgirá um candidato oficial ou oficioso do PS, um palerma do género José Seguro ou afim, para dividir o eleitorado de esquerda. A direita sabe que só dividendo este eleitorado é que consegue eleger um presidente da República, exactamente como tem acontecido até agora. Se a fala-barato Ana Gomes (parece gostar de protagonismo, será uma personalidade histriónica?, não sabemos e até pouco interessará para o caso) conseguir manter-se firme na defesa de um programa de esquerda, susceptível de unir o povo de esquerda, largamente maioritário na sociedade portuguesa, então tudo bem. Mas para isso terá de fazer o que Alegre não teve coragem para fazer, colocar-se contra o partido e eventualmente ter que sair. Terá Ana Gomes tomates para o fazer? Esperamos para ver.

O PS é cada vez mais um partido em processo de fascização, já nem diremos de direitização, tal como os restantes partidos do regime, ficando essa tendência bem evidente em mais um episódio, acontecido recentemente: a prisão, em hotel e a expensas do próprio, de um natural dos Açores que ali chegou de avião a mando do governo regional, com a justificação do despiste de covid-19; perante a libertação por ordem de uma juíza, o soba local veio publicamente manifestar a sua discordância da decisão do tribunal, embora aceitando, mais do que contrariado senão não tinha vindo a terreiro, o referido facto. Costa e Marcelo são apenas duas expressões de uma cacicagem fascistóide, que faz da gestão do Estado uma gerência de uma qualquer quinta de propriedade pessoal, não diferindo em termos qualitativos, por exemplo, do fascista descarado e oportunista Ventura. Este não deixará de beneficiar do apoio de todos os media de referência do establishment, para servir de espantalho a fim de assustar as mentes mais temerosas que se não votarem nos candidatos do “sistema” virá aí o fascismo; uma manipulação já usada e vezada em outros países, nomeadamente em França com a Frente Nacional, porque depois vamos a ver e não há diferença de vulto entre uns e outros. A acontecer esta candidatura da extrema-direita formal será mais uma benesse que Marcelo irá agradecer, porque o fará passar por democrata, um democrata da treta que ainda há pouco não se coibia de gabar o ministro fascista das Finanças Pinto Barbosa, braço direito de Salazar durante a época mais feroz da ditadura, como “um muito bom ministro das Finanças”.

Repetimos: haverá coragem de colocar em causa a política seguida até agora e levada à prática quer pelo PS quer pelo PSD, que por sua vez responde a uma agenda política da própria burguesia portuguesa, uma política de subordinação aos interesses da Alemanha, que irá aproveitar a ocasião, com ou sem o “fundo de estímulo” de 500 mil milhões de euros em dívida da UE avançado pelo eixo franco-alemão, para fazer recair o preço da sua recuperação económica sobre os países da periferia? Irá o candidato da esquerda repudiar o aumento já crónico e em progressão constante da dívida pública, e de toda ela, reclamando uma maior soberania económica, financeira e monetária, e ao cabo e ao resto política, para o país? E irá colocar em causa a permanência de Portugal no euro e na União Europeia? Esperamos sentados, para ver se surge alguma candidatura mesmo de esquerda.

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