Nos últimos dias temos assistido a um quase
duelo entre o governo, com o líder cheio de pica na demagogia e na provocação,
e a oposição timorata. Parece que todos vieram de férias cheios de vontade em
provar que existem e que a sua existência e actividade ainda valem alguma coisa
perante o olhar atónito do povo contribuinte português. O centro da disputa centra-se
no Orçamento de Estado de 2025, cuja aprovação o governo considera facto
consumado, caso contrário será o caos. O dito “principal partido da oposição”,
não escondendo a hesitação, coloca
algumas condições quanto ao alívio fiscal dos sacrificados portugueses
incluindo os que por enquanto pagam a contribuição sobre o Rendimento das
Pessoas Coletivas, como condição para o seu voto favorável. Incontornavelmente,
o rei Marcelo declara que o OE-2025 será certamente aprovado… porque “os
portugueses assim o querem”. Resumindo, depois da realização das ditas
“academias” e “universidades” de Verão das juventudes partidárias, autênticas
escolas para o crime, a luta pela disputa do pote adivinha-se, este ano, assaz
renhida.
A disputa pelo pote
Se o Orçamento não for aprovado, Montenegro ameaça,
mais que veladamente, com novas eleições antecipadas. A distribuição do bodo
aos pobres, professores, polícias, guardas prisionais, médicos, aposentados, é
mais que indício de querer comprar votos em peleja eleitoral a realizar
brevemente. O aparecimento em colete salva-vidas e em bote de borracha, e o
recato em retiro de luxo no Brasil enquanto o fogo na Madeira destruía mais de
cinco mil hectares de floresta protegida, durante 13 longos dias, constitui a
demagogia mais rasca e simultaneamente a cobardia política de quem
hipoteticamente se pretende o salvador do pedaço à beira-mar plantado.
Como se vê, quando se chega a esta altura é
sempre mais do mesmo quanto a saber a quem calha o maior quinhão da riqueza
extorquida ao povo português. Como se faz a divisão do saque e qual a comissão
para quem se responsabiliza, pelo menos formalmente, pela sua execução. Depois
de aprovado localmente ainda terá de ir a Bruxelas a fim de obter o ámen final.
Entretanto, César já foi peremptório: PS deve negociar Orçamento "sem se
precipitar em ruturas políticas". O agora amansado trauliteiro Santos
Silva Santos insiste que a “esquerda” possui responsabilidade na luta contra a
extrema-direita, apagando a outra responsabilidade de a ter promovido. O BE
insufla o peito e promete chumbo redondo ao OE e o PCP faz-se invisível esperando
que não aconteça grande tempestade. E o primeiro-ministro, numa de político
façanhudo, arrota que é a oposição que deseja a "instabilidade" e que
são os líderes de PS e Chega os "despeitados e desorientados". Está
montado o palco para a festa.
A ministra das Finanças alemã para Portugal
A festa tem sido sempre a dos políticos que se
dispõem servilmente a obedecer às directivas de Bruxelas, recebem as devidas
comissões e prebendas, e é transversal aos partidos da governação, que, depois
de massacrarem os cidadãos portugueses com o esbulho e a austeridade, são geralmente
recompensados com sinecuras de oiro nos organismos internacionais, FMI,
Comissão e Conselhos Europeus, BCE, e por aí fora. Costa foi recompensado com a
presidência do Conselho Europeu e logo a seguir o Governo AD indicou a pessoa
com “mais curriculum” para o lugar de comissário europeu, com o apetitoso
vencimento de 25 mil euros mensais, ou seja, cerca de 30 vezes mais o salário
mínimo nacional. Considerando a pessoa em causa, poderemos dizer, sem exagero,
que será mais cadastro que curriculum.
A “miss swaps”, assim conhecida pelos seguros ruinosos
que fez em relação aos juros dos empréstimos contraídos pelas empresas públicas
à banca privada fez com que só o espanhol Santander tenha embolsado 1,8 mil
milhões de euros a mais, ao todo terão sido 3 mil milhões de euros. A dita
ministra das Finanças, ao serviço da Alemanha e de inteira confiança e simpatia
do tenebroso ministro as Finanças alemão Wolfgang Schäuble, foi responsável
pela alienação de empresas públicas, rentáveis e estratégicas para o país, ANA,
EDP, CTT e REN. A TAP, a pretexto do défice financeiro crónico, foi
vendida a dois empresários manhosos que não só a “compraram” com o dinheiro da própria
empresa, como agora se comprova embora já se soubesses, e ainda receberam umas
centenas largas de euros na renacionalização.
Graças a esta comissária, que já o era antes
de o ser, o BPN foi vendido ao desbarato e foi experimentada pela primeira vez
na UE, mas não repetida, a resolução do BES, ficando o país a arder, em
prejuízo directo e indirecto, em cerca de 20 mil milhões de euros. Os trabalhadores
e os pensionistas ainda bem se lembram dos cortes nos salários e nas pensões e
do aumento dos impostos. O governo de Passos Coelho/Paulo Portas foi para além
da troika e os actuais dirigentes do PSD e do CSD-PP ainda se gabam do facto.
Montenegro ainda se arroja a firmar que troikistas são os dirigentes e
militantes do PS e o recadeiro-mor do reino, colocando-se em bicos de pés ao
perfilar-se a candidato a Belém, não se engasgou ao dizer que se não tivesse a
miss swaps a feito o que fez, teria sido qualquer outra pessoa do PS. Possivelmente,
nem estará muito enganado. A dita depois de sair do governo foi recompensada
com o tacho na empresa abutre Arrow Global, curiosamente, a que comprou e ainda
gere a dívida do Banif. Cadastro melhor do que este será difícil de encontrar.
A estagnação económica
Quando a direita cá do burgo se encontra em
dificuldades o PS tem sido catapultado para o governo, devido à sua maior base
social de apoio, lá consegue colocar as contas em dia sem provocar grande
contestação social. Logo que a direita se endireita e na perspectiva de se
avizinharem tempo difíceis, de imediato o partido mais representativo da
burguesia é reconduzido ao poder governativo nem que para isso se tenha de atropelar
as regras ditas “democráticos”. Foi o que aconteceu com a demissão de um
governo de maioria absoluta e a meio da legislatura, não deixando de ser irónico
ouvir da boca, de quem mais desestabilizou a situação para derrubar o governo,
apelos contra a instabilidade. Ora, o que é que faz correr esta gente que usa a
mentira e a manipulação?
A situação económica não é famosa e promete
degradar-se rapidamente, esta sim a verdadeira razão do alarido. E os dados
estão à vista: metade da economia está estagnada ou em recessão, “agricultura,
indústria, construção e alguns serviços dão sinais de exaustão”, e a inflação
vai subir de novo, apesar de o ministério das Finanças ter revelado que as
contas públicas voltaram ao excedente devido ao aumento da colecta do IRC. E são
já dois trimestres seguidos que a economia se encontra estagnada – é o próprio
INE que o diz. O mesmo se passa com outras economias mais fortes na UE,
nomeadamente, a “locomotiva da Europa”, a Alemanha, em sérias dificuldades
económicas e sem perspectivas de melhorar a curto ou a médio prazo.
Este governo irá fazer pior do que o governo PàF/PSD/CDS-PP/Coelho/Portas
por diversas razões. A crise económica que se aproxima será mais bem prolongada
e profunda, as soluções para a debelar estão esgotadas, a guerra encontra-se
dentro da Europa, o Ocidente alargado tem pela ferente um contendor de peso que
são os BRICs, e os povos e, em particular, os trabalhadores assalariados,
encontram-se menos disponíveis para aceitar uma outra vez medidas de austeridade
a redobrar. Prevêem-se fortes borrascas sociais. Os despedimentos colectivos aumentaram 32%
nos primeiros seis meses do ano em comparação com o mesmo período do ano
passado. O desemprego registado apresentou uma subida homóloga de 7,3% no
passado mês de Julho. Mais de cem mil pessoas passaram a ter dois empregos, daí
a propaganda que é feita em relação à semana dos quatro dias de trabalho. A razão
é sempre a mesma, a necessidade de manter as taxas de lucro dos capitalistas
nacionais e estrangeiros que por cá pululam.
Baralhar e voltar a dar
A solução na perspectiva da elite e de
Bruxelas é sempre mais do mesmo: austeridade. Para conseguir impor a receita há
que obter maioria absoluta, razão que leva Marcelo e Montenegro preocuparem-se
tanto com a estabilidade que eles nunca respeitaram aquando dos governos PS. Se
o Orçamento for chumbado Marcelo não hesitará de aceitar a demissão do governo
e convocar de novo eleições antecipadas. Será a fuga para a frente. Montenegro
já ensaiou o papel de salva-vidas e adoçou a boca de alguns sectores
profissionais dos serviços públicos e dos pensionistas. Não será por falta de
vergonha e de populismo mais rasteiro que o PSD não irá ganhar as eleições com
maioria absoluta. Pelos menos, é assim que as contas estão a ser feitas, mas a
realidade poderá fazer gorar os planos.
Após a operação de relações públicas de querer
resolver os problemas pendentes e herdados do anterior governo, o governo AD
vai aos pouco mostrando a sua verdadeira natureza. Começou a impor a lei da
rolha no Hospital de Santa Maria, onde colocou um homem de mão e ex-secretário
de estado do PSD, a pretexto de defender o bom nome dos profissionais de saúde,
enquanto vai desprezando os mesmos, recusando a melhoria salarial e de carreiras,
e destruindo rapidamente o SNS. Para este objectivo contratou um militar que já
prometeu a continuação do desastre com a contratação dos privados que, por sua
vez, já receberem uma bela fatia de 65 milhões de euros para acorrerem no
serviço de urgências gerais. Os cuidados de obstetrícia e ginecologia são para
privatizar, bem como os cuidados primários. E a escola pública será para
completar a destruição, falta de muitas centenas de professores a duas semanas
de início das aulas e as propinas do ensino superior são para descongelar.
No entanto, o governo PSD ornamentado com CDS-PP
está a sofrer dos mesmos males do anterior, que era tão criticado e estava
sempre nas primeiras páginas dos jornais e nas aberturas dos noticiários
televisivos. Em menos de cinco meses de vida, já sofreu um tremor de terra e um
grande incêndio. A respeito do sismo, o falsas Moedas veio aos pulos perante as
câmaras de televisão perorar que a “resposta” foi um sucesso. Mas que resposta
se nada houve de acidente, quer em relação a património quer a pessoas? Mais um
exercício de pura demagogia e falta de vergonha que foi acompanhado quase
simultaneamente pelo monárquico e pelo salva-vidas. E o incêndio que lavrou à
vontade na Madeira mostrou, o que já se sabia, a arrogância e a sobranceria do
soba do arquipélago, que, a custo lá interrompeu as férias e a à última hora e depois
de se ver isolado pelo próprio partido do continente, considerou a necessidade
da intervenção dos canadairs. Os milhares de hectares de floresta
ardidos não lhe perturbaram quase de certeza nem o sono nem a digestão da
lagosta.
A corrupção transversal aos partidos da
governação
Quanto aos “casos e casinhos”, de que tanto o
Costa se queixa por usados como instrumento de arremesso contra si e o seu
governo, constata-se que em menos de cinco meses de existência, o governo foi
roubado não em um computador, mas em oito. E quanto aos casos que atormentam outras
figuras e do partido, e ao mesmo tempo figurões do estado, ficou-se a saber que
o presidente da Assembleia da República, a segunda entidade mais importante da
República (das bananas) entregou à Entidade para a Transparência (EpT) uma
declaração de rendimentos e património onde não constava o o Valor Patrimonial
Tributário (VPT) de 10 imóveis urbanos, no valor de perto de 3 milhões de euros,
tendo entregado uma segunda já com os imóveis “esquecidos”, depois de ter sido
questionado pela imprensa. Relembrar que Aguiar Branco esteve metido em negócio
do Parque Escolar e responsável pela liquidação dos públicos estaleiros de
Viana do Castelo, que acabaram por ir ter às mãos do grupo Martifer.
Antes deste acontecimento, o governo aprovou
uma lei que limita acesso às declarações de património dos políticos, situação
denunciada e considerada “grave” pelo Sindicato de Jornalistas. Não só a referida
lei atenta contra a liberdade de imprensa, como cria uma opacidade sobre a
forma como os políticos vão enriquecendo enquanto estão no poder e com a mão
dentro do pote. Seria deveras interessante saber como o presidente do Parlamento
enriqueceu, por exemplo.
É notícia recente no jornal do regime, o
inefável “Expresso”, que o governo criou uma comissão que tem como objectivo
apresentar um novo calendário e orientações para os concursos de concessões de
eletricidade em baixa tensão, tendo entregado a presidência a um ex-governante
do PSD e ex-presidente da espanhola Endesa. Por coincidência, esta empresa é
parte interessada no concurso. Não será difícil adivinhar quem vai muito
provavelmente ganhar o concurso, e destronar a EDP, neste chorudo negócio, se
acontecer também se poderá imaginar o montante das comissões ou propinas. Interessante
também o facto de o actual ministro das Infraestruturas e Habitação estar no momento
com o dossier da reprivatização da TAP e conhecendo-se agora o relatório da IGF
que aponta para indícios de crime na operação de privatização, que foi de
responsabilidade do então secretário de estado dos Transportes – por coincidência, a pessoa é a mesma. A oposição reclama a demissão do ministro. A outra
coincidência é que estas coisas estão a acontecer na mesma altura em que o CEO
da alemã Lufthansa vem a Portugal para tratar da compra de parte da transportadora
nacional. Manda Bruxelas.
A falência do establishment
Nestes últimos dias, acontecerem,
infelizmente, dois acidentes envolvendo dois helicópteros que operavam em
combate aos incêndios, com cinco vítimas mortais. Um elemento comum a estes
dois acidentes funestos é o facto de os helicópteros serem alugados a privados,
que, por sua vez, os alugam a empresas estrangeiras e operados por pilotos
civis. Com os milhões que se gastam nestes negócios feitos, na maioria, por
ajuste directo, já o Estado teria comprado uma grande frota e treinado pilotos
da força aérea em quantidade mais que suficiente. Salientar que os canadairs
que acabaram com o incêndio da Madeira são propriedade do estado espanhol. Os incêndios
têm constituído desde há quase cinquenta anos um manancial de lucros para um
grande número de empresários que sobrevivem à custa do Estado, mas gostam muito
de criticar o excesso de “gordura” desse mesmo Estado, alguns deles até financiam
o partido da extrema-direita portuguesa. Estes dois desastres são simbólicos e ilustram
um regime e um governo prestes a desmoronar.
As reivindicações, insertas na canção, de ‘paz,
pão, habitação, saúde e educação’, consubstanciando a liberdade para quem
trabalha, passado meio século, estão longe de se encontrarem realizadas. Pior ainda,
nos últimos vinte anos são objectivos que se têm vindo a afastar, e alguns
deles são já inalcançáveis se se mantiver o mesmo estado de coisas. Por vontade
dos partidos do regime a situação será para manter até que apodreça. A aprovação
do OE-2025, quase tida como certa, irá nesse sentido.
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