terça-feira, 3 de setembro de 2024

Governo AD, demagogia e corrupção

  

Nos últimos dias temos assistido a um quase duelo entre o governo, com o líder cheio de pica na demagogia e na provocação, e a oposição timorata. Parece que todos vieram de férias cheios de vontade em provar que existem e que a sua existência e actividade ainda valem alguma coisa perante o olhar atónito do povo contribuinte português. O centro da disputa centra-se no Orçamento de Estado de 2025, cuja aprovação o governo considera facto consumado, caso contrário será o caos. O dito “principal partido da oposição”, não escondendo a hesitação,  coloca algumas condições quanto ao alívio fiscal dos sacrificados portugueses incluindo os que por enquanto pagam a contribuição sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, como condição para o seu voto favorável. Incontornavelmente, o rei Marcelo declara que o OE-2025 será certamente aprovado… porque “os portugueses assim o querem”. Resumindo, depois da realização das ditas “academias” e “universidades” de Verão das juventudes partidárias, autênticas escolas para o crime, a luta pela disputa do pote adivinha-se, este ano, assaz renhida.

A disputa pelo pote

Se o Orçamento não for aprovado, Montenegro ameaça, mais que veladamente, com novas eleições antecipadas. A distribuição do bodo aos pobres, professores, polícias, guardas prisionais, médicos, aposentados, é mais que indício de querer comprar votos em peleja eleitoral a realizar brevemente. O aparecimento em colete salva-vidas e em bote de borracha, e o recato em retiro de luxo no Brasil enquanto o fogo na Madeira destruía mais de cinco mil hectares de floresta protegida, durante 13 longos dias, constitui a demagogia mais rasca e simultaneamente a cobardia política de quem hipoteticamente se pretende o salvador do pedaço à beira-mar plantado.

Como se vê, quando se chega a esta altura é sempre mais do mesmo quanto a saber a quem calha o maior quinhão da riqueza extorquida ao povo português. Como se faz a divisão do saque e qual a comissão para quem se responsabiliza, pelo menos formalmente, pela sua execução. Depois de aprovado localmente ainda terá de ir a Bruxelas a fim de obter o ámen final. Entretanto, César já foi peremptório: PS deve negociar Orçamento "sem se precipitar em ruturas políticas". O agora amansado trauliteiro Santos Silva Santos insiste que a “esquerda” possui responsabilidade na luta contra a extrema-direita, apagando a outra responsabilidade de a ter promovido. O BE insufla o peito e promete chumbo redondo ao OE e o PCP faz-se invisível esperando que não aconteça grande tempestade. E o primeiro-ministro, numa de político façanhudo, arrota que é a oposição que deseja a "instabilidade" e que são os líderes de PS e Chega os "despeitados e desorientados". Está montado o palco para a festa.

A ministra das Finanças alemã para Portugal

A festa tem sido sempre a dos políticos que se dispõem servilmente a obedecer às directivas de Bruxelas, recebem as devidas comissões e prebendas, e é transversal aos partidos da governação, que, depois de massacrarem os cidadãos portugueses com o esbulho e a austeridade, são geralmente recompensados com sinecuras de oiro nos organismos internacionais, FMI, Comissão e Conselhos Europeus, BCE, e por aí fora. Costa foi recompensado com a presidência do Conselho Europeu e logo a seguir o Governo AD indicou a pessoa com “mais curriculum” para o lugar de comissário europeu, com o apetitoso vencimento de 25 mil euros mensais, ou seja, cerca de 30 vezes mais o salário mínimo nacional. Considerando a pessoa em causa, poderemos dizer, sem exagero, que será mais cadastro que curriculum.

A “miss swaps”, assim conhecida pelos seguros ruinosos que fez em relação aos juros dos empréstimos contraídos pelas empresas públicas à banca privada fez com que só o espanhol Santander tenha embolsado 1,8 mil milhões de euros a mais, ao todo terão sido 3 mil milhões de euros. A dita ministra das Finanças, ao serviço da Alemanha e de inteira confiança e simpatia do tenebroso ministro as Finanças alemão Wolfgang Schäuble, foi responsável pela alienação de empresas públicas, rentáveis e estratégicas para o país, ANA, EDP, CTT e REN. A TAP, a pretexto do défice financeiro crónico, foi vendida a dois empresários manhosos que não só a “compraram” com o dinheiro da própria empresa, como agora se comprova embora já se soubesses, e ainda receberam umas centenas largas de euros na renacionalização.

Graças a esta comissária, que já o era antes de o ser, o BPN foi vendido ao desbarato e foi experimentada pela primeira vez na UE, mas não repetida, a resolução do BES, ficando o país a arder, em prejuízo directo e indirecto, em cerca de 20 mil milhões de euros. Os trabalhadores e os pensionistas ainda bem se lembram dos cortes nos salários e nas pensões e do aumento dos impostos. O governo de Passos Coelho/Paulo Portas foi para além da troika e os actuais dirigentes do PSD e do CSD-PP ainda se gabam do facto. Montenegro ainda se arroja a firmar que troikistas são os dirigentes e militantes do PS e o recadeiro-mor do reino, colocando-se em bicos de pés ao perfilar-se a candidato a Belém, não se engasgou ao dizer que se não tivesse a miss swaps a feito o que fez, teria sido qualquer outra pessoa do PS. Possivelmente, nem estará muito enganado. A dita depois de sair do governo foi recompensada com o tacho na empresa abutre Arrow Global, curiosamente, a que comprou e ainda gere a dívida do Banif. Cadastro melhor do que este será difícil de encontrar.

A estagnação económica

Quando a direita cá do burgo se encontra em dificuldades o PS tem sido catapultado para o governo, devido à sua maior base social de apoio, lá consegue colocar as contas em dia sem provocar grande contestação social. Logo que a direita se endireita e na perspectiva de se avizinharem tempo difíceis, de imediato o partido mais representativo da burguesia é reconduzido ao poder governativo nem que para isso se tenha de atropelar as regras ditas “democráticos”. Foi o que aconteceu com a demissão de um governo de maioria absoluta e a meio da legislatura, não deixando de ser irónico ouvir da boca, de quem mais desestabilizou a situação para derrubar o governo, apelos contra a instabilidade. Ora, o que é que faz correr esta gente que usa a mentira e a manipulação?

A situação económica não é famosa e promete degradar-se rapidamente, esta sim a verdadeira razão do alarido. E os dados estão à vista: metade da economia está estagnada ou em recessão, “agricultura, indústria, construção e alguns serviços dão sinais de exaustão”, e a inflação vai subir de novo, apesar de o ministério das Finanças ter revelado que as contas públicas voltaram ao excedente devido ao aumento da colecta do IRC. E são já dois trimestres seguidos que a economia se encontra estagnada – é o próprio INE que o diz. O mesmo se passa com outras economias mais fortes na UE, nomeadamente, a “locomotiva da Europa”, a Alemanha, em sérias dificuldades económicas e sem perspectivas de melhorar a curto ou a médio prazo.

Este governo irá fazer pior do que o governo PàF/PSD/CDS-PP/Coelho/Portas por diversas razões. A crise económica que se aproxima será mais bem prolongada e profunda, as soluções para a debelar estão esgotadas, a guerra encontra-se dentro da Europa, o Ocidente alargado tem pela ferente um contendor de peso que são os BRICs, e os povos e, em particular, os trabalhadores assalariados, encontram-se menos disponíveis para aceitar uma outra vez medidas de austeridade a redobrar. Prevêem-se fortes borrascas sociais. Os despedimentos colectivos aumentaram 32% nos primeiros seis meses do ano em comparação com o mesmo período do ano passado. O desemprego registado apresentou uma subida homóloga de 7,3% no passado mês de Julho. Mais de cem mil pessoas passaram a ter dois empregos, daí a propaganda que é feita em relação à semana dos quatro dias de trabalho. A razão é sempre a mesma, a necessidade de manter as taxas de lucro dos capitalistas nacionais e estrangeiros que por cá pululam.

Baralhar e voltar a dar

A solução na perspectiva da elite e de Bruxelas é sempre mais do mesmo: austeridade. Para conseguir impor a receita há que obter maioria absoluta, razão que leva Marcelo e Montenegro preocuparem-se tanto com a estabilidade que eles nunca respeitaram aquando dos governos PS. Se o Orçamento for chumbado Marcelo não hesitará de aceitar a demissão do governo e convocar de novo eleições antecipadas. Será a fuga para a frente. Montenegro já ensaiou o papel de salva-vidas e adoçou a boca de alguns sectores profissionais dos serviços públicos e dos pensionistas. Não será por falta de vergonha e de populismo mais rasteiro que o PSD não irá ganhar as eleições com maioria absoluta. Pelos menos, é assim que as contas estão a ser feitas, mas a realidade poderá fazer gorar os planos.

Após a operação de relações públicas de querer resolver os problemas pendentes e herdados do anterior governo, o governo AD vai aos pouco mostrando a sua verdadeira natureza. Começou a impor a lei da rolha no Hospital de Santa Maria, onde colocou um homem de mão e ex-secretário de estado do PSD, a pretexto de defender o bom nome dos profissionais de saúde, enquanto vai desprezando os mesmos, recusando a melhoria salarial e de carreiras, e destruindo rapidamente o SNS. Para este objectivo contratou um militar que já prometeu a continuação do desastre com a contratação dos privados que, por sua vez, já receberem uma bela fatia de 65 milhões de euros para acorrerem no serviço de urgências gerais. Os cuidados de obstetrícia e ginecologia são para privatizar, bem como os cuidados primários. E a escola pública será para completar a destruição, falta de muitas centenas de professores a duas semanas de início das aulas e as propinas do ensino superior são para descongelar.

No entanto, o governo PSD ornamentado com CDS-PP está a sofrer dos mesmos males do anterior, que era tão criticado e estava sempre nas primeiras páginas dos jornais e nas aberturas dos noticiários televisivos. Em menos de cinco meses de vida, já sofreu um tremor de terra e um grande incêndio. A respeito do sismo, o falsas Moedas veio aos pulos perante as câmaras de televisão perorar que a “resposta” foi um sucesso. Mas que resposta se nada houve de acidente, quer em relação a património quer a pessoas? Mais um exercício de pura demagogia e falta de vergonha que foi acompanhado quase simultaneamente pelo monárquico e pelo salva-vidas. E o incêndio que lavrou à vontade na Madeira mostrou, o que já se sabia, a arrogância e a sobranceria do soba do arquipélago, que, a custo lá interrompeu as férias e a à última hora e depois de se ver isolado pelo próprio partido do continente, considerou a necessidade da intervenção dos canadairs. Os milhares de hectares de floresta ardidos não lhe perturbaram quase de certeza nem o sono nem a digestão da lagosta.

A corrupção transversal aos partidos da governação

Quanto aos “casos e casinhos”, de que tanto o Costa se queixa por usados como instrumento de arremesso contra si e o seu governo, constata-se que em menos de cinco meses de existência, o governo foi roubado não em um computador, mas em oito. E quanto aos casos que atormentam outras figuras e do partido, e ao mesmo tempo figurões do estado, ficou-se a saber que o presidente da Assembleia da República, a segunda entidade mais importante da República (das bananas) entregou à Entidade para a Transparência (EpT) uma declaração de rendimentos e património onde não constava o o Valor Patrimonial Tributário (VPT) de 10 imóveis urbanos, no valor de perto de 3 milhões de euros, tendo entregado uma segunda já com os imóveis “esquecidos”, depois de ter sido questionado pela imprensa. Relembrar que Aguiar Branco esteve metido em negócio do Parque Escolar e responsável pela liquidação dos públicos estaleiros de Viana do Castelo, que acabaram por ir ter às mãos do grupo Martifer.

Antes deste acontecimento, o governo aprovou uma lei que limita acesso às declarações de património dos políticos, situação denunciada e considerada “grave” pelo Sindicato de Jornalistas. Não só a referida lei atenta contra a liberdade de imprensa, como cria uma opacidade sobre a forma como os políticos vão enriquecendo enquanto estão no poder e com a mão dentro do pote. Seria deveras interessante saber como o presidente do Parlamento enriqueceu, por exemplo.

É notícia recente no jornal do regime, o inefável “Expresso”, que o governo criou uma comissão que tem como objectivo apresentar um novo calendário e orientações para os concursos de concessões de eletricidade em baixa tensão, tendo entregado a presidência a um ex-governante do PSD e ex-presidente da espanhola Endesa. Por coincidência, esta empresa é parte interessada no concurso. Não será difícil adivinhar quem vai muito provavelmente ganhar o concurso, e destronar a EDP, neste chorudo negócio, se acontecer também se poderá imaginar o montante das comissões ou propinas. Interessante também o facto de o actual ministro das Infraestruturas e Habitação estar no momento com o dossier da reprivatização da TAP e conhecendo-se agora o relatório da IGF que aponta para indícios de crime na operação de privatização, que foi de responsabilidade do então secretário de estado dos Transportes –  por coincidência, a pessoa é a mesma. A oposição reclama a demissão do ministro. A outra coincidência é que estas coisas estão a acontecer na mesma altura em que o CEO da alemã Lufthansa vem a Portugal para tratar da compra de parte da transportadora nacional. Manda Bruxelas.

A falência do establishment

Nestes últimos dias, acontecerem, infelizmente, dois acidentes envolvendo dois helicópteros que operavam em combate aos incêndios, com cinco vítimas mortais. Um elemento comum a estes dois acidentes funestos é o facto de os helicópteros serem alugados a privados, que, por sua vez, os alugam a empresas estrangeiras e operados por pilotos civis. Com os milhões que se gastam nestes negócios feitos, na maioria, por ajuste directo, já o Estado teria comprado uma grande frota e treinado pilotos da força aérea em quantidade mais que suficiente. Salientar que os canadairs que acabaram com o incêndio da Madeira são propriedade do estado espanhol. Os incêndios têm constituído desde há quase cinquenta anos um manancial de lucros para um grande número de empresários que sobrevivem à custa do Estado, mas gostam muito de criticar o excesso de “gordura” desse mesmo Estado, alguns deles até financiam o partido da extrema-direita portuguesa. Estes dois desastres são simbólicos e ilustram um regime e um governo prestes a desmoronar.

As reivindicações, insertas na canção, de ‘paz, pão, habitação, saúde e educação’, consubstanciando a liberdade para quem trabalha, passado meio século, estão longe de se encontrarem realizadas. Pior ainda, nos últimos vinte anos são objectivos que se têm vindo a afastar, e alguns deles são já inalcançáveis se se mantiver o mesmo estado de coisas. Por vontade dos partidos do regime a situação será para manter até que apodreça. A aprovação do OE-2025, quase tida como certa, irá nesse sentido.

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