domingo, 6 de março de 2022

A guerra, a crise capitalista e os refugiados

Os nossos incontornáveis órgãos de informação propriedade e porta-vozes dos grandes grupos económicos nacionais e, por delegação ideológica e económica, dos grandes interesses financeiros internacionais, mudaram o chip da pandemia pelo da guerra na tentativa de explicar os problemas do país e do mundo, independentemente da sua natureza. Claro que os de natureza económica e financeira estão na primeira linha: “Guerra. Aumento da incerteza, subida da inflação e abrandamento do PIB" (da imprensa mainstream). A partir de agora, a “guerra” irá explicar tudo e mais alguma coisa.

O aumento "inevitável" do preço dos combustíveis

A guerra, nos tempos modernos, resulta essencialmente da disputa entre as diversas potências capitalistas dominantes pela posse de recursos e zonas de influência. Mas não só. A guerra para o capitalismo tem também como objectivo destruir a produção excedente, que não se consegue escoar pela limitação do mercado, e as próprias forças produtivas, onde se inclui o factor humano. Destruir para reconstruir de novo e assim relançar a acumulação e concentração capitalista, sem as quais o capitalismo não sobreviverá, constitui a essência da economia dita de mercado. Relançar os lucros é vital para a sobrevivência dos capitalistas. Foi graças à II Guerra Mundial que a burguesia conseguiu resolver a grave crise económica de 1930.

No momento em que estas notas são escritas, assiste-se a uma corrida, desenfreada e pouco inteligente, aos postos de abastecimento de combustível na ânsia de se adquirir a gasolina e o gasóleo antes das subidas, antecipadamente anunciadas, de 9 e 19 cêntimos respectivamente. Estamos curiosos sobre o que irá acontecer quando a inflação se generalizar a todos os produtos essenciais à vida das pessoas, o que será uma questão de pouco tempo – OCDE: Inflação chega aos 7,2% em Janeiro, a taxa mais alta desde 1991; Inflação acelera na Zona Euro para novo máximo histórico de 5,8% em Fevereiro; e em Portugal a inflação acelera para 4,2%.

O alarmismo com que se anuncia o aumento dos preços e da sua inevitabilidade, porque há a guerra (dizem eles!), é igual ou talvez superior ao difundido em relação às hipotéticas vagas avassaladoras e também ditas inevitáveis do vírus sars-cov-2, da doença covid-19 e do número de mortes provocadas. As mentes, previamente formatadas, irão aceitar como natural a inflação que se agora é ainda baixa, devido ao apoio financeiro às empresas por parte do estado com o pretexto do combate à pandemia e aos seus efeitos económicos (é bom relembrar), depressa irá disparar logo que se esgote esses financiamentos, que mais não são do que a transferência para a esfera pública das dívidas das empresas privadas, ou seja, dos capitalistas, nacionais e estrangeiros, que utilizam o estado como instrumento para defesa dos seus negócios - “Dívida Pública sobe em Janeiro para 272,4 mil milhões” e “IGCP emite até 1.000 milhões em dívida a 5 e 12 anos”. Por outro lado, fica bem claro aos olhos de todos os cidadãos que os governos, seja qual for o partido ou partidos que os integrem, são sempre os comités de negócios dos capitalistas; e os seus membros, por muito que pintem a cara de “socialismo” ou de “esquerda”, não passam de empregados da burguesia.

O governo do PS/Costa diz que vai prolongar e triplicar o apoio a combustíveis para táxis e autocarros e vai subir o desconto no Autovoucher de 5 para 20 euros para os cidadãos; no entanto, vai encaixar 11,5 milhões por dia com a subida dos combustíveis, dinheiro este que sai directamente dos bolsos dos trabalhadores. Aqueles apoios irão ser limitados no tempo, o governo não deixou de o esclarecer, não se comprometendo com a descida do imposto sobre os combustíveis, como os patrões do sector não se cansam de reclamar, e foi ainda mais longe, adiou apenas para melhores dias o futuro “imposto carbono”. Aliás, se alguma vez o ISP descer não significará preços mais baixos dos combustíveis, porque será aproveitado pelos patrões para aumentar a taxa de lucro. E são os lucros, no meio disto tudo, que estão em causa e são o fautor principal da guerra.

Os baixos salários e a mão-de-obra barata dos imigrantes refugiados

Para poder ganhar as eleições e por maioria absoluta, como veio a acontecer, o PS no governo, e aproveitando-se deste facto, prometeu tudo e mais alguma coisa, desde a subida do salário mínimo e das pensões à felicidade suprema e absoluta do povo português. Só que há um pequeno senão, serão todos os trabalhadores a financiar os patrões a pagar a reles subida do salário mínimo nacional (SMN), e que pelo número de empresas que concorreram a este apoio são demasiados os trabalhadores que auferem este salário miserável: 161.634 empresas, abrangendo quase 979 mil trabalhadores, num montante de 94,5 milhões de euros. Qualquer dia a maior parte dos assalariados do país estarão a auferir o SMN - “Portugal tem salário mínimo "inadequado" ao custo de vida” e “10,7% dos trabalhadores estão em (risco de) pobreza” (da imprensa corporativa).

A predominância de salários baixos reflecte a existência de uma mão-de-obra pouco qualificada e que, por força dessa realidade, será pouco produtiva, não permitindo uma descolagem da economia nacional como se pretende. Mas é para manter esta estratégia de desenvolvimento económico, e para aumentar os lucros a curto prazo, que a nossa burguesia vai continuar a apostar nos salários baixos, agora contando com o maná dos refugiados ucranianos. Todos os patrões se disponibilizam para aceitar os imigrantes, prometem casa, formação e emprego, e tanto eles como as câmaras e o governo prometem o país das delícias e das maravilhas. É só solidariedade, não haverá interesse escondido, ficámos a saber que Portugal é o supra-sumo do altruísmo. Os patrões do Turismo dizem ter 50 mil empregos para os refugiados ucranianos e o governo já garantiu casa para 1500 famílias. No entanto, se a avalanche for súbita e maior que o esperado, os trabalhadores ucranianos ficarão então a conhecer a verdadeira natureza de tanta boa-vontade. Com a entrada de um grande número de trabalhadores no mercado de trabalho irá inevitavelmente baixar ainda mais o preço da mercadoria que é a força de trabalho. Será também o acicatar da competição entre trabalhadores e o dar argumentos aos partidos de extrema-direita que, diga-se em abono da verdade, a burguesia e o governo PS não se cansam de promover.

A crise económica é crónica, arrasta-se penosamente e as medidas entendidas e aplicadas pelos governos para a superar só servem para a amenizar durante algum pouco tempo, sempre à custa do agravamento dos rendimentos e das condições de vida dos trabalhadores, para logo depois a mesma crise ressurgir ainda com mais força. Parece que as medidas de austeridade, postas em prática no tempo da troyka, tiveram um efeito paradoxal: deram mais força à crise. Uma crise que nunca será ultrapassada por uma burguesia rentista e presa ao lucro fácil e imediato, assim se compreende a afirmação dos esclavagistas nacionais: “Com os salários atuais, Portugal pode atrair engenheiros da América Latina” (bastonário dos engenheiros). Uma burguesia de vistas curtas e de fraco intelecto: “Patrões têxteis levam a mal “direito” de gozo do feriado de Carnaval”.

A guerra da Ucrânia fomentada pelo imperialismo estado-unidense tem um duplo objectivo, vergar a Rússia (o sonho molhado do imperialismo capitalista desde o princípio do século XIX) e aumentar ainda mais a subjugação da União Europeia, arredando-a como possível competidora. De igual modo, espelha as contradições e a decadência do capitalismo a nível mundial, nesta época de domínio do grande capital financeiro. Quando a guerra acabar, na hipótese optimista de não desembocar numa terceira Guerra Mundial, nuclear de certeza, a Europa estará mais pobre, mais dividida e mais próxima do fim - “Euro cai para o nível mais baixo desde maio de 2020”. E em Portugal, a austeridade, que agora o governo de maioria absoluta de Costa/PS irá aplicar, será muito semelhante à do primeiro governo Sócrates, também ele de maioria absoluta do mesmíssimo PS (parece que muitos portugueses têm fraca memória). Em vez de cortes nos salários e nas pensões em termos nominais, iremos ter cortes bem maiores mas por meio da inflação. Em 2010, os cortes tiveram de ser directos pela simples razão de que a taxa de inflação era zero ou perto de zero. Desta vez será a matar, só que já não haverá tempo para arrependimentos. Os tempos são de guerra e é bom que os portugueses que trabalham e produzem se capacitem bem disso para não terem mais surpresas.

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