Faz agora três anos que foi declarada a
pandemia Covid-19 e a crónica era a seguinte:
Portugal vai entrar na fase dita “de
mitigação” dentro de horas ou dias, disse a ministra; a OMS acaba de declarar
que o surto do novo coronavírus atingiu o nível de pandemia; o Presidente
Marcelo avisa que não pode haver crises no seu último ano de mandato, estando
já em auto-quarentena por causa do vírus; o presidente da Assembleia da
República continua a recusar que as reuniões do plenário sejam realizadas à
porta fechada, contrariando as pressões do próprio partido e das outras
bancadas; o primeiro-ministro Costa está em véspera de decretar o encerramento
de todas as escolas do país, o que irá afectar uma população de 1,5 milhões de
alunos; e o Tony Carreira adiou o concerto que estava previsto para este Sábado
e que seria o primeiro após um longo interregno. O caso é sério!
O Presidente já declarou solenemente que não
quer eleições antecipadas, nem crises em geral, por causa da estabilidade do
regime político e da economia e, principalmente, coisa que não explicita, por
estar não só em fim de mandato mas se encontrar em fase avançada de lançamento
de recandidatura. Ter de dissolver a Assembleia da República, convocar eleições
antecipadas e, eventualmente, propiciar maioria absoluta ao PS para poder
governar a seu belo prazer, não era só um atentado à sua estratégia de algum
controlo sobre o Governo, como lhe poderia estragar a imagem - basta o
Covid-19! E a imagem vai-se promovendo com atitudes de disseminação de
“afectos”, o que quer que isso seja, e de alguma humildade, falsa e mal
disfarçada, com a sua auto-reclusão a propósito de conter a propagação do
vírus, como mais exemplo para todo o bom português do que possuir alguma idade
e ter sido submetido recentemente a pequena intervenção cardíaca. Considerar
esta atitude de poltronice ou cobardia política, aliás, congruente com a sua
personalidade, não passará de maledicência e de má-fé.
Esta pandemia parece que vem mesmo a calhar
para as nossas elites, a nível interno; e para o grande capital, a nível mais
global. Em termos de nós por cá, poderá ser um bom pretexto para o Governo
PS/Costa agravar medidas de austeridade, uma austeridade que terá ficado em
banho-maria com o a ida do PS para a esfera governativa, com alguma aceitação
da opinião pública e, preocupação de todos os governos que temos tido depois do
25 de Abril, sem que o povo se revolte. Será uma boa desculpa para a
desaceleração da economia, com a revisão da meta do PIB em baixa, contenção da
despesa pública com a Saúde e a Educação e salários da Função Pública e
reformas e aposentações e diversos subsídios sociais. A recapitalização da
banca, de certeza, que não será prejudicada, o Novo Banco não deixará de
receber o seu quinhão já prometido, e haverá sempre dinheiro para as empresas,
ou através do Orçamento do Estado ou dos Fundos Europeus que, no fim da linha,
será sempre o povo a pagar.
Se uma parte da economia vier a ressentir-se
com a crise do coronavírus, nomeadamente o turismo, no entanto, outra se
desenvolverá, seja laboratórios e farmácias a facturar, assim como clínicas e
hospitais privados onde já devem estar com máquina de calcular nas mãos, ou
super-mercados a ficarem num ápice com as prateleiras vazias, como já aconteceu
em Madrid, devido ao alarmismo inculcado na opinião pública pelas televisões e
aparições constantes e inadequadas de governantes. Os patrões mais afectados
pela diminuição do negócio já receberam do Governo a garantia de que os lucros
não diminuirão: luz verde para o lay-off, com os salários dos trabalhadores a
serem pagos pela Segurança Social, ou seja, por eles próprios, e linha
financeira de apoio que já vai em 200 milhões de euros, bem como outros
benefícios fiscais. A nível global, a crise económica será mascarada com a
pandemia, esta terá as costas largas para explicar as mazelas do capitalismo,
com a paragem da produção a servir às mil maravilhas o velho problema da
produção em excesso capitalista, um dos factores das crises cíclicas, que já
são um estado permanente. E, pelo menos para já, não será necessário uma guerra
a nível mundial.
Antes da declaração da crise e do aumento
significativo do número de casos de infectados pelo coronavírus a nível
mundial, os sinais de grave crise da economia capitalista a nível global já
eram mais que evidentes. As economias da China, da Itália e da França já
mostravam que se encontravam em queda: na China o índice PMI (Purchasing
Manufacturing Index) do instituto Caixin/Markit teve a maior queda desde 2004;
a Itália sofrera o seu 17º declínio mensal consecutivo na atividade
manufactureira, com o governo a anunciar a injecção de 3,6 bilhões de euros na
economia; e a actividade fabril a contrair-se, com o PMI industrial a cair 1,3
pontos, na França. A economia capitalista mundial já diminuíra para quase uma
velocidade de perda (stall speed) de 2,5% ao ano, os EUA a crescer apenas 2% ao
ano, apesar das medidas e fanfarronices do presidente Trump, e o conjunto da UE
e o Japão apenas 1%. Lógico, e como reflexo, o índice Dow Jones de Wall Street
experimentou a maior queda de sempre no dia 27 de Fevereiro, com uma perda
acumulada superior a 15%. O FMI, no seu último relatório sobre a estabilidade
financeira global, prevê a possibilidade de uma recessão tão ou mais severa
quanto à de 2009, que resultaria em empresas com 19 triliões (10 elevado a 18)
de dólares de dívida pendente mas com lucros insuficientes para lhe fazer face:
uma bancarrota geral do capitalismo. Realidade que confirma uma das leis do
capitalismo que é a tendência da taxa de lucro para zero. Ora, uma pandemia vem
mesmo a calhar, o azar é se acontecerá o mesmo que ocorreu no século XIV com a
peste negra, que terá ceifado entre 50 a 200 milhões de vidas humanas na Europa
e na Ásia, e que marcou o fim da Idade Média e a ascensão da burguesia, é que
esta agora poderá marcar o fim da burguesia e do seu sistema económica de exploração
humana.
A pandemia do Covid-19 justificará também uma
maior exploração sobre os trabalhadores, e sobre os povos em termos globais, e
com uma maior manipulação da opinião pública, e inclusivamente dos próprios
trabalhadores, como já se vê entre nós a respeito da greve dos trabalhadores do
Hospital de Braga. Os trabalhadores deste hospital, mais precisamente os
assistentes técnicos, limitam-se a reivindicar uma questão básica que é apenas
beneficiar de um acordo coletivo de trabalho, questão que tem sido
constantemente protelada pela administração que sempre actuou de má-fé. O
Governo e os patrões, a começar pelo Estado, desde há muito que têm vindo a
atacar um direito elementar dos trabalhadores, o direito à contratação
colectiva, coisa que tem sido cada vez mais negada pelas sucessivas revisões da
Lei do Trabalho; e agora, graças ao coronavírus, vai surgindo, pelo menos em
alguma blogosfera e redes sociais, opinião favorável à criminalização dos
trabalhadores e das suas organizações sindicais, porque se estarão a aproveitar
de forma oportunista de uma situação má para o país, confundindo que em
Portugal existem vários “países”, grosso modo, dois: o dos patrões e dos
trabalhadores assalariados. As televisões têm sido os instrumentos de eleição
para a intoxicação da opinião pública, simultaneamente vão aumentando as
audiências, com maiores proventos da publicidade, isto é, vão lucrando com o
mal dos outros, e não deixam de salientar a toda a hora a hipotética
ineficiência do SNS, preparando o terreno para uma maior intervenção dos
serviços privados de saúde, cujos acionistas não deixarão de enriquecer graças
à ocasião.
Esta pandemia é a segunda declarada pela
Organização Mundial de Saúde desde 2009, a primeira foi a famosa gripe das aves
(H1N1 ou Gripe A), e depois daquela data já avançou com situações de
“emergência internacional”, com o vírus Ébola (2013), com o ressurgimento da
Poliomielite (2014) e com o Zika (2016). Isto mostra que o capitalismo, devido
à sua própria natureza, só visando o lucro, é incapaz de promover a saúde das
populações, e do indivíduo em particular se não fizer parte dos 1% dos
detentores da riqueza, seja através da prevenção primária, isto é, da saúde que
não dá dinheiro, seja por meio do tratamento (prevenção secundária) que, movendo-se
na área da medicina curativa e da indústria farmacêutica, não gere as
mais-valias desejadas. E a OMS mostra, de igual modo, que possui uma agenda
ditada pelos grandes grupos económicos que dominam o sector da Saúde e pelas
grandes potências capitalistas, tendo tardado a declarar a situação de pandemia
e, ao que parece, também nada ter aprendido com as situações passadas, a
começar pelas mais recentes.
Não deixa de ser curioso notar que é
precisamente em países de capitalismo mais desenvolvido que se detetam maior
número de infectados e de suspeitos de infecção: China, segunda potência
económica mundial, foi onde a pandemia se terá iniciado; Coreia do Sul, um dos
“tigres asiáticos”; Itália, Alemanha, França, Espanha, na dita “democrática e
civilizada” União Europeia; e Irão, um dos considerados países do
“eixo-do-mal”, que poderá ser a excepção. Países, quase todos eles, onde seria
suposto as pessoas possuírem um elevado grau de Educação para a Saúde e
Serviços de Saúde de topo. Ainda estamos para ver o que irá acontecer no país
do Tio Sam onde a maioria do povo não tem acesso a Serviços de Saúde devido,
entre outras razões, à inexistência de um SNS.
A pandemia do coronavírus servirá de argumentário para desculpabilizar a crise profunda e crónica do capitalismo e tentar justificar os meios para a minorar, uma crise com causas e mecanismos bem conhecidos, terá quanto muito contribuído para a destapar e antecipar. As medidas que vierem a ser postas em prática terão sempre um efeito perverso: contribuir para um maior agravamento do estado comatoso de toda a economia capitalista, desde os países mais desenvolvidos aos mais atrasados; agravamento que irá acontecer a breve trecho. A moeda tem sempre duas faces.
11 de Março 2020
https://cronicasdobarbaro.blogspot.com/2020/03/o-presidente-e-o-coronavirus.html
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