segunda-feira, 6 de março de 2023

Portugal, país de brandos costumes?

 

Idoso a ser multado por se encontrar a comer em espaço público, durante o confinamento “sanitário” - Imagem da imprensa e colhida no face.

Vem do tempo da outra senhora a crença de que Portugal é um país habitado por um povo dócil e pacífico, sem grandes conflitos ou ódios no seu seio, um mito que foi criado por Salazar, estando registado em diversos discursos, aparecendo com mais relevo em 1932-1933 e em entrevista encenada com António Ferro, mais tarde director do SPN (Secretariado da Propaganda Nacional): “A violência, processo directo e constante da ditadura fascista, não é aplicável, por exemplo, ao nosso meio, não se adapta à brandura dos nossos costumes…”, querendo assim justificar a relativa fraca repressão durante o Estado Novo. O mito continuou depois do 25 de Abril, com a “Revolução dos Cravos”, uma revolução sem sangue, apontando-se o facto aos “brandos costumes” e não à existência de uma reduzida e pouca reivindicativa classe proletária, directamente relacionada a nunca se ter realizado entre nós uma revolução industrial. No entanto, a realidade teima em contradizer a propaganda das elites.

Violência e corrrupção

Se passarmos uma ligeira olhadela pelos media corporativos nacionais, jornais ou televisões, rapidamente nos apercebemos que os acontecimentos mais em destaque não serão lá muito pacíficos, que na terra à beira mar plantada os costumes serão pouco brandos. Hoje, dia em que alinhavámos este texto, quatro temas sobressaem: violência doméstica, onde se inclui os maus tratos aos idosos; hipocrisia do clero católico perante os abusos sexuais de alguns dos seus funcionários; o desprezo a que são votadas as pessoas mais pobres por parte das autoridades, democraticamente eleitas; o encerramento gradual e paulatino dos principais serviços públicos, saúde e educação, com o simultâneo desrespeito com que são tratados os seus funcionários. Como pano de fundo são quase diárias as notícias sobre os casos de corrupção, de empresários privados e de responsáveis políticos, pontificando a paragona: «Portugal é o segundo país mais lesado por burlas com subsídios europeus. Os factos em investigação terão causado danos no valor de 2,9 mil milhões de euros. Pior que Portugal só a Itália, segundo relatório da Procuradoria Europeia referente a 2022».

O assunto que mais tem feito falar, e por ventura também indignar grande número de cidadãos comuns, é a complacência com que o clero católico, a começar pelos seus mais altos responsáveis, tem tratado a questão da pedofilia e da agressão sexual (nem todos serão pedófilos, mas psicopatas e totalmente criminosos) de alguns dos seus padres contra crianças e jovens; estes, na sua totalidade, provenientes de classes sociais mais baixas. No seu entender não haverá nem suspensões, ainda que temporárias, nem expulsões devido à inexistência de “factos comprovados, sujeitos a contraditório” que fundamentem as acusações; e nem haverá lugar a indemnizações a pagar pelos cofres da Igreja que, deve-se esclarecer, são recheados pelas contribuições dos crentes ingénuos e pelos financiamentos públicos a pretextos diversos: Misericórdias, IPSS, restauro de templos, financiamento de eventos inteiramente religiosos, estando também no centro das atenções e de muitos protestos a realização da Jornada Mundial da Juventude (católica), serão mais de 160 milhões de euros que sairão do erário público, como se o estado, que é laico de jure, fosse um estado religioso. O estatuto de representação institucional que a Igreja Católica possui em cerimónias oficiais públicas contradiz que o Estado português seja laico de facto. O poder, económico e político, confere à Igreja a impunidade e a arrogância: numa república confessional os costumes poderão ser tudo, mas brandos é que não são.

Violência e sociedade

A par da violentação do estado e dos cidadãos por parte do clero católico, assiste-se a uma prática de violência quase quotidiana sobre os cidadãos mais vulneráveis, muitas vezes mulheres e sempre os mais idosos, incluindo os que se encontram no desejável resguardo e segurança dos lares, todos eles privados e pagos a preço de ouro, com mensalidades que ultrapassam em muito o salário médio a vigorar entre nós. São os lares onde os idosos são tratados abaixo de cão, fome, falta de higiene, comidos pelas formigas, em abandono total; muitos dos idosos que faleceram em lares durante a putativa pandemia foi devido ao abandono, falta de comida e de medicação, porque direcções e até trabalhadores fugiram em pânico ou obrigados ao confinamento imposto pelo governo de Costa/PS, que de “sanitário” pouco tinha, seria mais de controlo e de repressão dos cidadãos em geral.

Em Portugal, assim como nos países católicos do sul da Europa, e ao contrário dos países mais ricos e luteranos do Norte, a tendência por parte de muitas famílias é atirar os idosos para os lares quando já dão muito trabalho e são de pouco utilidade, o mesmo acontece com os doentes crónicos “esquecidos” nos hospitais do SNS. É a mesma filosofia do estado/governo quando aumenta a idade da reforma aos trabalhadores, trabalhar até morrer, e persiste em manter reformas miseráveis de trezentos e pouco euros mensais. No início da pandemia, segundo a imprensa, haveria cerca de 6000 lares no país, dos quais cerca de 60%, ou seja, 3500, estariam ilegais; pergunta-se quantos já foram legalizados ou encerrados e no seu lugar criado uma rede pública e nacional de lares? Se isto não é violência, então o que será? Segundo o Estatuto do SNS, os sectores privado e social serão integrados no Sistema de Saúde, imaginem como será a sua gestão e funcionamento! Os médicos vão entrar greve, merecem, tal como os professores, todo o nosso apoio e solidariedade.

As notícias são diárias sobre os tais brandos costumes, situações que em alguns casos poderão estar ligadas à miséria económica e mental, mas existem de facto: «Filhos ameaçaram de morte mãe idosa nos Açores»; «Esgana a avó até à morte e vai deitar-se na cama. Um homem, de 32 anos, vivia em casa da avó de 78 anos, em Seia»; «Homem detido em Condeixa por violação e roubo de idosa de 81 anos. Um homem de 36 anos foi detido pela presumível autoria dos crimes de violação e roubo de uma mulher de 81 anos, em Condeixa-a-Nova»; «Agride mulher e é encontrado morto num poço. Um homem, de 52 anos, agrediu a mulher, de 61, com um martelo na cabeça, na quinta-feira, 2 de março, em Torres Novas». «Mulher agredida pelo marido fica em estado grave. Agressor entregou-se à PSP. Uma mulher de 28 anos foi hospitalizada em Mirandela, no final do dia de domingo, depois de ter sido agredida pelo marido». Estes títulos foram respigados de imprensa de hoje, dia 6 de Março de 2023 (D. C.), de um país que se presume ser europeu, da velha e civilizada Europa, um país com perto de mil anos, que desde 1986 faz parte dos países mais avançados da dita Europa, que “deu conhecer mundos ao mundo”; títulos retirados da imprensa séria e não do pasquim “CM” – antigamente, pensava-se que estas notícias saíam só no “Jornal do Crime” e eram inventadas.

Hipocrisia e violência

A hipocrisia será um dos principais predicados que impera na sociedade portuguesa, um nobre e tradicional sentimento, porque cultivado pelas classes dominantes e desde tempos imemoriais, e transmitido à populaça, as ideias não estão separadas por muralha da China entre as diferentes classes sociais, e a Igreja Católica ombreia com a classe política do poder: «O psiquiatra Daniel Sampaio negou esta segunda-feira que a Igreja tenha recebido uma lista com os nomes dos padres abusadores sem ter mais informações sobre os casos denunciados, descrevendo a postura dos bispos como um "atrasar do problema"»; no entanto, «Patriarcado de Lisboa promete agir com tolerância zero conforme “grito do Papa Francisco”. O bispo auxiliar de Lisboa Américo Aguiar prometeu hoje que o Patriarcado de Lisboa vai agir com “tolerância zero” perante alegados padres abusadores de menores». De igual modo, o partido que se diz “socialista” e vai espalhando umas medidas “comunistas” (diz a oposição de direita) para a habitação, embora os especuladores estejam cada vez mais ricos, a socialista câmara de Loures: «Bairro do Talude. Máquinas demoliram barracas onde viviam oito famílias em Loures». Eram pobres e de cor negra. Entretanto, sabe-se (ou confirma-se) que há: «Um Portugal lento, onde quase não há represálias para quem pratica discursos de ódio, é a principal queixa das vítimas entrevistadas pela agência Lusa». A hipocrisia anda sempre de mãos dadas com a violência.

Ah! Já agora, terá a Igreja Católica a ver alguma coisa com a Santa Inquisição, que condenou à morte na fogueira milhares de cidadãos porque eram do contra, ou não haverá “factos comprovados, sujeitos a contraditório”?! O mesmo se poderá dizer a respeito do Estado Novo, terá assassinado algum cidadão menos patriótico e respeitador dos tais “bons costumes” ou terá sido raro descuido de algum agente da PIDE menos bem preparado?! Haverá algum partido de extrema-direita em Portugal, já que os partidos que existem são todos  legais e aprovados pelo Tribunal Constitucional e a Constituição da República proíbe organizações fascistas, ou será somente intolerância dos partidos de esquerda e de alguns poucos cidadãos mais radicais?! Se repetirmos muitas vezes, talvez passem a verdade as palavras de Salazar: “A violência, processo directo e constante da ditadura fascista, não é aplicável, por exemplo, ao nosso meio, não se adapta à brandura dos nossos costumes…”. O mesmo se poderá dizer em relação a muitos aspectos do regime democrático burguês que saiu do útero do fascismo, ou não serão fascismo e democracia (burguesa) as duas faces da mesma moeda que é o poder do capital?!

PS: «UE (democrática) financia com mil milhões de euros compra conjunta de munições para a Ucrânia (nacionalista-integralista)» – na imprensa mainstream. Quem pagará? 

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