segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Governo PS de maioria absoluta, mas já não era?!

 

Henricartoon

Nos próximos 4 anos iremos ter um governo de maioria absoluta de cor “rosa”. Era um governo deste género, que garanta a estabilidade política, o Santo Graal da gestão capitalista do estado e da economia, que era desejado pelas nossas elites, e por Bruxelas. Como pouca gente acreditava numa maioria socialista, e muito menos laranja, os desejos que se manifestavam eram, e em falta de melhor, o de um governo de bloco central, como aliás tem acontecido desde sempre até aqui, na prática e na maior parte do tempo. Nos últimos dois anos e sem geringonça formal a maior parte das leis aprovadas na Assembleia da República foi graças aos votos conjuntos de PS e PSD e contra os parceiros geringonços PCP e BE. O governo maioritário do PS&Costa passou de facto a jure, nada mais. E com o andar da carroça, em situação de agravamento profundo da crise da economia capitalista e subsequente revolta social, será o PS a exercer o fascismo e Costa o novo "racha-sindicalistas", parecido com o outro Costa da Primeira República e que ditou o fim da dita.

Costa pode agradecer aos patetas do regime

Costa arriscou, seria agora ou nunca, e a coisa até correu bem: será o senhor absoluto até 2026. E não se sentirá grande diferença porque temos assistido a uma governação por decreto do governo PS em todos os domínios, desde as medidas económicas, processo da concessão da exploração do lítio, por exemplo, até aos confinamentos e ajustes directos das aquisições de testes e vacinas, estas impostas por Bruxelas, a pretexto do combate à pandemia. A repressão sobre os cidadãos com as restrições de deslocação ou de frequência de locais públicos, com aberta e ostensiva limitação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, em flagrante violação da Constituição da República, contando com o aval cego do Parlamento ou a arrepio do mesmo, mostra que o governo socialista já era um governo de maioria absoluta de facto. E com a colaboração de todos os partidos do regime que não atacaram a política já intrinsecamente fascista, a pretexto, do combate à pandemia, e, tal como o PS, se arvoraram em defensores do grande capital: caricato, no mínimo, ver o PCP e o BE (os arautos da esquerda) a defender os interesses da Big Pharma, pugnando pela vacinação em massa dos portugueses.

Os partidos da putativa “oposição”, tanto à esquerda como à direita, só se podem queixar deles próprios, estenderam a passadeira ao PS e ao Costa, devido ao seu oportunismo político, como, se lá estivessem no governo, também fariam o mesmo, porque sabem que é condição sine qua non para ter a mão no pote terem de aceitar caninamente as imposições do regime e de Bruxelas. Quando, por alguma razão, não houver partidos de coluna gelatinosa, então, não haverá eleições sequer. O que não acontecerá porque candidatos a lacaios ou funcionários zelosos nunca faltarão, na medida em que, neste país, sempre houve, e haverá, gente que vende a alma ao diabo por pouco dinheiro. Basta olhar para a História nos momentos mais decisivos, em que o país perdeu a independência ou teve que lutar para a não perder, séculos XIV, XVI, XVII e XIX e actualmente com a entrada na CEE/UE. O medo incutido nas pessoas a propósito da pandemia como que adormeceu muitos cidadãos das classes médias mais temerosos e foi fácil ao Costa, aproveitando esse estado de alguma apatia, surgir como um slavador da pátria. no entanto, o efeito será o oposto.

Vêm agora os analistas encartados e os media mainstream tentar justificar a vitória do PS pela indecisão de um grande número de cidadãos que só resolveu votar, e pelo candidato que achou melhor, à última da hora, o que terá baralhado as sondagens. Não se diz, contudo, que as sondagens são sempre manipuladoras, para induzir o voto no sentido do partido que no momento melhor condições reúne para defender os interesses do capitalismo nacional e de Bruxelas. Ou então encontrar explicação virada pelo avesso, diabolizando os patetas dos parceiros da geringonça que reprovaram o Orçamento, quando todos os partidos, incluindo o PSD, tomaram a mesma posição. Nestas ocasiões há sempre quem se ponha a jeito para bombo da festa. Durante a campanha eleitoral, principalmente durante os debates televisivos, Costa não encontrou oposição, parecendo que todos os noves partidos do regime se encontravam de acordo no que concerne ao essencial das políticas seguidas.

Quanto aos que levaram ao colo o PS à maioria absoluta, talvez valha a pena fazer o balanço: em, 2015, quando se formou a “geringonça”, o BE tinha 19 deputados e 550.892 (10,19%) votos e o PCP/PEV 17 deputados e 445.980 (8,25%) votos, enquanto o PS tinha 86 deputados e 1.747.685 (32,31%) votos, não tendo ganho sequer as eleições. O PCP, mais o seu anexo PEV, e o BE entenderam por bem viabilizar um governo PS, pensando que, com esta Santa Aliança de Esquerda, iriam resolver os problemas do país, ou aquilo que entendem por “país”, e, eventualmente, ter acesso ao pote. As concessões que receberam foram umas parcas migalhas, reposição dos dois meses de salários retirados pelo governo anterior do PSD/PP/CDS aos trabalhadores do estado, ligeira subida das pensões e reformas, e pouco mais. O governo entendeu não reverter as alterações das leis laborais e, inclusivamente, ainda as piorou a contento dos patrões.

No governo, o PS foi comprando os votos

O governo PS/Costa passou o tempo todo a agitar a bandeira da subida do salário mínimo nacional enquanto os restantes salários iam encolhendo por efeito da inflação, com o perigo de um dia destes a maior parte dos trabalhadores vir a auferir o SMN. Costa prometeu acabar com a precariedade do emprego e os salários miseráveis, muitas das vezes inferiores ao salário mínimo, mas foi quem mais promoveu essa precariedade dentro do estado, dando o exemplo pela negativa aos patrões. O sector onde mais trabalhadores a prazo foram contratados foi na SNS, devido à pandemia covid-19, precisamente aquele que foi mais degradado (intencionalmente), com o claro intuito de acelerar a sua privatização, tendo agora um excelente pretexto: a pandemia. BE e PCP sempre apararam o jogo, oferecendo a paz social a troco de nada. Durante o governo da geringonça, entre 2015 a 2019, nunca houve tão poucas greves e aquelas que aconteceram, por terem fugido ao controlo da CGTP/PCP, levaram com a requisição civil em cima, fazendo corar de inveja Marcelo Caetano ou até Salazar, estivadores, enfermeiros e motoristas de matéria perigosa. Assim se explica que em 2019, o BE tenha perdido 50.875 votos, embora mantenha o mesmo número de deputados, e o PCP 113.507 votos e 5 deputados, enquanto o PS tenha ficado com 1.908.036 votos e 108 deputados, podendo fazer um governo sem geringonços.

Não tendo nada aprendido, BE e PCP continuaram a apoiar o governo, deixando passar os Orçamentos, ou com abstenção ou com voto contra, sabendo de antemão que não seriam inviabilizados; ou seja, mantiveram o oportunismo político que lhes é habitual. O PCP parece que tem medo de ser ilegalizado algum dia, não ganhou para o susto em 1975 aquando do golpe de 25 de Novembro, que obrigou o secretário-geral Cunhal a refugiar-se na embaixada da então Checoslováquia. E o BE continua a sonhar num futuro, que parece cada vez menos próximo, vir substituir o PS na governação quando ele desaparecer, à semelhança do que aconteceu com o PASOK. Mas as coisas não têm acontecido como este partido esperava porque o PS ainda se vai aguentando, devido à habilidade do Costa (temos de reconhecer) e à fé que a Alemanha ainda vai mantendo no partido que ajudou a criar em 1973, através da Fundação Friedrich Ebert da social democracia de Willy Brandt, o reconhecido informador encartado da CIA. Soares e PS desempenharam um papel crucial na derrota da revolução de 75 ao serviço não só da Alemanha, mas dos Estados Unidos, como bem atestou Frank Carlucci, embaixador em Lisboa nos tempos quentes do dito PREC. Roma ainda vai pagando aos traidores.

Depois de seis anos de historial de oportunismo e traição, de que se queixam BE e PCP, para falar agora só destes? De ingratidão, de pouca sorte, de falta de reconhecimento do povo e dos trabalhadores pela bondade das medidas que, embora decretadas pelo PS, eram da sua autoria? Pois é, o povo é burro e atrasado! Os resultados não poderiam ser outros, dois anos depois: o PS subiu para 2.246.637 (41,68 %) votos e 117 mandatos, e os três patetas da política, ou idiotas úteis do regime, ficaram apenas com 240.265 (4,46%) votos e 5 mandatos, e 236.635 (4,39%) votos e 6 mandatos, respectivamente; no total “deram” ao PS 25 deputados e 519.972 votos. É o resultado da política calculista, em benefício exclusivo dos seus interesses particulares, e o espelho da natureza de partidos da pequena burguesia. Não ousam enfrentar a burguesia e o capitalismo, preferem lamber-lhes a sola dos pés e ficar com as migalhas. Mas em tempos de crise crónica e profunda do capitalismo, correm o sério risco de desaparecerem, porque imprestáveis.

Costa já não precisa das muletas porque soube comprar os votos e deixar em seco o seu principal rival que é o PSD, ainda o partido por excelência da nossa burguesia conservadora e ainda com laivos de nacionalismo e saudosismos coloniais. Comprou o voto de muitos patrões e de alguns trabalhadores com a história dos layoffs, ao todo foram 7.744 milhões de euros, o que dizem ter “a pandemia custado ao estado em 2021”; as empresas ainda vão receber “compensação” pelo aumento do salário mínimo, isto é, este vai ser subsidiado com os impostos e descontos dos trabalhadores; já foram disponibilizados 650 milhões para capitalizar empresas, no âmbito do PRR; com o Fundo de Capitalização e Resiliência a arrancar com 50% da dotação global para recapitalizar empresas “de interesse estratégico nacional”, que já sabemos são as grandes e/ou de capital estrangeiro. Mas, como se sói dizer, “quem não chora não mama”, um dos incontornáveis pedintes dos dinheiros dos outros (contribuintes) já veio fazer saber, e talvez com alguma razão, que "O comércio é claramente menosprezado na proposta do PRR".

Costa comprou à direita e à esquerda, parece que foram os idosos e pensionistas (temerosos da pandemia!?) que, à última da hora, resolveram votar e a favor do PS, isto é, naquele que está e dá segurança, porque se não dá muito, também não tira: 10 euros para as reformas mínimas e em Maio, no quadro do futuro Orçamento, haverá um aumento extraordinário. Só que agora haverá uma ressalva: não será preciso tirar, basta não aumentar as pensões ou os salários em taxa igual à da inflação. A inflação irá funcionar como o governo troikiano de Passos/Portas, e tudo indica que a inflação em Portugal irá ultrapassar facilmente os 5% já atingidos em média na União Europeia, visto que em Janeiro chegou aos 3,3%. Em 2026, no final do mandato do governo absoluto do PS/Costa (e se chegar ao fim!), as pensões e os salários serão ainda mais miseráveis do que agora.

Os tempos que se aproximam serão de austeridade e de revolta

Os tempos que aí vêm são mais que sombrios: Lagarde admite “preocupação unânime” no BCE sobre inflação e pistas sobre juros só em Março. E estas pistas para a adivinhação facilmente se encontram nas palavras do vice-presidente da Comissão Europeia Valdis Dombrovskis e do comissário para a Economia Paolo Gentiloni: o cenário de suspensão da disciplina orçamental europeia além deste ano só ocorrerá em caso de um novo “choque brutal”. Inflação elevada e por tempo indeterminado, subida das taxas de juro em dimensão ainda desconhecida, que farão disparar enormemente os custos das dívidas pública e privada, obrigatoriedade de se respeitar as regras de disciplina orçamental, nada de bom será para os nossos reformados, trabalhadores e povo em geral, porque somos nós que, em última estância, pagamos a dívida contraída pelos capitalistas e recapitalizamos as suas empresas. No entanto, em 2026, teremos mais desemprego e mais pequenos empresários arruinados.

Costa agitou o espantalho do fascismo, na pessoa de André Ventura e do seu agrupamento de jagunços e fascistas que ousaram sair do armário do PSD e CDS, para meter medo à pequena burguesia medrosa: ou votam em nós ou vem aí o fascismo! Esta tem sido a receita usada em países como a França com a FN e a família Le Pen, que chegaram à final de uma eleição presidencial em que o candidato politicamente correcto afinal defendia os mesmos interesses e as mesmas elites do que os apontados como “tenebrosos fascistas”. Em Portugal parece que querem replicar a estratégia e, para melhor compreensão do fenómeno, seria bom conhecer não apenas quem financia o Ventura mas quem afinal também financia o Costa, e ver que entre os dois não há diferenças de monta quanto a interesses económicos ou de classes possidentes a quem servem. Ambos defendem o capitalismo, em particular o grande capital financeiro (os bancos, que estão no fim da linha do capitalismo), Bruxelas (Alemanha) e, com maior proximidade, a nossa inútil e rentista burguesia. As diferenças, como já referimos anteriormente e em ralação ao PSD, está apenas no modo e no tempo. Daqui para a frente, repetir-se-á a estratégia, mas como a História demonstrou: com o povo em luta, o fascismo é um tigre de papel, apesar de acarretar custos enormes. Matar o capitalismo é matar o fascismo, não o contrário, é cortar a cabeça à serpente.

O dirigente sindical amarelo e filho querido dos capitalistas não se coibiu de afirmar, pouco tempo antes do dia das eleições, que: "A maioria absoluta é um cenário que não rejeito". Querendo dar a entender que o sector dos trabalhadores que ele pretende representar até veria com bons olhos um governo de maioria, não seria um mal vindo ao mundo, bem pelo contrário. E logo que se soube da vitória absoluta do PS, as agências de anotação financeira vieram logo a terreiro, com a Fitch: “resultados eleitorais trazem estabilidade e diminuem risco político”, e com “Eleições pintam Bolsa de Lisboa a verde. CTT disparam 4,46%”. O capital financeiro rejubila e Bruxelas mantem a confiança num partido e num governo capazes de impor os ditames para a recapitalização das grandes empresas e bancos, mesmo que isso custe aos trabalhadores e aos pequenos patrões nacionais muitos sacrifícios, incluindo a sobrevivência. Se o governo de maioria absoluta, com o Costa a afirmar que “"Uma maioria absoluta não é o poder absoluto", é capaz ou não de fazer frente e dobrar a contestação social será uma coisa ainda para se ver, assim como o PCP e o BE ainda estarão na disposição de colaborar nessa infame e ingrata missão, como tem acontecido até agora.

Os partidos saídos do 25 de Abril perecerão com o regime

Mas como já disséramos, em artigo anterior, os partidos vão e vêm conforme as circunstâncias políticas e a necessidade da classe ou estrato de classe que pretendem representar. Os partidos que nasceram após o 25 de Abril, fruto das suas circunstâncias, irão de vela quando essas mesmas circunstâncias desaparecerem ou forem alteradas profundamente. Percebendo-se assim que o CDS está em vias de desaparecimento porque há muito que esgotou a sua missão, que lhe foi entregue pelo governo de Vasco Gonçalves de reter e controlar os fascistas do regime recém deposto; mais tarde e já em plena decadência foi aproveitado por Portas para enriquecimento pessoal. PSD, fundado por Sá Carneiro, simbólico representante da nossa velha burguesia, agora com perda acentuada da sua tradicional base social de apoio e dominado por toda a sorte de caciques, dá todos os indícios de fragmentação; iremos ver se terá capacidade de regeneração ou será substituído pelo IL ou outros que se acharem por mais conveniente. Costa teve a perspicácia de, caso se tivesse aliado ao PSD em 2015 ou em 2019, teria sido ele a sofrer com o abraço do urso, assim foram os trouxas do BE e do PCP; aprendeu com o que aconteceu com o PASOK que desapareceu por se ter aliado ao partido de direita Nova Democracia.

Quanto ao BE e PCP, são dois partidos da pequena burguesia, o primeiro da pequena burguesia urbana e com formação académica mais elevada, o segundo de uma pequena burguesia menos escolarizada e até rural, e a sua base proletária é cada vez mais minguada. O PCP já nem chega a ser o tradicional partido revisionista, o dito partido burguês (pela ideologia) para (consumo) operários. São ambos partidos que abraçaram a social-democracia, rendidos às delícias do capitalismo e que a troco de algumas benesses e sinecuras institucionais não lhes repugna ir enganando as massas operárias e populares. Mas, caso a sua influência se verifique diminuta, e isso mede-se em parte pelos resultados eleitorais, serão imediatamente descartáveis. E jamais para lugares da governação, é que tudo que tenha o rótulo de “esquerda” ou de “comunista” é repelido pela nossa ignorante burguesia e mesmo por Bruxelas, tal é a fobia do comunismo. O desaparecimento de um PCP, que pode ser uma coisa mais provável do que se possa pensar, mesmo que substituam o bronco secretário geral, cujo mundo já desapareceu há muito, será sempre uma coisa boa, deixa campo aberto para o surgimento de alternativas revolucionárias.

Contra o governo de maioria absoluta, só poderá haver luta absoluta.

03 de Fevereiro 2022

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