A propósito do recente debate entre Santos e Montenegro, considerado, pelos paineleiros e outros comentadores avençados, como o alfa e o ómega quanto à decisão de voto para aqueles cidadãos eleitores ainda indecisos. Este duo faz-nos lembrar um outro existente em 2011, aquando das eleições (5 de Junho de 2011) que levaram ao poder a coligação PSD/CDS-PP, e que o poeta Manuel António Pina bem retratou nas suas crónicas publicadas na altura no “JN”. As crónicas são as seguintes:
E Sócrates mentia
Diz-se que a política é a arte de fazer
escolhas. Passos Coelho fez as suas: o assalto fiscal à classe média e aos mais
vulneráveis da sociedade. E em breve o veremos a anunciar a capitalização da
Banca com os recursos espoliados a pensionistas e trabalhadores. Tem toda a
legitimidade para impor as suas escolhas aos portugueses porque os portugueses
o elegeram. Só que os portugueses elegeram-no com base em pressupostos e
garantias falsos, que ele repetiu à exaustão antes e durante a campanha
eleitoral.
Agradecendo a Ricardo
Santos Pinto, recordem-se algumas das garantias com que Passos Coelho foi
eleito: "Se vier a ser primeiro-ministro, a minha garantia é que a [carga
fiscal] será canalizada para os impostos sobre o consumo e não sobre o
rendimento das pessoas"; "Dizer que o PSD quer acabar com o 13.º mês
é um disparate"; "O PSD acha que não é preciso fazer mais aumentos de
impostos, do nosso lado não contem com mais impostos"; "O IVA, já o
referi, não é para subir"; "Eu não quero ser primeiro-ministro para
proteger os mais ricos"; "Que quando for preciso apertar o cinto, não
fiquem aqueles que têm a barriga maior a desapertá-lo e a folgá-lo";
"Tributaremos mais o capital financeiro, com certeza que sim";
"Não podem ser os mais modestos a pagar pelos que precisam menos"...
E ainda: "Nós não dizemos hoje uma coisa
e amanhã outra".
2011-10-17
*
Não havia novo Governo?
O OE para 2012 deixou-me confuso pois estava
convicto de que havia mudado o Governo e era agora Passos Coelho o
primeiro-ministro. De facto, Sócrates é que lançava "exigências adicionais
sobre aqueles que sempre são sacrificados" e atacava "os alicerces
básicos do Estado Social" (Passos Coelho), "tratando os portugueses à
bruta dizendo-lhes 'Não há outra solução', indo buscar dinheiro a quem não
pode", motivo por que "[precisávamos] de um Governo não socialista em
Portugal" (Passos Coelho de novo).
Ora o Orçamento é só um rol de
"exigências adicionais sobre aqueles que sempre são sacrificados" e
ataques aos "alicerces básicos do Estado Social". O Governo
"olha para rendimentos acima de pouco mais de mil euros dizendo 'Aqui estão
os ricos de Portugal', eles que paguem a crise" (ainda Passos Coelho),
deixando de fora, por lapso, as grandes fortunas e os 7 mil milhões de
dividendos que por aí se distribuem anualmente.
O único dos "25 mais ricos" que
pagará a crise é o mais rico deles, o trabalhador Américo Amorim, que irá
esfalfar-se mais meia hora por dia sem remuneração (por isso me pareceu vê-lo,
de cartaz na mão, no meio dos "indignados"). Felizmente emprega na
sua Corticeira 3 300 outros trabalhadores, que irão dar-lhe 1 650 horas diárias
de trabalho gratuito, equivalentes a 206 trabalhadores de borla. Poderá assim
despedir 206 dos que não se contentam com ter trabalho e ainda querem salário.
2011-10-18
*
Mãos ao ar!
No país que já era o mais desigual da Europa
Ocidental, o que o Governo de Passos Coelho faz, com o OE para 2012, é um
verdadeiro assalto fiscal às classes médias ("suicídio assistido" lhe
chama o economista e professor do ISCTE Sandro Mendonça) e aos mais pobres,
enquanto poupa aos sacrifícios "para todos" bens de luxo como jóias,
casas sumptuosas ou carros de alta cilindrada; as próprias subvenções
vitalícias aos políticos escapariam se alguns media, JN incluído, não tivessem
denunciado ontem o caso.
A consultora PwC fez as contas e concluiu que,
se os contribuintes de baixos rendimentos verão em 2012 a carga fiscal agravada
em relação a 2011, os de maiores rendimentos vê-la-ão, em contrapartida,
amplamente reduzida. Citada pela edição online do "Expresso", a
consultora apurou que contribuintes solteiros com rendimentos inferiores a 1500
euros irão pagar em 2012 mais 8% de IRS do que em 2011 enquanto os que auferem
3 000 ou mais pagarão... menos 8,9%. E o mesmo com os contribuintes casados:
rendimentos até 2 500 euros (casais onde só um ganha) vêm agravado o IRS, ao
passo que rendimentos de, por exemplo, 6 000 euros pagarão... menos 5,2%; e, do
mesmo modo, casais com dois titulares a ganhar até 2 000 euros pagarão mais e
os que ganharem acima disso pagarão menos.
Já toda a gente tinha percebido mas é sempre
instrutivo verificar que os especialistas (e os números) corroboram o
sentimento geral.
2011-10-19
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