terça-feira, 21 de julho de 2020

A Justiça e a Banca (a propósito do caso BES)

Cinco anos antes do colapso já o Grupo Espírito Santo estava falido, realidade que não seria só do conhecimento do principal protagonista e responsável pelo crime, mas igualmente dos restantes elementos da família (ou da famiglia) e não apenas dos que agora são acusados, apenas mais dois elementos para além do dito cujo Ricardo Salgado. Dificilmente se entende que as entidades reguladoras (ditas), Banco de Portugal e CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) não tivessem na sua posse indícios claros do que se estava a tramar, bem como os principais governantes, PM Coelho e PR Cavaco, através dos canais normais ou do SIS, com certeza saberiam toda a trama. Todas as declarações públicas feitas pelos diversos políticos e outros responsáveis, em vésperas da falência, soaram na altura a falso, quanto mais agora.

No entanto, a justiça, à semelhança do que acontecera com o caso dos submarinos, onde se comprovou haver corrupção, tendo sido a parte activa condenada na Alemanha e em Portugal não se terá passada nada, com Cavaco, Coelho e Costa (o que esteve a ganhar 17 mil euros/mês durante 10 anos para encobrir as vigarices da banca) a serem ludibriados na sua boa-fé, porque a informação que receberam terá sido manipulada! Ou como a justiça em Portugal tem dois pesos e duas medidas quando se trata de julgar e condenar os poderosos ou os pés descalços. Ou, então, o que não deixa de estar implícito numa justiça de classe, a corrupção também vagueia por aqueles lados.

Será interessante fazer uma pequena resenha sobre o caso BES, utilizando os títulos da imprensa saídos logo após o conhecimento da acusação feita sobre os três Espíritos Santos, cabeças de uma das famílias de oligarcas mais antigas do país, que sempre dominou a política e os políticos durante quatro regimes, Monarquia, I República, Ditadura Fascista, Democracia pós-25 de Abril, o que possui um particular simbolismo: é todo o sistema capitalista e burguês, independentemente da forma política que reveste, que faliu em Portugal. Parece que nem a burguesia indígena, nem a classe política actual, corrupta e oportunista que está ao seu serviço, sabe.

Não se pretende fazer a história da maior burla financeira que jamais houve em Portugal, como já foi dito, haverá quem melhor a faça, mas entender, na base do que tem dito os jornais ultimamente, e para isso não será necessário possuir qualquer formação académica na área da economia, qualquer cidadão interessado se perceberá que houve, para além da trafulhice para o enriquecimento pessoal de uma família já poderosa, uma falência do modelo financeiro e económico, bem como de um regime político que, mais do que cúmplice, tem como dever de ofício defender não só os negócios legais da elite económica reinante como todas as trafulhices que apenas complementam o ramalhete do que é a economia capitalista assente no roubo (um roubo legalizada pelas leis do regime) e na exploração dos trabalhadores.

É notícia que “além de Ricardo Salgado, só foram acusados mais dois membros da família: José Manuel Espírito Santo e Manuel Fernando Espírito Santo”. E “o Grupo Espírito Santo (GES) já estava falido cinco anos antes do seu colapso, em 2014, afirma a acusação do Ministério Público, que imputa ao antigo banqueiro Ricardo Salgado 65 crimes, incluindo associação criminosa, 30 crimes de burla qualificada e 12 crimes de corrupção activa”.

Antes do início da falência, em Maio de 2013, era notícia: “o presidente do BES, Ricardo Salgado, desvalorizou esta sexta-feira a falta de mão-de-obra nacional nos projectos agrícolas do Alqueva, declarando que há imigrantes que substituem os portugueses que «preferem ficar com o subsídio de desemprego». «Se os portugueses não querem trabalhar e preferem estar no subsídio de desemprego, há imigrantes que trabalham, alegremente, na agricultura e esse é um factor positivo», afirmou o presidente do BES durante um debate sobre o potencial agrícola do Alqueva.

Os membros do conselho superior do Grupo Espírito Santo atribuíram a si próprios remunerações e «complementos salariais» no valor de 29 milhões de euros já com o grupo falido”. “Salgado terá usado 48,5 milhões para pagar a cúmplices - O Ministério Público acredita que Ricardo Salgado «comandou um grupo restrito» de funcionários que permitiram encobrir a real situação do GES”.

Zona Franca da Madeira foi a placa giratória do BES para a Venezuela e Angola -
Sucursal da zona franca serviu para o banco angariar clientes da América do Sul e África. PDVSA e outras empresas venezuelanas chegaram a ter quase 7000 milhões de dólares no BES. Depósitos eram investidos no GES”.

Grupo Águas de Portugal perdeu mais de cinco milhões no BES. Da lista de investidores que Ministério Público diz terem sido enganados fazem parte instituições religiosas e instituições privadas de solidariedade social. Parte deles conseguiram recuperar dinheiro.
A seis meses do colapso do universo Espírito Santo, dezenas de clientes do BES, institucionais e particulares, investiram centenas de milhões de euros em dívida das empresas do grupo... E isto quando o quadro de dificuldades já era conhecido, havendo já notícias sobre investigações a decorrerem às operações do GES em várias geografias, assim como a Ricardo Salgado”.

A sociedade ES Enterprise, que funcionava como saco azul do Grupo Espírito Santo, financiou a campanha eleitoral de Cavaco Silva em 2011, tendo servido também para pagar serviços ao então deputado social-democrata Miguel Frasquilho, hoje presidente da TAP” (que agora dizem desconhecer o facto!). “Miguel Frasquilho recebeu dinheiro do saco Azul do BES”, terá sido um dos grandes beneficiados com a corrupção de Ricardo Salgado”, homem multi~facetado, foi vice-presidente da Comissão Parlamentar que sancionou (branqueou) o processo de privatização da EDP, então vendida aos chineses, simultaneamente, trabalhava no Grupo Espírito Santo, que, por sua vez, assessorava os chineses no processo de aquisição da EDP, premiado com o cargo de Presidente da AICEP onde promoveu investimentos na China do Grupo Espírito Santo e, mais tarde, já no governo PS/Costa, nomeado, para chairman da TAP. Ou o polvo no seu melhor.

Será bom ir um pouco atrás e conhecer alguns factos que mais tarde vão desembocar no caso BES. Em 2006, as escutas do caso Portucale apanham uma conversa entre Paulo Portas e Abel Pinheiro onde se discute a sucessão e é feita referência a um banco apontado como parceiro do CDS em vários projectos e que iria pagar parte do vencimento, equiparado ao do 1º pimeiro-ministro, do futuro líder do partido que sucedesse a Paulo Portas. Em 2014, Paulo Portas vice-primeiro-ministro, vem a público dizer que em 2004, dois anos antes das escutas, então ministro da defesa, tinha exigido a inclusão do BES no consórcio dos submarinos, além de ter permitido que a proposta de financiamento do consórcio de bancos fosse revista em alta, tendo as margens de lucro (spread) aumentado de 0,19% para 0,25%. Ou como os ministros e políticos do poder são zelosos gestores dos interesses da burguesia.

E mais, entre 2011 e 2014, os anos do "apagão fiscal" relativo às transferências para offshores, Paulo Núncio do CDS/PP, metido por Paulo Portas à frente da secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, ocultou a empresa que levou à queda do BES, ou seja, a "caixa negra" do GES, o fundo Zyrcan, sediado nas Ilhas Virgens Britânicas (BVI), apontado como um dos veículos de esquemas de financiamento fraudulento do Grupo Espírito Santo à custa dos clientes e do próprio banco, é uma das entidades do ‘apagão fiscal’ das transferências para offshores denunciado em 2017. Da imprensa.

O fundo Zyrcan, vocacionada para emitir papel comercial para financiar o GES e gerido pela Eurofin, foi usada para esconder prejuízos e perdas do grupo. Segundo o despacho de acusação do inquérito à queda do Banco Espírito Santo, a sociedade Zyrcan está no epicentro do esquema fraudulento liderado por Ricardo Salgado que foi centralizado na sociedade suíça para extrair três mil milhões de euros do banco”.

“O apagão fiscal de 10 mil milhões de euros, noticiado pelo Público em 2017, deu origem a uma auditoria da Inspeção-Geral das Finanças (IGF), mas as conclusões não conseguiram trazer um esclarecimento definitivo do que aconteceu. A IGF disse na auditoria que “não foi encontrada explicação para a singularidade estatística de este ‘erro’ afetar especialmente algumas instituições”, afirmando que a intervenção de mão humana era “extremamente improvável”. Ou como o PS encobre as fugas ao fisco e as fugas de capital para fora do país quando são os bancos e as grandes empresas ao autores.

Em causa nesta investigação, do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), “está um valor superior a 11.800 milhões de euros”, em consequência dos crimes imputados, e prejuízos causados. A PGR refere também que o processo principal BES/GES «agrega 242 inquéritos que foram sendo apensados, abrangendo queixas deduzidas por mais de 300 pessoas, singulares e colectivas, residentes em Portugal e no estrangeiro».
Além de Ricardo Salgado são também arguidos neste processo Amílcar Morais Pires e Isabel Almeida, antigos administradores do BES, entre outros”.

Na semana passada, tivemos a suspensão de António Mexia e Manso Neto da EDP e o juiz Rui Rangel voltou à ribalta quando o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a decisão da sua expulsão, com descrições da vida de luxo do juiz impagáveis com um salário de magistrado. A cereja em cima do bolo chegou esta semana, com a acusação de Ricardo Salgado” (Susana Peralta no "Público"). Ou a corrupção de vento em popa, pelo privado e pela justiça.

O presidente do PSD, Rui Rio, criticou nesta quarta-feira os prazos da justiça no caso BES, questionando «quantos mais anos» serão necessários até haver uma decisão final no que classifica como o «maior crime financeiro» da história portuguesa. «BES: Em linha com o habitual nível de eficácia, só a acusação demorou seis anos. Agora, o caso passa para os tribunais. De incidente em incidente e de recurso em recurso, quantos anos mais teremos de esperar para ser feita justiça no maior crime financeiro da nossa História?» - questiona Rio, numa publicação na sua conta oficial da rede social Twitter”. Ou o descaramento e a pouca vergonha do actual dirigente do partido que permitiu e sancionou toda a vigarice, incluindo a aprovação da solução quanto à resolução do Grupo BES, que foi assinada pela ministra Crista quando se encontrava em banhos!

Para conclusão e memória futura e nada mais: “Segundo adianta uma nota da Procuradoria-Geral da República (PGR), foi deduzida acusação por associação criminosa e por corrupção activa e passiva no sector privado, de falsificação de documentos, de infidelidade, de manipulação de mercado, de branqueamento e de burla qualificada contra direitos patrimoniais de pessoas singulares e colectivas”. À semelhança de “Justiça iliba Cavaco Silva e Banco de Portugal no caso BES”.

Ou a impunidade no seu máximo explendor. Podemos esperar sentados quanto à decisão final do caso em tribunal que será, como tudo leva a crer, um pouco mais demorada do que o caso BPN/Oliveira e Costa, cuja figura principal pôde calmamente morrer em casa e a gozar da fortuna sem nunca ter devolvido um cêntimo sequer do que roubou e sem ter cumprido a pena de prisão a que foi condenado, mostrando mais uma vez que no país há duas justiças, uma para os ricos e poderosos e outra para os pobres e os trabalhadores.

Uma última nota: quando é que conheceremos os nomes dos Panama Papers, informação fechada a sete chaves pelo jornal Expresso e pelo sócio nº. 1 do PSD?!

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