domingo, 3 de setembro de 2023

Corrupção, racismo e violência policial

  

Henricartoon

Escrita antes da pandemia, em janeiro 2020, sobre a democracia cleptocrática nacional sob a égide socialista

Ocorreram ultimamente, neste mês de Janeiro e para começar bem o ano, vários acontecimentos que não deixam de estar interligados, denotando que mais não são que os diversos reflexos de uma mesma realidade. Foi o Ministério Público, que se arvora em polícia do regime e estado dentro de estado isento de qualquer escrutínio democrático, que entendeu pagar a um agente reformado da PJ para investigar os meandros, entre os quais eventuais favores políticos, na operação designada sadiamente por “Tutti Frutti”.

Portugal foi, mais uma vez, condenado pelo TEDH (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos) pelo mau funcionamento da justiça. Foi o polícia zeloso e cumpridor, a solicitação de funcionário de empresa privada de transportes públicos, que espanca, em plena via pública e perante outros cidadãos, uma mulher negra e pobre que terá retorquido ao motorista por falta de passe da filha menor.

Foi Ana Gomes, considerada a “rebelde” do PS, já apresentada como candidata de esquerda às próximas eleições presidenciais por ter andado a denunciar a cleptocrata Isabel dos Santos, considerada a mulher negra e africana empresária de sucesso com todas as portas abertas cá nesta província germanófila da União Europeia. Foi e será o fazer de conta que ninguém sabia da origem do dinheiro lavado proveniente de Angola, desde jornalistas a políticos, desde empresários nacionais igualmente de sucesso a banqueiros, desde o regulador que nada regula governador do Banco de Portugal ao PR Marcelo que considera todo o investimento bem vindo independentemente de onde venha e quem o traga desde que no “respeito pela legalidade e pela constitucionalidade” nacionais.

São todos aspectos de uma mesma realidade: a democracia parlamentar burguesa como o melhor regime de gestão dos negócios capitalistas.

A justiça de classe

Pela atitude do Ministério Público fica-se com a impressão de que ou se pretende esconder os tráficos de influência e os nepotismos que são caraterísticas iniludíveis e até naturais de dirigentes e militantes mais destacados dos partidos do arco do poder; ou, então, o MP não confia na PJ, polícia muitas vezes apontada pela sua eficiência mas não suficientemente conhecida pela corrupção que parece ser endémica, podendo qualquer cidadão lembrar-se qual era a alternativa que o PS, nas pessoas de Mário Soares e António Arnaut, apresentou na altura em vez de se criar um SNS, precisamente combater a corrupção na PJ, chaga que já vinha do anterior regime. Ao que parece seria tarefa difícil e assaz dispendiosa, daí optar-se pelo SNS. Saliente-se que serão crimes de natureza económica e financeira, como corrupção, tráfico de influência e possível financiamento partidário ilícito, envolvendo figuras gradas do PS e PSD que estão na mira da operação “Tutti Frutti.”

Ainda se está por perceber a actuação do MP no caso das mortes dos seis jovens na praia do Meco, fez agora, em Dezembro passado, sete anos, quem e o quê terá andado a encobrir?, que fez com que Portugal, mais uma vez, tenha sido condenado pelo TEDH (Tribunal Europeu dos Direitos Humanos) pelo mau funcionamento da justiça; mau ou não funcionamento em relação às vítimas, note-se!, mostrando que a justiça em Portugal é uma justiça dual, uma justiça de classe. Repare-se que o Procurador, que pouco e mal terá investigado, foi elogiado pela então Procurador Geral Distrital de Lisboa, a actual ministra PS da Justiça.

Também interessante reparar que a PJ e o MP só mexeram o cu nas buscas ao Montepio só depois do principal suspeito ter sido removido da direcção daquela instituição. A justiça portuguesa parece que funciona bem no sentido de defender o poderoso e perseguir o pé rapado. Fica-se com a ideia que o MP, em relação à contratação em causa, aposta na privatização da investigação criminal, para não falar de toda a justiça. Contratos do estado com privados envolvem geralmente luvas, favores e corrupção. Em suma, um polvo, onde a corrupção e o tráfico de influências se encontram sempre presentes.

O racismo e a violência policial

Torna-se recorrente os episódios de violência policial, geralmente contra o preto e/ou o pobre e trabalhador, Ainda estamos para ver casos de violência contra o burguês bem vestido e influente, género Ricardo Salgado ou Joe Berardo, é sempre contra os mesmos: pobres e trabalhadores e pretos. A relação é mais longa do que a se conhece: Kuku (assassinado pela PSP, 2009); Guto Pires (agredido pela PSP, 2013); Bruno Lopes, Celso Lopes, Flávio Almada, Miguel Reis, Paulo Veiga e Rui Moniz (todos agredidos, sequestrados e torturados pela PSP em 2015); Matamba Joaquim (agredido pela PSP, 2016); Mário Mendes (agredido pela PSP, 2016); Francisca Lopes (agredida pela PSP, 2017); Fernando Coxi e Julieta Jóia (agredidos pela PSP, 2019).

O racismo é o expediente que a burguesia usa para justificar uma maior exploração e opressão dos trabalhadores ditos “de cor”, porque o tratamento que é dado aos pretos ricos, nomeadamente aos novos burgueses dos Palops é mais que reverencial, não deixa até de ser humilhante para os aduladores, no caso, a nossa burguesia branca. Não estamos a ver o polícia a espancar uma Isabel dos Santos ou motorista a chamar a polícia, embora, a cleptocrata para se defender se queixe agora de estar a ser vítima de racismo.

O perpetrador da violência foi um polícia que já foi de elite, culpa-se usualmente a deficiente formação dos polícias ou a falta de treino em lidar com situação difíceis respeitando os direitos do cidadão e de forma adequada ao contexto social. Não se aponta a lavagem ao cérebro aos recrutas da PSP e da GNR que os prepara exactamente para a tarefa que geralmente executam com prontidão e zelo: reprimir o pobre, o trabalhador e o preto. Mesmo o diferente, depende, pomos sérias dúvidas se o comportamento do polícia seria o mesmo se tratasse, já não dizemos de uma tia de Cascais, mas de uma cigana, com certeza que seria diferente, nem o motorista chamaria a polícia. A agressão posterior do motorista é mais que suspeita, no mínimo será tão verdadeira como a mulher se tenha ferido por ter caído no chão, vem a calhar, parece que foi feita por encomenda e pela própria polícia a fim de mostrar que pretos são vingativos e as que levam ainda são poucas. Operações de falsa bandeira é coisa que a polícia está mais do que treinada.

Estamos à espera que o governo do Costa do PS limpe a PSP e a GNR dos elementos de extrema-direita e abertamente nazis e que alguns deles, sabendo-se impunes, se manifestam livremente e em público em movimentos e em partidos que, pela Constituição, deveriam ser proibidos. Racismo e violência policial estão sempre de mãos dadas. O documento, produzido recentemente pelo Comité Consultivo da Convenção Quadro para a Proteção das Minorias Nacionais do Conselho da Europa, não deixa margem para dúvidas: as comunidades ciganas em Portugal continuam a ser discriminadas e a viver à margem da sociedade, e recomenda "medidas que previnam a disseminação do discurso de ódio nos media e nas redes sociais, a formação das forças de segurança para os direitos humanos e o apoio do Estado a projetos locais que promovam o combate aos preconceitos e estereótipos racistas e xenófobos". O que tem feito o governo PS/Costa? Nada. E percebe-se, é que polícias, militares e poder judicial serão sempre a última reserva da defesa da velha ordem política burguesa. O PS vela pelo bem-estar e segurança da burguesia e não do povo.

Uma democracia cleptocrática

Dentro deste contexto de endurecimento do regime formalmente democrático, onde estará admiração de uma cleptocrata tenha feito de Portugal a lavandaria do dinheiro sujo de sangue e de miséria. E só depois de ter sido formalmente denunciada, venham agora umas falsas virgens púdicas, que há muito perderam a virgindade embora invocando que não sabiam que estavam a ser desfloradas, unidas pelo medo de se verem afundadas no mesmo barco, reclamar inocência e virtude. Em Angola, assiste-se a uma luta entre duas cliques a ver quem rouba mais ao povo, e, em Portugal, estamos a assistir a uma mudança de posição de políticos e empresários, das nossas elites que não são menos corruptas que as angolanas, com o objectivo claro de continuar a embolsar o quinhão a que acham ter direito. Desde que, e quem o diz é o incontornável PR Marcelo, se respeite as leis e as instituições nacionais, precisamente aquelas que foram feitas por e à medida dos que se alimentam e alimentam a corrupção.

A burguesia portuguesa continua com a mesma política, não sendo a sua natureza substancialmente diferente, da antiga burguesia colonialista e roceira, agora a diferença está em ter de compartilhar o bolo resultante do saque com uma elite local e não menos corrupta. O que se compreende ao vermos a persistência do governo em manter no estrangeiro forças armadas, mercenárias (mais confiáveis), cujo objectivo é proteger a pilhagem levada a cabo pelos grandes grupos económicos da União Europeia, da qual as empresas portuguesas esperam colher as migalhas. São as velhas pretensões e hábitos coloniais de potências que já tiveram colónias e que agora irão desenvolver sob a protecção de uma Alemanha abertamente imperialista, não foi por acaso que a alemã Ursula von der Leyen foi catapultada para a presidência da Comissão Europeia. O IV Reich, de braço dado com a França, já mostrou querer estender as garras, a começar pelo apoio que presentemente está a conceder aos mercenários do Daesh na Síria, e o resto virá com o tempo.

A acumulação e concentração do capital fazem-se de forma imparável sem considerações moralistas ou humanitárias. A burguesia portuguesa encontra-se inserida na cadeia capitalista europeia e mundial mais geral, contenta-se com os restos e a manter-se no lugar subalterno que lhe foi reservado, mas não é por isso menos exploradora, pérfida e corrupta - também lhe está no sangue. A diferença entre a cleptocracia nacional e a angolana será quanto muito pormenor de idade e de polidez.

Imagem de destaque: https://henricartoon.pt/opiniao-publica-1159096

20 janeiro 2020

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