A segunda parte da reunião do Conselho de
Estado de Marcelo, órgão considerado por muito boa gente como inútil,
constituído pela brigada do reumático dos senadores do regime, marcou
nitidamente a rentrée política do país, mais do que as iniciativas partidárias,
e está a ser tema para paragonas de primeira página de jornais, abertura de
noticiários e de masturbações de comentadeiros e paineleiros pagos a metro a
fim de se saber se Costa está ou não “amuado” com Marcelo, se existe alguma “querela”
entre ambos, e quem terá sido o garganta funda presente que botou cá para fora
o que supostamente terá acontecido na reunião, há quem aponte o dedo ao
calhandreiro Mendes ou ao lobista Xavier (ou não terá sido o próprio Marcelo?).
Em resumo, a questão magna é saber quando é que Marcelo dissolve a Assembleia
da República e despacha o Costa e o PS.
O fantasma da estagflação e os trabalhadores
mais pobres
Mas uma outra realidade se encontra escondida
pela cortina mediática e barulhenta das peripécias ligadas à reunião do dito conselho
de estado, que, pelos vistos, nem é conselho e nem de estado,
que é realidade da grave crise económica, ou dita “economia nacional”, que não
está assim tão bem, apenas a sua situação foi mitigada pelo turismo que, mesmo com
a tão apregoada Jornada Mundial da Juventude, não impediu que entrasse em recessão
em pleno Verão. Segundo os economistas consultados pela Lusa, a economia
portuguesa poderá registar um crescimento fraco ou até mesmo uma recessão na
segunda metade deste ano, com as exportações totais diminuíram, em cadeia, 2,3%
em termos reais. Se o PIB, independentemente do que isso é e como é calculado,
subiu, os salários e os rendimentos gerais dos trabalhadores desceram; se o
turismo foi melhor este ano deveu-se aos estrangeiros, uma realidade bastante
volátil; se as exportações baixaram e se as receitas dos impostos aumentaram,
quer a dívida pública quer a privada subiram, totalizando cerca de 808 mil
milhões de euros (pública mais mil milhões de euros em Julho, estando nos 281,1
mil milhões de euros).
Mais grave ainda é que as condições de vida de
grande parte do povo português se degradam continuamente, de nada valendo as
medidas consideradas milagrosas do IVA Zero do cabaz de alimentos ou apoios às
famílias mais endividadas à banca. O salário de metade dos portugueses não
chega para pagar as despesas, ficando para trás despesas importantes como
referentes a uma boa alimentação e saúde, o que significa que ter um ganho pão
em Portugal não é sinónimo de não ser pobre. Os salários são miseráveis porque,
também, o trabalho precário, ao contrário do prometido por Costa, não diminuiu,
pelo contrário, aumentou, ocupando Portugal a posição 3 no ranking da precariedade
na União Europeia. No entanto, os propalados fundos de investimento já ganharam
1,2 mil milhões de euros até o mês de julho, ou seja, os especuladores e outros
capitalistas rentistas enriqueceram um pouco mais à custa do produto do
trabalho do povo português; e mais «Sete mil e 400 milhões de euros foram
transferidos no ano passado de contas em bancos portugueses para os chamados
paraísos fiscais.» É o fartar vilanagem!
Ainda por cima é a própria classe média, que
se criou através dos empregos melhor remunerados na Função Pública, médicos,
professores, enfermeiros, técnicos superiores e médios em geral, que está a ser
empobrecida rapidamente e a enfrentar o desemprego, que não é tão grave que
seria de esperar porque a válvula de escape da emigração de quadros mais
qualificados vai ainda funcionando. A par da destruição do SNS e da Escola
Pública, os médicos, enfermeiros e professores, assim como outros técnicos,
encontram-se agora na primeira linha na luta contra a proletarização, com
greves constantes, mas por dispersas e limitadas dificilmente serão vitoriosas,
estando, por má-fé governamental, a serem responsabilizados pela degradação de
sectores que já foram condenados por Bruxelas. Abater o público para abrir
mercado ao privado, os hospitais privados nunca facturaram tanto como agora,
por exemplo, o grupo CUF Saúde/Grupo Mello teve lucro de 25,4 milhões de euros
no primeiro semestre de 2023, mais 9,9 milhões de euros em relação ao mesmo
período do ano passado.
O Banco Central Europeu é quem mais ordena
Sem ninguém estar à espera, o governador do
banco de Portugal, ex-ministro das Finanças PS, Centeno, resolveu por bem, ou
por iniciativa própria ou a mando do BCE, botar faladura em público apontando o
caminho que o governo deve seguir quanto à resolução dos graves problemas
económicos do país. Alertou para o facto de o BCE estar a "fazer
demais" quanto à subida dos juros, deixando a esperança de que brevemente
irão descer, o que todos sabemos que não é verdade, assumiu assim o papel de
polícia bom; para depois, já na pele do polícia mau, aconselhar o governo a
manter as “contas certas”, com a redução do investimento público quer na
economia quer no sector da saúde, educação, segurança social e trabalhadores do
estado, ou seja, nas áreas onde os privados deverão intervir para o lucro
imediato e fácil.
Centeno teve um discurso declaradamente
político, extravasando as suas funções de regulador e de funcionário que jamais
foi objecto do escrutínio do voto do eleitorado. Parece que o governo não terá
gostado, o certo que passado 4 dias, mais precisamente hoje, é notícia que um
grupo de economistas do Banco de Portugal se manifestou contra, não
reconhecendo o documento apresentado por Centeno como documento oficial do banco
central, que, não deixa de ser conveniente relembrar, recebe apenas ordens do
Banco Central Europeu (órgão do grande capital financeiro), já que com a adesão
ao euro (marco alemão com outra denominação) Portugal deixou de ter soberania
monetária.
As medidas para fazer face à crise endémica do
capitalismo e do agravamento que está a ter neste momento são sempre mais do
mesmo: A OCDE diz que a descida de inflação é improvável sem o aumento do
desemprego, melhor dizendo, só com o agravamento da miséria de quem trabalha é
que a crise poderá ser debelada. A CIP, organização benemérita do empresariado português
mais troglodita, quer de novo o lay-off simplificado para as empresas que irão
ser afectadas pela paragem da Autoeuropa, parecendo que ficou satisfeita com a
política de recapitalização das empresas nacionais falidas a pretexto da
pandemia – para alguma coisa a pandemia terá servido! Novos radares foram
instalados, “para salvar vidas!” diz o governo, mas todos sabemos que será mais
para a caça à multa, isto é, mais um imposto que irá dar muitos milhões no
final do ano, derrubando a pretensa descida de impostos prometida pelo PS. E as
empresas nacionais, segundo relato da imprensa, preparam nova subida de preços,
o quer dizer que a inflação será para manter de boa saúde, porque representa a
subida dos lucros para os tais empresários empreendedores.
Costa “O Salvador da Pátria”
Perante a situação, que vai indo de mal a
pior, Costa, arvorado em salvador da pátria, anuncia com pompa e circunstância
e para marcar a rentrée política como “fazedor” e não “comentador”, um conjunto
de medidas salvíficas para os portugueses: IVA zero até ao final do ano; IRS
Jovem, com taxa zero no primeiro ano; e devolução de propinas depois do
ingresso dos jovens no mercado de trabalho; aplicação do pacote legislativo de
mais habitação, não sabemos bem para quem, que irá ser confirmado na Assembleia
da República. Medidas que foram de imediato apelidadas pelos partidos da
oposição de falsas, por terem sido copiadas, de “insuficientes” pelo BE, e por
aí fora. Parece que Costa entrou em aberta campanha eleitoral já,
possivelmente, pensando nas próximas eleições para o Parlamento Europeu,
passando assim a perna aos partidos da oposição, principalmente, ao dito “principal”
que se desespera em ter um discurso coerente e digno de confiança. Costa ficará
na História mais como o salvador do capital em Portugal e os factos prova-lo-ão!
Costa também sabe que os tempos que se
avizinham serão particularmente difíceis, para o governo e para quem trabalha,
que o desemprego irá disparar. Agora é a Autoeuropa que vai dispensar, por agora, mais de 200
trabalhadores com paragem por mais de dois meses, não se sabe se não será por
mais tempo nem qual vai o ser impacto em outras empresas nacionais para para ela trabalham. Outras empresas estão a encerrar portas, Evaristo Sampaio fechou e
lançou no desemprego mais de 30 trabalhadores, a indústria tradicional nacional
está a dar as últimas, a Groundforce foi declarada insolvente e a coisa não ficará
por aqui. Perante um possível ou até mais que certo descontentamento social
generalizado, Costa vai, por um lado, tentando serenar os ânimos com a ministra
da dita “Solidariedade” a dizer que as dificuldades sentidas pelos trabalhadores
são devido à guerra na Ucrânia; pelo outro, vai mudando as chefias das polícias
pedindo-lhes mais colaboração e coordenação. Se a cenoura não funcionar,
restará o cacete sobre quem trabalha e seja renitente às medidas de mais
pobreza.
Os tempos que se avizinham são sombrios e o
mundo do trabalho deve abandonar as ilusões e preparar-se para a luta.
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