Em uma altura em que a guerra na Ucrânia corre
o perigo de avançar para uma escalada sem precedentes, podendo desembocar em
guerra mais generalizada no continente europeu e, se chegar a esse ponto, de
certeza será nuclear, os políticos indígenas entretêm-se em campanha eleitoral
inócua para um órgão europeu inútil, querendo transformar a mascarada em
legislativas tipo 2.0, e um candidato a candidato ao Palácio de Belém coloca-se
em bicos de pés, sobrando em estatura física o que lhe falta em estatura moral,
defendendo que os portugueses devem estar dispostos a morrer em qualquer parte
da Europa e às ordens dos amos da Nato.
Eleições europeias ou legislativas 2.0?
Nos diversos debates televisivos, feitos exclusivamente
com os partidos com representação parlamentar, o que por sua vez dá bem a ideia
do tipo de democracia em que vivemos, os concorrentes à mordomia de mais de 10
mil euros mensais, mais as apetitosas ajudas de despesas de deslocação e outras,
não ousam discutir as questões essenciais que são, antes do mais: a falta de
soberania económica, financeira, monetária e política, dos países membros,
nomeadamente Portugal, que é um dos mais marginalizados e será um dos mais
prejudicados caso o projecto de alargamento se concretize; o papel do euro (o
outro nome do marco alemão) nessa perda de soberania; a dívida pública se deve
ser paga ou não; a guerra, em termos da paz e não da corrida aos armamentos; a
dependência e subjugação da UE perante os Estados Unidos, a potência ainda
hegemónica mas em via de decadência acelerada; e, last but not least,
Portugal deve sair ou não do euro ou da União Europeia (esta pergunta terá sido
feita ao candidato da CDU/PCP com mero intuito de provocação e não como ponto
da partida para uma discussão aprofundada e séria).
Enquanto se distrai o populacho, em particular
a dita “classe média” que mais nutre ilusões quanto à União Europeia, o governo
AD vai desgovernando, ou seja, segue a mesma via do governo PS, deixando já a
prudência de não levantar muitas ondas quanto aos reais propósitos. As reacções,
como não poderiam deixar de ser, vieram imediatamente dos restantes partidos,
em particular do PS, quando se tratou de substituir os boys à frente das instituições
do estado ou tuteladas por este. A que deu mais celeuma, e com contornos abertamente
caricatos, foi a exoneração da ex-ministra da saúde e provedora da Santa Casa
da Misericórdia que levou bilhete de desembarque com carimbo de incompetente,
mas que não pôde abandonar logo o cargo enquanto não fosse encontrado substituto.
E este lá apareceu na pessoa de indivíduo ligado aos negócios da banca e que já
fora acusado de falta de idoneidade. Este caso por si só diz bem da natureza do
governo AD e como será a sua governação no futuro.
Mais importante que os assuntos europeus e da
situação de completa subserviência deste governo a Bruxelas e à exploração de
que o povo português é vítima desde que se entrou para este clube do grande
capital financeiro, parece ser a construção do novo aeroporto de Lisboa em
Alcochete, não exactamente pela sua importância para o desenvolvimento da
capital ou do país, mas pelos milhões que irá proporcionar de negócios aos diversos
lóbis e de comissões para os políticos que se encontram no poder. Ao todo serão
mais de 10 mil milhões de euros, que facilmente irão derrapar para os 15 mil milhões
ou mais, e será esta disputa pelo pote que tem adiado a sua construção e não
pela dificuldade da obra em si ou até falta de financiamento. Anda-se há
cinquenta anos a discutir-se o novo aeroporto, ninguém se admire que se ande quase
outro a construi-lo basta que a euforia do turismo se desvaneça.
Os interesses do grande capital financeiro estão primeiro
Os cinco maiores bancos lucraram 1,2 mil
milhões de euros nos primeiros três meses do ano, isto é, 560 mil euros por
hora, em um fartar vilanagem que é resultante de um empobrecimento
rápido e doloroso de grande parte do povo português, através das elevadas taxas
de juro do banco central europeu e das excessivas e numerosas comissões
cobradas aos cidadãos que têm o azar de utilizar os serviços bancários. Estes são
os números e a prova de algodão da verdadeira razão da inflação, potenciada e
não refreada pelas taxas de juro elevadas. Se o banco de Portugal teve um prejuízo
operacional de 1.054 milhões de euros o deve ao BCE, porque este é o órgão a
que respondem todos os bancos centrais de cada país. O euro funciona com
instrumento de dominação sobre as economias que o usam como meio de troca e de
mercadoria e perante o qual os governos “nacionais” se submetem, porque quando
precisam de dinheiro não o podem imprimir nem pedir ao BCE, mas aos bancos
privados que enriquecem com as grossas taxas de intermediação. É o grande
capital financeiro no seu melhor.
Banca mais rica significa trabalhadores mais
pobres: as desigualdades socais e económicas aumentaram nos últimos dois anos,
acrescentando mais de 60 mil de cidadãos em risco de pobreza aos já pobres; os
trabalhadores portugueses são os quintos da UE que mais horas trabalham e que
mais risco possuem de virem a ser pobres a curto prazo; os trabalhadores precários
têm três vezes mais risco de pobreza do que os restantes; 80 por cento dos
empregos criados a partir da pandemia (dita) são precisamente precários; muitos
trabalhadores qualificados precisam de um segundo emprego para poderem manter
minimamente o mesmo nível de vida (proletarização da classe média); nunca houve
tantos idosos a viver sozinhos, no ano passado eram 575 mil; falta dinheiro
para pagar bolsas e investigação científica, no entanto, acaba de serem
entregues à Ucrânia 100 milhões euros, que nem sequer foram orçamentados. E o
governo AD está ser pressionado para contratar a compra de aviões de guerra aos
Estados Unidos no valor de 5 mil milões de euros para manter a “soberania aérea”
(!?), entretanto compromete cada vez mais a soberania financeira e económica
porque será obrigado a aumentar a dívida pública. Neste país, decididamente, os
ricos não pagam impostos: impostos sobre “lucros excessivos” seriam de 900
milhões de euros, caso o governo os cobrasse às grandes empresas.
Ficou-se a saber que “faltam quase 137 mil
casas no país para alojar famílias em carência habitacional” e vem a cabeça de
lista do PS ao Parlamento Europeu, partido que esteve no governo nestes últimos
oito anos e pessoa que gastou vários anos a liquidar o SNS, reclamar um “plano
europeu para habitação acessível”. E se fosse para a pata que a pariu e sem
ofensa para a dita? O partido socialista (no nome) não resolveu este problema
porque nunca esteve interessado e o seu verdadeiro e, pouco oculto, objectivo
foi garantir a especulação no ramo e os lucros enormes de senhorios abastados e,
preferencialmente, dos bancos que tiveram na construção civil e na habitação o
seu principal negócio desde praticamente o 25 de Abril. Mal se ouviu a
declaração do governo de que o aeroporto iria ser construído em Alcochete foi
manchete em toda a imprensa: «"Telefones ainda não pararam de tocar".
Decisão do novo aeroporto provoca aumento da procura, dizem imobiliárias»: Business
go on. O problema da habitação para o povo só se resolverá quando se acabar
com a especulação e para isso o estado terá de entrar directamente no mercado.
Governo AD e governo PS defendem a guerra
henricartoon
A nível interno, e apesar da sua curta existência,
o governo já disse ao que vem. Continuar as privatizações que o governo PS
estava a levar a cabo discretamente, saúde, ensino, e, se tiver tempo e verga
para tal, irá iniciar a privatização dos dinheiros da segurança social e do
recurso natural que está a ser considerado como vital e prioritário para o
grande capital financeiro, a água. Montenegro acaba de garantir que a saúde
familiar será "um dos eixos" do programa de emergência da saúde para
este ano, trocando por miúdos, acabar o processo de privatização dos cuidados
primários em que o PS e Costa estavam empenhados, e não propriamente responder
às preocupações do bastonário da Ordem dos Médicos, este outro paladino da
medicina privada e mais curativa (cuidados secundários) do que preventiva. Um sinal,
entre outros, da falta de investimento no SNS foi o facto de o Hospital de
Penafiel ter colocado 80 doentes em isolamento contaminados por bactéria multirresistente.
A legalização da corrupção será de igual modo uma tarefa prioritária como se
pode comprovar pelos grupos de pressão que estão já a organizar-se nesse
sentido.
Se, no país, é mais do mesmo, então quanto a
política externa, os sinais não deixam margem para dúvidas. O ministro dos
Negócios Estrangeiros no seu frenesim de bom serviçal não consegue disfarçar a
logomania e destrava ao considerar que em Gaza não está a acontecer nenhum
genocídio perpetrado pelo estado sionista de Israel, mas uma simples “catástrofe
humanitária” que, ao que parece, será coisa de somenos e de fácil resolução. Aliás,
nesta matéria, não houve alteração em relação à política conduzida pelo PS e
Costa no governo, inclusivamente, Costa, ainda há pouco tempo e não conseguindo
conter o impulso, asneirou mais uma vez considerando como essencial a “derrota
da Rússia” e o “reforço da autonomia da UE”; portanto, até qui nada de novo. O que
poderá mudar é uma maior receptividade, pelo menos, em palavras, no alargamento
da União Europeia, o que de certeza irá apressar a sua implosão. E aumentar a
despesa em relação à defesa, ou, mais correctamente, à guerra, quer na
propaganda de que a Rússia vem por aí fora até Lisboa, aproveitando a opinião pública
favorável ao aumento da despesa com armamento, que irá ser adquirido aos
americanos, e a uma eventual reintrodução da conscrição, embora de forma mais mitigada.
As palavras do almirante das vacinas, “se a Europa for atacada e a NATO nos
exigir, vamos morrer onde tivermos de morrer para a defender”, enquadram-se perfeitamente
nessa política belicista.
A questão da imigração
Outro tema, caro à extrema-direita fascista
nacional e não só, é o a imigração. Os partidos que concorrem às eleições do
próximo dia 9 de Junho, sopesando bem, não diferem muito nas suas posições na
essência: a imigração é um mal a tolerar, mesma a extrema-direita acaba por
aceitar as directivas e os pactos impostos por Bruxelas, o palavreado não passa
de foguetório propagandístico. As palavras de “o nosso país não tem capacidades
ilimitadas para acolher e integrar imigrantes” acabam por estar dentro daquela
lógica de lá tem que ser, porque nunca se questiona o tipo de economia
que temos, e a economia que temos é o capitalismo que precisa de mão-de-obra
escrava para poder subsistir.
E a sua velha estratégia para fazer baixar os
salários é a de dividir a classe dos assaalriados entre si aproveitando
diferenças de nacionalidade, de etnia, de religião e de sexo, tudo serve para
aumentar a mais-valia extorquida ao trabalho. As lutas identitárias que a
burguesia promove no seio do povo, desde feminismos a LGBTs, tem a mesma função
de dissolver as classes sociais, anular a luta de classes, decretar assim o fim
da luta primordial entre aa duas classes principais do mundo capitalista: burguesia
e assalariados. Se a economia baseada no lucro for substituída por uma outra
que vise satisfazer as necessidades das pessoas que habitam neste rectângulo a
beira-mar plantado a população pode perfeitamente aumentar mais meia dúzia de
milhões que ninguém passará fome por isso.
Impor restrições à imigração será uma tarefa vã
e inglória, e a Igreja Católica já percebeu isso, com a agravante de vir a ter
um efeito perverso, porque irá somente acelerar a queda do mundo capitalista. Faz
parte da renovação e rejuvenescimento de uma população a entrada de novas
correntes genéticas (heterozigotia), e a realidade incontornável de mais de um quinto dos bebés nascidos em 2023 serem filhos de mães estrangeiras,
descontando o turismo obstétrico, é facto pelo qual nos devemos regozijar. Se não
fosse a entrada de novas populações e da miscigenação, que é exaltada pelas elites apenas quando interessa, o povo português já teria desaparecido ou então
nem teria surgido. A história não anda para trás e os impérios não conseguem
fugir ao seu términus… enquanto a velha toupeira vai fazendo o seu silencioso trabalho.
Imagem de destaque: O rapto da Europa (mosaico grego)