Quando se comemoraram os 40 anos do SNS o PS
andou por Coimbra a plantar uma oliveira no parque da cidade, e mandou erguer
uma estátua de ferro em 2D no mesmo local do considerado “pai” do Serviço
Nacional de Saúde. Este ano e nos 45 anos, com o PSD e CDS-PP no governo,
alguém alvitrou a criação de um hino de louvor (ou de requiem) sobre um serviço
moribundo e cuja doença se acelerou particularmente nos últimos cincos anos.
Quando se celebrar o cinquentenário de certeza que o moribundo estará mais que
morto e enterrado.
O momento é mais que oportuno para que os
profissionais que trabalham no SNS marquem uma posição e se oponham firmemente
a este processo de demolição praticado pelo actual governo. Neste sentido, os
médicos e os profissionais de enfermagem vão iniciar amanhã uma greve de dois
dias, com os objectivos de defesa dos cuidados de saúde gerais e universais
para os cidadãos portugueses e para a resolução dos seus principais problemas
de classe: actualização das grelhas salariais, dignificação das carreiras, melhoria
das condições de trabalho e aumento de investimento no SNS e não no
financiamento do sector privado do negócio da doença.
O governo AD fez a promessa de liquidar
rapidamente o SNS e as medidas propostas e algumas já aplicadas vão nesse
sentido: privatização de parte dos cuidados primários e a seguir os serviços de
obstetrícia e de ginecologia. Estes já integrados na teia do turismo de saúde,
onde os privados projectam vir a ter dentro em breve o predomínio. Numa
primeira fase, desacreditar estes serviços do SNS, levando a população utente a
deixar de neles ter confiança e logo a seguir justificar as insuficiências dos
mesmos e da inevitabilidade da sua substituição em parte ou no todo pelo
privado.
Os médicos e os enfermeiros devem fazer o
esforço de coordenarem as suas lutas e atrair outros sectores profissionais de
trabalhadores, começando pelos assistentes operacionais, os mais explorados e
pior remunerados. Devem denunciar as tentativas de divisão entre si e de
descrédito da luta que o governo irá inevitavelmente fazer, e já está a
fazê-lo, perante a opinião pública. A medida do governo de querer alterar as
férias dos médicos em períodos de Natal, Fim de Ano, e mais tarde de Páscoa,
para colmatar as faltas nas escalas de serviço é uma forma ignóbil de
responsabilizar em bloco os médicos pelo encerramento daqueles serviços e do
“caos” nas urgências em geral.
Privatização da saúde em passo acelerado
Para não ficar isolado e sabendo da situação
precária dentro da Assembleia da República, o governo PSD/CDS-PP procura com os
partidos da oposição, os mais à direita e com o PS, este corresponsável pelo
desastre do SNS, um pretenso "amplo consenso nacional" para a
putativa “reforma”, que será para liquidar o SNS como ele foi projectado há 45
anos. A farmacêutica, que chefia a comissão liquidatária, justifica o pacto
pela dimensão da tarefa e do tempo que poderá levar, ultrapassando a legislatura,
que se presume que será de 4 anos. Será o “Sistema” de Saúde de que tanto gosta
e fala o presidente Marcelo.
Outro figurão do PSD e segunda figura do
Estado, Aguiar-Branco, que já possui experiência de liquidação de empresas
pública para depois as entregar a privados, caso dos Estaleiros da Lisnave que
foram oferecidos de bandeja à Martifer, de amigos e correligionários do
partido, faz coro: a reforma no SNS para combater "crise de
confiança". Defende abertamente a entrega ao sector privado e ao sector
social da Igreja Católica, como resposta, em lógica enviesada, ao crescimento
dos seguros privados. Deixar o SNS no osso, ou seja, um serviço
assistencialista para os pobres.
O facto de o governo AD de ter acabado de
anunciar a criação de uma unidade “para monitorizar desempenho
económico-financeiro do SNS” define, por si só, o seu conceito, inteiramente
economicista, do que devem ser os cuidados de saúde prestados à população,
baratinhos e que não ponham em causa as contas certas do Orçamento de Estado.
Com certeza que não é para fiscalizar os milhões de euros que são enfiados nos
bolsos das empresas privadas do sector ou nas misericórdias da Igreja. Milhares
de milhões que já andarão perto dos cinquenta por cento do orçamento total para
a Saúde.
A imprensa apregoa que o “número de pessoas
sem médico de família aumentou um milhão em cinco anos”, nunca houve tantos
cidadãos sem assistência de cuidados de saúde primário como agora, mais de um
milhão e meio. Logo e de imediato, o governo AD apresenta a solução milagrosa:
“Governo alarga acesso a médico de família a 75 mil utentes da Grande Lisboa”;
“Misericórdia vai assegurar consultas a mais 5000 utentes sem médico de
família”. A farmacêutica adianta que serão abertas 10 USF em Lisboa e Vale do
Tejo, cinco em Leiria e cinco no Algarve, geridas por setores privado e social.
Até chegar a toda a população carenciada, outro orçamento da saúde não chegará
para satisfazer a gula dos negociantes da doença.
Não serão necessários mais estudos e nem mais
especialistas virem confirmar que sai mais barato ao Estado investir nos
cuidados primários públicos, ou seja, na educação para a saúde e na prevenção
da doença, coisas que só o SNS público pode fazer, do que investir nos cuidados
secundários, isto é, no modelo biomédico de curar a doença. No entanto, o
apetite insaciável pelo lucro, por parte das empresas privadas, das
misericórdias e de muitos médicos, mais empresários que clínicos, levou a que o
modelo biomédico já passasse dessa fase, tratar a doença, para a fase seguinte,
de não tratar a doença, mas torná-la crónica.
É evidente que se torna mais rentável não
curar a doença, no entanto, com o cuidado de não matar o doente para que esta
venha a ser um consumidor para o resto da vida de medicamentos, exames
complementares de diagnóstico, de consultas e outros ditos “tratamentos”
médicos. Todos os negociantes da doença regozijarão, o mercado é certo. De
maneira semelhante, o SNS dever ser tratado, não o liquidar por completo,
mantê-lo em vida assistida porque ainda será necessário. É aí que os médicos se
formam e estagiam, onde traficam os doentes, e para onde os enviam ou devolvem
quando as coisas correm mal no privado ou os tratamentos são demasiado
dispendiosos. Veja-se a propósito o caso das “gémeas”, que beneficiaram de um
tratamento de 4 milhões de euros, em que hospital privado ou da Igreja isso
seria possível?
Ainda voltando ao problema da falta de médicos
nas urgências e serviços de pediatria, obstetrícia e ginecologia, é notícia
quase diária e muitas vezes abertura de telejornais o encerramento dos mesmos.
Nunca se questiona porque há falta de médicos, estão no privado porque aí pagam
melhor?! A imprensa que se encontra ao serviço dos interesses do negócio
privado da doença deveria esclarecer duas coisas: a quase totalidade, haverá
pequenas excepções, dos médicos que trabalham no privado não são aí empregados
mas empresários por conta própria, limitam-se a alugar as instalações e os
serviços; oitenta por cento dos médicos que trabalham no privado acumulam com o
público.
Por que não instituir a dedicação EXCLUSIVA de
médicos e enfermeiros, e outros profissionais, em vez da farsa da “dedicação
plena”, aumentando os salários de forma adequada? Ficaria mais barato do que
dar dinheiro às empresas privadas para fazer o que os médicos que trabalham no
SNS, ou que lá deveriam trabalhar, não fazem. A sabotagem do SNS, com a criação
artificial das longas listas de espera para cirurgias, consultas, exames
complementares de diagnóstico, etc., já vem de há muito e muita gente dentro dos
hospitais não deixa de ser conivente, desde directores de serviço a
administrações hospitalares. Os governos superintendem e velam pela boa
execução do processo, sempre de acordo com as directivas de Bruxelas.
O governo AD indicou
para comissária da Saúde uma farmacêutica, como poderia ter nomeado qualquer
outra pessoa se tivermos em conta que o cargo é meramente executivo, a política
está previamente definida: privatizar, é a palavra de ordem. Se fosse para tomar
decisões com conhecimento de causa, qualquer assistente operacional com
experiência hospitalar seria pessoa mais capaz e competente. Com uma pessoa
ligada aos negócios da big pharma, ou seja, dos grandes grupos económicos
farmacêuticos que dominam o mercado da saúde, temos de reconhecer que é a
pessoa mais habilitada para levar a cabo a tarefa incumbida: destruir o SNS
público. Não é por acaso que o governo vai gastar 7,6 milhões de euros com
vacinação contra a gripe e a covid-19 nas farmácias e o consumo de medicamentos
nos hospitais continua a aumentar exponencialmente. Bem pode pregar a dirigente
sindical que a pessoa nada percebe de saúde, é que nem precisa.
24 de Setembro de 2024
Imagem: "DC"
Publicado em Moves
Nenhum comentário:
Postar um comentário