quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Marcelo, Orçamento e polícias

 

Estamos a assistir a uma encenação sobre o Orçamento Geral do Estado para 2025, pior que as antigas telenovelas venezuelanas, quanto à sua ou não aprovação e sobre quem será o responsável pela realização de eventuais novas eleições legislativas antecipadas, caso o OE-2025 seja inviabilizado, porque irá ser castigado em número de votos – "o povo português não quer mais eleições", é o mantra. Fica-se com a sensação clara de que o busílis da questão não é sobre a natureza e o conteúdo concreto de tal documento, já que não é sequer do conhecimento público, mas se vai ou não acontecer outro acto eleitoral – a ânsia de uma maioria absoluta é indisfarçável pelos lados de S. Bento e de Belém, a favor dos partidos que presentemente desgovernam. Entretanto Marcelo intriga e o aparelho repressivo é aprimorado.

Marcelo, o conspirador

Marcelo já confessou que não se cansa de mover influências e exercer pressão para a aprovação do Orçamento de Estado. Tem que haver Orçamento a toda a força, e acredita que vai haver, e terá mesmo de haver, se não for com o PS será com o partido da extrema-direita. E ao contrário do que afirma, este contrato a ser realizado com a direita mais trauliteira e anti-democrática não será assim tão “violento”, visto que ficará tudo entre família.

Marcelo tem pressa que o caso se dê, ou o Orçamento que as elites indígenas desejam seja aprovado ou então que se vá para eleições o mais depressa possível, porque a partir do segundo semestre de 2025 não poderá dissolver o Parlamento, devido a eleições presidenciais em Janeiro de 2026. Se o Orçamento passar, então, há fortes condições para que o governo se aguente para além de 2026 e até possa chegar ao fim da legislatura. Mas o bom, bom, é que venha a ter maioria absoluta para actuar a seu bel prazer.

Marcelo faz boa parelha com Montenegro, reconheço-o publicamente, serão muito provavelmente irmãos gémeos: "temos estado juntos em tudo o que é fogos". Principalmente nos incêndios da intriga e da conspiração para afastar o PS do governo e aí colocar o partido que ainda se pode considerar o partido por excelência da burguesia nacional, que de “nacional”, diga-se em abono da verdade, pouco ou nada tem - «Mais de quatro dezenas de empresários, gestores e líderes associativos afirmam que a aprovação do Orçamento é "fundamental" para garantir estabilidade e previsibilidade para as empresas e economia» (da imprensa).

O bodo aos pobres do OE-2025

Todos os anos a farsa é sempre a mesma, discute-se muito o Orçamento, mais pela rama do que propriamente pelo conteúdo, tem de haver OE e jamais governação por duodécimos, a burguesia quer o seu quinhão da riqueza extorquida aos trabalhadores que a criam, incluindo a mais-valia, que é o lucro ou a renda. Antes de aprovação final, o documento terá sempre de passar pelo exame de Bruxelas a fim de se certificar que está conforme as regras; ou seja, que os gastos com os serviços públicos não são exagerados, que não há verbas disponíveis para o desenvolvimento soberano do país, que os salários são baixos e que os lucros, nomeadamente dos bancos, são os maiores possíveis – o povo “não pode viver acima das suas posses”.

O baixinho que quer substituir Marcelo em Belém é peremptório: “É uma injustiça se não tivermos Orçamento”. Todos, os do costume, querem ter a teta certa e farta: «O presidente da empresa ferroviária de mercadorias Medway considerou hoje que Portugal tem sido um "país esquizofrénico" sobre a ferrovia, pelo que espera do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) um "sinal claro de apoio" ao setor» (da imprensa). Armindo Monteiro (CIP) diz ser "lamentável que Portugal continue a crescer abaixo do seu potencial de crescimento" e culpa a carga fiscal pela falta de capacidade para atrair a relocalização de indústrias (da imprensa). Como se pode ver os apelos para que o Orçamento passe são muitos e veementes.

E Montenegro faz acrobacias para convencer que o “imposto jovem” (IRS e IMT), isto é, a redução do IRS para os jovens (até os 35 anos) é a medida milagrosa para fixar os jovens, licenciados e/ou filhos da classe média, no país evitando que emigrem. O incontornável FMI já veio dizer que é uma medida limitada e inútil e que irá agravar o défice das contas públicas. Mas o primeiro-ministro faz-se forte e apresenta-se como patriota ferrabrás, acusando o chefe do PS de “troikista” quando este lhe chama a atenção para o facto. Estes dois têm-se entretido a barafustar um com o outro na choldra da Assembleia da República como se encontrassem em lados opostos da barricada.

Entretanto Montenegro não perde tempo na angariação de apoios contando com as mais que possíveis, ou pelo menos bem desejadas, eleições antecipadas na primeira metade do ano que vem. Anunciou o aumento extraordinário de 3,5% das comparticipações do estado ao setor social, onde as misericórdias ocupam posição destacada, com efeitos retroativos a Janeiro, para “corrigir desequilíbrios” resultantes da inflação e para fazer “justiça pura e dura”. Para já, o apoio da ICAR será seguro e os votos dos católicos, dos mais militantes, estarão garantidos. A par dos votos de alguma classe média que beneficiará das mexidas dos escalões do IRS e do patronato que vai embolsando os fundos do PRR e seduzido pela promessa da baixa do IRC.

O reforço do aparelho policial

Em simultâneo com as promessas orçamentais e com a intriga para que se avance para eleições que permitam alcançar a maioria absoluta, o governo AD vai preparando o cacete, método de lidar com as massas trabalhadoras mais de sua predilecção e jeito do que a cenoura, esta mais ao gosto do PS. Nesse sentido se deu o rebuçado dos subsídios de risco aos polícias, que teve o condão de os calar, embora estes se manifestassem um pouco desiludidos, não deixarão contudo de responder com lealdade e prontidão se o governo os mandar reprimir quem se oponha à política do PSD/CDS-PP.

As polícias municipais irão poder fazer a detenção de cidadãos suspeitos, bastará ligeira alteração à Lei, neste momento a PGR está meditar no assunto. Não só Moedas, o inefável presidente da câmara de Lisboa, ficará satisfeito como também os presidentes dos municípios onde já existe este tipo de polícias, mais outros onde brevemente será instituída, ou onde já existindo não lhe tem sido permitido usar arma de fogo à cintura mas que a partir de Janeiro já poderá fazê-lo, como acontece em Coimbra. Aqui o presidente da câmara acaba de recrutar mais 14 polícias, que se juntam aos 50 já existentes, mas não foi capaz de recrutar uma dúzia e meia de motoristas para os autocarros dos SMTUC, alegando falta de candidatos – são prioridades.

Dois polícias municipais de Lisboa foram detidos por explorarem mulheres para a prostituição, é a notícia fresca de hoje. Poder-se-á argumentar que em todos os cestos há maçãs podres e que, extirpando-as, não contaminarão as restantes, será sempre uma afirmação algo duvidosa. A arrogância de quem se sente “autoridade”, e de arma no coldre, é uma constante em país onde persiste a mentalidade de “manda quem pode e obedece quem deve”, e casos como estes são mais frequentes em todas as polícias do que o desejado. Poder-se-á colocar a questão: deverão estes agentes serem criminalizados a redobrar, como foi aprovado quanto aos crimes contra estes mesmos polícias por algum cidadão menos disposto a ceder à arrogância e à arbitrariedade?

No seio da classe dominante a vontade de reforçar o aparelho repressivo, seja a nível policial seja a nível militar ou até judicial, é bem patente e de vez em quando sai cá para fora. A organização assaz inútil para o bem-estar do cidadão comum, SEDES, veio há pouco tempo propor a revisão constitucional no sentido de agilizar a declaração do estado de excepção, à semelhança e segundo a experiência aquando e a pretexto da pandemia da covid-19. O governo do PS/Costa fez a experiência, decretou mais vezes o estado de emergência e a requisição civil sobre os trabalhadores, do que Salazar. Para alguma coisa servem os governos do PS, o do Costa abriu as portas a que se institucionalize a prática, na altura foi a “Bem da Saúde”, a partir de agora será a “Bem da Nação”.

Esta organização também avança com a criação do Serviço Nacional de Cidadania entre seis meses a um ano para jovens, coisa a que o governo já se opôs, porque lá iriam os votos da maior parte dos jovens em idade de recrutamento, que será a antecâmara para a conscrição. A justificação, dada no Relatório da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, assenta no argumentário de um “mundo em mudança”, o que implica adaptar a lei para as Forças Armadas e de segurança. Mas para tal terá de haver consensos entre os partidos do poder, na medida em que se trata de mexer nas “liberdades e garantias, coisa que a SEDES reconhece como difícil no imediato, contudo fica a proposta. O general que apresentou publicamente a ideia é um conhecido oficial da NATO que se contorce na televisão a vaticinar a derrota irremediável da Rússia na guerra da Ucrânia. Apenas pelo rosto das figuras, sabe-se ao que vêm.

Esperam-se tempos de luta

Talvez por efeito dos euros dos subsídios de risco, a PSP manifestou publicamente (e porquê publicamente e à frente das câmaras de televisão?) a intenção de participar ao Ministério Público os “crimes” cometidos pelos bombeiros sapadores na manifestação recentemente ocorrida à frente da mui respeitável e vetusta Assembleia da República: ocupação da escadaria, duas manifestações que não foram autorizadas pela autoridade competente, lançamento de petardos e, alvitramos nós, algum apalpão indevido a algum agente. O oficial da PSP parece não se lembrar de manifestação também ilegal, conhecida por “Cerco ao Capitólio”, por também não autorizada, dos polícias em tempo do governo PS e cujo processo de inquérito foi arquivado pelo MP por “não ter conseguido identificar os promotores”. Esta gente parece que quer guerra e a subserviência tolda-lhe a visão.

E nesta questão de reforçar o aparelho policial – relembremos que em Portugal existem 450 polícias por 100 mil habitantes enquanto na União Europeia o número é de 300 – é transversal à maioria dos partidos do establishment: «A esquerda viabilizou moção do Chega por mais poderes para a Polícia Municipal de Lisboa – PS, Bloco e Livre abstiveram-se, apesar das críticas públicas ao anúncio de Moedas» (da imprensa). Parece que há certa sintonia: «Empresários e gestores ‘exigem’ aprovação do orçamento», uma guerra contra o povo trabalhador. A sintonia, ou a sinfonia, prossegue: os eurodeputados aprovaram que os países devem dispor de 0,25% do seu PIB (Portugal serão 628.450.000 euros, referência ao PIB de 2023) para apoio à guerra na Ucrânia; e os votos a favor vieram dos eurodeputados portugueses, todos da AD e do PS, com excepção de um, e da IL.

As elites querem a guerra, será porque sentem o fim próximo?

Nenhum comentário:

Postar um comentário