quinta-feira, 12 de junho de 2025

Gente muito pouco patriótica na colónia à beira-mar plantada

 

Crónica republicada de 2016 sobre a subserviência da elite nacional ("nacional" somente no nome) e a situação de pobreza crescente do povo resultante da entrada de Portugal na então CEE, que na prática terá sido mais a anexação do País pela potência dominante, Alemanha. A partir de 1 de Janeiro de 1986, Portugal passou a ser uma colónia ou região (länder) europeia, no entanto, a elite enriqueceu, formando-se uma nova oligarquia, que neste momento aposta abertamente numa solução política de extrema-direita para melhor garantir os dividendos e privilégios.

Gente muito pouco patriótica

Marcelo foi a Roma ver o Papa e beijou-lhe o anel, segurando-lhe na mão sem se ajoelhar, como era costume antigo, convidando-o a visitar o país (cuja resposta ficou no segredo divino e presidencial) e de regresso visitou o rei Filipe VI de Espanha e VII de Portugal, a quem transmitiu a preocupação pelo domínio cada vez maior da banca nacional pela espanhola; foi a primeira saída ao estrangeiro do 20º, ou 19º se não contarmos Bernardino Machado duas vezes. O homem é católico e Espanha está aqui mesmo ao lado e há que velar pelas boas relações com os nuestros hermanos, já que eles são o principal parceiro económico, nas exportações e nas importações. Contudo, a viagem pode ser, e é na realidade, uma manifestação de subserviência, embora manhosa, como é habitual entre a nossa elite visceralmente provinciana.

Relacionado com esta visita de vassalagem e de validação externa, já antecipadamente efectuada por Bruxelas/Juncker, do cargo da personagem, ocorreram as manifestações dos produtores nacionais de leite e de carne de porco contra as também cada vez maiores importações daqueles produtos de países terceiros, à frente dos quais se encontra, outra coisa não seria de esperar, os produtores a vizinha Espanha. As reivindicações são elementares, a reposição do sistema de quotas leiteiras, favorecimento da distribuição da produção nacional por parte das grandes superfícies comerciais, etiquetagem dos produtores estrangeiros, benefícios fiscais por parte do governo e da segurança social, ou seja, proteccionismo contra a concorrência externa, em contradição aberta com as regras da UE, sem contudo colocarem em causa a permanência de Portugal nesta comunidade económica e política ou na zona euro.

Esperar que o ministro da agricultura, já experiente nestas andanças, e o governo de que faz parte façam alguma coisa de concreto para salvaguardar a produção nacional é qualquer coisa como ficar à espera de Godot, ou seja, esperem sentados, porque as medidas que aí virão serão medidas impostas por Bruxelas para proteger os grandes produtores europeus, franceses e alemães à cabeça, onde se enquadra a intenção de baixar a produção para teoricamente aumentar o preço, o que levará à aniquilação mais rápida das produções da periferia europeia. A entrada de Portugal para a então CEE teve exactamente esse pressuposto, o país deixaria de produzir para passar a comprar aos países do centro da Europa, e Bruxelas foi benevolente enviando milhões de marcos, e mais tarde milhões de euros (a mesma moeda com outro nome), a fim de indemnizar a burguesia nacional e comprar apoios internos; passados 30 anos, o resultado está à vista, mas se não tivesse acontecido essa dita "adesão", o resultado seria semelhante embora em tempo mais dilatado e sem o bónus das comissões. Temos de reconhecer que a burguesia nacional foi esperta, a nossa classe média é que não teve vistas largas e deixou-se enganar, agora é tarde.

Ora, a grande distribuição está-se nas tintas para o facto de "os agricultores estão a morrer no campo" e preferem comprar ao estrangeiro mais barato, com a subsequente maximização da margem do lucro, do que comprometer-se "a comprar a produção portuguesa". O chefe do grupo Pingo Doce/Jerónimo Martins é suficientemente claro ao afirmar, aquando da sua recente visita ao país do narcotráfico da América Latina, que o "peso do sector público em Portugal está a matar lentamente o peso do sector privado", o quer dizer que o governo deve baixar os impostos às empresas e fazer tudo o mais que estiver ao seu alcance para que os patrões nacionais aumentem o mais possível os seus lucros na competição que enfrentam com os restantes; ter a sede das empresas na Holanda, onde pagam metade dos impostos do que pagariam se estivessem em território nacional, não parece ser suficiente, quer mais, não deixando de frisar que "as empresas que não ganhem dinheiro são empresas sem futuro".

A partir da data de adesão à CEE/UE formou-se uma oligarquia rentista

Como se pode constatar, mais uma vez, os casos que o comprovam são muitos, se há uma classe média ou pequena parte da classe possidente em Portugal que aposta no proteccionismo, uma outra, que predomina, aposta numa maior liberalização e aposta na internacionalização dos seus negócios em mercados em ainda abertos do que o nosso e dirigidos por elites ainda mais corruptas. Contudo, não deixa de ser interessante ouvir da boca do Presidente da Associação Comercial de Lisboa – Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, um dos que faz negócio à custa do estado em termos de monopólio (foram claras as suas intenções em querer transformar os estivadores em escravos, aquando das últimas greves), defender que os capitalistas nacionais devem “comprar ou criar um banco” a fim de fazer frente à espanholização da banca portuguesa. Opinião que não parece ser compartilhada pelos seus comparsas da indústria do calçado, o tal sector da indústria nacional tão incensado pelos propagandistas do capital nacionais, que após investigação da polícia judiciária acabam de ser acusados pelo Ministério Público de lavagem de dinheiro e de terem escondido 2,6 milhões em off-shores, Ilhas Caimão e Reino Unido, defraudando assim o fisco e as contas públicas, o que nem sequer constituirá ponta de iceberg da verdadeira dimensão do patriotismo da nossa tão estimada e nacionalista burguesia.

Portugal é dominado por uma burguesia compradora e inútil, verdadeira oligarquia, que vai sobrevivendo do parasitismo dos recursos públicos e do estado, que é também o seu instrumento de repressão sobe os trabalhadores, que defende o proteccionismo quando isso lhe interessa e o seu contrário, o ultra-liberalismo, sendo então mais papista que o Papa se isso lhe trouxer algumas vantagens. Uma classe com fim historicamente anunciado para breve, apesar de não ter morte datada, contorcendo-se por entre o processo de acumulação e concentração capitalistas, temendo menos a concorrência brutal e desapiedada, que está na alma do capitalismo, do que a eventualidade, mais do que certa, de uma nova forma de organização da economia e da sociedade a que podemos dar o nome de socialismo.

Os pequenos agricultores nacionais para sobreviver terão de se organizar e o socialismo é a saída

Mais do que ser "indispensável a regulação legislativa e a fiscalização da actividade dos hipermercados", como reclamam os suinicultores e os produtores de leite, cada vez se torna necessário, não havendo outro caminho, o controlo da grande distribuição pelo próprio estado, o único capaz de exercer um controlo severo e eficaz sobre as importações, venham elas de Espanha ou de outro país; mas, para se atingir este objectivo, o país terá de sair do euro e da União Europeia, mesmo que ainda durante algum tempo e para as trocas comerciais com o exterior venha a manter o euro.

Será com o apoio do estado que os produtores se poderão organizar para fazer frente à concorrência estrangeira e não "morrerem" de forma violenta, como acontecerá com a UE capitalista; o socialismo será também a única alternativa. Para os nossos propagandistas e partidos do poder, só é problema se houver mais estado na economia se for português, porque se for chinês não parece haver qualquer problema atendendo às chorudas comissões pela venda dos activos públicos e, com alguma sorte, para gestão dos mesmos já sob propriedade estrangeira: "Estado chinês ganha quase 400 mil euros por dia na EDP" (é título na imprensa/propaganda nacional, tal como "Aumento do salário do presidente da EDP para 6.800 euros por dia...").

A pobreza é o indicador que mais se desenvolveu após a adesão à União

Enquanto tudo isso, ficamos a saber que: uma em cada 14 famílias portuguesas salta refeições por não ter dinheiro, ou seja, sofre de "insegurança alimentar grave", um eufemismo elegante para designar simplesmente "fome sem disfarces”; o governo PS/Costa fez as contas e entendeu que atribuir os extintos passes "4-18" e "sub 23" a todos os jovens portugueses, independentemente das respectivas condições socioeconómicas, "custaria 20 milhões de euros"; no entanto, vai dar 17 milhões de euros aos taxistas, mas que pode ir até ao 22 milhões, para se calarem e aceitarem a concorrência da Uber, que o governo conta em legalizar dentro em breve (mais um sector tradicional condenado a desaparecer, mas, diga-se em abono de verdade, os próprios nada têm feito para o evitar, bem pelo contrário).

No seu conjunto, a dita "economia nacional" não dá sinais de reanimação, se as importações tiveram uma ligeira diminuição em Janeiro, menos 1% em relação a Janeiro do ano passado, as exportações para os mercados extra-comunitários tiveram uma queda a pique, de 18,8% face ao mesmo mês de 2015 (e de 25,2% na comparação com Dezembro), não sendo compensadas com a ligeira subida para os países da União Europeia, apenas 4,5%. Claro que as explicações oficiais não se fizeram esperar: é devido à "volatilidade nos mercados financeiros" e à crise de alguns países como Angola dependentes do preço do petróleo; mas não à crise capitalista global de superprodução, da qual a Europa do Centro, rica e desenvolvida, não conseguiu ultrapassar, levando a OCDE e o FMI a reverem em baixa as previsões de crescimento mundial para este ano de 2016.

Não se deve igualmente ocultar que só 6,1% das empresas a operar no mercado português são exportadoras, e dizemos a "operar" porque muitas delas são empresas de capital estrangeiro, ou seja, não são portuguesas. E outra realidade, ainda mais importante e que também não deve ser minimizada ou iludida: nos primeiros dois meses do ano, 1.064 pessoas perderam o seu posto de trabalho na sequência de despedimentos colectivos, um aumento de 35,5% face ao mesmo período do ano passado (os dados são da Direcção Geral do Emprego e das Relações do Trabalho). Mais uma vez se constata que crescimento económico não é sinónimo de mais emprego, bem pelo contrário, nem de salários mais elevados, pela simples razão de que a economia de que se trata é a economia capitalista, a que não se pode mudar a natureza.

PS e PSD os dois agentes ao serviço de Bruxelas e do grande capital europeu

O mesmo se pode dizer em relação ao governo do Costa/PS, assim se compreende o que o Costa diz, e o Costa diz que banca precisa de "capital estrangeiro, seja ele espanhol, angolano, alemão ou americano”, isto é, ter um sistema financeiro “estabilizado e devidamente capitalizado”, salientando que Portugal é “uma economia aberta”. Costa vai reunir com a dita "empresária" angolana, filha do presidente do estado/máfia/corrupção de Angola, a fim de ultrapassar o também dito "impasse" no BPI, mais propriamente como entregar este banco, que já foi ex-libris da burguesia nacional do norte, à catalã La Caixa; acontecimento que parece ter agastado o Coelho da "Social-democracia, sempre!". É para se perguntar: qual será a comissão?

PS e PSD funcionam como dois partidos de angariação de emprego para a clientela e recebimento das comissões, para além, como é óbvio, de bem gerir os negócios do capital, independentemente da cor nacional; o PSD e PS chegam a aldrabar a inscrição de militantes na disputa entre caciques a ver quem alcança o pote: dirigentes do PS são condenados por falsificação de documentos no preenchimento de fichas de adesão ao partido; no PSD de Aveiro, secção de Ovar, num mês foram inscritos 418 novos militantes, 217 da freguesia de Esmoriz, dos quais 80 viviam na mesma rua e 17 na exacta mesma morada; são as peripécias dos partidos que vivem metendo a mão na massa, ao mesmo tempo que se desacreditam, desacreditam o próprio regime democrático burguês.

Em última hora, um acontecimento que bem revela que o PR Marcelo e o primeiro Costa estão, por enquanto, em sintonia na gestão dos interesses do capitalismo, foi o presidencial puxar de orelhas ao Coelho por este criticar a intervenção do governo nos negócios do BPI. Marcelo considera que está de acordo com a Constituição "a submissão do poder económico ao poder político", na prestidigitação de inverter a realidade e continuar a enganar os trabalhadores portugueses, simultaneamente chama a atenção para o facto de que não passa cheques em branco; se, por um lado, quer estar em sintonia com o governo no que concerne à política externa, e nesse sentido se deve entender a sua visita ao estrangeiro, e apoia algumas das suas diligências para a boa gestão dos negócios dos senhores do capital, não quer dizer que isso vá durar para sempre. O governo do Costa manterá por algum tempo o estado de graça… até ao dia que o povo e os trabalhadores portugueses percam a paciência.

23 de Março 2016


sexta-feira, 6 de junho de 2025

A escravatura da Alemanha pelo seu passado manteve-a em silêncio sobre Gaza durante muito tempo

Por Gideon Levyin 

Não é a primeira vez que a Globalbridge tem sido um — digamos, um imperativo "moral" — traduzir e publicar um comentário do jornalista israelita Gideon Levy. Levy, cujos pais fugiram da Boémia para Israel em 1939 para escapar aos nazis alemães, lança luz sobre a actual política alemã em relação a Israel. (Editor)

A Alemanha traiu a memória do Holocausto e as suas lições. Um país que considerava o seu maior dever não esquecer, esqueceu. Um país que prometeu a si próprio nunca se calar permanece em silêncio. Um país que outrora disse "Nunca mais" diz agora "outra vez", com armas, com dinheiro, com silêncio. Nenhum país deveria ser melhor do que a Alemanha a "reconhecer processos repugnantes". Todo o alemão sabe muito mais sobre eles do que Yair Golan. Aqui em Israel, estão a todo o vapor, mas a Alemanha ainda não os reconheceu pelo que são. Só recentemente acordou tarde demais e muito pouco.

Quando a Alemanha vê a  marcha da bandeira em Jerusalém, precisa de ver a Kristallnacht. Se não vir os paralelos, trai a memória do Holocausto. Quando olha para Gaza, precisa de ver os campos de concentração e os guetos que ela própria criou. Quando vê a população faminta em Gaza, precisa de ver os miseráveis ​​sobreviventes dos campos. Quando ouve as declarações fascistas de ministros israelitas e de outras figuras públicas sobre assassinatos e troca de populações, sobre "nenhum inocente" e sobre matar bebés, precisa de ouvir as vozes aterradoras do seu passado que diziam a mesma coisa em alemão. 

Não tem o direito de permanecer em silêncio. Deve erguer bem alto a bandeira da resistência europeia ao que se passa na Faixa de Gaza. No entanto, continua a ficar para trás do resto da Europa, ainda que desconfortavelmente, não só pelo seu passado, mas também pela sua  responsabilidade indirecta pela Nakba, que provavelmente não teria acontecido sem o Holocausto. A Alemanha tem também uma dívida moral parcial para com o povo palestiniano.

Sem o apoio dos Estados Unidos e da Alemanha, a ocupação israelita não teria acontecido. Durante todo este tempo, a Alemanha foi considerada a segunda melhor amiga de Israel.  Era inclusiva e incondicional.  Agora, a Alemanha vai pagar os seus longos anos de rigorosa autocensura, durante os quais foi proibida de criticar Israel, a santa vítima.

Qualquer crítica a Israel era  rotulada de anti-semitismo. A justa luta pelos direitos palestinianos era criminalizada. Um país onde um grande império mediático (Springer, org.) exige que os seus jornalistas, como condição para o emprego, nunca questionem o direito de Israel à existência não pode alegar respeitar a liberdade de expressão. E se as actuais políticas de Israel ameaçam a sua existência, não se deveria ter o direito de o criticar?

Na Alemanha, é difícil, senão impossível, criticar Israel, independentemente do que se faça. Isto não é amizade; é a escravatura a um passado e, à luz dos  acontecimentos em Gaza, esta tem de acabar. A "relação especial" não pode incluir a condescendência com crimes de guerra. A Alemanha não tem o direito de ignorar o Tribunal Penal Internacional, criado em resposta aos seus crimes, debatendo quando convidar um primeiro-ministro israelita procurado por crimes de guerra. Não tem o direito de repetir os clichés do passado e depositar flores em Yad Vashem, a 90 minutos de carro de Khan Yunis.

A Alemanha enfrenta agora o seu mais sério teste moral desde o Holocausto. Poucas semanas após a invasão da Ucrânia por Vladimir Putin, a Alemanha liderou as sanções contra a Rússia. Vinte meses após a invasão da Faixa de Gaza, a Alemanha ainda não tomou qualquer medida contra Israel, para além das mesmas declarações vazias de outros países europeus.

A Alemanha precisa de mudar, não apesar do seu passado, mas precisamente por causa dele. Não basta que o Chanceler Friedrich Merz diga que o bombardeamento da Faixa de Gaza já não se justifica.  Ele precisa de tomar medidas para o impedir.  Não basta que o Ministro dos Negócios Estrangeiros Johann Wadephul diga que a Alemanha não se deixará "levar a uma situação em que tenhamos de demonstrar uma solidariedade forçada".

É tempo de a Alemanha demonstrar solidariedade para com as vítimas e libertar-se das amarras do passado que a afastam das lições do Holocausto. A Alemanha não pode mais ficar de braços cruzados e contentar-se com condenações tíbias. Dada a terrível situação em Gaza, isto é silêncio — o silêncio vergonhoso da Alemanha.

O que é que este bebé fez de errado para agora morrer de fome? (Captura de ecrã de um vídeo publicado pela BBC News.)

Leia o artigo original de Gideon Levy no Haaretz.

Fonte

sábado, 31 de maio de 2025

Desculpem se isto é antissemita, mas acho errado queimar crianças vivas

Por Caitlin Johnstone

Israel está a queimar crianças vivas em Gaza. E se quiser, pode chamar-me amante de terroristas nazis, anti-semita e que odeia judeus, mas eu acho que isso é errado.

Agora que se tornou claro que o objectivo de Israel em Gaza é a limpeza étnica completa de todos os palestinianos, os defensores de Israel estão a passar das lamentações sobre os reféns e o Hamas para argumentar que a limpeza étnica é, na verdade, boa e aceitável. O que faz sentido; esse é realmente o único argumento que podem dar neste momento.

Nunca se esqueça que o Congresso dos EUA deu a Netanyahu dezenas de ovações de pé  durante um único discurso, enquanto estava no meio da perpetração do primeiro genocídio transmitido em direto da história. É isso que eles são. Será sempre quem eles são.

Ler no X

Israel fez mais para promover o ódio contra os judeus no último ano e meio do que a Stormfront em toda a sua existência. Nenhuma propaganda supremacista branca será tão eficaz a espalhar o ódio contra os judeus como assassinar crianças abertamente sob a bandeira da Estrela de David.

O apoio a Israel costumava ser a opinião predominante no mundo ocidental. Felizmente, isto está a mudar, mas o facto de isto ser verdade até Israel se expor mostra que não se pode simplesmente aceitar a opinião da maioria sobre qualquer assunto. Precisa de pensar por si mesmo.

Ignore o que a multidão diz. Ignore as pessoas que gritam consigo por discordar da sua posição. Olhe para os factos em bruto, livre dos seus próprios preconceitos cognitivos, tanto quanto possível, e tenha a coragem de se manter firme, se necessário.

Gaza é uma questão moral tão fácil de acertar que não há como alguém que a erre e não seja também uma má pessoa noutras áreas da vida. Tenho pena de quem tem relações interpessoais com apoiantes de Israel, porque seria uma pena tê-los por perto.

A diretora do Programa Alimentar Mundial, Cindy McCain, diz não ter visto qualquer evidência de que o Hamas esteja a roubar ajuda para Gaza. O único argumento de Israel para continuar a bloquear a ajuda a Gaza está a ser publicamente desmascarado por um membro de uma das famílias mais pró-Israel na política dos EUA.

Os EUA terão entregue cerca de 90.000 toneladas de armas a Israel desde outubro de 2023.

Ultimamente, tenho-me concentrado mais no genocídio de Gaza, mas, por vezes, números como estes fazem-me dar alguns cliques para trás e pensar no quão insana é a nossa civilização como um todo. Pensem em quanta coisa boa poderíamos fazer no mundo se não estivéssemos a investir recursos em coisas más como esta.

A publicação The Australian, propriedade de Murdoch, veio atrás de mim no outro dia por ter tweetado

“Dois funcionários da embaixada israelita a serem baleados em Washington, D.C., são menos noticiários do que dezenas de milhares de palestinianos a serem mortos na genocida apropriação de terras por Israel. É menos importante. Merece menos atenção. Não é a história principal. O genocídio de Israel em Gaza é a história principal.”

Chamaram-me "jornalista" entre aspas, o que acho que deveria ser um insulto, mas vindo da imprensa de Murdoch só pode ser visto como um elogio.

De acordo com a narrativa oficial ocidental, os americanos tornarem-se violentamente radicalizados por um genocídio apoiado pelos EUA é um problema maior do que o genocídio apoiado pelos EUA.

De acordo com a narrativa oficial, os protestos universitários contra uma operação transparente de limpeza étnica são uma preocupação maior do que a própria operação transparente de limpeza étnica.

De acordo com a narrativa oficial, os judeus sionistas ocidentais que se sentem emocionalmente perturbados pela oposição a um holocausto moderno são um problema mais urgente do que um holocausto moderno.

Todas as nossas instituições são retrógradas e más. Os nossos media. A nossa política. O nosso sistema educacional. Os nossos fabricantes da cultura dominante. Isto já deve estar claro para todos.

Todo o mal histórico que nos ensinaram a nunca repetir está a ser repetido pelos nossos próprios governantes.

Tudo o que nos ensinaram a temer sobre os países que o império ocidental odeia é verdade em relação ao império ocidental.

Todo o futuro sombrio para o qual fomos alertados na ficção distópica é verdadeiro para a distopia em que vivemos atualmente.

Vivemos num pesadelo de civilização, sob um império que é alimentado por sangue humano. Quanto mais se examina, mais feio fica.

Isto não pode continuar. Não podemos permitir que isto continue.

O império deve cair.

Fonte

sexta-feira, 23 de maio de 2025

A musculação do regime democrático

À mão – Henrique Monteiro

Ao fim de cerca de meio século, afinal, o regime não está assim tão estável e firme como diz o “principal magistrado da nação”, que depois de se livrar do governo de maioria absoluta do partido dito “socialista”, provocou eleições antecipadas pela segunda vez. Como não se conseguira um governo com garantia “estabilidade” à primeira em 2024, então, teve-se de tentar uma segunda vez para alcançar um, de preferência de maioria absoluta e selo PSD, mas mesmo assim não foi possível. O coelho que saiu da cartola ainda não possui a robustez necessária e desejada, daí a necessidade de apoio ou do parceiro do bloco central ou da extrema-direita, que teve a ousadia de se alcandorar a segundo partido do establishment. Parece que tudo aponta para a primeira hipótese, haverá o apoio “socialista”, contudo, não entrará para o governo como na Alemanha. O partido da extrema-direita ficará a liderar a oposição, uma situação assaz inédita. Restará a dúvida sobre a data das próximas eleições legislativas, para então vermos no governo o partido em que a elite nacional está a apostar fortemente no momento presente. A configuração partidária tradicional mudou, e o regime, com ou sem revisão constitucional, ficará com certeza mais “maduro” e “estável”, ao gosto do “alto magistrado da nação”.

A mudança do quadro partidário e o último fôlego do bloco central

Olhando para os resultados dos dois partidos do bloco central, que agora querem a formalização na prática para a tão querida estabilidade, a situação se é desastrosa para o partido que foi fundado na Alemanha em 1973, para o outro a coisa não resultou como se esperava. O partido dito “socialista” passou de 42,50% e 2.302.601 votos, em Janeiro de 2022, que lhe permitiu formar governo de maioria absoluta (um resultado que espantou muita gente e os próprios ditos “socialistas”), para 23,38 % e 1.394.501 votos (resultados ainda provisórios, não são conhecidos os resultados da emigração); em cerca de três anos, perde perto de 1 milhão de votos. A vitória do PSD e o anexo foi uma vitória de Pirro, não foi alcançado o objectivo proposto, a “maior maioria”; dos 38,65% e 2.159.742 votos (108 deputados), a que se juntam os 11,70% e 653.987 votos (24 deputados) do CDS, em 2011, dando origem ao governo pafioso Coelho/Portas, passaram para os 32,10 % e 1.915.098 votos (86 deputados); menos de cerca 900 mil votos e menos 42 deputados. Razão para se perceber as palavras do “alto magistrado” de que o governo durará quanto muito até ao final de 2026; e, em 2027, logo se verá. Afinal, a estabilidade será precária.

Foi patético assistir aos malabarismos do líder demissionário do PS em campanha eleitoral, tentando mostrar a sua moderação e que, jurando a pés juntos que não era e nunca foi um “radical”, como estava a ser injustamente acusado pelo seu principal adversário na corrida eleitoral e por todos os comentadores avençados televisivos. Não conseguiu mostrar diferença entre o PS e o PSD, o que lhe era impossível já que deixou passar o Orçamento de Estado de 2025, a aprovação da Lei dos Solos, preparou o terreno e instrumentos para a privatização da TAP, a “reforma” da Segurança Social, anunciada pela ministra e esposa de banqueiro, a pretexto de assegurar a sua sustentabilidade, e apoio à política quanto à imigração. Fez coro em relação aos gastos com a defesa, ultrapassar os 3% do PIB na indústria da guerra. O PS foi derrotado, foi humilhado, mas só pode queixar-se de si próprio, e vai, ou já está, a apodrecer rapidamente e por este caminho, como referíamos em Janeiro, irá desaparecer ou fundir-se com o PSD, porque não será governo na década mais próxima. Era o partido do “socialismo democrático, para contrapor com O PCP, que não era democrático, resultante do contexto da guerra fria. Ora, o tempo passou e o PS também irá passar.

Apesar de tudo, e deixando a extrema-direita como recurso em segunda linha, os «patrões pedem entendimento entre AD e PS para garantir estabilidade política – Armindo Monteiro, líder da maior confederação patronal, diz ao DN que os “moderados” devem garantir a estabilidade e as reformas essenciais. Os bancos apostam de igual modo no governo do bloco central: «Nuno Amado: país precisa de estabilidade política, mas não de mais "estagnação" - o chairmain do Millennium bcp defendeu que é necessário governo e oposição fazerem "acordos amplos" para alterações estruturais que têm sido "barreiras ao desenvolvimento e bem-estar dos portugueses". Ora, o bem-estar referido é mais dos acionistas da banca que não paga impostos e sempre teve a protecção dos dois partidos do regime. Os trauliteiros da extrema-direitas avançam se PSD e PS se mostrarem incompetentes, até agora têm feito o seu papel: o primeiro usa mais cacete para obrigar o povo a aceitar as medidas mais gravosas a fim de salvar o capital, como se viu durante a troika, o PS mais a cenoura, durante a “geringonça”.

O PS esgotou o seu papel de bombeiro da luta de classes

Com medo de perder as mordomias e o protagonismo verifica-se que os caciques do PS não destoam dos patrões nacionais: «Santos Silva quer nova direção do PS eleita rapidamente, defende viabilização de governo AD»; «PS deve viabilizar Governo se Montenegro quiser "combater a progressão da extrema-direita", diz Medina»; «Francisco Assis defende eleições internas só após autárquicas e diálogo entre PS e AD»; «"PS deveria dizer esta noite que viabiliza um Governo da AD com Luís Montenegro, ponto final" – Sérgio Sousa Pinto diz que o PS não pode deixar a AD "refém" do Chega para poder governar». Estão todos de acordo: bloco central ao poder sem peias nem meias. Ah, ainda! O mesmo Sousa Pinto: “se o partido não acabar com esta direção, esta direção acaba com o partido” e já NPS apresentara a demissão a “bem da estabilidade”, antigamente era a “bem da nação”.

Continuando a ideia anterior, muito provavelmente o PS terá chegado ao fim de linha, o que, diga-se de passagem, não será grande prejuízo para o povo português, e o poeta não esperou para lançar o alerta: «Manuel Alegre alerta que PS corre o risco de se tornar dispensável. Após o terceiro pior resultado em eleições legislativas, o histórico socialista aponta problemas estruturais no PS e sublinha a necessidade de reflexão antes de substituir a liderança». Ora, a substituição da liderança não está a ser fácil pela razão de que os candidatos já apontados estão em debandada; Medina, Leitão e Vieira da Silva já deram o nega, e parece que restará somente o candidato derrotado nas últimas eleições para a direcção, o “ultra-moderado” Carneiro. Ninguém quer herdar uma empresa falida.

Para perceber a situação de dispensabilidade e até de inutilidade, face ao novo contexto económico e social no país e na Europa, temos de conhecer e relembrar qual foi o papel do PS desde que foi fundado, com os marcos da social-democracia para enfiar o pais na CEE/UE, até aos dias de hoje. Foi sabotar a revolução popular, que se seguiu ao 25 de Abril, devolver as empresas recapitalizadas aos patrões que fugiram para o Brasil, incluindo os bancos (o caso BES é paradigmático), amnistiar agentes da PIDE e juízes do Tribunal Plenário, branquear o fascismo, impor todas as reformas e medidas “aconselhadas” por Bruxelas, reforçar os aparelhos judicial e policial e comprar a paz social. Não esquecer que o governo PS/Costa lançou mais requisições civis sobre os trabalhadores que Salazar e, com o pretexto de combate á pandemia da Covid e a mando de Bruxelas, impôs os estados de emergência com a limitação das liberdade, direitos e garantias dos cidadãos. Costa não revogou nem a Lei Cristas, responsável pelos despejos e a especulação imobiliária, nem as alterações ao Código do Trabalho, pelo contrário, acrescentou mais algumas para regozijo dos patrões esclavagistas nacionais. Tanto o SNS como a Escola Pública foram sendo degrados para benefício dos lóbis privados do sector. Se o PS se finar, não deixará grandes saudades, porque foi ele que contribuiu e aplanou o caminho para o novo fascismo que se advinha.

PSD como transição para a extrema-direita

Quanto ao PSD, este está por tudo e não faz orelhas mocas aos apelos e vai mais longe no seu longo abraço: «Hugo Soares e Leitão Amaro admitem negociações com o Chega: o “não é não” é para entrada no governo». Ou seja, fica em lista de espera por agora, se a muleta do PS falhar e caso seja necessário até o poderão aceitar no governo; vamos lá ver como as coisas irão decorrer. No entanto, o grande líder, embriagado pelo aumento do apoio eleitoral e do número de “representantes da nação” eleitos e que ninguém conhece por que não foram publicitados, possivelmente pela riqueza dos curricula, saliva pelo poder e quer mais: «Ventura já prepara governo-sombra com nomes de fora do partido: “somos contra os jobs for the boys” e está “pronto para governar” o país se assim chegar o momento». Ou quando a elite desejar e der ordem.

Relembrar que o agora “principal partido da oposição” foi um partido criado em tempo de governo PS, que pôde legalizar-se contrariando a lei e a Constituição da República, para ser usado contra o PSD, retirando-lhe votos, e simultaneamente assustar a pequena-burguesia medrosa para votar nos partidos politicamente correctos. Mas, ironicamente, virou-se contra o próprio PS, ocupando-lhe o lugar no Parlamento e no país e oficializando a união de facto, agora de jure, entre os dois parceiros do bloco central. Situação que não deixará de ser temporária. E é Marcelo que o reconhece: «o Presidente da República acredita que será possível estabilizar a situação política — foi isso que assegurou logo depois das primeiras reuniões com os partidos maiores, que “correram bem” — mas dificilmente durante uma legislatura inteira». Ainda tem dúvidas e dá a entender que o seu objectivo será mesmo colocar não só a extrema-direita no governo como mudar o regime, a mudança da Constituição não será apenas uma preocupação dos ditos “liberais”. Será a revanche de um filho do fascismo.

A pequena-burguesia sem espaço partidário

Em relação aos outros partidos com tradicional maior representação parlamentar e que já estavam, de uma ou outra forma, inseridos no establishment, BE e PCP, a situação é deveras preocupante quanto à sua continuidade na Assembleia da República. O primeiro passou de 10,19% e 550.892 votos (19 deputados), em 2015, para 2,00 % e 119.211 votos (1 deputado), perdeu cerca de 430 mil votos. Poderá estar em vias de extinção, um partido que, quando foi criado, resultando de coligação de várias agremiações, propunha-se conquistar 15% do eleitorado e, a médio prazo, substituir-se ao PS, à semelhança do que acontecera na Grécia com o Syriza. Acabando o BE, talvez o Livre, parido das suas entranhas, venha a cumprir a tarefa que ficou por concluir, e já disse ao que vem: «Livre quer "relação construtiva" com a esquerda».

A agremiação de partidos começou pelas questões “fracturantes” e acabou acomodado nas mordomias e subvenções parlamentares. Jamais colocou em causa o capitalismo como sistema de exploração, defende um capitalismo bonzinho e fofinho para os trabalhadores. Nega a existência e a luta de classes, existe somente grupos e lutas identitários; o inimigo não é o capitalismo, mas o outra facção que se contrapõe, por exemplo, as mulheres lutam contra o domínio machista, os negros contra a supremacia branca, os trabalhadores migrantes confrontam-se com os nacionais, os homossexuais, lésbicas, transsexuais, etc, confrontam-se com os heterossexuais, e por aí fora. A nível de política externa, seguem o PS, defesa das guerras do Império, manutenção do país na NATO, reconhecimento dos fantoches Gaidós. Esta pequena-burguesia urbana, em vias de proletarização, desaparecerá também.

O outro, o partido mais antigo do país, com pergaminhos na luta contra o fascismo, de 8,25% e 445.980 votos (17 deputados), em 2015, passou para 3,03 % e 180.943 votos (3 deputados), prejuízo de mais de 260 mil votos. Não estamos a ver este partido reverter a social-democratização em que se encontra mergulhado, limitando-se a acções e lutas por reivindicações imediatas e economicistas, facilmente recuperadas pela burguesia, como seja o aumento dos salários, sem colocar em causa a existência do regime de salariato e do domínio político e económico da burguesia. Os custos é a própria sobrevivência e o futuro não será muito diferente do dos ditos partidos “eurocomunistas”. Tanto o PCP como o BES, como já referenciámos aqui, deram-se mal com o apoio à formação do primeiro governo do PS/Costa (“geringonça”), porque até às eleições de 2022, enquanto minguavam em votos e número de deputados, o PS/Costa ia aumentando até chegar à maioria absoluta. Foram usados, porque quiseram, e agora pagam o preço.

Há cada vez menos espaço para partidos do centro e da pequena-burguesia, a social-democracia está morta, na luta de classes os campos extremaram-se e agora a confrontação é entre a classe assalariada e a grande burguesia capitalista, sem intermediários pelo meio. E o confronto vai ser violento. 

A musculação da democracia burguesa

Para se avaliar o espírito democrático de alguém é estarmos atentos aos pequenos deslizes, e o rei/presidente, que queria ser Sidónio Pais, às vezes foge-lhe o pé para a chinela: «Marcelo diz que reunião com Pedro Nuno foi simbólica e não vê problema na moção do PCP». São com os velhos fascistas, disfarçados de democratas, a que se juntam os políticos e os partidos da conciliação, tendo como pano de fundo a revisão da história, em Portugal nunca houve fascismo, isso são coisas dos italianos, quanto muito um regime autoritário de cunho pessoal, que se escorrega para novas formas de fascismo.

Para quê tantos deputados na Assembleia da República? 180 chegarão. É uma velha proposta do PSD, de 2005 se não estamos em erro, que agora o partido da extrema-direita corrobora e quer que seja colocada a referendo. E por que não alterar o actual método de Hondt que desperdiça centenas de milhares de votos e não criar círculos uninominais ou coisa semelhante? Todas boas razões para “aproximar” os eleitores dos seus representantes, são os argumentos de muito boa gente. Agora, os partidos com menos de 5% de votos poderão fazer contas à vida, BE e PCP são os alvos. Os restantes pouco ou nada contam, são mais de uma dúzia, mas não passam de flores de lapela para se mostrar que nesta chafarica até há democracia e pluralidade. O fascismo vem com pezinhos de lã, como na canção.

Será o estado da economia e o comportamento da classe dos explorados e do povo que determinarão a longevidade da democracia parlamentar burguesa. E isso ficou bem patente na I República, quando o povo deixou de apoiar o regime e a situação de bancarrota da economia era iminente, então, a elite substituiu a o voto pela espingarda. Ora, os nossos empresários de sucesso que sempre viveram encostados ao estado, e tiveram o PS e o PSD como os seus principais agentes de negócios, poderão mudar de funcionários se reconhecerem que tal lhes é vantajoso; o que poderá acontecer a breve prazo com a extrema-direita no governo. E eles queixam-se: «Setor têxtil português quer taxa mínima de 20 euros para encomendas vindas da China». Defendem a livre concorrência, mas só quando as coisas lhes correm bem, e são os tais que pagam salários miseráveis aos trabalhadores, que os impedem de adquirir bens eventualmente nacionais mais caros. Como não querem ver baixar os lucros, então, recorrem ao estado que os proteja, embora o critiquem por querer intervir na economia. Esta gente contraditória não deixa de ser perigosa.

Se a burguesia, a fim salvar o seu sistema de exploração e as suas riquezas, está disposta em apostar num fascismo soft, mais polido que o anterior, e num caudilho, salvador da Pátria, que está a ser lançado para Belém nos mesmos moldes, pelos mesmos oligarcas e pelos mesmíssimos media mainstream, que promoveram o partido de extrema-direita, os operários e o povo deste país terão de encontrar uma saída revolucionária que seja o contraponto e à mesma altura. A partir de agora não são somente os direitos e liberdades básicas, como o direito à greve, que o PS já prometera limitar em sectores chave da economia, o direito à saúde, à educação ou habitação estão em causa, mas a tentativa de transformar o país num imenso campo de trabalho escravo, muito semelhante ao que está a acontecer na Argentina, para multiplicação desmesurada das mais valias acumuladas pelos capitalistas. Para mudar a economia e não apenas a política, tarefa que ficou incompleta no Verão de 1975, haverá de se criar instrumentos organizativos e políticos à altura da tarefa, e o operariado e demais trabalhadores assalariados irão fazê-lo no momento oportuno, porque necessário.

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quinta-feira, 15 de maio de 2025

A flexibilidade política do capitalismo para maximização dos lucros

Dr. Jacques Pauwels: “Para promover os seus objectivos de maximização de lucros, o capitalismo está disposto a usar a “cenoura” da democracia, bem como o “pau” do fascismo” - Entrevista realizada por Mohsen Abdelmoumen 

«É efectivamente um mito que o capitalismo seja uma espécie de gémeo siamês da democracia. Por outras palavras, que o ambiente político favorito do capitalismo seja a democracia. A história mostra-nos que o capitalismo floresceu em sistemas altamente autoritários e apoiou entusiasticamente esses sistemas.» Isso verifica-se de Bismark a Pinochet passando por Hitler, e não ficará por aí, se isso lhe for permitido.

Mohsen Abdelmoumen: No seu livro “Big Business and Hitler”, fala da colaboração da elite económica, industrial e financeira mundial com Hitler. Hitler era um produto puro, um instrumento do sistema capitalista?

Dr. Jacques Pauwels: o chamado “Nacional-Socialismo” de Hitler, na realidade nenhuma forma de socialismo, era a variedade alemã do fascismo, e o fascismo era uma manifestação do capitalismo, a forma brutal e sórdida com que o capitalismo se manifestou no período entre guerras em resposta à ameaça de mudança revolucionária, personificada pelo comunismo, e a crise económica da Grande Depressão. Na medida em que Hitler personificou a variedade alemã de fascismo, ele pode de facto ser chamado “instrumento” do capitalismo; entretanto, como mencionei no meu livro, o termo “instrumento” é realmente demasiado simplista. Seria mais exacto definir Hitler como uma espécie de “agente”, um ser humano complexo com uma mente própria, agindo em nome do capitalismo alemão, mas nem sempre de acordo com os desejos dos capitalistas, ao invés de um mero “instrumento” ou “ferramenta” do capitalismo alemão. Isso explica por que os capitalistas alemães nem sempre estiveram perfeitamente satisfeitos com os serviços de Hitler. Mas a vantagem desse arranjo era que, após o colapso da Alemanha nazi, eles poderiam culpar o “agente” por todos os crimes que havia cometido em seu nome.

Tem o capitalismo uma necessidade vital do nazismo e do fascismo?

O capitalismo é um sistema socioeconómico muito flexível, capaz de funcionar em diferentes contextos políticos. É certamente um mito que o capitalismo, eufemisticamente conhecido como “mercado livre”, seja uma espécie de gémeo siamês da democracia, em outras palavras, que o ambiente político favorito do capitalismo seja a democracia. A história mostra-nos que o capitalismo floresceu em sistemas altamente autoritários e apoiou entusiasticamente esses sistemas. Na Alemanha, o capitalismo saiu-se extremamente bem quando Bismarck governava o Reich com punho de ferro. A Alemanha permaneceu 100% capitalista sob Hitler, e o capitalismo floresceu sob Hitler, antes e durante a guerra, como demonstrei no meu livro. O capitalismo também pode e deseja fazer parceria com a democracia, especialmente se as reformas democráticas parecem necessárias para dissipar a ameaça de mudança revolucionária, como por exemplo depois da Segunda Guerra Mundial, quando reformas políticas e sociais democráticas (o Welfare State) foram introduzidas na Europa Ocidental para inviabilizar as reivindicações muito mais radicais, até mesmo revolucionárias, formuladas por movimentos de resistência em países como a Itália e a França. Pode dizer-se que, para promover os seus objectivos de maximização de lucros, o capitalismo está disposto a usar a “cenoura” da democracia, bem como o “pau” do fascismo e outras formas de autoritarismo, como as ditaduras militares.

A ascensão de grupos neonazis e fascistas ao redor do mundo serve ao grande capital e à oligarquia que governa o mundo?

Como mencionado anteriormente, o fascismo é uma manifestação do capitalismo. Em outras palavras, é a forma pela qual o capitalismo, como um camaleão, ajusta a sua cor a um ambiente social e político em mudança. O fascismo histórico dos anos 30, personificado por gente como Mussolini e Hitler, reflectiu a resposta do capitalismo, na Itália e na Alemanha, à ameaça dupla da mudança revolucionária ao estilo russo e da Grande Depressão. Após a Segunda Guerra Mundial, quando o fascismo estava presumivelmente morto e enterrado, o capitalismo, especialmente o capitalismo americano, apoiou-se em sistemas neo, quase ou cripto-fascistas para neutralizar ameaças semelhantes. Por exemplo no Chile, onde Pinochet foi levado ao poder para bloquear reformas radicais e manter o país seguro para o capital de investimento dos EUA. Hoje, problemas económicos e sociais cada vez maiores, juntamente com ameaças revolucionárias reais ou percebidas, fizeram com que o capitalismo em vários países gerasse partidos e movimentos fascistas ou, se preferir, quase ou neofascistas. De momento, o capitalismo não precisa de levar esses fascistas ao poder; mas eles são muito úteis porque, como Hitler com seu anti-semitismo, desviam a atenção do público das deficiências do sistema capitalista culpando todas as coisas desagradáveis em bodes expiatórios (de preferência de cor), como muçulmanos, refugiados, os chineses e os Russkis. O escritor alemão Bertolt Brecht nos alertou poeticamente, aludindo ao fascismo hitlerista e à capacidade inalterada do capitalismo de gerar novas formas de fascismo:

“So was hätt einmal fast die Welt regiert! (O mundo quase era governado por tal monstro!)
Die Völker wurden seiner Herr, jedoch (Felizmente, as nações derrotaram-no)
dass keiner von uns zu früh da triunphiert (Mas não nos alegremos demasiado cedo)
Der Schoss ist fruchtbar noch (O útero de onde rastejou ainda é fértil.)
Aus dem das kroch”
(“A resistível ascensão de Arturo Ui”)

A União Europeia culpa a URSS por iniciar a Segunda Guerra Mundial. O que acha disso?

Culpar a URSS e, por implicação, o seu estado-sucessor russo pela Segunda Guerra Mundial, é uma declaração puramente política. Constitui uma distorção monstruosa e vergonhosa da história. Nos anos 30, a União Soviética procurou durante anos estabelecer uma aliança anti-Hitler com a França e a Grã-Bretanha, mas foi sucessivamente rejeitada. A razão para isso é que os cavalheiros no poder em Londres e Paris não queriam ir para a guerra ao lado dos soviéticos contra Hitler, mas queriam que Hitler usasse o poderio militar da Alemanha para marchar para o leste e destruir a União Soviética enquanto assistiriam alegremente do lado de fora. Hitler certamente queria a guerra, e é justamente culpado por iniciar a Segunda Guerra Mundial. Mas os líderes franceses e britânicos merecem uma parte da culpa porque encorajaram Hitler e o apoiaram com sua política de “Apaziguamento”, por exemplo, oferecendo-lhe a Tcheco-Eslováquia numa bandeja de prata no infame pacto que concluíram com ele em Munique em 1938.

Ao culpar a URSS, os políticos e os media ocidentais não procuram encobrir a sua própria horrível história de colaboração com Hitler e o nazismo?

Na verdade, culpando a União Soviética os países “ocidentais”, ou pelo menos seus líderes, procuram desviar a atenção do seu próprio papel na eclosão da Segunda Guerra Mundial. Por meio da sua infame política de apaziguamento, os líderes britânicos e franceses encorajaram e facilitaram os planos de Hitler para uma “cruzada” contra a União Soviética. E a elite corporativa e financeira dos países ocidentais, incluindo os Estados Unidos, colaborou de forma muito próxima - e muito lucrativa - com Hitler, como demonstrei nos meus livros, “Big Business and Hitler” e “The Myth of the Good War”.

Nos seus livros “Big Business and Hitler” e “Myth of the Good War: America and the Second World War”, desmantela o mito da “libertação” da Europa pelos Estados Unidos quando sabemos que foi a vitória soviética de Stalingrado que foi o ponto de viragem da guerra. Não é outra mentira histórica dizer que os Estados Unidos libertaram a Europa? Os Estados Unidos simplesmente não colonizaram a Europa? Como explica a dependência da Europa em relação aos EUA e o facto de os europeus ainda seguirem a política imperialista dos EUA? A NATO não se tornou obsoleta?

É verdade que a União Soviética deu, de longe, a maior contribuição para a vitória dos Aliados. Se o Exército Vermelho não tivesse conseguido deter o rolo compressor nazi em frente a Moscovo em 1941 e obter grandes vitórias em Stalingrado e outros lugares, Hitler teria vencido a guerra. Mas os nazis tinham a máquina de guerra mais poderosa que o mundo já vira, e derrotá-la exigiu contribuições de todos os exércitos aliados e também de movimentos de resistência. Que o exército norte-americano deu também uma contribuição importante não pode ser negado; entretanto, os líderes americanos aproveitaram a presença de seu exército na Europa Ocidental para estabelecer a sua hegemonia sobre aquela parte do mundo. Em muitos aspectos, realmente não “libertaram” os países da Europa Ocidental. Mesmo hoje, a Alemanha não é “livre” para pedir que as tropas americanas deixem o seu solo, e a Bélgica e a Holanda devem tolerar a presença de bombas atómicas norte-americanas no interior das suas fronteiras. O presidente da França, Charles de Gaulle, não estava longe do alvo quando descreveu a libertação norte-americana da França como uma segunda “ocupação”, seguindo os passos da ocupação alemã. Ao contrário dos alemães e belgas, ele teve a coragem de exigir que as tropas dos Estados Unidos deixassem a França, e essa foi uma das razões pelas quais a CIA parece ter-se envolvido em vários atentados contra a sua vida. Mas mesmo de Gaulle verificou ser impossível evitar a adesão à NATO, que não é de todo uma aliança de iguais, mas um clube de “satélites” europeus dos EUA, estritamente controlado pelo Pentágono, e funcionando como um departamento de vendas e relações públicas do “complexo militar-industrial” norte-americano. A NATO foi originalmente criada para defender a Europa Ocidental contra uma totalmente fictícia ameaça proveniente da União Soviética e, portanto, deveria ter sido dissolvida após o colapso do “império do mal”. Para os Estados Unidos, entretanto, a OTAN é um muito útil e poderoso instrumento de controlo da Europa. E, de facto, esse controlo, essa hegemonia, foi estabelecido pelos EUA nos meses que se seguiram ao desembarque das suas tropas na Normandia em 1944. Ironicamente, essa conquista não teria sido possível se o Exército Vermelho não tivesse anteriormente assestado golpes mortais à Alemanha nazi.

A intervenção norte-americana na Europa durante a Segunda Guerra Mundial não foi simplesmente uma guerra capitalista? Não serve principalmente aos interesses do imperialismo norte-americano e do seu complexo militar-industrial?

A Segunda Guerra Mundial resultou em duas guerras reunidas numa só. Por um lado, foi efectivamente uma guerra “capitalista”, ou melhor, uma guerra “imperialista”. O imperialismo foi/é a manifestação internacional e mundial do capitalismo, envolvendo competição e conflito entre as principais potências capitalistas/imperialistas sobre territórios repletos de desiderata como matérias-primas (como o petróleo) e mão de obra barata. A Primeira Guerra Mundial foi um conflito imperialista, mas não resolveu as coisas, por isso as potências imperialistas foram à guerra uma segunda vez. Os EUA sairiam desse conflito como o grande vencedor, graças, ironicamente, à derrota esmagadora do outro candidato à supremacia imperialista, a Alemanha nazi, perante a União Soviética. Ao mesmo tempo, a Segunda Guerra Mundial foi também um conflito entre capitalismo/imperialismo e socialismo, personificado pela União Soviética. É uma ironia da história que os dois tipos de conflito se tenham fundido, produzindo contradições como a aliança de facto da União Soviética socialista, intrinsecamente anticapitalista e anti-imperialista, com duas potências imperialistas anti-socialistas, os EUA e a Grã-Bretanha. A guerra serviu os interesses do imperialismo dos EUA ao permitir que os EUA emergissem como o número um indiscutível do imperialismo. Mas o resultado da guerra foi imperfeito porque também significou um triunfo para a União Soviética anti-imperialista. É por isso que, imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, Washington iniciou uma nova guerra, a “Guerra Fria”, com o objectivo de nada menos que a eliminação da União Soviética.

O imperialismo dos EUA nunca cessou uma política de guerra e golpes em todo o mundo. As guerras imperialistas no Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria, Iémen, etc. não são um sintoma da barbárie do imperialismo norte-americano?

Historicamente, o imperialismo norte-americano perseguiu seus objectivos de maneira sistemática, implacável e, pode acrescentar-se, não apenas abertamente mas também furtivamente, por meio de guerra aberta, guerra económica, desestabilização, sabotagem e tentativas de assassínio. Exemplos dessa crueldade incluem o desnecessário bombardeamento nuclear de Hiroshima, guerra química contra os vietnamitas, tentativas de assassínio bem ou mal sucedidas de líderes recalcitrantes como Fidel Castro e Lumumba e sanções económicas que custaram a vida de dezenas, senão centenas de milhares de mulheres e crianças, como Madeleine Albright infamemente reconheceu numa referência ao Iraque. Então, sim, as guerras iniciadas pelos EUA no Iraque, Afeganistão, Líbia, etc., são sintomáticas dessa crueldade ou barbárie, como lhe chama.

Jacques R. Pauwels é historiador, investigador e escritor, nascido em Ghent, Bélgica. Emigrou para o Canadá em 1969 após estudar história na Universidade de Ghent e instalou-se perto da cidade de Toronto. Fez estudos de doutoramento na York University em Toronto, especializando-se na história social da Alemanha nazi, e recebeu seu PhD em 1976. Tornou-se professor de história em várias universidades canadianas, incluindo a University of Toronto e a University of Guelph. Em 1995 obteve um Ph.D. em ciência política na especialidade de regulamentação do investimento estrangeiro no Canadá. É professor em várias universidades de Ontário, incluindo a University of Toronto, Waterloo, Guelph, e publicou numerosos artigos.

É autor de vários livros traduzidos em várias línguas, incluindo “Women, Nazis, and Universities : Women University Students in Nazi Germany, 1933-1945”; “The Myth of the Good War”; “The Great Class War”; “Big Business and Hitler”.

O seu website contém conferências e entrevistas em que participou, bem como as suas numerosas publicações: http://www.jacquespauwels.net/

Entrevista: Aqui

Imagem: “Capitalismo” - Nani Lucas, 10 Julho 2021

Fonte

sexta-feira, 9 de maio de 2025

Memória Selectiva: O Papel Esquecido da União Soviética na Libertação da Europa

Por Marc Vandepitte 

Os dias 8 e 9 de maio marcam o 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa. No entanto, o papel central da União Soviética nesta vitória — e o terrível preço que pagou por ela — está a ser cada vez mais esquecido ou minimizado no Ocidente devido à memória selectiva e ao oportunismo geopolítico.

O Exército Vermelho: motor da libertação da Europa

Em maio de 1945, o Exército Vermelho marchou em direção à capital alemã. A 2 de maio, Berlim foi tomada. A bandeira vermelha, símbolo da destruição do III Reich de Hitler, foi hasteada no edifício do Reichstag.

Os combates que o antecederam foram de uma magnitude e brutalidade sem precedentes. Desde 1941 que a União Soviética trava uma guerra de aniquilamento contra a Alemanha nazi. Mais de 26 milhões de cidadãos soviéticos perderam a vida, tanto soldados como civis. Nenhum outro país pagou um preço tão elevado.

As batalhas decisivas da guerra foram travadas na Frente Leste: Moscovo, Leninegrado, Estalinegrado, Kursk, campos de extermínio que mudaram o rumo do conflito. Os historiadores concordam que sem os esforços e sacrifícios do Exército Vermelho e a resistência heróica do povo da União Soviética, a máquina de guerra nazi nunca teria sido travada.

O papel dos Estados Unidos

No entanto, este papel crucial é frequentemente subestimado nos países ocidentais. A razão? A história da guerra não se enquadra na imagem simplista da "boa guerra", na qual os EUA foram o farol moral e derrotaram o fascismo através do altruísmo.

O papel dos Estados Unidos era muito ambíguo. Como descreve o historiador Jacques Pauwels, as empresas americanas continuaram a negociar com o regime nazi até à década de 1930. Grandes corporações como a IBM, a Standard Oil e a Ford obtiveram enormes lucros com o rearmamento e a produção alemã. Até dezembro de 1941, as empresas americanas forneciam produtos petrolíferos à Alemanha nazi.

Dentro do establishment havia uma simpatia aberta pela Alemanha nazi e outros regimes fascistas. Henry Ford, por exemplo, era um grande admirador de Adolf Hitler. Um amplo movimento dentro dos EUA, denominado "America First", opôs-se fortemente à intervenção americana nos conflitos europeus.

Mesmo depois de a Alemanha ter invadido a Polónia em Setembro de 1939, não houve apoio financeiro imediato nem fornecimento de armas por parte dos EUA. Tudo mudou depois do ataque a Pearl Harbor, a 7 de dezembro de 1941. Ou seja, os EUA esperaram dois anos até se juntarem aos Aliados.

Nascido do grande capital

Muitas vezes esquecido ou escondido, o fascismo, tanto em Itália como na Alemanha, nasceu do capitalismo. Era uma ferramenta para reprimir o movimento operário e as forças de esquerda. Sem o apoio das grandes empresas, Hitler nunca teria sido capaz de desenvolver o seu partido fascista nem teria sido eleito. A mesma coisa acontece com Mussolini.

Foto: Fotomontagem de John Heartfield para a revista AIZ, Berlim, 16 de outubro de 1932, "O significado da saudação de Hitler. Há milhões atrás de mim."

Depois da guerra, estas relações foram cuidadosamente ocultadas. Os industriais com ligações nazis recebiam frequentemente penas leves ou eram completamente absolvidos nos julgamentos de Nuremberga. A elite alemã de banqueiros e donos de fábricas que ajudaram Hitler a chegar ao poder permaneceu em grande parte impune graças à protecção da força de ocupação americana.

As heroínas e os heróis silenciados

Não só o Exército Soviético, mas também milhões de civis, guerrilheiros e civis contribuíram para a derrota do fascismo. A resistência foi muito forte na Jugoslávia, França, Itália, Grécia e outros países europeus.

Comunistas, sindicalistas, trabalhadores e estudantes arriscaram a vida em actos de sabotagem, greves, redes clandestinas e resistência armada. Os combatentes da resistência contrabandeavam alimentos, escondiam fugitivos e resistiam numa época em que resistir significava tortura ou morte.

Esta resistência teve um amplo apoio popular. A célebre greve de Maio de 1941 na Bélgica (10 a 18 de Maio), na qual centenas de milhares de trabalhadores abandonaram o trabalho em protesto contra os nazis, foi um dos maiores actos de resistência na Europa ocupada.

No entanto, estes actos desapareceram muitas vezes da historiografia oficial, tal como o papel dos comunistas na resistência é sistematicamente silenciado ou negado.

Para homenagear estes heróis e heroínas da resistência e manter a sua memória viva, a Bélgica lançou a iniciativa Heróis da Resistência , fundada pelo historiador Dany Neudt e pelo escritor Tim Van Steendam. Desde agosto de 2022 que a organização publica diariamente pequenas biografias de combatentes da resistência no seu website e nas redes sociais para partilhar as suas histórias.

A importância da memória

As lições dessa época são mais relevantes do que nunca hoje. A ascensão da extrema-direita na Europa, a normalização do discurso de ódio e a ascensão de líderes autoritários representam uma ameaça às liberdades duramente conquistadas pelas quais tantos deram a vida.

Além disso, a guerra na Ucrânia levou a uma perigosa forma de reescrita histórica. Em nome da luta contra Putin, qualquer referência ao passado soviético torna-se suspeita, pelo que comemorar a vitória soviética sobre a Alemanha nazi é subitamente considerado uma "glorificação da Rússia".

Assim, a homenagem aos libertadores da Europa corre o risco de ser substituída por uma amnésia selectiva e por uma distorção que alimenta o extremismo em vez de o combater. A verdade histórica não deve ser vítima de inimizade geopolítica.

A Segunda Guerra Mundial não foi um choque de nações, mas um confronto direto entre ideologias. De um lado: fascismo, racismo, colonialismo e genocídio. Do outro: a resistência antifascista, a solidariedade internacional e a justiça social.

Por conseguinte, a comemoração não é um ritual facultativo, mas um ato político. Se nos esquecermos de quem realmente derrotou o fascismo, esqueceremos também quem está hoje ameaçado. E que mais uma vez beneficiam do ódio, da opressão e da divisão.

Por isso, em vários países europeus há um clamor crescente para voltar a declarar o dia 8 de maio (Dia da Vitória) como feriado legal e remunerado; não como um dia de folclore, mas como um dia de memória, reflexão e vigilância.

Celebra não só a queda de Hitler, mas também a força da resistência popular, a solidariedade entre os povos e as lições da experiência socialista que conseguiu derrotar o fascismo.

O que o dia 8 de maio nos ensina é que a liberdade não é algo óbvio, mas o resultado da luta. Foi a União Soviética que fez os maiores sacrifícios. Foram os comunistas e os trabalhadores que lideraram a resistência. Foi a solidariedade internacional que derrotou o fascismo.

Não podemos esquecer esta história. Não por nostalgia, mas por necessidade.

Marc Vandepitte é membro da Rede de Intelectuais, Artistas e Movimentos Sociais em Defesa da Humanidade (REDH).

Fonte

terça-feira, 6 de maio de 2025

O Despertar do Pesadelo da Civilização Ocidental

Por Caitlin Johnstone

Não precisamos de filmes de terror. Estamos a criar os nossos próprios horrores em locais como Gaza. Não precisamos de ficção distópica. Estamos a viver uma distopia aqui mesmo na nossa própria sociedade. Não precisamos de histórias fantásticas sobre monstros assustadores. Os monstros assustadores controlam o nosso governo.

Os ocidentais criam um pesadelo acordado, compartimentam psicologicamente a sua existência e depois vão ver um filme sobre um pesadelo acordado fictício para se emocionarem.

Ficaremos sentados na ponta da cadeira a ver histórias inventadas sobre assassinos psicopatas enquanto assassinos psicopatas dominam o mundo.

Viraremos as costas a atos horríveis de carnificina humana e, em seguida, assistiremos a atos fictícios de carnificina humana, superando qualquer desconforto que possamos sentir, lembrando-nos que aquilo a que estamos a assistir não está a acontecer na vida real.

Alguém nos meus comentários do Substack acabou de me perguntar se eu tinha considerado a possibilidade de que o mundo poderia ser melhor sem a humanidade, por causa de todas as coisas horríveis que estão a acontecer enquanto a grande maioria de nós não faz nada para o impedir.

Há certamente muitas coisas feias no comportamento humano, e há forças dentro de nós que não merecem absolutamente existir. O nosso egocentrismo. A nossa competitividade. O nosso ódio e preconceito. A nossa tolerância aparentemente ilimitada por abusos insondáveis, desde que sejam infligidos a pessoas noutros países, cujos rostos angustiados não precisamos de olhar. As ilusões e os padrões de condicionamento baseados no trauma que temos transmitido de geração em geração desde o início da civilização. O mundo seria melhor sem estas coisas.

Mas, ao longo dos anos, também me familiarizei com dinâmicas dentro do organismo humano que poderiam transformar este mundo num paraíso, se conseguíssemos sair do nosso condicionamento baseado em ilusões o suficiente para as percebermos. Dentro de cada ser humano existe o potencial para ações altruístas e uma vasta compaixão. Todos nós temos dentro de nós a capacidade de curar. Todos nós temos dentro de nós a capacidade de nos livrarmos da consciência egoica, tal como um réptil se livra de escamas velhas.

Talvez seja disparatado, mas gosto de pensar nesta potencialidade como uma espécie de arma de Tchekov para a nossa espécie, ali no palco à espera de disparar enquanto a história da humanidade se desenrola. Sei com certeza que os humanos têm o potencial de despertar do transe do ego de formas profundamente transformadoras, e escolho acreditar que o dramaturgo colocou esse potencial aí por uma razão.

Toda a espécie acaba por chegar a um ponto em que precisa de se adaptar a condições mutáveis ​​que ameaçam a sua existência ou então serão extintas. Acontece que, no caso da humanidade, as condições mutáveis ​​que ameaçam a nossa existência são criações das nossas próprias mentes. Ecocídio. Temeridade nuclear. IA armada. Guerra biológica. Quanto mais os nossos egos nos conduzem pelo caminho da competição e da dominação, mais provável é que abramos a nós próprios algum perigo existencial do qual não há volta a dar.

Ou faremos as adaptações necessárias e encontraremos uma forma de desbloquear colectivamente o nosso potencial adormecido de funcionamento altruísta neste planeta, ou seguiremos o caminho dos dinossauros. Continuo a pensar assim porque já vi coisas estranhas e demasiado milagrosas na minha vida para acreditar que tal despertar seja impossível.

E a boa notícia é que temos a verdade do nosso lado. O ego humano é uma ilusão; o eu não existe. A iluminação já está aqui, mais perto de nós do que a nossa própria respiração, apenas a ser esquecida no meio dos devaneios da mente iludida. A publicidade é enganosa, e a verdade está cada vez mais exposta. Os humanos são cada vez melhores a partilhar ideias e informações sobre o que realmente está a acontecer no nosso mundo.

Só precisamos de abrir os olhos. Precisamos apenas de deixar a verdade falar. É tudo o que é necessário acontecer.

Precisamos de parar de nos fixar em todas estas histórias inventadas nas nossas cabeças e nos nossos ecrãs, e olhar profundamente para o que realmente está a acontecer.

 Fonte

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Os apagões do governo AD

Antes do apagão, ocorrido três dias após a data comemorativa da “Revolução dos Cravos” e que o governo quis adiar invocando a morte do Papa, já houvera um outro o apagão, o do capítulo do RASI (Relatório Anual de Segurança Interna), que alertava para o perigo de grupos de extrema-direita em Portugal. Apagão este que o governo primeiramente negou conhecer e, lá depois, reconsiderou que a decisão de excluir a análise feita pela PJ foi na sequência de reunião do Gabinete Coordenador de Segurança, onde estiveram as ministras mentirosas, Administração Interna e Justiça, e foi unânime, polícias, secretas e governo concordarem com o referido apagão. Em relação ao último apagão, ao de 28 de Abril, Montenegro também mentiu atribuindo a causa a factores externos (foi em Espanha!) e não à política de subserviência e de dependência em relação aos nuestros hermanos e a Bruxelas, como igualmente lavou as mãos quanto à responsabilidade pelo facto de os portugueses não terem sido informados em tempo útil sobre o que na realidade se estava a passar, permitindo, assim, o alarmismo, o pânico e o caos.

13 de Dezembro de 1991: a sexta-feira negra da EDP

O apagão eléctrico, para além das eventuais causas técnicas, que ainda são desconhecidas passadas que são mais de 48 horas, deve-se principalmente ao facto da rede eléctrica nacional estar a ser explorada por empresas privadas, de capital maioritariamente estrangeiro, por exemplo, a REN (25% State Grid do Governo da China, 12% Pontegadea Inversiones de Amancio Ortega, 7,7% fundo norte-americano Lazard Asset Management, 5,3% Fidelidade, 5% Red Eléctrica de Espanha, 11% mãos nacionais dispersas), ao interesse pelo lucro, pouco tempo antes a REN vendia ao desbarato electricidade a Espanha, para começar a comprar quando houve instabilidade na rede espanhola, o que fez com que disparasse o sistema de segurança da rede nacional, levando ao corte e ao apagão.

No final da manhã do dia 28 importava-se electricidade porque a produção nacional estava a 70% e as hidroelétricas estavam paradas, embora as albufeiras estivessem cheias, era mais barato e a REN e a E-REDES estavam a ganhar dinheiro. Os governos portugueses a partir do início da década de 90 do século passado abdicaram da soberania energética, ajoelhando-se às directivas de Bruxelas.

São conhecidos os contornos de privatização do desmembramento da EDP em áreas de produção e de distribuição, espalhadas por diversas empresas, que foram sucessivamente entregues a interesses privados, com um propósito: a maximização do lucro. O processo teve início no último governo de Cavaco Silva, passando pelos governos de Guterres e terminando no governo de Passos Coelho. Ambos os partidos do bloco central são responsáveis pelo desastre, e os homens são conhecidos: Nuno Ribeiro da Silva, Luís Filipe Pereira, Pina Moura e José Penedos.

O primeiro entregou a privados a concepção, construção, financiamento e operação da Central a Gás da Tapada do Outeiro e criou as condições para a venda da Central do Pego, mais tarde foi recompensado com o cargo de Presidente da Endesa Portugal, e agora, com este governo, foi nomeado Presidente da Comissão de Coordenação para a Baixa Tensão (CCBT). O segundo conduziu o desmembramento da EDP, através da criação de várias dezenas de empresas e a venda da Central do Pego. Pina Moura e José Penedos, respectivamente ministro e secretário de Estado do Governo de Guterres, consumaram a política de enfraquecimento da EDP, levando-a para investimentos no exterior, de rentabilidade duvidosa, provocando o seu endividamento.

Outro nome incontornável ligado à liquidação da EDP como motor da soberania energética nacional, Eduardo Catroga, no arranjo do ramalhete e da corrupção na privatização final pelo governo de Passos Coelho/Paulo Portas. Catroga vai para o Conselho de Administração da empresa, agora com capital maioritariamente do estado chinês, na função de abrir portas, meter acunhas, onde passou a arrecadar mais de 40 mil euros mensais, de pois de se ter reformado em 2007 com uma pensão de 9.693 euros mensais. Apesar de aposentado, continuou a ser presidente da empresa Sapec, administrador não-executivo da Nutrinveste e do Banco Finantia e membro do Conselho Geral e de Supervisão da EDP. Enquanto ministro das Finanças de Cavaco Silva esteve ligado à privatização da banca e da reconstituição do grupo económico de Champalimaud.

E para finalizar então o ramalhete, teremos de citar António Mexia, ex-gestor bancário e ex-ministro, nomeado Presidente Executivo da EDP em Março de 2006, onde se manteve até Julho de 2020, onde foi principescamente pago com muitos milhões de euros, tendo sido considerado o CEO melhor remunerado em Portugal, acabando por ser acusado de corrupção, após suspensão de funções pela justiça que o acusou de corrupção, branqueamento de capitais e arrecadar uma fortuna de mais de 6 milhões euros em off-shore. É o “Caso EDP/CMEC”, onde Ministério Público entende que o Estado sofreu um prejuízo superior a 840 milhões de euros e exige a “perda de bens dos arguidos e da EDP no mesmo montante”. Como se pode constatar a EDP foi liquidada por uma quadrilha que terá nadado na mais abjecta corrupção e compadrio. Poderemos afirmar que 13 de Dezembro de 1991 foi a sexta-feira negra da EDP.

O governo é o responsável político pelo apagão e pelo falhanço do SIRESP

O apagão levou ao caos, à desorientação de muitos portugueses que, desconhecendo o que se passava e já como que ensaiados pelos confinamentos impostos pelo governo PS/Costa, correram em massa aos supermercados onde encheram carros e carrinhos de compras com os mantimentos de primeira necessidade. Muitos comércio fechou ou ficou a meio gás, com excepção das grandes superfícies que puderam aumentar a facturação; os hospitais entraram em plano de emergência; os comboios e os aviões pararam; as comunicações móveis colapsaram, bem como o já famigerado SIRESP; o INEM não pôde atender em tempo útil todas as chamadas, felizmente não houve casos graves de não atendimento; muitos cidadãos correram às caixas de multibanco porque não tinham dinheiro na carteira; as pessoas foram para a rua e parques públicos.

E entrou-se na especulação quanto às causas e autores do apagão: ataque cibernético, foram os russos (na CNN, Francisco Rodrigues, presidente da OSCOT, atribuiu a autoria à “União Soviética” que poderia estar a testar a Europa!) ou “a guerra da Ucrânia já chegou”, como pensou a população da aldeia de Montaria, em Viana do Castelo. O país praticamente parou durante cerca de 12 horas. Foi o apagão da economia capitalista e do modo de vida de consumismo imposto por este modelo económico predador.

O apagão eléctrico acontece porque o governo falhou, o socorro falhou e falhou mais uma vez, já tinha falhado clamorosamente nos trágicos incêndios de Pedrogão Grande, o sistema que ficou ao erário público em 540 milhões de euros, o SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal), voltou a falhar no momento crítico: “Esta solução parece que não serve”, diz presidente da Liga dos Bombeiros, a “fiabilidade do SIRESP é muito baixa” e a rede de emergência não é “suficientemente robusta e resiliente para situações de gestão de crise” (“Público”). Mas já em 2005 a opinião era de que o sistema nunca iria funcionar correctamente, teria sempre falhas, bastava ver como todo o processo de aquisição tinha sido conduzido, no meio de toda a corrupção e compadrios.

Quando o governo PSD-CDS, liderado por Santana Lopes, estava em gestão, três dias depois das eleições legislativas de 2005, o ministro da Administração Interna, Daniel Sanches assinou o contrato, em parceria público-privado, com o consórcio de empresas (PT, Motorolla, Esegur, do Grupo Espírito Santo, e SLN), estando à frente da SLN o ex-ministro Dias Loureiro. Mais tarde o contrato foi renegociado, e não anulado como poderia ter acontecido, pelo então ministro António Costa, em 2006, em pleno funcionamento do governo de Sócrates/PS. O SIRESP é uma vigarice que lesou gravemente os cofres do estado e que envolveu ex-ministros e secretários de estado, Daniel Sanches, Figueiredo Lopes, António Costa, Oliveira e Costa e Dias Loureiro, e vários governos do PSD e do PS e vários primeiros ministros, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates, ou seja, todo o bloco central de interesses e da corrupção (SIRESP, a história de uma parceria público-privada que custou mais do que parece merecer). Quase de certeza que esta gente toda ela enriqueceu.

Sessão solene

O apagão é antes do mais e acima de tudo uma questão política e não técnica

As questões são antes do mais políticas e não técnicas, são o resultado de opções governamentais que se subjugam a interesses de classe, e os interesses predominantes são sempre os negócios, a ânsia pelo lucro, o resto são fait divers, distrair a opinião pública da realidade dos factos. A aposta nas ditas “energias renováveis” corresponde ao interesse e necessidade de o grande capital financeiro virar-se para outras áreas de rentabilidade segura e para outras formas de consumismo. A “descarbonização do planeta” é acima de tudo a descarbonização do capitalismo, a sua revitalização, impedir que a taxa de lucro caia para zero, porque caso isso aconteça é a sua implosão. A crise não é climática, é, sobretudo e antes do mais, capitalista. Não é o planeta que está em risco, o que assusta o comodismo da classe média (pequena-burguesia) mas o sistema económico de mercado, onde tudo tem um valor de uso e de troca. 

O apagão reflecte a pressa em que se investiu na dita “energia verde”, confirmando-se agora o que alguém já vinha avisando desde há algum tempo, as fontes renováveis solares e eólicas não dão estabilidade ao sistema eléctrico, pela sua imprevisibilidade e insegurança, e nem servem sequer para a reinicialização do sistema, como também agora se comprovou. O encerramento das centrais termo-eléctricas do Pego e de Sines não passaram de crimes de lesa soberania, e os responsáveis políticos deveriam ser chamados à justiça. Outro crime é destruir a natureza, nomeadamente, a floresta autóctone que leva dezenas de anos a crescer: mais de mil sobreiros e mais de 40 mil carvalhos vão ser destruídos em Condeixa.

O apagão vem, por outro lado, apagar a realidade bem triste e pouco luminosa do povo deste país. A pobreza aumenta, com o a subida da dívida privada, empresas e cidadãos, em mais 2,3% em Fevereiro, para 457.379 milhões de euros; sendo a dívida total de 820.511 milhões de euros se incluirmos as administrações públicas, isto em termos homólogos, segundo dados do Banco de Portugal. “Mais de 60% das pessoas com deficiência acima dos 16 anos estavam em risco de pobreza em 2023 antes das transferências sociais, um risco que alastra às famílias e piora consoante a gravidade da deficiência”, revela o Relatório Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2024, que acrescenta: “Portugal tem desinvestido na proteção social das pessoas com deficiência” (DN). 

Também não é de interesse para o governo de Montenegro que se alardeie que os ricos estão cada vez mais ricos: “os conselhos de administração das principais instituições em Portugal ganharam cerca de 34 milhões de euros em 2024, mais 13% em comparação com o ano anterior” (ECO). Ou que os acionistas da EDP tenham aprovado a distribuição de 836,8 milhões em dividendos, segundo comunicado da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Seja qual for o preço que a EDP e as outras distribuidoras compram a electricidade, ela será sempre vendida pelo preço mais elevado ao consumidor e este continuará a pagar a factura mais cara da União Europeia. E quando a Galp anuncia que o lucro caiu 41% no primeiro trimestre do ano para 192 milhões de euros, esperem é por mais aumentos no preço dos combustíveis, logo passadas que sejam as eleições de 18 de Maio.

Montenegro e o governo aproveitaram o acontecimento do apagão para fazerem mais um pouco de propaganda, arvorando-se em salvadores da pátria, se não tivesse sido a acção governativa os portugueses ainda estariam em tenebrosa escuridão. Escamoteia que não houve qualquer aviso à população sobre o que na realidade estava a acontecer, que o falhanço das telecomunicações se deve à incúria e desprezo pelo povo português e, querendo botar figura, veio com a criação de uma “entidade técnica independente” para apurar responsabilidades e e tomar medidas preventivas e o pedido de “auditoria europeia aos sistemas eléctricos”, repisando que o “problema não tem a ver com a falta de capacidade de produção e distribuição em Portugal”. Não disse e nem diz que tem a ver com a ganância e com o lucro das empresas que gerem a rede. 

Os partidos da oposição aplaudiram a iniciativa governativa, o próprio chefe do PS apressou-se a declarar que se a REN fosse do estado o apagão aconteceria na mesma, o que é bastante elucidativo quanto às diferenças que separam estes dois figurões. Em Espanha, Pedro Sanchez garantiu que episódio apagativo “não vai passar sem apuramento de responsabilidades”. E Bruxelas, pela voz do comissário da Energia, vai auxiliar os países ibéricos na investigação e Espanha terá três meses para reportar a Bruxelas a causa do apagão. No entanto, ainda não se conhece a causa “específica” do incidente, nem saberemos se alguma vez será conhecida, os governos dos dois países e Bruxelas irão dar apagão a este assunto, os lóbis é que ditam as leis.

Apagão em vésperas do 1º de Maio, uma estranha coincidência

É curioso notar que este apagão aconteceu três dias depois da data de 25 de Abril e três dias antes do 1º de Maio, dia de LUTA INTERNACIONALISTA dos trabalhadores de todo o mundo. Razão para muitas teorias da conspiração, mas a verdade é que quem está sob ataque são os assalariados e outros trabalhadores, que são precisamente aqueles que mais sofrem na pele os ataques da classe dos exploradores e de todos os males do seu sistema económico. Não querendo entrar pelo campo da especulação conspirativa, reconhecemos, no entanto, que este apagão e os que venham aconteceram poderão ser um teste por parte do poder globalista sobre o cidadão. Atemorizar para controlar, e viu-se pelos menos parte da população na corrida desenfreada e irracional por comida e por dinheiro.

Provou-se que, sem as redes a funcionar, sem electricidade, o cidadão fica como que desorientado, fica isolado e desarmado, que a ausência de dinheiro físico o pode conduzir à penúria e à fome. A manipulação pela rede pode ser uma arma, por exemplo, para o controlo da natalidade e redução da população, que alguns teóricos do globalismo (o outro nome do imperialismo) consideram que deve diminuir dos actuais 8 mil milhões de indivíduos para pouco mais de mil milhões, porque, no seu entender, muitos dos problemas que a humanidade enfrenta são devidos ao excesso de população e à insuficiência de recursos, escondendo que o problema está no capitalismo e que matar a fome ou resolver problemas de habitação ou de saúde a toda a gente não dá lucro.

No 1º de Maio não é apenas a luta por melhores condições de vida que está presente, mas, fundamentalmente, a luta pelo fim do capitalismo, o principal e único fautor do desemprego, da miséria e da guerra, para mais quando estamos perante a iminência de uma terceira guerra mundial. Os trabalhadores, os povos e todos os explorados do mundo terão de dar o apagão ao capitalismo – por uma terra sem amos!

Consultas:

- 13 de Dezembro de 1991: a sexta-feira negra da EDP.

- António Mexia e João Manso Neto acusados de corrupção.

- SIRESP, a história de uma parceria público-privada que custou mais do que parece merecer.