sábado, 30 de agosto de 2025

"O sionismo judaico tem a tragédia de reproduzir o pior do sionismo cristão"

Rodrigo Karmy Bolton

O professor da Universidade do Chile destaca como a Nakba, que os palestinianos sofrem desde 1948, é um padrão que se espalha pelo mundo. Um prenúncio do colapso da ordem internacional. Doutorado em filosofia, professor e investigador na Universidade do Chile, Rodrigo Karmy Bolton acaba de publicar uma série de ensaios sobre aquilo que define como "a Nakba do mundo". Sob o título Palestina Sitiada, analisa o que considera ser uma experiência imperialista em curso naquela região do Médio Oriente, mas com alcance global. Ele discutiu isso nesta conversa por Zoom com a Tiempo. (Alberto López Girondo)

–O seu argumento é que há uma espécie de Nakba eterna em curso, com focos de pobreza, de pessoas excluídas nas cidades, perseguidas e exterminadas, como os palestinianos desde 1948.

– A questão seria pensar na Palestina não como um caso isolado dos acontecimentos que se desenrolam no planeta, mas como o caso mais extremo, que, como tal, constitui uma espécie de cadinho a partir do qual podemos compreender o que se passa noutros lugares, a nível tecnológico ou político. A Nakba não é apenas o termo para designar a Catástrofe Palestiniana, mas também a catástrofe que na Palestina encontra um momento de maior intensidade.

–Seria um laboratório para o resto do mundo?

– Sim, entendendo que naquele laboratório a lógica aplicada noutros locais é intensificada. A diferença entre a Palestina e nós é apenas de grau, não de natureza. O que significa que as nossas cidades podem tornar-se Gaza a qualquer momento e por qualquer motivo.

–O objectivo, que o gabinete de Netanyahu já não esconde, é expulsar a população indígena ou simplesmente exterminá-la.

O projeto sionista, politicamente cristalizado pelo Estado de Israel desde 1948, sempre teve este objetivo; não é apenas um problema para o primeiro-ministro. Netanyahu é, pelo contrário, um sintoma de toda esta história que Israel está a construir a nível colonial e que estamos a assistir a uma tentativa de completar. Netanyahu não quer fazer concessões. Vimos, nestes dois anos de genocídio, que foi Netanyahu quem impediu a possibilidade de um cessar-fogo, e nem sequer um acordo de paz.

Netanyahu disse recentemente que cumpriu a sua promessa de impedir o estabelecimento de um Estado palestiniano, "como exigido por vários governos dos EUA". O Ministro Bezalel Smotrich acrescentou que cada novo colonato, cada bairro, cada casa construída na Cisjordânia "é mais um prego no caixão desta ideia perigosa".

– Israel nasceu com a ideia de Eretz Israel, o Grande Israel, que Netanyahu está a tentar consumar. A minha interpretação é que a Nakba não é uma exceção na história de Israel, mas sim o seu elemento mais rico. Israel está a tentar expulsar a população nativa e despojá-la completamente do seu mundo. Essa é a questão subjacente.

– O que estava a acontecer no mundo para que este projeto se tornasse agora tão flagrante? Não têm qualquer problema em dizê-lo, e também recebem apoio dos governos da Europa e dos Estados Unidos.

– É uma questão a responder a, pelo menos, três níveis. O primeiro é que Israel foi fundado sobre a transgressão do direito internacional. Em 1947, as Nações Unidas propuseram a criação de dois Estados, sendo 51% correspondentes ao Estado sionista e 48% ao Estado palestiniano, o que era já uma solução colonial idealizada pela Grã-Bretanha. Neste contexto, ocorreu uma espécie de israelização do mundo global, em que o direito internacional e a ordem internacional que emergiram desde a Segunda Guerra Mundial ruíram completamente, restando-nos apenas o reinado da força. Como chegamos a este ponto? A ordem liberal foi destruída pelos mesmos que afirmam defendê-la: Israel e os Estados Unidos. Segundo nível: este processo só pode ocorrer quando aquilo a que chamamos sionismo não é uma questão exclusiva do Estado de Israel. Existe um sionismo cristão que tem funcionado como o grande palco ideológico da empresa imperial desde o século XVIII, inicialmente pela Grã-Bretanha e, mais tarde, pelos Estados Unidos e pela Europa, até aos dias de hoje. O ideólogo sionista é comum aos Estados Unidos, à Alemanha, à França, à Grã-Bretanha e, claro, ao Estado de Israel. Poderíamos dizer, com Samir Amin, que se trata de um imperialismo colectivo, um sionismo colectivo, que rompeu sistematicamente a ordem liberal em virtude das suas próprias aspirações imperiais, das suas próprias formas de acumulação de capital.

–O que seria o sionismo cristão?

O sionismo cristão, sobre o qual está a aprender com Milei, é mais antigo do que o sionismo judaico; é o fundamento ideológico fundamental em que se baseia. Portanto, o sionismo judaico tem a tragédia de reproduzir o pior do sionismo cristão, que é a sua vocação imperial e a sua apropriação colonial e anexação de terras. Para concluir este terceiro ponto, digamos que a administração Trump está a fazer a mesma coisa que Netanyahu. O primeiro-ministro está a seguir uma política de anexacionismo, a que chamo "anexação". Trump diz: "Vamos anexar a Gronelândia". O paradigma da política reaccionária do nosso tempo é a política anexionista por excelência.

Três questões me vêm à mente. Em primeiro lugar, como surgiu o sionismo cristão? Em segundo lugar, atribui o desaparecimento da ordem fundada após a Segunda Guerra Mundial ao sionismo. Outra interpretação sugeriria que este momento ocorreu quando Vladimir Putin ordenou a Operação Militar Especial na Ucrânia. Por outro lado, muitos classificariam também a política de Putin como anexionista.

– Quanto ao primeiro ponto: o sionismo cristão não tem um autor específico, mas antes um conjunto de articulações imperiais que se desenvolveram desde o final do século XVIII até à primeira metade do século XIX e que moldam o imaginário imperial britânico. Há um grupo de evangélicos muito importantes na Grã-Bretanha que olham para o imperialismo espanhol, por um lado, e para o imperialismo francês, por outro, e dizem: "Estes são dois projectos anticristãos". O católico é anticristão porque tem como garantia institucional a Igreja Católica, e o francês é secularista, liderado por Napoleão. Estes evangélicos dizem: "Devemos ter um projecto para a segunda vinda de Cristo. Tal como os católicos perseguiram os judeus e os franceses se esqueceram de Cristo, devemos regressar ao povo judeu; devemos ser filosemitas", como se auto-intitulavam, "para restaurar os judeus à sua terra prometida, a Palestina". Na perspectiva do sionismo cristão, isto implicaria a consumação do domínio de Cristo a nível planetário e, portanto, a conversão dos judeus na Palestina ao cristianismo. Este discurso, que consideramos insano, é, na verdade, pura geopolítica num discurso teológico-político. O que significa é: "A Grã-Bretanha, uma vez que coloque os judeus na Palestina, triunfará na dominação do capital transnacional". Cristo é o capital transnacional; Cristo dominará todo o planeta. Este sionismo cristão tem uma ramificação em direção ao sionismo judaico, que interpreta uma burguesia, uma pequena burguesia austríaca e judaica britânica, enquanto começava a moldar o movimento colonial sionista na segunda metade do século XIX. O sionismo cristão emergiu desta conjuntura imperial num processo de pelo menos dois séculos, durante o qual se formou o sionismo judaico. Ambos são empreendimentos coloniais que visam dominar o Médio Oriente e têm a Palestina como sustentáculo. Este foi canalizado em 1917 com a entrada das tropas britânicas.

–Isso implica que o imperialismo anglo-americano é na realidade um imperialismo cristão-sionista?

– Sim, o imperialismo anglo-americano é um imperialismo anglo-sionista. É o herdeiro do imperialismo hispano-português do século XVI, do imperialismo franco-britânico dos séculos XVII e XVIII, e é uma fase final do imperialismo, a do capital fóssil: o petróleo, os hidrocarbonetos. Quanto à questão sobre Putin, penso que estamos a assistir a um momento de colapso deste imperialismo devido ao renascimento não só da Rússia como actor internacional, com o seu próprio aparelho ideológico muito significativo, mas também da China. Isto está a destruir completamente o poder hegemónico a que estávamos habituados na década de 1990. É por isso que penso que se pode estabelecer uma ligação entre o actual genocídio na Palestina e a guerra na Ucrânia.

–Em que sentido?

– O que liga os dois é o capital do gás, o capital dos hidrocarbonetos. O projecto israelita sempre foi dominar toda a Palestina histórica, mas nos últimos anos foi descoberto um campo de gás na costa de Gaza, e é por isso que uso sempre o termo "Gaza". Israel quer tornar-se o substituto da Rússia no fornecimento de gás à Europa. Os Estados Unidos querem impedir a Europa de receber gás da Rússia porque foi vendido a preços muito baixos, e isso criaria uma fractura geopolítica para o domínio americano sobre o continente. Obrigou a Europa a comprar-lhes gás e obrigá-la-á a comprar a Israel se Israel avançar com este projecto. É isso que está aqui em causa.

–Qual o papel da Rússia?

A Rússia de Putin está a produzir uma revolução, embora num sentido diferente do da Rússia Soviética. É uma revolução que visa a descolonização monetária e a reafirmação do carácter nacional da Rússia. De certa forma, está também a impulsionar uma revolução descolonial relativamente à sua soberania monetária, juntamente com a China, enquanto os Estados Unidos e o Império Anglo-Imperial estão em declínio fatal. O que Israel está a viver foi caracterizado pelo historiador israelita Ilan Pappé como um processo de colapso. Para mim, este colapso não é exclusivo de Israel, mas do imperialismo anglo-atlântico, ou sionismo cristão.

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quarta-feira, 20 de agosto de 2025

A política de terra queimada

O país está a arder há cerca de um mês de forma ininterrupta, com os incêndios a alastrarem de concelho para concelho, atingindo profundamente as regiões norte e centro do interior, abandonadas e desprezadas pelos governos, numa estratégia deliberada de transformação da agricultura e agora da floresta em termos de industrialização capitalista. Enquanto o país profundo é destruído pelas chamas, o governo, Montenegro e Marcelo passam o tempo em remansosas férias como nada se passasse e só quando morre um elemento do povo no ataque ao fogo que o chefe do governo despertou para a realidade, interrompendo o descanso. E em aberta manobra oportunista, sentindo talvez a consciência pesada, aparece no funeral do bombeiro, o segundo cidadão a morrer nesta tragédia anualmente repetida, tendo recebido a reacção de uma cidadã destemida que lhe gritou que ali, na Covilhã, não era bem-vindo ("O sr. não é bem vindo nesta cidade!!!"). Na sombra de Montenegro, Marcelo vai a funerais e envia os seus hipócritas pêsames e, ambiguamente, não se sabendo se a desculpar ou a denegrir, pede alguma benevolência para a presumível falta de experiência da ministra da Administração Interna, que, e ao contrário do que aconteceu com a sua antecessora em 2017, ainda não foi demitida. Por bem menos, Marcelo demitiu o governo PS/Costa, mais razão tem para repudiar este governo, que deve ser demitido pelo futuro PR, já que a lei não permite que este o faça por se encontrar em fim de mandato. Fica-se com a sensação que estamos perante mais uma estratégia deliberada do que a uma falta de competência governativa.

O desprezo pelo povo é marca do governo

As populações afectadas pelos incêndios, com tudo destruído, casa, produções agrícolas e animais, fruto de uma vida de trabalho, encontram-se completamente abandonadas. Reclamam mais meios para combater os incêndios, com dias e dias e até semanas de desespero e cansaço, o primeiro ministro vem, com a lata de que sempre desprezou quem trabalha, falar que "estamos todos muito esgotados, são dias e dias de sofrimento" e que terão sido dias "como não há registo". Entretanto, a ministra que não se demite recusa responder a perguntas em conferência de imprensa, declarando arrogantemente “vamos embora”, ao mesmo tempo que vira as costas a jornalistas e a todos que assistiam à intervenção televisiva. Esta é a postura típica de quem nunca se preocupou com os problemas e o sentir do povo português e cuja missão se centra mais em responder aos interesses e exigências das elites e de quem em Bruxelas traça as directivas que o governo terá de seguir.

Enquanto Portugal se apresenta como o país da União Europeia com maior percentagem de território ardido, indo já em 222 mil hectares perdidos pelos incêndios, valor que ultrapassará rapidamente o registado em 2017, o ano dos grandes fogos de Pedrógão Grande, e que fez correr e saltar Marcelo no ataque ao governo de Costa/PS, ao contrário do que agora sucede, os patrões nacionais exigem discutir o Orçamento do Estado para 2026 com o ministro das Finanças. Reivindicam o pagamento de menos impostos, benefícios fiscais na generalidade, facilidades para despedimentos; e o governo dá à Volkswagen/AutoEuropa 30 milhões de euros como “incentivo” pela produção de carro eléctrico em 2027. Estes dinheiros poderiam ser investidos com melhor proveito na reflorestação do país em espécies resistentes ao fogo e no apoio aos pequenos agricultores e produtores florestais.

Portugal assiste de forma passiva e impotente à morte de bombeiros e de simples cidadãos; este ano, infelizmente, já vamos em três mortes, um ferido grave e mais de uma dezena de feridos. Tal é a negligência das autoridades e descontrolo da gestão do combate que o carro de bombeiros que capotou no combate ao fogo e esteve uma hora e 20 minutos à espera de socorro. É previsível que venham a ocorrer mais acidentes e mais vítimas, na continuação da série funesta de 257 bombeiros que morreram em serviço nos últimos 45 anos. O ano mais trágico foi 1985, quando 19 operacionais morreram durante o combate a um incêndio florestal. Esta política de depredação do factor humano generaliza-se pela sociedade, com grávidas a darem á luz em ambulâncias ou simplesmente à beira da estrada, graças á política de encerramento das urgências e dos próprios serviços de obstetrícia e ginecologia no SNS, para benefício do negócio privado da saúde, na realidade, da doença.

O país transformado em imensa fogueira

O incêndio que começou no Piódão, concelho de Arganil, que lavra desde o dia 13, continua ativo, com os eucaliptos e pinheiros bravos como combustível inesgotável, será "muito provavelmente" o maior de sempre em Portugal, com uma área ardida de mais de 60 mil hectares. Para além de Arganil, Sabugal, Mirandela, Montalegre e Carrazeda de Ansiães, mobilizam cerca de 3000 operacionais. E em um só dia, a proteção civil registou 59 novos focos de incêndio, com cinco fogos mais preocupantes. O fogo está descontrolado e teve que ser o povo, perante o desprezo do governo e restantes autoridades, a arregaçar as mangas e ser ele próprio a dar combate às chamas: "Começámos a fazer turnos", os “populares foram os bombeiros em Moimenta da Beira”. “Estamos há uma semana e meia sem dormir”, desabafam na Pampilhosa da Serra onde o fogo ameaça aldeias. E vem o presidente da Turismo Centro de Portugal perorar que os “incêndios estão a ter um impacto muito grande no turismo da região...”. Lá se vai a galinha de ovos de oiro da economia nacional, como ficam as populações, isso pouco interessa, o turismo é mais importante.

Ardem casas de primeira e segunda habitação, queimam armazéns e anexos, são cremados animais e colheitas, «dói o coração aos produtores de castanha: “Já só resta esperança, tudo o resto morreu”», em «Cedovim não arderam só a capela e os andores: o sr. Ilídio perdeu o trabalho de uma vida», ao que parece Deus abandonou os seus crentes deixando que um lugar onde lhe prestam o culto tenha sido também devorado pelas chamas. Tudo está descontrolado, o fogo, a divindade e a dita “protecção civil” que é quem ordena para onde vão os bombeiros e se devem ou não usar os meios de combate, é o que a população denuncia, muitas das vezes nem os bombeiros aparecem. Os próprios “bombeiros denunciam falhas graves na coordenação dos incêndios”. Entretanto o SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança) apresenta falhas, tendo o governo de Montenegro prolongado até 30 de Novembro o prazo para a remodelação do referido sistema, que, relembremos, ficou em cerca de 700 milhões de euros. Para aqui há dinheiro que nunca mais acaba.

A região interior do distrito de Coimbra foi e continua a ser uma das mais afectadas pelos fogos, ainda bem nos lembramos do grande incêndio que rodeou a cidade de Coimbra aqui há alguns anos, agora é Arganil, onde uma família enfrentou o fogo com baldes de água, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, onde as autoridades obrigaram á evacuação da aldeia de Covanca, e é a Serra da Lousã, com 13 aldeias evacuadas e com os moradores a lutarem para salvar as suas casas e a soltarem os veados para fugirem ao fogo. No entanto, em Mirandela, os idosos do lar da dita “Santa Casa da Misericórdia” não tiveram a mesma sorte dos veados da Serra da Lousã, foram deixados às chamas, desta vez com origem no interior do lar. A falta de condições de segurança, vigilância e alerta e meios de salvamento fez com que dos 89 idosos residentes tenham morrido seis e outros 25 tenham ficado feridos, cinco deles com gravidade. As elites desprezam os idosos, a dita “peste grisalha”, um encargo para a economia, segundo a Lagarde do BCE e do FMI e a ex-ministra do PSD Ferreira Leite, mas uma fonte de rendimento para a Igreja Católica. 

O «incêndio no Sabugal deixa um ferido em estado grave: tem “uma queimadura extensa” e está a ser avaliado no Hospital de São João». Na Pampilhosa da Serra: “Ardeu tudo em volta das casas, uma verdadeira noite de terror” e “no olho do furacão”! Populares e bombeiros combatem lado a lado o inferno das chamas na Pampilhosa da Serra. E «imigrantes, alimentaram bombeiros e apagaram chamas: “Só queremos retribuir”: no seu restaurante, Ganga Singh já ofereceu centenas de refeições, confessa ter sido bem recebido, com exceção de um "membro do Chega" local que já lhe terá apontado uma faca». O povo português os trabalhadores imigrantes não olham para as diferenças de cultura ou nacionalidade, interagem em espírito de solidariedade. Por outro lado, dois agentes da PSP são acusados de matar à pancada imigrante marroquino suspeito de ter provocado “distúrbios” ao furtar comida para matar a fome numa superfície comercial em Olhão. Como nem todos os imigrantes são iguais, o candidato Moedas à câmara municipal de Lisboa, para além de incluir na lista à assembleia municipal uma retinta agente da Mossad, anda de braço dado com o neo-nazi, líder da comunidade de imigrantes ucranianos que fugiram à guerra na Ucrânia, que aqui se encontram a expensas dos fundos europeus e que são pagos pelo povo português.

A política de não combate eficaz aos incêndios florestais é mais do que negligente, é intencional. O objectivo do governo PSD/Montenegro é seguir as instruções de Bruxelas quanto à destruição da pequena economia agrícola em beneficio do agro-negócio do eucalipto e da transição energética, fotovoltaicas e eólicas, no interior montanhoso do país, mas que já se observam na periferia norte da cidade de Coimbra, na saída para a A1. É transformar o país numa imensa mina a céu aberto para exploração do lítio e outros metais no interesse do grande capital estrangeiro. A norte ficam as minas e os eucaliptos, ao centro continuam os eucaliptos e as fotovoltaicas, e a sul as mesmas fotovoltaicas, onde precisamente há mais dias de sol, e a agricultura intensiva espoliadora de água. A população que emigre e não tenha filhos - a extinção de Portugal programada.

Família de aldeia em Arganil impossibilitada de sair de casa enfrentou incêndio com baldes de água (Lusa, 13 de Agosto)

Um governo corrupto e fascista deve ser demitido

Uma política de negócios na lógica e no interesse dos bancos, com lucros sempre a crescer, tendo os cinco maiores bancos em Portugal registado lucros de 2,6 mil milhões até Junho deste ano. Os acionistas das celuloses deverão continuar a enriquecer, bem como os proprietários da empresas que alugam os meios aéreos, que o governo nega a adquirir, para proveito de um João Maria Bravo, da empresa Helibravo, suspeito do cartel dos helicópteros e um dos principais financiadores do partido da extrema-direita, ou do cunhado do ministro Amaro que adquiriu a empresa Gesticopter Operation Unipessoal cerca de dois meses antes do familiar ter tomado posse como governante, tendo logo firmado com a Força Aérea um contrato de 20 milhões euros por ajuste directo. A corrupção é uma componente sempre presente nestes negócios, as comissões deverão ser fabulosas. 

Não há dinheiro para a compra de meios aéreos que tanta falta fazem, a própria ministra ainda antes da série interminável de incêndios ter começado foi peremptória: seriam “irrelevantes”. Agora, a ministra do Trabalho defende que "nem todas as pessoas querem ter um contrato de trabalho sem termo", até gostam de ser precárias, receberam salários miseráveis, e o governo de que faz parte aposta fortemente num “Código do Trabalho mais ágil para uma economia mais forte”, isto é, proceder a uma transferência inaudita de riqueza do trabalho para o capital. Não há dinheiro para adquirir ambulâncias ou para investir no SNS mas haverá para a guerra e para dar apoio ao conflito da Ucrânia, tendo o governo português já feito o pedido, não sabemos ainda em quantos milhões ou milhares de milhões de euros, ao Mecanismo de Assistência à Segurança para a Europa, o que fará disparar a dívida pública para níveis jamais atingidos, pior do que no tempo da troika. Esta é também uma política de terra queimada, onde o povo servirá de lenha para queimar. 

Estas serão razões mais que suficiente para que as forças democráticas do país, desde os trabalhadores, passando pelos partidos que se dizem de "esquerda", às populações afectadas pelos incêndios, exijam a demissão imediata do governo cada vez mais da extrema-direita PSD/Montenegro/Chega. Marcelo não atenderá à demanda, invocará razões de prazos, na medida em que as eleições presidenciais serão em Janeiro próximo, então, a rua será a única alternativa. Então, veremos da bazófia de Montenegro que, perante as críticas à sua passividade criminosa quanto ao combate aos fogos, diz estar pronto para o escrutínio. A fanfarronice esconde sempre a mais abjecta cobardia. 

Imagem: Luís Montenegro goza férias em agosto, com a Festa do Pontal pelo meio (JN)

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Como o paradoxo da "difamação de sangue" mantém o Ocidente em silêncio sobre o genocídio de Israel

Jonathan Cook 

Quanto mais depravadas forem as ações de Israel, mais antissemita é apontar a verdade. A realidade dolorosa é que, através de Israel, o Ocidente pode disfarçar o colonialismo estereotipado como um projecto "judaico".

Existe um paradoxo perigoso que ajuda a dissuadir as pessoas, especialmente as figuras públicas, de se manifestarem, mesmo com o genocídio israelita em Gaza a tornar-se mais terrível a cada dia que passa. Chamemos-lhe o paradoxo do "libelo de sangue".

Funciona assim. Na Idade Média, os judeus eram acusados de assassinar não judeus, especialmente crianças, para utilizarem o seu sangue na realização de rituais religiosos. Cada vez que um judeu é acusado de assassinar um não judeu, segundo a teoria, isso coloca os judeus em perigo, alimentando o mesmo tipo de anti-semitismo que levou às câmaras de gás de Auschwitz.

As pessoas responsáveis, ou pelo menos aquelas com uma reputação a proteger, evitam, portanto, fazer quaisquer declarações que possam contribuir para a impressão de que os judeus — ou, neste caso, os soldados do Estado judaico de Israel — estão a matar não judeus.

Se tais críticas forem feitas, devem ser cuidadosamente formuladas pelos políticos ocidentais, pelos meios de comunicação social e por figuras públicas, numa linguagem que faça com que o assassinato de não judeus — neste caso, palestinianos muçulmanos e cristãos — pareça razoável.

Israel está simplesmente a “defender-se” matando e mutilando centenas de milhares de civis em Gaza após o ataque de um dia do Hamas, a 7 de Outubro de 2023.

As massas de inocentes mortos no enclave são apenas o infeliz preço pago para garantir o "regresso dos reféns israelitas" mantidos pelo Hamas.

A fome activa de Israel nas crianças de Gaza, que dura há meses, é uma "crise humanitária", não um crime contra a humanidade.

Qualquer pessoa que discorde desta narrativa é denunciada como anti-semita, sejam milhões de pessoas comuns; todas as organizações de direitos humanos respeitadas no mundo, incluindo o grupo israelita B'Tselem; a Organização Mundial de Saúde; o Tribunal Penal Internacional; estudiosos do genocídio como Omer Bartov, ele próprio um israelita; e assim por diante.

É o ciclo perfeito e auto-reforçador, totalmente divorciado da realidade que nos é transmitida em direto diariamente.

Ajudar armadilhas mortais

As consequências ultrajantes do paradoxo do “libelo de sangue” foram destacadas um ano após o genocídio de Israel em Gaza pelo escritor judeu Howard Jacobson.

Escrevendo no jornal Observer, acusou os meios de comunicação ocidentais de "libelo de sangue" por noticiarem o facto de as crianças estarem a morrer em grande número em Gaza — embora esses mesmos meios de comunicação se tivessem esforçado por minimizar o número de mortes; questionasse implicitamente a sua veracidade ao atribuir o número ao "Ministério da Saúde de Gaza gerido pelo Hamas"; e racionalizasse constantemente os assassinatos como parte das operações militares israelitas para "derrotar o Hamas".

Jacobson, assim como outros fervorosos defensores do genocídio, queria mais. Exigiu que os media desviassem completamente os olhos do massacre.

Desde então, os crimes de Israel contra o povo de Gaza tornaram-se cada vez mais chocantes, por mais difícil que fosse imaginar isso há quase um ano.

Israel impediu que os alimentos chegassem a Gaza, exceto através de uma força mercenária que criou com os EUA, erradamente chamada de “Fundação Humanitária de Gaza”.

Link do vídeo

A sua função, como nos disseram soldados israelitas denunciantes, é atrair os mais capazes entre as massas famintas – principalmente jovens palestinianos – para armadilhas mortais com a promessa de comida. Uma vez lá, Israel realiza aquilo a que os Médicos Sem Fronteiras chamam " assassinato orquestrado ", disparando sobre eles.

Israel armou e contratou como capangas em Gaza um gangue criminoso sob a liderança de Yasser Abu Shabab, apoiante do ISIS. A sua função tem sido saquear camiões de ajuda humanitária que tentam operar fora da estrutura do GHF e roubar ajuda à população, semeando ainda mais terror e caos e permitindo a Israel culpar o Hamas pela fome em Gaza.

Os israelitas de extrema-direita — ou seja, as pessoas que elegeram o governo de Netanyahu — foram filmados a parar camiões de ajuda humanitária que tentavam transportar da Jordânia alimentos que deveriam chegar à população de Gaza, mesmo com crianças a morrerem regularmente de subnutrição.

E eminentes médicos ocidentais como Nick Maynard estão a regressar de Gaza com as mesmas histórias de horror: veem soldados israelitas a usar crianças palestinianas como alvo de tiro. Num dia, os ferimentos de bala nas crianças que chegam ao hospital concentram-se na cabeça. No dia seguinte, ao peito. No dia seguinte, no abdómen. No dia seguinte, nos genitais.

Link do vídeo

O paradoxo do “libelo de sangue” significa que Israel pode agir com uma depravação cada vez mais descarada – do tipo acima documentado – e os líderes e os meios de comunicação ocidentais continuam a ignorar, minimizar ou racionalizar estes horrores.

É o melhor cartão para “sair da prisão”.

Falsa 'névoa de guerra'

Há vários pontos a levantar sobre o porquê de esta ser uma resposta tão perigosa ao genocídio de Gaza — mas um, igualmente, é muito útil para as capitais ocidentais.

Primeiro, e mais óbvio. Israel não é "os judeus". É um Estado. Não só, mas foi fundado como um tipo muito específico de Estado: um que é o último exemplo de uma longa e muito ignóbil tradição de colonialismo de povoamento patrocinado pelo Ocidente.

O colonialismo de povoamento procura substituir uma população nativa por imigrantes de ascendência ocidental através de uma violência extrema de base étnica. Pense nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália e na África do Sul. Todos cometeram crimes hediondos contra as suas populações indígenas.

O genocídio dos palestinianos por Israel não é invulgar. É a consequência lógica e bastante familiar de uma ideologia racista de substituição colonial. Já passámos por isso muitas vezes na história moderna. Se não se tratava de um libelo de sangue nos casos anteriores – mas antes de um facto histórico estabelecido – porque é que o genocídio de Israel deveria ser encarado de forma diferente?

Em segundo lugar, este genocídio não é de Israel. É do Ocidente. Trata-se de uma coprodução totalmente ocidental. Israel não teria sido responsável pela destruição de Gaza, pelo massacre em massa e pela fome da população, sem a assistência ocidental em cada passo do caminho.

Foram as bombas americanas e alemãs lançadas sobre Gaza. Foram os voos espiões britânicos sobre Gaza, a partir da base da RAF em Akrotiri, no Chipre, que forneceram informações a Israel. Foram as capitais ocidentais que reprimiram os protestos e transformaram em crime terrorista a tentativa de impedir o genocídio.

São os EUA e o Reino Unido que têm vindo a aplicar sanções e a ameaçar o Tribunal Penal Internacional para o obrigar a reverter a sua decisão de pedir a prisão de Netanyahu por matar à fome a população de Gaza. São as capitais ocidentais que se mantêm em silêncio enquanto os seus cidadãos são feitos reféns por Israel ilegalmente em águas internacionais por tentarem levar ajuda a Gaza.

E foi a comunicação social ocidental que primeiro aceitou de forma pouco convincente a exclusão de Gaza por Israel, depois mal noticiou o assassinato em massa sem precedentes de jornalistas locais de Gaza por Israel, e agora recruta avidamente a sua exclusão como desculpa para não analisar as acções de Israel no meio de uma suposta "névoa de guerra".

Se constatar que está a ocorrer um genocídio em Gaza equivale a um "libelo de sangue", então todos os governos ocidentais estão implicados nesse libelo. Será que vão ficar todos impunes? Esperam muito que pense assim.

Apólice de seguro

E em terceiro lugar, seria espantoso se Israel não estivesse a cometer um genocídio em Gaza, dado que todos os seus crimes contra os palestinianos foram apoiados década após década pelo Ocidente. Israel fortaleceu-se. O paradoxo do "libelo de sangue" tem sido a sua apólice de seguro contra o escrutínio e as críticas.

O Ocidente deu a Israel uma licença permanente para brutalizar os palestinianos, praticar a limpeza étnica, roubar-lhes as terras e matá-los. Quanto pior se comporta, mais o "libelo de sangue" se intensifica para calar as críticas. Quanto mais depravadas são as ações de Israel, mais antissemita se torna a tentativa de apontar a verdade.

Há mais de um século que gerações e gerações de líderes ocidentais apoiam Israel com unhas e dentes. Porque é que Israel não concluiria que não há limites, que pode fazer o que bem entender e que o Ocidente ainda o vai armar e justificar os seus crimes como "defesa" e "combate ao terrorismo"?

O "libelo de sangue" não protege os judeus de outro genocídio. Permite a Israel destruir o povo palestiniano e bombardear brutalmente os seus vizinhos, com total impunidade, enquanto os líderes ocidentais permanecem em silêncio, como nunca fariam se a Rússia, a China ou o Irão cometessem atrocidades muito menos flagrantes.

O que, claro, é exatamente o que incentiva o antissemitismo. Completamente perplexos com esta situação, alguns observadores são levados a imaginar que a única razão possível é que Israel controla o Ocidente; que tem poderes especiais e invisíveis para intimidar os EUA, o Estado mais forte e militarizado da história; e que, por detrás de tudo isto, os judeus e o dinheiro judeu são o que movimenta as capitais ocidentais.

Esta suposição é uma fuga a uma realidade muito mais difícil e dolorosa: a de que Israel é o filho bastardo do Ocidente. Não é nada de excepcional ou extraordinário. É o racismo branco, ocidental, colonial e genocida, reembalado como um projeto supostamente "judaico".

Israel pode cometer os seus crimes promovendo o controlo ocidental sobre o Médio Oriente, rico em petróleo, e o Ocidente sabe que qualquer crítica ao seu controlo imperial e pilhagem pode ser descartada como anti-semitismo.

É um ganho para todos para o colonialismo. É uma perda para a nossa humanidade.

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